UM NOVO OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA: CONTEXTUALIZAÇÃO, IMPLICAÇÕES E PERSPECTIVAS DA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS1 Juliana Cristina Ruaro2 Ana Marieli dos Santos3 Introdução A proposta deste texto é apresentar reflexões sobre a importância da construção de práticas educacionais inclusivas no contexto escolar e no contexto formativo de professores. Considerando, que o processo de construção de uma sociedade inclusiva exige a conjugação de políticas curriculares, políticas de formação de professores e investimentos substanciais em educação que realmente provoquem mudanças na cultura pedagógica inclusiva. O objetivo é compreender as implicações e perspectivas da inclusão de crianças com necessidades educativas especiais na trajetória histórica da legislação. Neste contexto, nos propomos a analisar alguns documentos que evidenciam a temática em debate. Dentre os documentos, podemos citar: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Jomtien, 1990) e a Declaração de Salamanca (Espanha, 1994). Concomitantemente, analisamos os dispositivos referentes à educação especial nas leis n° 4.024/61 e n° 5.692/71 e na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 9.394/96, que aponta ações mais ligadas aos sistemas de ensino regular e indica algumas implicações e perspectivas sobre essa discussão. 1 Este artigo é resultado de discussões e aprofundamentos teóricos acerca do tema “Educação Especial e Educação Inclusiva” desenvolvido na disciplina de Fundamentos da Educação Especial e Inclusiva II, no curso de graduação em Pedagogia, sob orientação da professora Karin Cozer Campos. 2 Estudante do 4º ano do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Campus de Francisco Beltrão/PR. Bolsista de Graduação pelo Programa Universidade sem Fronteiras – SETI, membro do Grupo de Estudos Etno-Culturais. E-mail: [email protected] 3 Estudante do 4º ano do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Campus de Francisco Beltrão/PR. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/Fundação Araucária - membro do Grupo de Estudos RETLEE. E-mail: [email protected] No segundo momento, apresentamos aspectos relacionados à prática pedagógica de educação inclusiva desenvolvida com crianças de uma escola da rede pública de ensino da cidade de Francisco Beltrão/PR, vivenciados no momento da realização do Estágio Supervisionado IV, curso de graduação em Pedagogia, com alguns questionamentos pertinentes para a discussão: É possível diferenciar Educação Especial de Educação Inclusiva? Como vem ocorrendo o processo de inclusão na escola, principalmente com as crianças nos anos iniciais do ensino fundamental? Quais são os desafios para a formação de professores tendo em vista a importância da educação inclusiva? Apresentamos tais questões, mas, sem a intenção de esgotá-las, dado o âmbito do texto. Educação especial e educação inclusiva: conceitos e definições Atualmente inúmeros estudos e debates sobre a temática vêm sendo desenvolvidos. Isso se dá pela importância atribuída ao tema após vários anos de silêncio e discriminação com relação às pessoas com necessidades especiais. A história nos evidencia que pessoas com deficiências mentais, entre outras, eram consideradas como castigo de Deus, sinônimo do pecado e permaneciam trancafiadas por seus familiares nas casas e porões para que a sociedade não soubesse que naquela família se pagava um preço alto pelo “pecado de alguém”. Felizmente, com o passar do tempo, com os avanços e estudos da ciência, foi possível acabar com esse mito e agora o que se busca é a inclusão dessas pessoas na sociedade. Debater sobre essa temática é tarefa complexa, porém, necessária. Para tanto, é de extrema importância esclarecemos que Educação Especial e Educação Inclusiva são denominações conceitualmente diferentes, mas utilizadas para designar aspectos ao mesmo tempo interligados. Tendo em vista a complexidade da questão, e com o objetivo de nos aprofundarmos no assunto, elencamos os estudos de Delou (2008) como base para ressaltar cada um dos aspectos explícitos na definição do conceito de Educação Especial e Educação Inclusiva. Conforme os estudos da autora os termos Educação Especial e Educação Inclusiva são denominações conceitualmente diferentes. A Educação Especial é caracterizada como uma modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. A Educação inclusiva se caracteriza como uma política de justiça social que alcança 2 alunos com necessidades educacionais especiais, ou uma prática inovadora que enfatiza a qualidade de ensino para todos os alunos, mas, se tratando de prática pedagógica ambas se articulam. Conforme a autora o conceito de Educação especial, segundo LDB 9.394/96 aborda três aspectos: é uma