DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS – desafios para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes Selma Maria Muniz Marques1 Maria Jacinta Carneiro Jovino da Silva2 Carla Cecília Silva Serrão3 Cândida da Costa4 RESUMO: A mesa Coordenada “Direitos Humanos e Políticas Públicas – desafios para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes”. Objetiva disseminar, no âmbito acadêmico, a questão da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes e apresentar experiências e desafios na perspectiva da efetivação dos direitos humanos para esse segmento. Objetiva contribuir também com as organizações governamentais e não governamentais, que desenvolvem ações voltadas para esse segmento através de estudos e análises sobre a realidade de crianças e adolescentes e as ações desenvolvidas. Essa temática tem justificativa nas diversas expressões de negação de direitos humanos de crianças e adolescentes identificadas nas experiências de estudos e pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas (GDES), vinculado ao Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Maranhão. Abordaremos os seguintes conteúdo: o processo sócio histórico de organização do sistema de proteção social para a infância e a adolescência no Brasil, no contexto do paradigma da proteção integral. A situação de violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil e no Maranhão. Experiências na perspectiva da efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes nas políticas. Avanços e desafios no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e no Sistema Único de Saúde (SUS). 1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 2 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 3 Mestre. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 4 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO: desafios para o SUAS e contrapontos para a redução da maioridade penal 5 6 Selma Maria Muniz Marques 7 Carla Cecília Silva Serrão 1 INTRODUÇÃO O atual contexto societário, marcado pela agudização da violência social, com reconhecida influência no aprofundamento da desigualdade social no Brasil, tem mostrado tendência de acentuação e ampliação das vulnerabilidades que são inerentes à vivência da adolescência e de potencialização de riscos que põem em questão o paradigma da proteção integral consagrado no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Esse contexto exige debate em torno dos entraves que desafiam a efetividade do Atendimento Socioeducativo, reconhecido e assegurado em normativas internacionais (Convenções, Declarações e Tratados) e nacionais (Constituição Federal, ECA, Lei do SINASE, dentre outros). Chama atenção para os desafios que se interpõem à efetividade dos direitos humanos de adolescentes que por motivo de autoria de atos infracionais deverão ser tutelados pelo Estado. Condição que resulta do reconhecimento destes como pessoas em processo peculiar de desenvolvimento. Por essa razão, para galgarem o direito ao desenvolvimento integral, necessitam dos mecanismos de proteção social do Estado. Neste artigo discutimos os desafios para a efetivação do atendimento socioeducativo no Maranhão, no âmbito do SUAS, a partir de conhecimento sobre este registrado em pesquisas que subsidiaram o processo de formulação do Plano Decenal do atendimento socioeducativo no Maranhão. Além destes indicadores sobre o 5 Artigo vinculado à Mesa Coordenada da JOINPP 2015 intitulada ADOLESCENTES E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: contrapontos à redução da maioridade penal 6 Doutora. Docente vinculada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected] 7 Mestre. Docente vinculada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected] contexto histórico do atendimento socioeducativo apresentamos alguns argumentos em torno da refutação da proposta de redução da maioridade penal, em andamento, através da PEC 171/1993. 2 ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO E O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: encontros e desencontros O Atendimento Socioeducativo, segundo Costa (2006) foi uma construção para o controle social de delitos praticados por adolescentes. Delitos entendidos sob diversos enfoques teóricos que se situavam desde a teoria acrítica até a teoria crítica. Os positivistas, que em muito influenciaram a criminologia positivista, reconhecem no autor de delitos um ser delinquente, portanto, desviante, anormal e patológico. Os construtivistas defendem que os delitos são uma construção social que surge e desaparece no curso da história humana. A dialética afirma que os delitos são resultantes de múltiplas determinações e que para compreendermos necessitamos adotar o princípio da contradição que perpassa a constituição da sociedade, considerados enquanto processo sócio histórico em um contexto de desigualdade social, marcado pela contradição. Baseado no entendimento de que a teoria acrítica construiu um tipo de pensamento sobre o delito que leva à formação de opiniões que beiram ao sensocomum, porque baseiam-se em ideias que afirmam a existência de uma predisposição irrecuperável para a maldade, defendemos que a teoria crítica produz conhecimentos que acumulam para a viabilização da vida humana, visto que reconhece a dialeticidade que permeia a sociabilidade humana. Conhecimento que afirma que qualquer pessoa, desde que submetida a condições dignas de vida, pode reorientar sua trajetória de vida, rompendo com comportamentos rejeitados pelo regramento erigido pelo sistema de controle social. Essa forma unilateral de pensar a adolescência foi superada, em seus aspectos teórico e jurídico, com o reconhecimento de adolescentes como sujeitos de diretos, a partir das reações em defesa dos direitos humanos desses segmentos. Processo que fez emergir formas diferenciadas de reação ao delito: uma formal e outra informal (COSTA, 2006). Esse movimento reconheceu o delito como ameaça à condição idealizada para a infância e adolescência. Trouxe para o Estado e para a sociedade, de forma compartilhada, a responsabilidade de construção de respostas seguras para garantir a proteção social devida a todas as crianças e adolescentes, de modo a evitar o risco concreto do encontro com o delito. A reação formal ocorreu com base na criação de dispositivos jurídicos representados através do Sistema de Justiça. A reação informal por mecanismos diferenciados, como os dispositivos de formação da opinião pública, dispositivos de organização da vida social, instituições e movimentos sociais articulados em torno da luta pela conquista e efetivação de direitos humanos de adolescentes. Foi nessa luta contra o efeito nefasto do delito na vida de adolescentes, e na sociedade de forma geral, que o movimento de reação, formal e informal, promoveu a ruptura com o paradigma da situação irregular e erigiu o paradigma da proteção integral, que resultou no princípio da prioridade absoluta. Fazendo surgir o atendimento socioeducativo como consequente proposta de reação ao delito quando praticado por adolescentes. É nesse patamar que situamos o atendimento socioeducativo. Inserido no patamar de política pública devida a adolescentes que, por falha das barreiras de proteção necessárias para assegurar o seu desenvolvimento, encontram-se com o delito, na condição de autores de ato infracional, denominação prevista no ECA, que em sua ocorrência prevê o atendimento socioeducativo. O Atendimento Socioeducativo é organizado através de dois regimes: o meio aberto e o meio fechado. O meio aberto, sob responsabilidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é configurado como serviço de Proteção Social Especial de Média Complexidade (PSEMC) destinado a adolescentes autores de atos infracionais e que foram sentenciados para cumprimento de medidas socioeducativas nas modalidades de Liberdade Assistida (LA) ou de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Destaca-se que no Maranhão – estado com 217 municípios-, o atendimento socioeducativo em regime aberto está municipalizado em apenas 35 municípios, através de 122 CREAS (MDS, 2014). Esta situação revela o reduzido investimento público nas medidas em meio aberto registrado nos últimos anos. Desperta, ainda, uma preocupação frequente, haja vista que esse regime oferece maior potencial de inversão da trajetória infracional. Tanto pela maior possibilidade de realinhamento da trajetória de vida, quanto pelo menor custo que representa para as políticas públicas. A Tipificação dos Serviços Socioassistenciais do SUAS, que ordena e orienta a execução das medidas socioeducativas nos CREAS, prevê como serviços de proteção social a adolescentes e famílias em situação de cumprimento de medidas socioeducativas o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) e o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). Segundo o MDS o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), voltados para famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade pessoal e social, deve se constituir como serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos. Para esse fim deve desenvolver atenções e orientações direcionadas à promoção de direitos, à preservação e ao fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e ao fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social. O PAEFI objetiva contribuir para a redução das violações dos direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; orientação e proteção social a famílias e indivíduos; acesso a serviços socioassistenciais e das políticas públicas setoriais; identificação de situações de violação de direitos socioassistenciais; e melhoria da qualidade de vida das famílias. Considerando a incompletude institucional do SUAS e complexidade dos desafios a enfrentar, as normativas colocam como exigência para esse serviço de proteção social a articulação em rede com os serviços socioassistenciais dos dois níveis que estruturam o SUAS, a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial; com os serviços ofertados pelas demais políticas públicas setoriais; com a sociedade civil organizada e seus processos participativos e de controle social; com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos tais como o sistema de Segurança Pública, Ministério Público e de Justiça; com os Conselhos Tutelares; com as Instituições de Ensino e Pesquisa; e com os serviços, programas e projetos de instituições não governamentais