Conhecendo as Enzimas - (LTC) de NUTES

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Aula 2
Conhecendo as Enzimas
As enzimas são essenciais para a manutenção da vida, pois, sem elas, as reações
ocorreriam em uma velocidade muito lenta para manter os níveis energéticos
necessários ao organismo vivo. Reações que ocorrem em frações de segundos no
organismo vivo poderiam levar, dias, meses ou anos para ocorrer. A catálise está
presente em nosso cotidiano, mesmo quando não percebemos. Na produção da
cerveja, do vinho, e do pão, ou mesmo de vinagres, obtidos a partir da fermentação
do vinho. A palavra enzima é derivada do grego medieval “enzūmos”, que significa
fermentação.. Aqui veremos as propriedades das enzimas.
ENZIMAS TÊM ALTO PODER CATALÍTICO
As enzimas são os catalisadores biológicos e
atuam com uma eficiência impressionante.
O organismo vivo, seja ele microscópico
como uma bactéria ou macroscópico, como
o homem, depende das enzimas para que as
reações vitais do metabolismo ocorram de
forma harmoniosa.
As enzimas são proteínas globulares e
apresentam uma correlação direta entre
estrutura e função.
enzimas em seis grandes grupos (Classes), de
acordo com o tipo de reação que catalisam1:
Oxidorredutases: reações de óxido redução
Transferases: transferência de grupos
funcionais
Hidrolases: hidrólise
Liases: eliminação de grupos com
formação de duplas ligações
Isomerases: reações de isomerização
Ligases: formação de ligação, com gasto
de ATP (sintase e carboxilase)
Ribozimas não são enzimas!
São moléculas de ácidos
ribonucleicos com propriedade
catalítica.
O poder catalítico das enzimas é
surpreendente, pois são capazes de
aumentar de 105 a 1017 vezes a velocidade
de uma reação, quando comparada à reação
não catalisada.
Enzima
Ainda hoje, existem dois tipos de
nomenclatura para as enzimas: a “comum” e
a sistemática. A nomenclatura antiga tinha a
terminação ina (português) ou in (inglês),
como, por exemplo, é conhecida a enzima
digestiva quimotripsina (chymotrypsin).
A International Union of Biochemistry and
Molecular Biology (IUBMB) classificou as
Ciclofilina
Anidrase carbônica
Triose fosfato isomerase
Carboxipeptidase A
Fosfoglicomutase
Succinil-CoA transferase
Urease
OMP descarboxilase
Aumento na
velocidade
105
107
109
1011
1012
1013
1014
1017
Adaptado de Nelson & Cox, Lehninger Principles of
Biochemistry, 5a ed., 2000.
1
Leia o material complementar sobre nomenclatura de
enzimas, é interessante entender o que significa o
código E.C.
Faça o seguinte raciocínio: Se a reação
catalisada por uma enzima ocorre em 1
segundo, quanto tempo levaria para que a
reação ocorresse, caso não fosse catalisada?
Faça esse cálculo para enzimas que
aumentam em 105 e 1010 vezes, a velocidade
da reação.
O estado intermediário ou estado de
transição tem maior energia que os
reagentes e os produtos. Durante a reação,
as moléculas atingem esse estado durante
uma fração de segundo. Ao perder energia,
formam-se produtos, mas também pode
ocorrer o retorno ao estado inicial, afinal, a
quantidade de energia dos reagentes e dos
produtos é menor que a do estado de
transição.
Depois que fizer os seus cálculos, você vai
perceber o quanto as reações de nosso
metabolismo – seja do catabolismo, seja do
anabolismo – demorariam em ocorrer. Você
poderia esperar tanto assim? Claro que não!
As enzimas são capazes de diminuir a
energia do estado de transição, facilitando a
ocorrência da reação.
A ornitina monofosfato descarboxilase (OMP
descarboxilase) é conhecida pelo seu
extraordinário poder catalítico. Em 1995,
Radzicka & Wolfenden publicaram o artigo
“A proficient enzyme” (Science 267, 90-93)
onde descrevem que a reação catalisada
pela OMP descarboxilase acelera a reação
em 1017 vezes! A reação catalisada ocorre
em 18 milisegundos. Na ausência da enzima,
essa reação levaria 78 milhões de anos.
Mesmo sendo tão eficiente, essa enzima não
depende de cofatores orgãnicos ou
inorgânicos para a catálise. Isso quer dizer
que a estrutura da enzima é o único fator
que determina sua capacidade catalítica.