modalidade de educação escolar; é oferecida preferencialmente, na rede regular de ensino; e para educandos com necessidades especiais. Enquanto modalidade de educação escolar, a Educação Especial é compreendida como uma educação que se efetiva dentro da instituição escolar e perpassa todos os níveis de ensino, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Ela é considerada “um conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio que estejam à disposição de todos os alunos, oferecendo diferentes alternativas de atendimentos” para facilitar e favorecer o acesso ao conhecimento (BRASIL 1996 apud DELOU 2008, p 20). Com relação ao segundo aspecto - oferecida preferencialmente em rede regular de ensino - compreendemos que no Brasil até 1998, antes da promulgação da Constituição Federal, nada se argumentava a respeito da inclusão no ensino regular, apesar de haver essa discussão em âmbito mundial. Somente a partir da Constituição foi acordado que o atendimento educacional especializado às pessoas com necessidades especiais deveria ser oferecido, preferencialmente na rede regular. O que se observa é que durante muito tempo, o aprendizado escolar para alunos com necessidades especiais era oferecido de maneira particular, e segundo a autora, os alunos, por exemplo, com deficiência visual e auditiva eram encaminhados para escolas especializadas. Dessa forma, argumenta Delou (2008, p. 18) “nenhum constrangimento social era criado se por acaso alguma família procurasse uma escola regular de ensino para matricular seu filho e fosse orientado a procurar uma escola especializada”. Segundo a autora, “o mesmo acontecia com alunos com deficiências mentais. Eles poderiam ser matriculados em classes especiais de uma escola pública, mas seu destino era sempre as descrenças em suas capacidades de aprendizagem” (DELOU 2008, p 18). Estes alunos eram encaminhados para APAES ou para Pestallozzis para atendimento clínicos e trabalhos em oficinas, sendo sua escolaridade tratada de maneira secundária, o que acarretou na não certificação. Os deficientes físicos eram os únicos a serem recebidos em escolas regulares, mas desde que houvesse acessibilidade para seu deslocamento. 3 Mas afinal, quem são os alunos com necessidades educacionais especiais? Essa pergunta nos ajuda a entender o terceiro aspecto da definição do conceito de Educação Especial. A partir da análise do Parecer 17/2001 do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2001) que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Delou nos evidencia que a definição de alunos com necessidades educativas especiais contida neste parecer, são aqueles que apresentam durante o processo de ensino-aprendizagem: Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: Aquelas não-vinculadas a uma causa orgânica específica; e aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências. Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis. Altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem, dominando rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (DELOU, 2008, p. 16). Compreendem-se alunos com necessidades educativas especiais aqueles que por algum motivo, demonstram comportamentos particulares que impossibilitam os encaminhamentos rotineiros da prática pedagógica. Geralmente, são os alunos que se diferenciam de seus colegas pelo ritmo de aprendizagem, sejam eles mais lentos ou mais acelerados. São aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem, que necessitam de sinais e códigos apropriados para se comunicar (LIBRAS) ou para ler e escrever (BRAILLE). Enfim, “são pessoas que em situação de aprendizagem escolar necessitam de adaptações nas condições materiais de ensino, pois sem elas a permanência na escola não terá qualquer significado” (DELOU, 2008, p. 16). Com esta definição, pretende-se abarcar um grupo maior de características comportamentais que vai além da Deficiência Mental, da Deficiência Física, da Deficiência Auditiva, da Deficiência Visual, da Deficiência Múltipla, Superdotados, mas também o transtorno de déficit por hiperatividade (TDAH), os diferentes tipos de autismo, e principalmente, as dificuldades de aprendizagem como dislexia, disgrafia, discalculia que estão relacionadas com o grande fracasso escolar de muitos alunos (DELOU, 2008). Assim, observamos que atualmente a Educação Especial tem sido definida segundo uma perspectiva mais ampla, que extrapola a concepção de atendimentos especializados, tal como vinha sendo realizado nos últimos tempos. 