e comunitárias. Têm por perspectiva a garantia de atendimento imediato e providências necessárias para a inclusão da família e seus membros em serviços socioassistenciais e/ou em programas de transferência de renda, de forma a qualificar a intervenção e restaurar o direito. O Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) tem como usuários adolescentes de 12 a 18 anos incompletos, ou jovens de 18 a 21 anos, em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade, aplicada pela Justiça da Infância e da Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente, extensivo a suas famílias. O atendimento socioeducativo objetiva: realizar acompanhamento social a adolescentes durante o cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade e sua inserção em outros serviços e programas socioassistenciais e de políticas públicas setoriais; criar condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática de ato infracional; estabelecer contratos com o adolescente a partir das possibilidades e limites do trabalho a ser desenvolvido e normas que regulem o período de cumprimento da medida socioeducativa; contribuir para o estabelecimento da autoconfiança e a capacidade de reflexão sobre as possibilidades de construção de autonomias; possibilitar acessos e oportunidades para a ampliação do universo informacional e cultural e o desenvolvimento de habilidades e competências; fortalecer a convivência familiar e comunitária (MDS, 2013). O serviço de atendimento socioeducativo segundo o MDS (2013) deve prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto na perspectiva de contribuir para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e social destes. Para esse fim chama atenção sobre o fato de que a oferta do serviço deve observar a responsabilização face ao ato infracional praticado; e os direitos e obrigações devem ser assegurados de acordo com as legislações e normativas específicas para o cumprimento da medida. O MDS (2013) prevê para a oferta do serviço no CREAS: a elaboração do Plano Individual de Atendimento (PlA), com a participação do adolescente e da família, destacando os objetivos e metas a serem alcançados durante o cumprimento da medida, perspectivas de vida futura e outros aspectos que podem ser acrescidos, de acordo com as necessidades e interesses do adolescente; o acompanhamento social ao adolescente de forma sistemática, com frequência mínima semanal, de modo a garantir o acompanhamento contínuo e possibilite o desenvolvimento do PIA; no caso da Prestação de Serviços à Comunidade identificar no município os locais para a prestação de serviços, que devem se configurar enquanto tarefas gratuitas e de interesse geral, com jornada máxima de oito horas semanais, sem prejuízo da escola ou do trabalho, no caso de adolescentes maiores de 16 anos ou na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Os avanços conquistados pelo movimento de criança e adolescente no âmbito do SUAS nos coloca na situação demarcada por Bobbio (1997), quando anteveu para o século XXI o desafio da efetivação dos direitos humanos conquistados no século XX. Construímos uma política para a adolescência. Está no papel é lei, mas grande ainda é a luta para a efetivação dessa conquista, conforme veremos a seguir. O Atendimento Socioeducativo em Meio Fechado, ofertado em regime de restrição de liberdade (medida cautelar ou provisória e de semiliberdade) ou privação de liberdade (internação) é de responsabilidade da Fundação da Criança e do Adolescente, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES) e à Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDHPop). As medidas restritivas de liberdade são oferecidas em duas unidades de Semiliberdade e duas unidades de Medida Provisória ou Cautelar. As unidades de Semiliberdade localizam-se uma em São Luís, capital do estado, Centro de Juventude Nova Jerusalém, com capacidade de atendimento 12 adolescentes e outra em Imperatriz, Centro de Juventude Cidadã, com capacidade de atendimento de 8 adolescentes. As unidades de Medida Cautelar ou internação provisória estão localizadas uma em São Luís, Centro de Juventude Canaã, com capacidade de atendimento de 20 adolescentes e outra em Imperatriz, o Centro de Juventude Semear, com capacidade de atendimento de 20 adolescentes. Estas unidades têm em sua totalidade capacidade de atendimento de cerca de 60 adolescentes. As medidas privativas de liberdade ou internação no período de 2008 a 2013 foram ofertadas em duas unidades socioeducativas, uma localizada em São Luís o Centro de Juventude Florescer, unidade feminina, com capacidade de atendimento de 14 adolescentes e Centro de Juventude Esperança, unidade masculina, localizada em São José de Ribamar, com capacidade de atendimento de 40 adolescentes. Considerando como referência o quantitativo de adolescentes que foram atendidos pela FUNAC em 2008 pode ser compreendido que nos anos de 2010 a 2012 ocorreu uma ligeira redução no número de adolescentes nas Unidades. Entretanto, começou a ser registrado crescimento significativo a partir de 2013. Analisa-se que o maior volume de atendimento ocorre nas Unidades de Internação Provisória em São Luís e Imperatriz, seguido da internação masculina em São Luís. Esta última demonstra menor volume em 2013, que pode ser relacionado à situação de interdição promovida pelo Ministério Público, em decorrência da precária condição de funcionamento. Contexto no qual foram deslocados adolescentes a nova unidade Centro de Juventude Alto da Esperança (CJAE), adaptada para atendimento deste grupo. Em 2015 segundo a Presidente da FUNAC a tendência de superlotação é acentuada visto que a internação provisória registrou no mês de maio lotação 98 adolescentes. O crescimento da violência na sociedade maranhense, manifestado diariamente através da construção discursiva midiática tem trazido reflexos diretos para o aumento do delito juvenil, registrados pela FUNAC e pela 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de São Luís. Entretanto, cabe destacar que este aumento retrata o baixo investimento do Estado em políticas públicas reafirmadoras dos direitos humanos do público criança e adolescente em todo o estado, que diante dos riscos a que estão impostas, destaca-se com significância a dominação pelo narcotráfico e pelas facções criminosas. Esse contexto, marcado pela construção discursiva fundamentada nos conhecimentos jurídicos acríticos e por análises que beiram ao senso comum, apresenta argumentos poderosos na contramão do avanço legal conquistado com o ECA e põe em risco o paradigma da proteção integral conquistado com muita luta no século XX, retrata-se atualmente pela proposta de redução da maioridade penal. A partir do exposto reafirmamos a necessidade de maior investimento público no atendimento socioeducativo em meio aberto do SUAS visto que a Proteção Social Especial tem maior potencial protetivo, porque mantém os adolescentes em condições mais salutares para a vivência da socioeducação de forma que possibilite reflexão sobre a trajetória infracional e desperte um compromisso para ruptura com essa trajetória, próximos de suas bases relacionais familiares e comunitárias, resguardando assim, a priori, maiores chances de reinserção social e ruptura com a trajetória infracional. Dentro dessa lógica discursiva, as medidas socioeducativas em meio aberto, teriam maior potencialidade de prevenção da trajetória infracional, pela sua interrupção precoce. Assim sendo, dotadas de maior peso no processo de investimento governamental no desenvolvimento destas, pelo seu caráter preventivo promove a interrupção da trajetória infracional, por meio da redução dos riscos que impulsionam o adolescente para o ato infracional. 2.1 Desafios para a implementação do SINASE no Maranhão No Estado do Maranhão a gestão do SINASE tem comando duplo: as medidas em meio aberto devem ser geridas pelas secretarias municipais de Assistência Social, com apoio técnico da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES). As medidas em meio fechado são executadas pela FUNAC, com apoio técnico da SEDHPOP, ou seja, as medidas em meio aberto são de responsabilidade do SUAS (executadas pelos gestores municipais com apoio técnico da SEDES) e as de meio fechado da Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDHPop). Para a efetiva gestão do atendimento socioeducativo no Maranhão é exigida articulação entre as duas secretarias de governo (SEDES e SEDHPOP) e as gestões municipais do SUAS dos 217 municípios maranhenses. A intercessão entre a gestão do meio aberto e o fechado parece ocorrer dentro da SEDHPOP que obteve esta organização a partir da posse do novo gestor público estadual em janeiro de 2015. Estudos publicados por Costa, Marques e Miranda (2013) e Marques (2013 e 2014) chamaram a atenção para o quadro de crise que abalava o atendimento socioeducativo, tanto em meio fechado quanto aberto. Demonstrando a necessidade de reposicionamento do tema na agenda governamental, tendo em vista a situação de precariedade que abalava o sistema socioeducativo em todo o estado. Destacamos alguns dos principais desafios presentes na implementação do atendimento socioeducativo na perspectiva de construção de alternativas para a sua superação e assim para o seu fortalecimento, tanto em meio aberto quanto fechado. No âmbito da gestão do atendimento socioeducativo, destacamos: a ausência da articulação intersetorial. Princípio estruturante para a construção e consolidação de um sistema de proteção social público fortemente respaldado no princípio da incompletude institucional, que faz emergir a prática da ação em rede. Nessa lógica, o sistema socioeducativo seria mantido por um conjunto de serviços, complementares, que potencializariam as ações socioeducativas e que incidiriam diretamente no enfrentamento das vulnerabilidades que impulsionam os adolescentes em rota de colisão com a prática infracional. Vulnerabilidades estas de difícil enfrentamento face à complexidade vivenciada pelos adolescentes e suas famílias, em um contexto societário marcado pelas expressões da desigualdade social. Destaca-se também o não cumprimento das condições postas no SUAS, por meio de suas normativas, para a efetivação dos direitos socioassistenciais em parte do território estadual. Sobre esse aspecto destacamos a dificuldade de constituição de serviços de referência, com equipe de referência exclusiva para execução das medidas socioeducativas, organizadas