Vocês viram que as proteínas globulares
apresentam uma dinâmica molecular quando
estão em solução. Quando a temperatura da
solução aumenta, a energia cinética também
aumenta – o que significa que é maior o grau
de agitação das moléculas. Vocês também se
lembram de que são interações não
covalentes que mantêm a estrutura
terciária? Pois bem, essas são as interações
que são rompidas pelo aumento de
temperatura.
Energia Livre (kcal/mol)
Em uma reação química, os reagentes são
transformados
em
produtos,
sendo
necessária a formação de um estado
intermediário, conhecido como complexo
ativado, com maior energia que a dos
reagentes:
COMPLEXO
ATIVADO
O gráfico abaixo mostra o comportamento
de uma enzima em função da temperatura
da reação. Podemos perceber que a
velocidade da reação aumenta com a
temperatura até atingir um máximo. Porém,
acima dessa temperatura, a enzima perde a
atividade.
100
% da Velocidade Máxima
AS ENZIMAS DIMINUEM A ENERGIA
DE ATIVAÇÃO DE UMA REAÇÃO
AS ENZIMAS SOFREM O EFEITO DA
TEMPERATURA E DO pH
80
60
40
20
0
0
10
20
30
40
50
60
70
o
Temperatura ( C)
REGENTES
PRODUTOS
Avanço da Reação
Adaptado de “Effect of temperature and pressure”,
página criada pelo Dr. Martin Chaplin, Professor
Emérito da Applied Science London South Bank
University e disponível em
http://www.lsbu.ac.uk/biology/enztechtemperature.
html - Uso com permissão do autor.
As ligações covalentes são
muito estáveis, pois requrem
entre 50 e 110 kcal/mol de
energia para serem rompidas.
Em 25 °oC, por exemplo, essas
ligações têm apenas 0,5
kcal/mol, por isso não são
rompidas facilmente.
Muitas enzimas apresentam um pH ótimo,
determinado a partir de uma curva do efeito
do pH na atividade enzimática. Esse é o caso
da pepsina (pHÓTIMO = 2), da quimotripsina
(pHÓTIMO = 8) e da fosfatase alcalina (pHÓTIMO
= 10), como mostra o gráfico abaixo:
120
Pepsina
Atividade Relativa (%)
Isso ocorre porque a enzima perde sua
estrutura terciária e, portanto, sua função
fica comprometida. Nessas temperaturas, a
estrutura primária é mantida.
Quimotripsina
Fosfatase
Alcalina
5
9
100
80
60
40
20
0
0
1
2
3
4
6
7
8
10
11
pH
As enzimas sofrem os efeitos estruturais
observados
com
todas
as proteínas
globulares pela variação de pH e de
temperatura. Mudanças extremas de pH
podem alterar a estrutura da enzima e até
provocar seu desenovelamento.
Mudanças mais brandas de pH podem levar a
uma dissociação de enzimas oligoméricas (ou
seja, aquelas com mais de uma subunidade).
Esse é o caso, por exemplo, das isoformas
PI(2) e PII(3) da hexocinase de levedura que,
são diméricas em pH < 7,5 e monoméricas
em pH > 8. No caso dessas hexocinases, a
forma monomérica é mais ativa que a
dimérica, mas há casos em que a dissociação
de enzimas oligoméricas leva à sua completa
inativação.
2
Hoggett JG & Kellet GL, Eur.J.Biochem. 66 (1976),
65-77
3
Williams DC & Jones JG, Biochem J. 155 (1976), 661667
Outras enzimas apresentam uma faixa de pH
ótimo, como podemos observar abaixo para
a asparaginase e a tripsina:
Tripsina
100 Asparaginase
Atividade Relativa (%)
Como vimos na aula presencial e na aula 1, a
estrutura terciária das proteínas globulares
é mantida por interações não covalentes.
Uma dessas interações é do tipo ponte
salina, formada entre resíduos cm cargas
positivas e negativas.
Dados da quimotripsina bovina e da fosfatase alcalina
foram obtidos no Laboratório de Biocalorimetria,
IBqM/UFRJ. Dados da pepsina foram adaptados de
outros estudos.
80
60
40
20
0
2
4
6
8
10
12
pH
Dados obtidos no Laboratório de Biocalorimetria,
IBqM/UFRJ.
A tabela a seguir mostra como o pH ótimo
varia para algumas enzimas.