4 Estas definições nos possibilitam compreender que para o bom atendimento educacional dos alunos com necessidades educativas especiais, é necessário rever alguns ajustes curriculares, pois sem adaptações esses alunos não conseguirão realizar as aprendizagens ao nível de suas capacidades. As instituições de ensino e a organização da prática pedagógica necessitam adaptar-se aos alunos e respeitar a diversidade, diferenciando os atos pedagógicos de forma a contemplar a necessidade de cada um. Porém, esta questão é uma das grandes dificuldades da inclusão, se considerarmos que esse reajuste requer profissionais qualificados e comprometidos, materiais de apoio pedagógico e estrutura física adequada. Contextualização histórica: objetivos, implicações e perspectivas Para contextualizar a trajetória histórica pela qual vem passando a Educação Especial e a Educação Inclusiva, nos propomos a analisar alguns dos documentos considerados importantes e que evidenciam em seus capítulos e artigos a temática aqui abordada. Para início de discussão analisamos as implicações e perspectivas referentes à Educação Especial e Inclusiva encontradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração foi elaborada pela Organização das Nações Unidas (O.N.U), em 1948, período pós Segunda Guerra Mundial, com o tema “Todos somos iguais perante a lei” (art. 7°). Embasada nos princípios de igualdade, liberdade, justiça e paz, a declaração tem o objetivo de garantir os direitos mínimos da vida humana para todos os povos e nações, sem haver distinção entre as pessoas, pois todas nascem livres e iguais, tanto em dignidade, quanto em direito (art. 1°). Com relação a nossa discussão consideramos, além dos artigos já citados, o art. 25 também de grande relevância. Esse artigo, referente à educação, sanciona que a instrução um direito de todos, será orientada no sentido de desenvolver a personalidade humana: Toda pessoa tem direito a instrução. A instrução será gratuita pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnica- profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2- A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e no fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais (...). 3- Os pais têm 5 prioridade de direito na escolha do gênero de instituição que será ministrada a seus filhos (BRASIL, 1948 art. 25). A partir dessa declaração já se observa a fundamental importância atribuída à obrigatoriedade da educação básica elementar. Também vem ao encontro a essas afirmações a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990). Essa declaração elaborada na Conferência de Jontiem também afirma que a educação deverá ser destinada para todos. Entendem-se como todos: crianças, mulheres, jovens, adultos e inclusive pessoas com necessidades especiais. Dessa forma, constata-se a partir da análise, que pela primeira vez na história foi possível debater sobre a educação básica para todos incluindo as pessoas com necessidades educativas especiais. Esta conferência se preocupava com a superação do índice de analfabetismo e com a mortalidade infantil, sendo o seu art. 3°, um dos mais importantes, pois sanciona que a educação básica é direito de todo ser humano. Para tanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade, buscando reduzir as desigualdades. Esse mesmo artigo também proclama que “as necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência” (BRASIL, 1990). Percebe-se neste documento uma maior preocupação com a Educação Especial e também com a Educação Inclusiva, pois fica evidente a atenção destinada à diversidade. Sua meta é incluir no sistema educativo, não só as pessoas com necessidades especiais, mas também o negro, o índio e demais marginalizados. Como já afirmamos acima, está declaração acaba por influenciar a formulação das políticas públicas para a educação inclusiva, sendo considerada um marco mundial para o surgimento desse movimento. Outro documento que traz implicações e que também influenciou as políticas públicas foi a Declaração de Salamanca (1994), a qual se caracteriza como uma política social, considerada mundialmente um dos mais importantes documentos que visam à inclusão, pois trata dos princípios, políticas e práticas em educação especial. Essa declaração retoma a conferência de Jontiem ao falar da educação para todos, porém ela requer acima de tudo um atendimento educacional especializado para os alunos com deficiência. O documento reconhece “a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino” (BRASIL, 1994, art. 1°). Sustenta que escolas 6 regulares com uma orientação inclusiva é o meio mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de edificar uma sociedade inclusiva. Esclarece que a inclusão não é apenas admitir a matrícula dos educandos com necessidades educacionais especiais, mas oferecer serviços e ambientes favoráveis ao desenvolvimento dos alunos, bem como, material adequado e aliado à criatividade do professor. Assim, são analisadas mudanças necessárias que favoreçam a capacidade das