de forma a combater a precarização do trabalho vivenciada pelos trabalhadores do SUAS. Sobretudo, na perspectiva de cumprir o que está referenciado na NOB/RH /SUAS, ou seja: equipes constituídas por meio de concursos públicos, seguindo os parâmetros estabelecidos. A situação predominante, em todo o Estado é a contratação precarizada. Situação que pode dificultar, sobremaneira, na falta de condição para adesão das equipes à proposta do SUAS. Outro desafio destacado é a desarticulação entre o meio aberto e o fechado, marcado por uma cisão que não permite compreender que estão organicamente vinculados e que um reflete no outro. Precisamos entender, que o meio aberto necessita ter maior primazia, inclusive no que diz respeito à dotação orçamentária para potencialização do seu caráter preventivo e efetivação da proposta pedagógica construída pelo SINASE. No âmbito da qualificação do atendimento socioeducativo destacamos a fragilidade do atendimento especializado junto às famílias dos adolescentes autores de atos infracionais atendidos nas medidas restritivas e privativas de liberdade, visto que estes são atendidos em unidades distantes do seu município de origem. Situação que ameaça a metodologia da Unidade Socioeducativa visto que nesta a família tem participação decisiva para reinserção familiar e comunitária dos adolescentes. Além de ser alvo direto de proteções que precisariam ser acionadas para erigir barreiras capazes de prevenir o retorno destes à trajetória infracional. A fragmentação e/ou inexistência da rede socioassistencial e das políticas públicas nos municípios maranhense. Visto que conforme destacado pelos profissionais do SUAS e pelos conselheiros de direitos e tutelares são muito frágeis; e os municípios maranhenses ainda são marcados pela baixa sensibilidade dos gestores municipais diante dos problemas que podem ameaçar o direito ao pleno desenvolvimento de adolescentes. Distanciando mais ainda dos adolescentes o direito à proteção social em prioridade absoluta. Destaca-se ainda a ausência da experiência de práticas restaurativas no âmbito do atendimento socioeducativo, conforme defendido e proposto pela Rede Maranhense de Justiça Juvenil, referência nacional em metodologia de práticas restaurativas. As práticas restaurativas são de grande potencial pedagógico para o enfrentamento do ato infracional por permitirem a construção de uma nova relação de sociabilidade fundamentada na cultura de paz, fundamental para a consolidação de uma sociabilidade que traz como elemento central a efetividade dos direitos humanos. Destacamos mais um dos desafios que pode ser colocado em condição de prioridade devido ao papel que desenvolve para a efetivação dos direitos humanos de adolescentes, a desarticulação do envolvidos controle social evidente nos segmentos com a promoção dos direitos de adolescentes no atendimento socioeducativo responsáveis pelo controle social dos direitos de crianças e adolescentes e da política de assistência social, respectivamente os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (estadual e municipais) e os Conselhos da Assistência Social (estadual e municipais). Os conselhos de direitos e de políticas públicas, emergiram nos anos de 1990 como pilar fundamental para a democratização das políticas públicas e da sociedade, de forma geral. Colocaram em cena a experiência da participação popular, enquanto mecanismo efetivo para a construção de políticas públicas destinadas à satisfação dos direitos humanos dos cidadãos. Entretanto, reconhece-se que no Maranhão, a ambiência democrática tem enfrentado dificuldades de consolidação visto que este não combina com o estilo de gestão fundado em bases oligárquicas. Uma das formas de destruição do controle social é a redução deste à sua dimensão burocrática, ao não investimento em formação política para o exercício do controle social democrático e ao não aparelhamento dos conselhos para o pleno exercício de suas funções. Situação cristalizada no Maranhão pela força do modelo político implementado nos últimos 50 anos, impregnado por práticas antidemocráticas e que reforçam a dificuldade de elevação da sociedade à condição de protagonistas da construção de uma sociedade fundamentada na efetivação dos direitos humanos. Assim, o desafio posto no contexto atual é a rearticulação e fortalecimento do controle social para que a partir da participação qualificada no âmbito dos conselhos de direitos e de políticas públicas seja assegurada a implementação das políticas, programas, projetos e serviços conquistados no âmbito do SUAS e do SINASE. 2.2. Contrapontos à redução da maioridade penal à luz dos desafios para o atendimento socioeducativo no âmbito doo SUAS A proposta da redução da maioridade penal representa um ataque ao paradigma da proteção integral conquistado no ECA, assim como aos direitos socioassistenciais do SUAS. Conquistas resultantes de ampla mobilização e luta orquestrada pelo movimento de criança e adolescente e pelos trabalhadores do SUAS, nas duas últimas décadas do século XX. Mais ainda, um retrocesso no processo histórico que culminou com as conquistas de direitos humanos de adolescentes, reafirmados como segmento de especial proteção da sociedade pela sua condição de pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, portanto, permeáveis a vulnerabilidades e riscos com potencial de ameaça, de sabotagem e até interrupção da trajetória a ser percorrida rumo à condição de pessoas adultas e por isso signatários da proteção social compartilhada pelo Estado, Sociedade e Família. Entendemos, que no contexto societário atual, a participação de adolescentes em atos delituosos, tipificados no ECA como ato infracional, não pode mais ser compreendida à luz da doutrina jurídica positiva. Isto porque não acreditamos nos argumentos que retiram adolescentes da condição de vítimas da violência social que marca o atual momento societário, transformando-os em algozes vorazes que precisam ser tratados com a forma mais dura de exclusão social: a prisão em um sistema carcerário falido, que não consegue tratar autores de delitos como pessoas, portanto, detentores de dignidade que devem ter garantido o direito de reconstrução de seus projetos de vida. Esse sistema desumano contribuirá para a eliminação de qualquer possibilidade de pessoas no início de suas vidas, ainda em processo de refinamento do seu aparelho cognitivo, neuronal e comportamental, abandonarem as práticas infracionais. O direito conquistado no ECA de ter acesso, nessa situação, ao atendimento socioeducativo fundamentou-se na premissa de que estes têm o direito de realinhamento do seu projeto de vida, de modo a se tornarem livre dos efeitos do mundo infracional. A defesa da vida de adolescentes fundamenta-se também no aspecto de que não dá para acreditar no ditado popular de que “pau que nasce torno, morre torto”. O adolescente é uma pessoa e como pessoa guarda em si a possibilidade de superação de comportamentos e práticas que são nocivas a si próprio e à sociedade. Um outro argumento utilizado pelos defensores da redução da maioridade penal é o de que estes não são punidos pela autoria de atos infracionais. Argumento sem nenhuma base e, portanto, irreal. Eles são sentenciados ao cumprimento de medidas socioeducativas que tem caráter educativo e punitivo. Momento no qual deveriam ser responsabilizados pelos seus atos e estimulados à reconstrução de sua trajetória de vida e de assumirem que cometeram infrações danosas para eles, para outros em particular e para a sociedade de forma geral. Assim, por meio da socioeducação terão a chance de ruptura com a experiência infracional. As perguntas que não podem ser silenciadas são: as unidades socioeducativas em meio aberto e fechado conseguem efetivamente se constituir como experiência socioeducativa com capacidade de influenciar na trajetória infracional de adolescentes? Existem experiências com caráter efetivamente socioeducativo que permitam construir novos projetos de sociabilidade humana para esses adolescentes? A sociedade como um todo se articula em prol dessa perspectiva? O que estes defensores não mostram é que o Estado tem um débito histórico com estes adolescentes, pela dificuldade de manter um sistema efetivamente socioeducativo. Mostrando que falharam e falham, caindo em condição de autores de crime de omissão, negligência. Tentam ocultar o problema oferecendo a saída rejeitada historicamente para a situação: o autoritarismo e a punição sem opção de reconstrução do sujeito. Comportamento próprio de adultos opressores que escondem sua culpa através da coerção e do aprisionamento. Outro ponto de defesa usada pelos defensores da redução da maioridade penal é de que precisamos de mais uma lei. Não precisamos de novas leis para lidar com o ato infracional, para esse fim existem leis que não conseguiram tornar-se concretas até o presente momento, quais sejam: o ECA, o SINASE, o SUAS, o SUS, dentre outros. Trazem em seus conteúdos as ações a serem desenvolvidas para garantir àqueles que cometem o ato infracional a superação desse quadro e o abandono da trajetória infracional. O que falta, portanto é efetividade das leis. Falta assegurar os direitos humanos que abrem a possibilidade de romper com a perversidade de um sistema que para poucos assegura chances de desenvolvimento humano. Os que são favoráveis à redução da maioridade penal defendem a prisão de adolescentes em um sistema prisional falido, brutal e bárbaro, dominado por facções criminosas. Omitem que o sistema “correcional” no qual desejam isolar os adolescentes tem índice de reincidência de 70% e que é uma expressão da barbárie que atravessa a sociedade. Presídios abalados por rebeliões, dominados por facções criminosas, dentro das quais os adolescentes não terão quase nenhuma chance de sobrevivência física e emocional. Argumentam que reduzir a idade penal reduzirá a violência. Ao contrário, a realidade do sistema penitenciário denunciada e comprovada através de dados, mostra que o inchamento dos presídios não impacta na redução da violência. A violência cresce no interior dos presídios e deixa a sociedade em pânico. O que não mostram é a verdadeira raiz do problema; ela não está nos adolescentes, mas no modelo de organização da sociedade, reafirmando a ligação demonstrada por inúmeros teóricos ao apresentarem a relação orgânica existente entre desigualdade e violência. Deste modo deduz-se que o que faz crescer a violência é a persistência da desigualdade. 