Enzima
pH Ótimo
Lipase (pâncreas)
Lipase (estômago)
Lipase (óleo de rícino)
Pepsina
Tripsina
Urease
Invertase
Maltase
Amilase (pâncreas)
Amilase (cevada)
Catalase
8,0
4,0 - 5,0
4,7
1,5 - 1,6
7,8 - 8,7
7,0
4,5
6,1 - 6,8
6,7 - 7,0
4,6 - 5,2
7,0
Fonte: Worthington Biochemical Corporation
http://www.worthington-biochem.com/introBiochem/effectspH.html
Além do fato da variação de pH modificar a
estrutura da enzima, devemos lembrar que
no sítio ativo encontramos resíduos de
aminoácidos carregados. Dessa forma, as
mudanças de pH podem diminuir a atividade
enzimática apenas por estarem afetando
resíduos do sítio catalítico. Não vamos
aprofundar essa informação agora, pois na
AP2
falaremos
sobre
ionização
de
aminoácidos.
AS ENZIMAS SÃO ALTAMENTE
REGULADAS
As enzimas podem ser reguladas, por
ativação ou inativação, para garantir que as
funções orgânicas nas quais estejam
envolvidas ocorram em perfeita harmonia.
Veja a seguir as formas de regulação
enzimática.
As vitaminas são precursoras dos cofatores
orgânicos. Veja o material complementar
sobre vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis
para saber como elas participam das reações
catalisadas pelas enzimas.
A deficiência em vitaminas pode levar a
quadros clínicos bem sérios, como mostram
as tabelas a seguir resumem as doenças e
seus sintomas.
Vitaminas
Hidrossolúvies
Tiamina (B1)
Riboflavina (B2)
Piridoxamina (B6)
Cobalamina (B12)
Niacina (NAD(P)+)
Ácido Ascórbico (C)
Folato
Pantotenato
(Coenzima A;
Vitamina B5)
COFATORES
São moléculas não proteicas necessárias
para que ocorra a atividade enzimática.
Alguns cofatores são inorgânicos, como os
íons metálicos:
Cofator
Cu2+
Fe2+ ou Fe3+
K+
Mg2+
Mn2+
Ni+2
Se1Zn2+
Enzima
Citocromo oxidase
Citocromo oxidase, catalase, peroxidase
Piruvato cinase
Hexoquinase, glicose-6-fosfatase,
piruvato quinase
Arginase, ribonucleotídeo
redutaseMoDinitrogenase
Urease
Glutationa peroxidase
Anidrase carbônica, desidrogenase
alcoólica, carboxipeptidase
Vitaminas
Lipossolúvies
Ácido Retinóico (A)
Vitamina D
Vitamina K
Doenças causadas pela
deficiência
beri-beri (fraqueza
muscular e dificuldades
respiratórias); desordens
neurológicas; paralisia;
perda de peso
lesões na pele, boca e
língua (RARAS)
convulsões em lactentes
anemia perniciosa
(doença autoimune que
leva à perda da função
das células gástricas
parietais)
Pelagra: dermatite,
diarréia, demência e
morte (RARA)
Escorbuto
perda de apetite, perda
de peso, diarréia
necessária na degradação
de ác. graxos, proteínas
e carboidratos –
Deficiência: dores
abdominais, cólicas,
vômito, fadiga, insônia,
queimação nos
calcanhares (burning feet
syndrome)
Doenças causadas pela
deficiência
Cegueira noturna
Raquitismo em crianças e
Osteomalácia em adultos
Problemas neurológicos,
fibrose císitica e
problemas de absorção de
gordura ( doença de
Chron, doença no fígado,
insuficiência pancreática
ou câncer no fígado)
sangramentos,
hematomas, osteoporose.
CLIVAGEM PROTEOLÍTICA
MODIFICAÇÃO COVALENTE
Algumas enzimas, como as proteases, são
sintetizadas no pâncreas na forma inativa. A
ativação dessas proteases ocorre no lúmen
intestinal, onde elas serão necessárias. Isso
é importante para que não ocorra a
destruição do tecido pancreático. A ativação
das proteases ainda no pâncreas causa
pancreatite.