escolas para atender a todas as crianças, pois além de apontar para os alunos com deficiências, observamos que este documento compreende os alunos com dificuldades de aprendizagem, os quais, também possuem necessidades educativas especiais, e por isso merecem atendimento diferenciado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) é outro documento que não poderíamos deixar de mencionar, pois aponta uma ação ligada aos sistemas de ensino regular e indica algumas implicações e perspectivas para a área, ao reservar um capítulo exclusivo para a Educação Especial. Esse fato parece relevante para uma área tão pouco contemplada, historicamente, no conjunto das políticas públicas brasileiras. O relativo destaque recebido reafirma o direito à educação, pública e gratuita, das pessoas com necessidades educativas especiais, além de defender o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Todavia, estar "preferencialmente" incluído no sistema regular de ensino, não justifica a não oferta, quando necessária, de serviços de apoio especializado na escola regular para atender as peculiaridades de cada educando. O atendimento educacional mesmo que no ensino regular, deverá contar com apoio de escolas e/ou de serviços especializados, sempre que em função das condições específicas do aluno não for possível sua integração apenas nas classes comuns. Embora a lei tenha apresentado em alguns aspectos um caráter, a nosso olhar vago e genérico, ao deixar de mencionar e esclarecer elementos relevantes para inclusão, pensamos que se deu um grande salto com relação ao atendimento educacional especializado, principalmente ao compararmos com a LDB 4.024/61 e 5.692/71 as quais observamos que não davam tanta importância para essa modalidade educacional. Em 1961, apesar da Educação Especial ter sido mencionada no art. 9°, destacava-se o descompromisso do ensino público. E em 1971, o texto indicava também no art. 9° um tratamento especial a ser regulamentado pelos Conselhos de Educação, no entanto não promovia a organização de um sistema de ensino capaz de atender as necessidades 7 educacionais especiais, o que acaba por reforçar o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais. Nas disposições específicas sobre a educação especial, o capítulo V, caracteriza, em três artigos, a natureza do atendimento educacional destinado às pessoas com necessidades especiais. O art. 58 prevê, nos parágrafos 1º e 2º, a existência de apoio especializado no ensino regular, mas não esclarece o que seria esse apoio especializado. Destaca a oferta da educação especial já na educação infantil, área em que o atendimento educacional ao aluno com necessidades especiais é importante, mas ao mesmo tempo escasso, pois nem todos têm acesso. Outro ponto central desse capítulo é o art. 59 o qual prevê que os sistemas de ensino asseguraram aos educando com necessidades especiais “professores com especialização adequada em nível médio ou superior (...) bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 1996). Já o art. 60, reafirma a preferência pela ampliação do atendimento no ensino regular público e prevê o estabelecimento de critérios de caracterização das instituições privadas de educação especial, para o recebimento de apoio técnico e financeiro (BRASIL, 1996). De modo geral, configura-se a partir dessa lei a perspectiva positiva de uma educação especial mais ligada à educação escolar e ao ensino público. A presença desse capítulo sobre Educação Especial na Lei 9.394/96 certamente reflete um crescimento da área em relação à educação geral, principalmente nas duas últimas décadas, como podemos observar através das análises dos principais documentos aqui abordados. É preciso considerar que a LDB garantiu alguns princípios importantes para a Educação Especial e para a Educação Inclusiva, princípios esses que já eram debatidos na Declaração de Salamanca, como: ampliação do atendimento, recrutamento de professores especializados, utilização de serviços de apoio, bem como, o surgimento de parcerias entre órgãos especializados e ensino regular. No entanto, na Declaração de Salamanca podemos identificar esses aspectos de maneira mais detalhada. A LDB 9.394/96 nesse sentido deixa mais subentendido, mais vago, mais genérico e acaba por não incorporar dispositivos que apontem para a necessária transformação da estrutura educacional. A prática pedagógica de inclusão: aspectos de uma experiência 8 Ao vivenciarmos a experiência do Estágio Supervisionado IV observamos alguns aspectos relacionados à prática pedagógica de inclusão desenvolvida em uma escola da rede pública de ensino na cidade de Francisco Beltrão/PR. Durante este momento de observação e de regência, esteve em nosso horizonte algumas questões que nos serviram de orientação