4 CONCLUSÃO A proteção social à adolescência está atravessando momento crucial marcado por ataques de forças conservadoras que ameaçam conquistas legais construídas ao longo do século XX. A socioeducação de adolescentes ainda não se consolidou e está para esse fim trazendo exigências que precisam ser pautadas nos movimentos de defesa de direitos e pelo controle social. A principal questão é a defesa intransigente do ECA e do SINASE em uma perspectiva de assegurar aos adolescentes em condição de autores de atos infracionais a aplicação da socioeducação, conforme preconizada no SINASE. Dessa forma, assumindo e possibilitando a experiência da socioeducação enquanto estratégia para o enfrentamento do ato infracional. Antes dessa situação não podemos aceitar, em qualquer formato, proposta que ataque direitos e adolescentes e que elimine a possibilidade de, mesmo que na adversidade do ato infracional, estes tenham assegurada a chance de ruptura e retorno à trajetória de vida livre da violência. REFERÊNCIAS BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal Nº 8.069, 1990. BRASIL. Plano Decenal do SINASE. Brasílias: 2013 BRASIL. Secretaria Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília, 2013 CEDCA. Plano Decenal do Atendimento Socioeducativo do Maranhão (2014-2024). COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Os Regimes de Atendimento no ECA: perspectivas e desafios. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006 COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Por uma Política Nacional de Execução das Medidas Socioeducativas. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006 COSTA, C. (Org.); MIRANDA, Aurora Amélia Brito de (Org.); MARQUES, Selma. M. M. (Org.) . Reconstruindo trajetórias de vida? um olhar sobre o sistema de atendimento socioeducativo no Maranhão. 1ª. ed. São Luís: EDUFMA, 2013. v. 500. 348 pp. MARQUES, Vidas em Risco: adolescentes no atendimento socioeducativo em uso de substâncias psicoativas. São Luís: EDUFMA, 2013. FUNDAMENTOS PARA A PROTEÇÃO SOCIAL DE ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS: imperativos para a garantia de direitos humanos Maria Jacinta Carneiro Jovino da Silva8 1 INTRODUÇÂO A trajetória de conquistas de direitos para o segmento criança e adolescente na sociedade brasileira está expressa em vários dispositivos legais, tratados e convenções, amplamente conhecidos pelos estudiosos e trabalhadores das políticas públicas. Um dos argumentos que fundamentam estes direitos é o fato de que a criança e o adolescente se encontram numa fase de desenvolvimento peculiar da vida humana, um período especial que merece proteção integral, visto que guarda um potencial protetivo significativo para a construção da sua vida adulta e de suas relações na vida em sociedade. Neste trabalho pretendemos construir argumentos que consideramos fundamentais para compreender a condição social do ser humano adolescente, em especial daqueles que estão na situação de autores e vítimas de práticas delituosas. Este adolescente não pode ser compreendido de forma desconectada do contexto sócio-histórico da sociedade brasileira, demarcado por relações sociais complexas e contraditórias, que produzem uma profunda desigualdade social a que estão submetidos, e por consequência, a privação de suas necessidades básicas e essenciais para o seu desenvolvimento. Estas relações produzem uma violência estrutural na vida dos adolescentes, que violam a sua condição de sujeitos de direitos, a partir da negação dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que criam armadilhas da ilusão, conhecidas como práticas delituosas ou atos infracionais. 8 Doutora. Docente vinculada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected] Neste texto abordamos algumas categorias que consideramos bases éticas para a exigência da garantia da proteção social aos adolescentes, no sentido protetivo, preventivo e proativo: a dignidade humana; desigualdade social e diferença; necessidades sociais; e vulnerabilidade social. Acreditamos que, se a proteção social integral for garantida pelo Estado e pela sociedade, parcela significativa dos adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas, poderiam não ser autores e vítimas de atos infracionais. Entretanto, estas bases também devem ser consideradas para garantir a proteção social no âmbito do atendimento socioeducativo, para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, quer sejam restritivas ou privativas de liberdade. 2. FUNDAMENTOS PARA COMPREENSÃO DA SITUAÇÃO DO ADOLESCENTE COMO AUTOR E VÍTIMA DO ATO INFRACIONAL 2.1 A Dignidade Humana como fundamento de todo o direito A dignidade é a essência fundamental do ser humano, ao mesmo tempo em que também é intrínseca a todos os homens. Existe um consenso na humanidade de que todos os homens são reconhecidos como pessoas, e, portanto, são iguais perante quaisquer normas legais, e são também portadores de direitos. Os direitos humanos são comuns a todos, a partir da matriz do direito à vida, sem distinção alguma: de sexo, da etnia, religião, instrução, profissão, faixa etária, condição social, nacionalidade, deficiência, ideologia, cultura, orientação sexual, etc. O homem, a partir da qualidade de pessoa humana é a fonte primária de todo direito, de modo que ”todo ser humano tem direitos a ter direito” (ARENDT, 1998; DAGNINO, 2004; BENEVIDES, 2007). Desse modo, a dignidade humana justifica a construção e a defesa dos direitos humanos. Todos os homens são dotados de dignidade, independentemente das situações de desigualdade social que experimentam ou de quaisquer diferenças de uns em relação aos outros. Nenhum homem, por qualquer condição que vivencie, pode ser considerado inferior ou superior a outro homem, visto que nenhuma pessoa humana pode ter mais dignidade do que outra. De acordo com Pequeno (2008, p.25), a dignidade é um valor incondicional, incomensurável, insubstituível e não admite equivalente, pois está acima de qualquer outro princípio ou ideia. Cada homem é um ser insubstituível, porque a sua vida, sendo humana, não tem equivalente, não pode ser trocado por alguma coisa, porque não têm preço, mas tem um valor absoluto que ultrapassa todos os valores: a dignidade humana. O homem é, sobretudo, o único ser cuja existência, em si mesma, constitui um valor absoluto, isto é, um fim em si e nunca um meio para a consecução de outros fins. È nisto que reside, em última análise, a dignidade humana [...] A dignidade do homem consiste na sua autonomia, isto é na aptidão para formular as suas próprias regras de vida (COMPARATO, 1997, p. 18). A ideia de dignidade, como atributo essencial do ser humano, está na afirmação da racionalidade humana. O que torna o homem essencialmente único e diferente dos outros seres é a sua inteligência, a capacidade de raciocinar, de conhecer, de criar, de tomar decisão, de escolher os seus objetivos, seus próprios projetos de vida, orientar suas ações e conduzir sua vida na direção das finalidades traçadas por ele mesmo. Através da razão o homem cria o mundo da cultura, o universo da moral e do direito. Segundo Pequeno (2008, p.26), a razão humana "é a faculdade que funda a autonomia da sua vontade e a liberdade que orienta sua ação no mundo”. Porém, os objetivos traçados só se realizam devido a uma outra característica essencial do ser humano: a razão axiológica, ou seja, a sua capacidade de apreciação e de escolha de valores éticos, morais, políticos, religiosos, etc. Significa que a racionalidade e a consciência dos homens permitem que eles sejam sujeitos na definição de um juízo de valor sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto. Entretanto, a capacidade de fazer escolha depende das condições econômicas, sociais, culturais e políticas dos homens, visto que influenciam na sua concepção de mundo e na sua perspectiva de vida. Para o ser humano adolescente das camadas empobrecidas, que no geral experimenta a negação de seus direitos básicos, a capacidade de definir objetivos para a condução de sua própria vida é muito fragilizada e/ou abortada por suas condições de vida e permeada por interesses distintos, do contexto em que estão situados socialmente. A situação de desigualdade social, de pobreza e de injustiça em que vivem a maioria desses adolescentes, não permite que os mesmos experimentem uma socialização baseada em valores éticos, nem que desenvolvam práticas correlatas. A expressão dignidade humana nos remete ao confronto com as situações de violação aos direitos humanos, que ainda são vivenciadas por mais de 50% das famílias brasileiras e pela maioria dos adolescentes, em situação de pobreza e de extrema pobreza, em pleno século XXI. A violação da dignidade dos adolescentes é expressa de formas diversas: privação das necessidades básicas, como alimentação, moradia e higiene; violência e exploração sexual; situação de abandono e de vivência na rua; repetência, evasão e/ou falta de acesso à educação escolar; dependência do uso de substâncias psicoativas; e ausência de formação profissional para acessar um trabalho digno. 