A Escola de Marburgo

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Aduilson Alves Costa
A ESCOLA DE MARBURGO1
(Estudo de A. Philonenko in CHATELLET, F. História da filosofia, idéias e doutrinas. Trad.
Bernhardt, J. et al. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1974. Vol. 6: A filosofia do mundo
científico e industrial).
A Escola de Marburgo marca um momento extremamente importante para a filosofia e para
a ciência, por nos envolver em conceitos embasados numa epistemologia fundamentada na história.
Por isso, para falarmos de sua influência e importância, faz-se necessário ressaltar os nomes de três
grandes pensadores nela envolvidos: Hermann Cohen (1842-1918), Paul Natorp (1854-1924) e
Ernst Cassirer (1874-1945). A Escola teve um efetivo surgimento em 1871 com a publicação da
obra de Cohen, Kants Theorie der Erfahrung e sua dissolução acontece com o exílio de Cassirer,
após a ascensão de Hitler (1933). Mesmo não sendo divulgadas em todos os países influentes, aos
poucos suas obras foram sendo traduzidas, principalmente as obras de Cassirer, no idioma inglês
(Philonenko, 1974, p. 188).
Com a primeira obra de Cohen há um retorno à filosofia kantiana, sua ética e sua estética, na
qual trata da relação entre “as ciências e a filosofia transcendental”. Conseqüentemente, haverá uma
ligação com as obras de Natorp e Cassirer, sendo que esses primeiramente fazem percursos
distintos: Natorp começará com a “teoria cartesiana do conhecimento e, sobretudo, Platão; Cassirer
iniciará com Leibniz, depois se dedicará à história da filosofia da época moderna”. Mas, tanto
Natorp quanto Cassirer concordam que a ênfase principal está na “teoria do conhecimento”, com a
ressalva de que a filosofia só tem seu real valor quando vinculada à ciência; lembrando-se que “a
verdadeira teoria do método científico” já havia sido “estabelecida por Kant e que um estudo da
filosofia cartesiana, por exemplo, pertence à pré-história do criticismo” (p. 189).
Numa segunda fase, a dedicação de Cohen está na “idéia de método”, onde prosseguirá com
o “sistema” kantiano, mas vinculando o progresso filosófico ao das ciências. Natorp e Cassirer
seguem o exemplo, sendo que um trabalha “Os Fundamentos Lógicos das Ciências Exatas”
(Natorp) e o outro (Cassirer), “O Conceito de Substâncias” e o “Conceito de Função”, nos quais
vincula o nascimento da ciência e do saber filosófico às idéias de função e de substância, buscando
1 Resultado de pesquisa orientada pelo Prof. Dr. Maurício de Carvalho Ramos, na Universidade de São Paulo, a qual
qual tem como base a Escola de Marburgo, especialmente a obra O problema do conhcimento na filosofia e na
ciência modernas, de Ernst Cassirer.
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apoio na metafísica (p. 190).
O início do terceiro momento é marcado por crises (“moral e intelectual”), mas em seguida é
“determinado pela crise científica”, quando Cassirer se depara “com os problemas levantados pela
teoria da relatividade de Einstein e procura, num trabalho que submetera ao grande físico, conciliar
o idealismo kantiano e os novos princípios científicos” (p. 190).
As crises científicas (“moral e intelectual”), colocam a “Escola de Marburgo em vias de
perder a sua unidade”. De um lado, Natorp critica “suas teses sobre o platonismo” (seguindo além
da idéia de método” e encaminhando-se “na direção de uma filosofia do Ser e do Logos”); de outro
lado, Cassirer envereda “pelo caminho de um humanismo cada vez mais decidido que inspira
fundamentalmente sua 'Filosofia das Formas Simbólicas'". Mas, “após o desaparecimento de Cohen
e a renúncia de Natorp, a Escola de Marburgo” encontrará “sua apoteose e seu destino nas
conversações de Davos de 1929, quando Heidegger e Cassirer”, ao interpretarem Kant, “opuseram
duas visões do mundo no sentido forte do termo”. O momento chave da crise envolve a ascensão de
Hitler ao posto de chanceler (1933), quando Heidegger e Cassirer seguem caminhos distintos:
“Heidegger prestou juramento ao novo regime, Cassirer escolheu o exílio” (p. 190-191).