para a realidade que observávamos: Como ocorre o processo de inclusão em sala de aula? Quais são as maiores dificuldades vivenciadas, principalmente pelos professores, nesse processo e os maiores desafios? Que apoios são disponibilizados para o desenvolvimento das crianças com necessidades educativas especiais? Esses alunos frequentam as salas de recursos ou classes especiais? Como ocorre o encaminhamento das atividades, que metodologia se evidencia em sala de aula? Nossa inserção na turma de 2° ano do ensino fundamental nos possibilitou notarmos que os alunos com deficiência intelectual mais acentuada são encaminhados para as classes especiais, sendo que estes mesmos alunos não frequentam a classe comum, e os alunos com dificuldades de aprendizagem, frequentam salas de aula comum e são concomitantemente, na maioria das vezes, encaminhados para as salas de recursos. Nas salas de recursos esses alunos, que também possuem necessidades educativas especiais, recebem atendimento individual de professores especializados. O contato com a referida turma e as conversas informais com a professora regente evidenciaram que quatro alunos dentre os vinte e cinco da turma possuem dificuldades de aprendizagem em relação à leitura e escrita. Dois desses casos, com um comprometimento maior. Considera-se, que esses alunos têm o direito e necessidade de receber apoio especializado e frequentar a sala de recurso, porém segundo a professora, apenas os dois alunos com maior comprometimento na fala e na escrita frequentam a sala de recursos. Os outros, por falta de vagas, frequentam somente a classe comum. Esse fato nos chama a atenção, pois entendemos que a sala de recurso é um apoio ao desenvolvimento dos conhecimentos trabalhados na sala comum. O não atendimento desses alunos na sala de recurso implica em um comprometimento no processo de ensino dessas crianças, bem como gera um desafio maior para o professor da sala de aula comum que muitas vezes, não tem onde buscar auxílio para contribuir nesse processo. Isso justifica a importância de o aluno frequentar a sala comum e concomitantemente, ter como apoio a sala de recurso para potencializar o aprendizado, considerando é claro, as suas reais necessidades educativas. Pelo tempo em que permanecemos na sala de aula, podemos observar as inúmeras dificuldades encontradas pelos professores para atender as especificidades de cada um 9 dos alunos. Pela nossa orientação teórico-metodológica, procuramos direcionar uma atenção maior para os alunos com dificuldades de aprendizagem, os quais necessitavam de permanente acompanhamento para realização das atividades, principalmente as atividades de leitura e escrita. Como realizamos o estágio em dupla, a todo o momento, durante as duas semanas de regência, buscamos possibilitar às crianças com dificuldades de aprendizagem um trabalho mais próximo, de modo que, enquanto uma explicava o conteúdo para toda a turma, a outra direcionava o olhar para os alunos que necessitavam de atendimento educacional individual. Essa experiência possibilitou o entendimento do quão difícil é incluir alunos que possuem ritmos de aprendizagem e especificidades diferentes. Abriu-nos o olhar e nos possibilitou enxergar que incluir não é apenas matricular o aluno com dificuldades de aprendizagem no ensino regular, é além disso. Ou seja, é necessário possibilitar diferentes formas de ensinar, pois, há inúmeras maneiras de aprender. O professor precisa estar atendo as especificidades de cada aluno e nesse sentido, a utilização de metodologia diferenciada e de materiais de apoio pedagógico é ponto positivo, pois os quatro alunos com dificuldades de aprendizagens não conseguem acompanhar o restante da turma, a qual se apresenta em um nível de desenvolvimento mais avançado. Nisso reside a importância do trabalho realizado pelo professor, o qual tem papel fundamental na formação e desenvolvimento da criança. Cabe destacar, porém que nem sempre é possível um atendimento individualizado, um acompanhamento diferenciado e constante para cada aluno, seja pelas condições de trabalho do professor das escolas públicas, que muitas vezes não tem tempo para realizar um planejamento diferenciado, bem como, pela falta de recurso e apoio especializado. Compreendemos que as dificuldades encontradas pelos professores para a efetivação de práticas inclusivas nas escolas são muitas. No entanto, tem se tentado garantir um processo de inclusão da melhor forma possível, apesar de ainda não possibilitar a participação de todos de maneira satisfatória. Outra consideração importante é que a inclusão na rede regular (escola comum) é um ponto positivo e de possibilidades para a socialização e participação dos alunos com necessidades especiais no processo educativo e também na sociedade, mas, traz consigo a evidência da fragilidade da formação dos educadores, pois muitos apresentam dificuldades em trabalhar com esses educandos (DELOU, 2008). 