2.2 As Necessidades Sociais como justificativa de direitos Tomando por base as principais obras de Karl Marx, Agnes Heller (1986) descobriu que existe uma relação direta entre mercadorias e necessidades humanas. A satisfação das necessidades dos homens constitui uma condição básica para a existência de qualquer mercadoria. Portanto, os homens precisam de mercadorias, na forma de “coisas” objetivas, para que a satisfação da suas necessidades possa ser garantida (HELLER, 1986, p. 21), de modo que o homem e os objetos que satisfazem suas necessidades estão em constante correlação, pois toda necessidade se refere a algum objeto material ou atividade concreta. Em A ideologia alemã, Marx e Engels afirmavam que o primeiro fato histórico é a produção dos meios necessários para a satisfação das necessidades humanas. Nessa perspectiva, Doyal e Gough (1991, p. 45) afirmam que “todos os seres humanos, em todos os tempos, em todos os lugares e em todas as culturas, têm necessidades básicas comuns”. Existe um consenso moral na humanidade de que uma vida humana digna só ocorrerá se certas necessidades sociais fundamentais e comuns a todos forem atendidas. As necessidades sociais guardam relação estreita com o trabalho, pois, através dele, são produzidos os materiais para a provisão das necessidades humanas. Entretanto, o lugar que os homens ocupam na divisão social do trabalho determina a estrutura das suas necessidades e os limites no acesso, de acordo com as suas condições sociais. Portanto, os objetos produzidos socialmente não são acessados igualmente por todos. As necessidades sociais são objetivas e imprescindíveis à manutenção da vida humana, pois, sem a sua satisfação, o homem não sobrevive. Todas as pessoas precisam de alimentação, moradia, vestuário, higiene, etc. (HELLER, 1986, p. 31), porém, as necessidades variam de acordo com cada época, com as condições naturais e culturais de cada lugar. Todos os homens também têm necessidades imateriais e subjetivas, referentes ao âmbito das ideias, das concepções, da cultura, espiritualidade, etc., pois sendo o homem um ser social, suas necessidades não são limitadas à natureza biológica. Essas necessidades imateriais guardam uma dimensão ético política: o direito de conhecer e reivindicar seus direitos; o direito de se indignar diante das desigualdades sociais e das injustiças; a liberdade de participar da vida social, de propositar melhorias nas condições de vida e de lutar pela construção de relações democráticas, justas e igualitárias. A provisão das necessidades sociais das pessoas, quer sejam objetivas ou subjetivas, constitui uma justificativa primordial para a afirmação da dignidade. A categoria das necessidades sociais permite fundamentar a definição de direitos e a elaboração de medidas de proteção social através das políticas sociais. A relação entre necessidades e direitos sociais está no núcleo de muitas expressões da questão social, demonstrando a importância da proteção social, como fator de justiça e de efetividade dos direitos humanos. Necessidades e proteção social estão interligadas no discurso político e moral e na prática das políticas sociais no âmbito do Estado. Segundo Pisón (1998, p. 160), “não há serviços sociais sem a delimitação daquelas necessidades sociais a serem satisfeitas”. Entretanto, no geral, as famílias das camadas mais pobres não têm condições de prover, através da renda do seu trabalho e da cultura que dispõe, o atendimento de suas necessidades essenciais, nem de seus filhos crianças e adolescentes. Desse modo, muitas das necessidades essenciais dos adolescentes não são supridas, desde as básicas e materiais, até às subjetivas, fragilizadas no seu processo de socialização, e que dizem respeito a afetividade, a construção vínculos familiares, a apreensão de valores éticos e morais, a perspectiva de uma vida melhor, etc. Esta condição de vida dos adolescentes, exige das políticas públicas no âmbito do Estado, à luz da concepção de dignidade humana, uma proteção social especializada, no sentido proativo e preventivo, de modo a evitar que os adolescentes sejam autores e vítimas de atos infracionais. 2.3 Desigualdade Social e Diferença: imperativos para a afirmação de direitos Compreender a desigualdade exige, de antemão, uma correlação entre igualdade e desigualdade, pois cada um dos termos permite apreender o significado do outro. Independentemente do plano em que são abordadas (social, cultural, econômico ou político) e dos espaços que se efetivam – relações de trabalho, de gênero, de gerações ou nas relações familiares –, sempre existe uma correlação direta entre igualdade e desigualdade. A desigualdade pressupõe uma hierarquia dos seres humanos, em termos de dignidade e valor, ou seja, define a condição de superior e inferior; pressupõe uma valorização positiva ou negativa e, daí, estabelece quem nasceu para mandar e quem nasceu para obedecer, quem nasceu para ser respeitado e quem nasceu só para respeitar (BENEVIDES, 2008, p. 154). No Brasil, as condições sociais e econômicas das famílias são profundamente desiguais. Porém, as diferenças na remuneração do trabalho constituem o indicador mais importante para avaliar as condições de pobreza e de desigualdade social. São as diferenças, na distribuição desigual de renda, entre famílias ricas e não ricas, que demarcam com mais concretude, a desigualdade social (MEDEIROS, 2004, p. 16). A principal diferença na renda ocorre a partir da contradição da lógica capitalista: a renda adquirida a partir da propriedade do capital, pelos donos dos meios de produção ou dos investimentos monetários na financeirização, de modo que ambos geram lucros; e a renda adquirida pela maioria da população, através da renda do trabalho, na forma de salários, ou através de aposentadorias, pensões ou benefícios socioassistenciais. A desigualdade social entre as famílias brasileiras é expressa pela enorme diferenciação nos espaços territoriais: entre regiões e estados; entre regiões metropolitanas; e nos limites territoriais internos de estados e municípios brasileiros. Porém, a desigualdade é mais acentuada nas regiões metropolitanas, nas capitais e nas grandes cidades, devido às diferenças nas condições sociais entre os centros urbanos e as suas regiões periféricas. Essas diferenças se revelam prioritariamente nas condições sociais das famílias relativas ao acesso ao trabalho remunerado, ao nível de renda, à educação, à profissionalização, às condições estruturais dos domicílios e aos serviços de saneamento básico. Os indicadores sociais do IBGE revelam a extrema diferença nos níveis de renda, expressando o fosso da desigualdade social entre as famílias brasileiras. No ano de 2010, no Brasil, mais de 10% das famílias sobreviviam sem nenhuma renda ou com apenas ¼ do salário mínimo, expressando condição de extrema pobreza. Com renda de até ½ salário mínimo estava 15, 2% das famílias, também em situação de pobreza e indigência. Com renda na faixa de até um salário mínimo estavam 27,6% das famílias. Somando a faixa das famílias sem renda, com renda de ¼, ½ e até um salário mínimo estavam 52,8% das famílias brasileiras (IBGE, 2010). Porém, na faixa maior de rendimentos, com mais de cinco salários mínimos, estavam apenas 5,1% das famílias brasileiras. No Nordeste, apenas 2,5 % das famílias atingem este nível de renda, e no Maranhão, apenas 1,8% (IBGE, 2010). Esses dados afirmam uma extrema desigualdade entre as famílias brasileiras, pois mais da metade delas não têm renda para viver nos padrões de dignidade humana. A compreensão sobre a igualdade tem fundamentos em outros parâmetros ético-políticos. Está relacionada ao significado dos direitos sociais, à garantia de liberdades civis e políticas, implícitas na concepção de cidadania. Na lógica dos direitos sociais, “a liberdade é exercida pela sua vinculação com a igualdade, porque tem a função de garantir a todos os homens o acesso às mínimas condições materiais de vida” (COUTO, 2006, p. 51). O que diferencia a igualdade da desigualdade “são os conteúdos e significados que lhes são atribuídos, o que por sua vez impõem as formas de sua superação ou sedimentação” (SCHWARTZ; NOGUEIRA, 2000, p. 95). A igualdade não é sinônimo de homogeneidade, mas pressupõe o direito à diferença, como colaborador da igualdade na dignidade, no sentido da proteção às pessoas que são discriminadas por ser diferentes. Na sociedade são estabelecidos padrões moralmente aceitos como corretos, com limites e critérios de normalização, que são institucionalizados e podem ser formalizados através de normas jurídicas. Na lógica da exclusão social, aqueles que são diferentes aparecem como ameaça à ordem estabelecida, e por isso deve ser mantido a uma distância segura, no sentido da manutenção da coesão social. Entretanto, a diferença deve ser entendida numa relação horizontal, pois todos os seres humanos, de uma forma ou de outra, apresentam diferenças, mas essa condição não torna as pessoas inferiores às outras. Entretanto, compreendidas em bases preconceituosas, as diferenças são transformadas em ameaças e justificam atitudes discriminatórias, que são efetivadas através de várias formas de exclusão social, segregação do convívio social e privações diversas. Na discriminação não existe o sentido de alteridade, do respeito às outras pessoas que são diferentes. Todas as pessoas têm em comum a condição de ser humano, entretanto, todos nós somos diferentes porque somos seres únicos. A diferença permite entender a existência de uma diversidade infinita de pessoas humanas. A discriminação começa pela ausência de reconhecimento de que uma pessoa seja diferente, mas se efetiva quando essa diversidade serve de motivação para excluir, desqualificar, emitir juízo de valor negativo e inferiorizar as pessoas. Quando ignoramos que estamos excluindo o outro, o diverso, não aceitamos e não sabemos lidar com as diferenças. “Existe um abismo entre o reconhecimento filosófico do outro, que é abstrato, e a prática éticopolítica de aceitar as outras possibilidades humanas, de aceitar a diversidade num espaço de convivência” (SODRÉ, 2006, p. 8). A afirmação da diferença está ligada à reivindicação do direito de que ela possa ser vivida sem tratamento desigual ou discriminação, pois ser diferente é normal. Santos (1995, p. 44) afirma: temos o direito de ser iguais sempre que a diferença inferiorizar as pessoas, ao mesmo tempo em que temos o direito de ser diferentes, sempre que a igualdade descaracterizar o ser humano como pessoa. Portanto, “o direito à diferença especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade” (DAGNINO, 2004, p. 114). Uma cultura de direitos humanos não deve ter como parâmetro uma medida, estritamente igualitária, como se todas as pessoas tivessem as mesmas necessidades, mas deve considerar as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais, assim como as especificidades que essas diferenças produzem em termos de demandas por direitos e por proteção social. Com base nos elementos acima, compreendemos que o ser humano adolescente, experimenta, junto com suas famílias, uma situação de desigualdade social, de pobreza e/ou extrema pobreza, e de violação de direitos humanos. A desigualdade se manifesta de diversas formas: na renda da família, nos trabalhos precarizados ou desempregos de seus pais, na localização e nas condições de moradia, na escola que frequenta ou não tem acesso, nos espaços públicos e de lazer que não pode acessar. Suas condições sociais não são equivalentes às dos adolescentes das camadas sociais mais favorecidas. Porém, eles tem necessidades não satisfeitas, pois precisam de coisas materiais e de formação como pessoa humana, de educação e cultura, valores e princípios. Como numa armadilha da ilusão, a negação da provisão dessas necessidades pode influenciar alguns adolescentes a se envolver com práticas ilícitas e violadoras de direitos de outras pessoas. 