Cohen recorre à segunda edição da Crítica da razão pura, de Kant, para desenvolver sua
distinção de “a priori” (metafísico e transcendental): o “a priori metafísico” mostra que “um
conceito não é dado pela experiência e ao desregramento da representação”, mas este “deve
encontrar seu sentido 'real' indicando-se como 'método' e princípio de construção da experiência”,
então, “do a priori metafísico” chega-se “ao a priori transcendental”. E chega a conceber que o “a
priori” não deve ficar à mercê da metafísica, pois é este quem “determina a possibilidade metódica
do saber”, devendo haver, então, “uma integração progressiva do conhecimento”. Pois, “a
experiência deve ser conduzida desde a sua realidade ingênua até a sua possibilidade”, porque “não
há nenhuma necessidade que domine o pensamento”. O que Philonenko entende como “a
dificuldade do neokantismo na Escola de Marburgo” é que, assim como “a noção do a priori funda
a autonomia da filosofia”, também “o conceito da objetividade tende a fazer dela a serva das
ciências”, conduzindo-a ao “positivismo”. Mas este é o marco da Escola de Marburgo, no qual se
evidenciam seu “humanismo” bem como seu “positivismo” (p. 193-195).
Enfatize-se, entretanto, que “os desenvolvimentos científicos e especulativos da Escola de
Marburgo”, bem como “os desenvolvimentos morais e estéticos kantianos”, estão totalmente
fundamentados na “interpretação do kantismo”. Em verdade, a separação de Cohen para com Kant
diz respeito “à filosofia transcendental, pois, para ele, seu ponto de partida não é a intuição pura,
mas o pensamento puro”. Então, “o que não pode ser um problema para o pensamento não pode ser
um problema do ser”. Conclui-se, portanto, que “o pensamento do conhecimento só pode ser
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descrito quando nivelado aos problemas do conhecimento científico” (p. 198-200).
Ao atentarmos para o pensamento de Natorp, constatamos que este “ultrapassa o quadro do
método fixado por Cohen”. Sua filosofia está incumbida de “dar lugar à vida criadora na ação ética
bem como na produção estética, na práxis e na poiesis”. Acrescente-se a isso, o fato de Natorp
superar “os conceitos de Cohen ao substituir a correlação da objetividade e da subjetividade pela
duplicidade do ser e do sentido (Sein – Sinn)”, ao que isso implica no “ser tornando possível o
sentido, o qual é único a lhe conferir sua verdade”. Natorp defende que em Kant a subjetividade
“surge com a objetividade, numa estrita relação recíproca com esta, isto é, necessariamente a partir
de um fundamento que não deveria ser chamado nem objetivo nem subjetivo, mas que se situa além
(ou aquém) da diferença” (p. 201-202).
O que define a união das idéias de Cassirer com as de Natorp é que um orienta-se para uma
“filosofia do homem na Filosofia das Formas Simbólicas” e o outro numa “filosofia do 'Logos'”;
defendendo Cassirer que a “crítica da razão” deve se tornar “crítica da cultura”. Portanto,
deveremos considerar “as diferentes produções da cultura espíritual, a língua, o conhecimento
científico, o mito, a religião, que, uma vez reconhecidas todas as suas diferenças, tornam-se os
membros de um único conjunto problemático” e não, única e exclusivamente, “ao 'factum' das
ciências”. A conseqüência disso é que, “enquanto Natorp se orientava para o problema da relação
do ser e do sentido, Cassirer dirige-se para o da experiência e do sentido”, pois este pretende evitar
que sua “correlação se perca num empirismo desprovido de unidade”. Existe também uma outra
virada na Escola de Marburgo que é quando Cassirer introduz “o conceito hegeliano de 'mediação'”,
a partir do qual afirma que “não é na pura imediatidade 'passiva', mas em seu 'ato' que o espírito se
descobre a si próprio concomitantemente com a realidade”. (p. 202, 203, 205). O que enaltece “a
filosofia das formas simbólicas” na Escola de Marburgo é “o movimento do simbolismo, a
autopenetração do pensamento, captado em sua história”, assim como “a revelação das camadas que
fundam o saber, que as assume”, a qual, na concepção resumida de Cassirer, está mais para “uma
fenomenologia do conhecimento” do que para “uma metafísica” (p. 207).
Tanto “a evolução das ciências” quanto “as crises políticas e morais” ajudaram a “precipitar
o desmembramento da Escola de Marburgo”, mas é preciso entender que enquanto essa situação se
mantivesse, “podia-se falar de equilíbrio e não de confusão”. Porém, o que transformou seu
equilíbrio em confusão foi sua ruptura; em virtude disso, não devemos afirmar que esse
desmembramento implique num “juízo negativo sobre a obra da Escola de Marburgo, pois a
filosofia moderna inteira se depara com ele”. Este é o histórico vivenciado pela Escola de
Marburgo, mas que influencia nosso percurso filosófico. (p. 208-209).
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