10 A reenvidicação por inclusão das pessoas com necessidades educativas especiais não é algo da última década. Delou nos demonstra que a Educação Inclusiva a qual vem sendo divulgada por meio da Educação Especial teve início nos EUA em 1975, por meio da Lei n° 94.142/1975, “resultado dos movimentos sociais de pais e alunos com deficiência que reivindicavam acesso de seus filhos com necessidades educacionais especiais às escolas de qualidades” (DELOU, 2008, p. 20). Esse fato evidencia que a inclusão cada vez mais, vem se caracterizando como um desejo de pais e de alunos com necessidades especiais. São as próprias pessoas que buscam estar inseridas na sociedade, partilharem dos mesmos direitos que os demais. Concomitantemente a esse movimento, nascia na Europa do século XX o movimento que reconhecia a diversidade e o multiculturalismo como essências humanas. E uma das consequências desse último movimento foi o “Congresso de Educação para Todos” (1990), em Jontiem, na Tailândia, que marcou o nascimento de um movimento de inclusão mundial. Assim, compreendemos que a Educação Especial e a Educação Inclusiva vêm se fazendo presente e se efetivando em nosso contexto educacional por meio de lutas e reivindicações que se materializam através de resoluções, leis, decretos e declarações. Apreciações conclusivas Ao longo deste artigo nos propomos a demonstrar as perspectivas e as limitações a respeito da Educação Especial e da Educação Inclusiva, bem como, a discussão sobre as diferenças conceituais entre ambas, sua trajetória histórica e a efetivação da prática inclusiva de uma escola pública do ensino regular. Diante do exposto, observamos a partir da análise realizada uma ampliação no debate educacional, principalmente no sentido da inclusão do atendimento aos educandos com necessidades educativas especiais no sistema de ensino. A experiência vivenciada no Estágio Supervisionado com crianças dos anos iniciais do ensino fundamental nos possibilitou ponderar algumas considerações sobre as dificuldades encontradas pelos professores da escola comum em receber e trabalhar de forma significativa com alunos que possuem especificidades educativas. Além disso, nos mostrou que a prática inclusiva, além de necessitar de apoio pedagógico, de materiais alternativos, de transposição didática, necessita acima de tudo de professores comprometidos com o desenvolvimento da capacidade desses educandos. 11 Sabemos que os registros legais, por si só, não asseguram a efetivação dos direitos, no entanto, o fato de estar promulgado como lei já é um avanço. Para a inclusão ser uma realidade, é necessário rever algumas barreiras políticas e pedagógicas, pois sua efetivação não se trata apenas de movimento político, mas principalmente de atitude. Por outro lado, só a presença do termo inclusão não é suficiente para redimensionar ações inclusivas. Esses são elementos que constituem novos desafios a serem repensados, portanto, é necessário o rompimento de obstáculos que dificultam a inclusão nos sistemas de ensino, ou seja transpor barreiras que a sociedade criou e convertê-los em ações realmente inclusivas que garantam “os direitos mínimos da vida humana, sem distinção entre as pessoas” (SALAMANCA, 1948). Diante dessas constatações é preciso compreender a importância de se construir e cultivar políticas e práticas de inclusão durante o processo de formação, sendo o professor elemento importante no movimento de inclusão para garantir acesso, permanência nas escolas, sendo essas recomendações evidenciadas na Declaração Mundial de Educação para Todos, confirmada na Declaração de Salamanca entre outros. Referências bibliográficas BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assembléia Geral das Nações Unidas. Brasília, 1948. ______. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, 1990. ______. Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília, 1994. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação 4.024. Brasília, MEC, 1961. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm. Acessado em: 26 de julho de 2010. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.692. Brasília, MEC, 1971. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm. Acessado em: 26 de julho de 2010. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Capítulo V da Educação Especial. Brasília, MEC, 1996. DELOU, Cristina Maria Carvalho. A educação especial e a educação inclusiva no cenário brasileiro: contextualização do problema. In: ROSA,S.P.S.;DELOU,C.M.C.; OLIVEIRA, E.S.G. Fundamentos teóricos e metodológicos da inclusão. Curitiba: IESDE, Brasil S.A.,2008. 12