2.4 Vulnerabilidade Social e novas demandas por direitos A categoria da vulnerabilidade social permite entender o processo de fragilização que pessoas e grupos enfrentam para garantir seus direitos na dinâmica da vida societária. Segundo Castel (2001, p. 24), a vulnerabilidade social é uma zona intermediária e instável, que conjuga a inserção, a não inserção ou a precarização nas relações de trabalho com a fragilidade da sociabilidade mais próxima. No geral, as pessoas e os grupos vulneráveis são identificados, a partir da condição de pobreza ou de extrema pobreza, o que não é incorreto, mas é insuficiente. Oliveira (1995, p. 9) afirma que "todos os ‘indigentes’ são vulneráveis, mas nem todos os vulneráveis são indigentes”. A vulnerabilidade social não pode ser restrita à dimensão econômica, porque seria incompleta, mas nessa dimensão estão representados todos os grupos sociais mais vulneráveis. A camada dos empobrecidos representa a maior parte da população vulnerável, pois fazem parte dela as pessoas mais discriminadas: negros, idosos, indígenas, nordestinos, homossexuais, pessoas em situação de rua, pessoas com deficiência, usuários de drogas, profissionais do sexo, etc. A dimensão econômica deve ser compreendida como a base material para a explicação da vulnerabilidade social. Porém, é insuficiente porque não “não clarifica o processo pelo qual a vulnerabilidade social é construída’’ (OLIVEIRA, 1995, p. 9). A ausência dessa explicação promove a esperança de que a vulnerabilidade possa ser resolvida ou atenuada apenas no âmbito das condições de renda. A vulnerabilidade social deve ser compreendida pelo seu caráter multidimensional, associado a uma diversidade de modalidades de desvantagem social, tais como: fragilidade, dependência, preconceito, discriminação e circunstâncias de risco social e pessoal, que indicam possibilidades de perdas, agravamento de situações desfavoráveis, redução de oportunidades, etc. Assim, o estado de vulnerabilidade social é uma circunstância da condição humana. A vulnerabilidade social, segundo Abramovay (2002, p. 29), se expressa como um resultado negativo entre a disponibilidade dos recursos materiais de indivíduos e grupos e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Essa situação produz fragilidades e desvantagens para o desempenho e a mobilidade social. A vulnerabilidade social permite entender porque diferentes pessoas e grupos, apesar de suas potencialidades, são mais influenciáveis aos processos que se contrapõem as suas possibilidades, fazendo-os permanecer na insegurança, na instabilidade e em situação de necessidades sociais diversas. A vulnerabilidade assim compreendida traduz a situação em que o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis de lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade [...] ou diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados atores sociais (ABRAMOVAY, 2002, p. 30). A compreensão da vulnerabilidade social também está diretamente vinculada às práticas discriminatórias, de modo que os grupos sociais vulneráveis não são distinguidos do conjunto da sociedade pelos atributos que portam: “Eles se tornam vulneráveis, melhor dizendo, discriminados, pela ação de outros agentes sociais” (OLIVEIRA, 1995, p. 9). Significa que pessoas e grupos são vulneráveis, não por escolha própria, mas pela ação de outrem. Numa sociedade complexa, muitas situações de vulnerabilidade social têm origem no preconceito e nas ações discriminatórias, visto que produzem um mecanismo complexo de desvantagem social, a exemplo de fatores de fragilização de pertencimento social, como a discriminação etária, étnica, de gênero, por deficiência ou por orientação sexual. A vulnerabilidade perpassa todas as camadas sociais, das mais empobrecidas às as mais abastecidas, pois todas as pessoas e grupos sociais experimentam alguma situação de vulnerabilidade social. Entretanto, a desigualdade de renda produz, necessariamente, uma diferenciação no modo como as situações de vulnerabilidade são experimentadas e enfrentadas, mas não no conteúdo específico da vulnerabilidade vivenciada. Desse modo, situações similares de vulnerabilidade social – pessoas com deficiência ou idosos com doenças crônicas, por exemplo – não ocorre no mesmo grau de fragilidade para todas as pessoas, pois dependem das suas condições socioeconômicas: se conseguem prover as necessidades mais urgentes; ou se precisam recorrer à proteção social do Estado. Em toda condição de vulnerabilidade, o risco social está presente. A noção de risco diz respeito à incerteza, um componente essencial da vida humana, assim como a exposição aos perigos, as fatalidades, as dificuldades imprevistas, as ameaças, as decisões relativas ao futuro. A concepção de risco está diretamente relacionada com a ideia de probabilidade de ocorrência de eventos futuros, numa situação nem sempre passível de controle. Segundo Hillessheim e Cruz (2008, p. 193), o significado de risco guarda uma ambiguidade: incorpora a noção de incerteza, podendo apresentar resultados favoráveis, na forma de ganhos e acertos; ou desfavoráveis, como perdas e danos em diferentes dimensões da vida. Nas situações de vulnerabilidade social, os riscos sociais indicam maior possibilidade de prevenção e controle para famílias e indivíduos. Essa concepção de vulnerabilidade social e de risco contribui para compreender o significado e importância de proteção social para ser humano adolescente e suas famílias, através das políticas públicas e no âmbito do Estado. As condições de desigualdade social, de vulnerabilidade e de risco social que o adolescente vivencia no cotidiano não possibilita que ele transite da sua situação de desvantagens, fragilidade, insegurança, discriminação e incertezas, para a ampliação de suas potencialidades de construção de um futuro melhor. As possíveis oportunidades que ele desenvolver suas potencialidades depende da proteção do Estado, para o adolescente e sua família. Sem a proteção social, o adolescente pode ser envolvido em práticas ilegais para melhorar sua condição social de vida. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A PROTEÇÃO SOCIAL E OS ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS: a necessidade de garantia dos direitos humanos A proteção social é perpassada por uma ideia-chave: a existência da solidariedade por parte da sociedade para com os indivíduos, quando estes enfrentam dificuldades para viver dentro de um padrão de dignidade humana (VIANNA, 2000, p. 11). Em princípio, toda pessoa está sujeita a vulnerabilidades e riscos, como o de não conseguir acesso ao trabalho, o de não prover o seu próprio sustento e de sua família, o de não ter condições de trabalhar, o de ficar em situação de extrema pobreza, etc. A existência da proteção social possibilita que essas situações não sejam entendidas como problemas individuais da pessoa ou da sua família, mas se constituam uma responsabilidade pública e do Estado. No curso da história da humanidade, a proteção social tem sido construída à medida que as necessidades de provisão, cuidados, defesa contra dificuldades, limitações, vulnerabilidades e riscos, individuais ou familiares vão sendo expostas na sociedade. As circunstâncias da existência humana, como a doença, os acidentes, a invalidez, a velhice e a incapacidade para o trabalho, exigem da família e da sociedade medidas de proteção social. Portanto, o objeto da proteção social são as diversas necessidades sociais, materiais e imateriais, fundamentais para as pessoas viver com dignidade. A proteção social consiste na ação coletiva de proteger indivíduos contra os riscos inerentes à vida humana e/ou assistir necessidades geradas em diferentes momentos históricos e relacionadas com múltiplas situações de dependência. Os sistemas de proteção social têm origem na necessidade imperiosa de neutralizar ou reduzir o impacto de determinados riscos sobre o indivíduo e a sociedade (VIANA; LEVCOVITZ, 2005, p. 17). Com base nos princípios de justiça, Euzéby (2004, p. 11) esclarece que a proteção social se sustenta mediante justificativas que fazem parte do plano ético. A justiça social significa a promoção e a garantia do conjunto dos direitos humanos e sua indivisibilidade. Sendo assim, a proteção social pode ser entendida como um pilar da justiça social porque faz parte dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). A proteção social não deve ser considerada como uma simples concessão do Estado, visto que está inscrita nos parâmetros da consciência universal, ”como expressão total dos valores vinculados à dignidade humana [...] A proteção social faz parte dos direitos do homem, e nessa condição ela é um objetivo comum a toda a humanidade“ (EUZÉBY, 2004, p. 28). Na atualidade, um dos traços mais marcantes da proteção social está no papel do Estado, ou seja, o exercício da proteção social se constitui como função legal e legítima do Estado, socialmente assumida como atribuição do poder público. No Brasil, a proteção social ganha estrutura concreta através das políticas de caráter social, tais como: a de saúde, educação, habitação, previdência social, de atendimento à criança e ao adolescente, de direitos humanos e da Política de Assistência Social. Numa sociedade com reduzida proteção social, como a brasileira, pessoas, famílias e grupos sociais vivem sob ameaça permanente, na incerteza, sem poder controlar o presente nem planejar um futuro melhor. A insuficiente proteção social do Estado condiciona a vida das pessoas a uma situação de insegurança social, exigindo uma luta constante pela sobrevivência. A família, por razões de compromisso moral e afetivo, busca a garantia de proteção aos seus filhos adolescentes, tornandose, portanto, fonte primária de satisfação das necessidades humanas, entretanto, ela fica impossibilitada de construir experiências exitosas em direção a novos patamares de vida. A possibilidade de as famílias realizarem a proteção e a inclusão social de seus membros, a exemplo dos seus filhos adolescentes, só poderá ser efetivada se antes elas forem protegidas pelo Estado. Isso depende, em grande parte, das possibilidades de acesso das famílias à política econômica, através do trabalho digno e gerador de renda. Depende também da proteção social das políticas sociais de corte social, como a saúde, educação e a Política Assistência Social . A busca pela garantia da proteção social, deve ser um imperativo que todas as pessoas, devem perseguir para assegurar direitos e viver em condições de dignidade humana. Para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, a partir da sua situação de autores e vítimas práticas delituosas, a proteção social está na socioeducação, na perspectiva de ruptura com a trajetória infracional. Este adolescente também tem direito a proteção integral, visto que continua em situação peculiar de desenvolvimento, e portanto, tem direito a ter direitos, no âmbito da proteção do Estado e do Sistema de Garantia de Direitos. Não se trata de negação da responsabilização destes, em relação aos agravos cometidos, mas sim, da possibilidade de construção de uma sociabilidade humana que seja capaz de mudar a mentalidades do adolescente em relação ao mundo e sua inserção nele, na construção de novas perspectivas de vida, livre das armadilhas do ato infracional e na contribuição com uma cultura de paz, na lógica dos direitos humanos. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam et al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para as políticas públicas. Brasília: UNESCO / BID, 2002. BENEVIDES, Maria Vitória. Democracia e Direitos Humanos: conquista e direito. In ZENAIDE, Maria de N. Tavares, et al. Direitos Humanos: capacitação de educadores. 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CULTURA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS: interdições para a concretização dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e no Maranhão Cândida da Costa9 1 INTRODUÇÃO Neste artigo, tratamos do fenômeno da violação dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e no Maranhão, partindo de alguns indicadores como a violência, pobreza e trabalho infantil, para evidenciar como após 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, tais direitos permanecem parcialmente realizados ou são permanentemente violados pelo Estado, família e sociedade. Tais evidências são o ponto de partida para chamarmos a atenção para o fato de que o arcabouço institucional das políticas públicas pouco se alterou; que a mentalidade conservadora em relação à convivência entre as gerações não rompeu o conservadorismo para acolher os sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento. Mais ainda, é um quadro que permanece e se repete, teimando em fazer da legislação uma letra morta e condenar uma geração após outra. É necessário alterar mentalidades e práticas sociais se quisermos materializar os direitos humanos. É preciso romper a cultura política conservadora para fazer imperar a democracia. São estes os temas que perpassam este artigo. 2 DIREITOS HUMANOS E UMA NOVA RELAÇÃO COM A POLÍTICA A emergência dos direitos humanos inaugurou um novo momento no processo civilizatório, demarcando novos padrões de relação entre gerações, entre a humanidade e a natureza, entre as nações, entre os gêneros. O reconhecimento do direito à diferença foi se firmando como parte da concretização da democracia. Os Direitos Humanos consagrados nas primeiras declarações foram chamados "de primeira geração" e assinalam, particularmente, uma separação entre Estado e 9 Doutora. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] não-Estado (LIMA JR, 2002). Trata-se de um conjunto de direitos individuais universalizados pela doutrina liberal que marcam a emancipação do poder político, a superação do Estado absoluto e religioso e a liberação do poder econômico diante dos entraves feudais. A estes direitos foram acrescentados os direitos individuais exercidos coletivamente; a liberdade de associação, reconhecida na primeira emenda da constituição norte-americana, que amparou o processo histórico de criação dos partidos políticos e dos sindicatos. Os direitos de segunda geração só serão incorporados nos textos constitucionais do século XX, principalmente a partir do impacto da Revolução Russa. No caso brasileiro, tais direitos só passam a ser formalmente reconhecidos a partir da constituição de 1934. A terceira geração de Direitos Humanos que prossegue e atualiza o caminho aberto pelas primeiras declarações não se dirige ao indivíduo, mas a grupos humanos como a família, o povo, a nação, a coletividade regional ou étnica e a própria humanidade. A auto-determinação dos povos, o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, ao meio ambiente, entre outros, inserem-se nesta terceira geração. Deve ser mencionada, ainda, uma quarta geração de direitos fundamentais, identificada por vários autores, que decorreria da atual globalização desses direitos, tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo. Pode-se afirmar, sem dúvida, que o grau de civilidade alcançado por uma sociedade determinada está em relação direta com o estágio de garantia efetiva conferida aos Direitos Humanos. É graças à consciência dos Direitos Humanos e aos princípios derivados que foram se imprimindo nas leis e nos costumes de cada nação que populações inteiras se mobilizam na afirmação de novos direitos, impulso que confere à trama das sociedades políticas uma dinâmica acelerada de transformações. As características apontadas permitem fazer entender porque a luta pelos Direitos Humanos torna possível uma nova relação com a política. 3. O FENÔMENO DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DAS CRIANÇAS ADOLESCENTES NO BRASIL E NO MARANHÃO: algumas exemplificações E 3.1 Mapa de denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes no Brasil – 2015 Foram registradas 21.021 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes. Os casos mais registrados foram de negligência, violência física, violência psicológica e violência sexual. O total de registros caiu 1,6% na comparação com os três primeiros meses de 201410. Em relação ao perfil, 45% das vítimas eram meninas e 20% tinham entre 4 e 7 anos. Em mais da metade dos casos (58%), o pai e a mãe são os principais suspeitos das agressões, que ocorrem principalmente na casa da vítima. 3.2 Violência sexual A violência sexual é a quarta violação mais recorrente praticada contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos. Nos três primeiros meses de 2015, foram denunciados 4.480 casos de violência sexual, o que representa 21% das mais de 20 mil demandas relacionadas a violações de direitos da população infantojuvenil, registradas entre janeiro e março de 2015. Em cada denúncia, é possível o relato de mais de uma violação. Os casos de abuso de sexual são os que mais se destacaram, representando 85% do total de denúncias de violência sexual, seguida de casos de exploração sexual, que é caracterizada pela utilização sexual de meninas e meninos com a intenção de obter lucro, com 23% dos registros. As denúncias de violência sexual também envolvem casos de pornografia infantil, grooming (assédio sexual na Internet), sexting (troca de fotos e vídeos de nudez, eróticas ou pornográficas), exploração sexual no turismo, entre outros. 10 O Disque 100 é um serviço mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) para registro e encaminhamento de denúncias. para receber denúncias e reclamações sobre violações de direitos humanos, em especial as que atingem populações com maior vulnerabilidade Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia concentraram entre janeiro e março deste ano os maiores quantitativos de denúncias sobre exploração sexual de crianças e adolescentes. No Maranhão, foram 162 casos. Gráfico 1: Denúncias Violência Sexual - 1º Trimestre 2015, por UF Fonte: Disque 100 3.3 Trabalho infantil no Brasil A Constituição brasileira determina claramente que é inconstitucional o trabalho de crianças e adolescentes com menos de 16 anos. O trabalho infantil diminuiu 13,44% no país entre 2000 e 2010, segundo dados do Censo 2010. Os dados revelam a redução do trabalho infantil na faixa etária entre os 10 e 17 anos. Em 2010, havia 3,4 milhões de crianças e adolescentes nessa idade ocupados, o que representava 3,9% das 86,4 milhões de pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade. Em 2000, eram 3,94 milhões. Note-se que foram registrados 10.946 casos de trabalho infantil a mais do que em 2000. O aumento atingiu principalmente a faixa etária entre 10 e 13 anos, atingindo outras áreas da vida das crianças e adolescentes, especialmente o estudo. Tabela 1: Trabalho Infantil no Brasil 2000 a 2010 Crianças e adolescentes que trabalham, segundo o Censo 2000 2010 3.935.489 3.406.517 10 a 13 anos 699.194 710.140 14 e 15 anos 1.092.285 888.433 16 e 17 anos 2.144.010 1.807.944 *Fonte: IBGE, Micro Dados Censo Demográfico 2000/2010. Elaboração: Fórum Nacional para a Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil PNPETI, 2012 3.4 Indicadores de violação dos direitos de criança e adolescentes no Maranhão O Indice de Desenvolvimento Humano do Maranhão11 Maranhão persistiu entre 2006 a 2010 estudo como um dos piores Estados em IDH e posição em relação ao 11 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dado utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para analisar a qualidade de vida de uma determinada população. Os critérios utilizados para calcular o IDH são:a) Grau de escolaridade: média de anos de estudo da população adulta e Nordeste e ao Brasil, conforme se observa na tabela 02. A permanência do Maranhão em tão baixos índices indica a baixa qualidade de vida do povo maranhense, desmentindo o discurso governamental sobre o desenvolvimento do estado e sobre a melhoria e investimento em politicas públicas. Afinal, o IDH mede justamente a melhoria em qualidade de educação, longevidade e renda. Tabela 2 : IDH Estado do Maranhão Local 2006 2007 2008 2009 Maranhão 0,707 0,724 0,6830,724 Nordeste 0,733 0,749 Brasil 0,803 0,816 2010 0,683 0,608 0,807 0,693 Fonte:ONU/PNUD/2012 A pobreza que atinge a maioria das famílias maranhenses provoca uma violência estrutural, que condiciona e condena o futuro das novas gerações. Quanto ao trabalho infantil, conforme os dados do Censo 2010 do IBGE, foram identificadas cerca de 144 mil crianças e adolescentes na faixa etária entre 10 e 17 anos trabalhando no Maranhão. Desse total, quase 61 mil tinha idade entre 10 e 14 anos e cerca de 83 mil, estavam na faixa etária entre 15 e 17 anos. Na faixa etária entre 15 a 17 anos, cerca de 57% (ou seja, 47.601) adolescentes não têm instrução ou têm o ensino fundamental incompleto. Em 2009, foram registrados 71 casos de violência física ou psicológica, negligência e abuso sexual contra criança/adolescente em 96 municípios do Estado expectativa de vida escolar, ou tempo que uma criança ficará matriculada.b) Renda: Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, baseada na paridade de poder de compra dos habitantes. Esse item tinha por base o PIB (Produto Interno Bruto) per capita, no entanto, a partir de 2010, ele foi substituído pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, que avalia praticamente os mesmos aspectos que o PIB, no entanto, a RNB também considera os recursos financeiros oriundos do exterior;c) Nível de saúde: baseia-se na expectativa de vida da população, reflete as condições de saúde e dos serviços de saneamento ambiental.O Índice de Desenvolvimento Humano varia de 0 a 1, quanto mais se aproxima de 1, maior o IDH de um local. 