Algumas enzimas são modificadas para
serem ativadas. As modificações são
covalentes e necessitam de cofatores:
Zimógenos são formas inativas de diversas
proteases, como mostrado na tabela a
seguir:
Zimógeno
Enzima
Tripsinogênio
Tripsina
Quimotripsinogênio
Quimotripsina
Proelastase
Elastase
Pepsinogênio
Pepsina
Procaspase
Caspase
Ativação
Clivagem da
ligação
peptídica entre
Lys15 e Ile16
Remoção de
dois dipeptídios
(Ser14-Arg15 e
Thr147-Asn148)
Clivagem de 12
resíduos do Nterminal
Clivagem de 44
resíduos de
aminoácidos
Clivagem da
ligação
peptídica após
Asp315/Asp330
Modificação
Cofator
Fosforilação
Adenilação
Uridilação
ADP-ribosilação
Metilação
ATP
ATP
UTP
NAD+
S-adenosil
metionina
Resíduos
Modificados
Tyr, Ser, Thr
Tyr
Tyr
Arg, Gln, Cys
Glu
REGULAÇÃO ALOSTÉRICA
Ocorre em enzimas com um sítio alostérico
que permite a ligação de modulador que
pode ser igual (regulação homotrópica) ou
diferente
do
substrato
(regulação
heterotrópica). Os reguladores alostéricos
podem ser positivos, se ativam a enzima, ou
negativos, quando causam a inibição da
enzima.
Modulador Alostérico
Leia mais sobre zimógenos em WikiBooks:
Structural Biochemistry/Enzyme/Zymogen
http://en.wikibooks.org/wiki/Structural_Biochemistry/Enzyme/Zymogen
Positivo
A tripsina é ativada por enteropeptidases do
intestino. Na forma ativa, a tripsina pode
ativar outros zimógenos:
Ativação
Negativo
Inibição
INIBIDORES
Os inibidores podem ser reversíveis ou
irreversíveis. Os últimos são conhecidos
como inibidores suicidas, pois se ligam às
enzimas com uma alta afinidade e são
degradados com elas. Esse é o caso da A1AT,
ou α1-antitripsina, uma glicoproteína de 52
kDa que inibe a elastase. A deficiência em
A1AT causa enfisema pulmonar.
Fonte: Bakke et al, “Feeding, digestion and absorption
of nutrients”, Fish Physiology 30 (2010) 57-110.
A figura a seguir mostra a estrutura da A1AT
(em verde) ligada à Elastase (em laranja)
humanas (2D26.pdb):
Inibidores
Descrição
Exemplo
Competitivos
Diminuem Km sem
alterar a Vmáx
Não
Competitivos
Diferentes dos
Substratos
cAMP e ATP inibem
a Gliceraldeído 3fostato
desidrogenase
Citrato inibe a
Fosfofruto cinase
(PFK)
1,3 dinitrobenzeno
inibe a Adenosina
desaminase (ADA)
Mistos
Os inibidores reversíveis podem ser de três
tipos:
Competitivos: quando se assemelham,
estruturalmente, aos substratos, impedindo
a ligação destes ao sítio ativo da enzima
inibida. Esse tipo de inibição é revertido
pelo aumento da concentração de substrato.
E+S
+
I
ES
Além do controle do metabolismo, inibidores
enzimáticos são encontrados em pesticidas,
e herbicidas além de serem empregados em
quimioterapia. São excelentes modelos de
fármacos.
Adenosina
Adenosina desaminase
Não competitivos: quando são diferentes
dos substratos e se ligam em um sítio
alostérico. O aumento da concentração de
substrato não reverte esse tipo de inibição.
EI + S
Ainda vamos falar sobre a determinação de
Km e Vmáx na aula 3, sobre cinética
enzimática.
E+P
EI X
E+S
+
I
São diferentes dos
substratos mas
ES
(ADA, EC 3.5.4.4) é uma enzima
do metabolismo de purinas,
necessária para a quebra da
adenosina proveniente da
alimentação ou do turnover de
ácidos nucleicos nos tecidos. Sua
deficiência causa a Síndrome de
Imunodeficiência Severa,
também conhecida como a
Doença do Menino da Bolha de
Plástico.
E+P
EIS X
Mistos: apesar de diferentes dos substratos
e se ligarem a um sítio alostérico,
apresentam características cinéticas de
ambos os tipos, competitivos e não
competitivos.
Para se reconhecer o tipo de inibidor,
precisamos determinar a constante de
Michaelis-Menten (Km) e a velocidade
máxima (Vmáx) da reação:
É proibida a reprodução de parte ou do todo desta
publicação sem a permissão formal de seus autores.
Laboratório de Biocalorimetria
Instituto de Bioquímica Médica
UFRJ
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