0,699 equivalendo a 73.96%. Em 2010, as situações de violência física e psicológica somadas chegam a 171 casos (78.2%) contra o mesmo público; abusos sexuais correspondem a 91 casos (60.67%) seguindo de: exploração sexual - 87 casos (66.92%), negligência - 85 casos (54.49%), trabalho infantil - 85 casos (88.54%)e outras violações de direitos. Ressaltamos que no levantamento de 2010 foram acrescidas mulheres adultas, homens adultos, idosos e de instituições que não atendiam a situação. Todavia, mesmo com o aumento de mais um sujeito aos casos que estão sendo observado, as crianças e adolescentes continuam no topo dos que estão com os seus direitos violados (CENSO SUAS). Quanto ao adolescente em conflito com a lei, são aplicadas medidas sócio-educativas, como: Advertência, Obrigação de Reparar o Dano, Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Semiliberdade, Internação em Estabelecimento Educacional e as medidas de proteção previstas no art. 101, I a IV do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. - As medidas sócio-educativas, de natureza sancionadora e com finalidade pedagógica, devem ser aplicadas e operadas conforme o grau e com as características da infração, circunstâncias sócio-familiar e disponibilidade de programas e serviços em nível municipal, regional e estadual. É de responsabilidade da Fundação da Criança e do Adolescente - FUNAC a execução das medidas de Internação, Semiliberdade e Liberdade Assistida, o atendimento aos adolescentes em medida acautelatória de Internação provisória, no período em que se encontram aguardando decisão judicial e o atendimento inicial aos adolescentes envolvidos em atos infracionais, no Serviço Social no Centro Integrado. Em São Luís, funcionam três Unidades de Internação, sendo duas com atendimento a adolescentes do sexo masculino (Centro da Juventude Esperança e Centro da Juventude Renascer) e uma com atendimento dirigido às meninas (Centro da Juventude Florescer), uma Unidade de Semiliberdade masculina (Centro da Juventude Nova Jerusalém), uma Unidade de Internação Provisória (Centro da Juventude Canaã), um Programa de Liberdade assistida, atendimento Inicial no Centro Integrado e um Programa de atendimento aos Egressos. No município de Imperatriz funcionam uma Unidade de Internação Provisória (Centro da Juventude Semear), uma Unidade de Semiliberdade e o atendimento inicial no Centro Integrado. Tabela 03: Adolescente em conflito com a Lei, 2006-2010 2006 2007 2008 2009 2010 São Luís 1265 754 415 444 452 Imperatriz 101 127 147 134 158 Total 478 881 562 578 610 Fonte: Observatório Criança, Volume V, 2014. Ao se falar em ato infracional e nas medidas tomadas pelo governo para a inibição desse tipo de prática, cada vez mais comum em nossa sociedade, bem como para a criação de medidas de ressocialização dos menores que o praticam. Tem-se que ter em mente o universo de violações de direitos no qual esses adolescentes são submetidos durante sua formação moral que começa ainda na infância, assim como, o papel do Estado e da própria sociedade no decorrer dessa vivência, para que não culpabilizem e nem vitimizem os adolescentes cometedores de atos infracionais, mas que sejam justos em seus julgamentos.12 4 POR UM NOVO FORMATO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 13 No Brasil, historicamente, a atuação do Estado na área de políticas públicas tem se dado de forma fragmentada, com corte assistencialista e paternalista, buscando consolidar uma noção de cidadania regulada que, enquanto expressão da relação Estado e sociedade, denuncia o padrão autoritário de gestão da coisa pública, inaugurado no Brasil desde a colonização. As políticas públicas, na medida em que se configuram como demandas de amplos setores da classe trabalhadora, poderão ser as bandeiras em torno das quais se torne viável o debate sobre o papel social do Estado. Esse elemento permite questionar as tentativas inspiradas no neoliberalismo que defendem a retirada do Estado na área social e pressioná-lo para que adote instrumentos de planejamento econômico capazes de interferir no direcionamento das políticas públicas e das próprias políticas macroeconômicas. 12 A esse respeito, ver COSTA, Cândida da. Observatório Criança, Vol. V, 2014. 13 Parte deste texto já foi publicado no livro Observatório Criança, Vol. IV, 2004. Contribuir na redefinição das políticas públicas supõe a participação da sociedade na construção de experiências de gestão. Nessa perspectiva, as políticas públicas aparecem como elemento mobilizador para a tomada de consciência sobre as desigualdades e os direitos. Aparece, ainda, como elemento relevante na construção de sujeitos coletivos. A inversão das prioridades da atuação do Estado no campo das políticas públicas é consoante com a perspectiva de um atendimento de qualidade, universal, o que coloca como premissa a democratização e moralização do serviço público, com o combate ao clientelismo e à corrupção. Nessa perspectiva, colide com a atuação do Estado de desmonte e privatização dos serviços públicos. Nesse contexto, ganha relevância a ampliação de mecanismos de participação, visando facilitar processos de formação e manutenção de um participante coletivo. Dessa forma, poderão ser criadas as condições para que a sociedade civil entre em disputa pelo significado a ser imprimido às políticas públicas. É nesse sentido que ganha corpo o investimento em processos de participação popular, como possibilidade de criação, transformação e controle social, tendo em perspectiva a construção de espaços públicos nos quais os interesses diferenciados entram em disputa. Quanto ao universo da criança e do adolescente, tratava-se não só de garantir a proteção via políticas públicas, mas de mudar a forma de conceber a problemática, uma vez que o termo “menor” delimitava a separação entre crianças pobres e ricas, cuja conseqüência na formulação de políticas públicas é a discriminação das crianças pobres. Tal concepção tem sido enfrentada a partir da ação de movimentos sociais, organizações não governamentais e integrantes de organizações governamentais, que lograram afirmar a concepção de criança e adolescente como “sujeitos de direitos”. É nesse cenário que emerge a doutrina de uma proteção integral a crianças e adolescentes, opondo-se à visão restritiva da criança e do adolescente: A concepção de sujeito se ampliou sob a influência internacional, e a constituinte, recepcionando o conceito, tornou possível o fortalecimento da proteção integral, tendo em vista a formação de meninos e meninas em sua integralidade – inteligência, sentimento, vontade – e universalidade, ou seja: todas as crianças e adolescentes do país. (ATHAYDE, 1997 apud COSTA, 2000, p. 134). Há que se ressaltar, ainda, que “essa nova ordem não será estabelecida apenas a partir do ordenamento legal, mas dentro de um processo que exige mudança de cultura política e reordenamento institucional” (COSTA, 2000, p.134). Abrigados sob a ideia de crianças e aos adolescentes como prioridade absoluta, os direitos e garantias que visam à proteção da integridade das crianças e adolescentes só podem tomar forma concreta, caso se sustentem em três pilares, quais sejam, a defesa, a promoção e a garantia de direitos. Na área da infância e da adolescência, merecem destaque o número significativo de Conselhos Tutelares e de Direitos (em nível estadual e municipal), a atuação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA na coordenação de ações em prol dos direitos das crianças e adolescentes e as iniciativas dos Centros de Defesa, coordenados nacionalmente pela Associação Nacional dos Conselhos Direitos da Criança e do Adolescente – ANCED. O tipo de atuação das diferentes instâncias de defesa dos direitos das crianças e adolescentes também é singular por objetivar a construção do Sistema de Garantia de Direitos e por buscar a integração das políticas. São singulares as suas iniciativas, ainda, por atuarem não só como simples fiscalizadores das políticas, exercitando continuamente a proposição de políticas públicas de novo tipo. No terreno das políticas públicas, tem a ver com a concepção que orienta sua formulação e implementação: Como entendemos a democracia e a cidadania? Com que noção de participação trabalhamos, a que respeita a autonomia da sociedade civil ou a tutelada pelo Estado? A construção de um Brasil democrático, que aponte para a inclusão social, para o resgate dos valores da integridade e da solidariedade – tão caros ao nosso povo – , e para a abolição da desconfiança e do medo como motores das relações sociais é inseparável do necessário investimento em Políticas Públicas. O papel estratégico deve ser exercido em três eixos principais: o da transversalidade interna e externa na construção de políticas públicas de governo; o da participação e controle social, para garantir os benefícios do poder compartilhado e diluído; e o da sustentabilidade. Toda política pública deve ser analisada a partir do elemento da sustentabilidade, percebendo se a mesma inclui sustentabilidade (caso positivo, se inclui a sociedade civil); se envolve controle social. Precisa, ainda, responder à questão de como serão trabalhadas as problemáticas sociais: por áreas temáticas ou por áreas de políticas tradicionalmente adotadas. Como vamos interagir com políticas já estruturadas, também é necessário indagarmos se os nossos arranjos institucionais permitem a transversalidade e, em um cenário de descentralização, qual o melhor arranjo. Exercitando o poder de invenção, podemos optar por várias formas de organização das políticas, conforme o eixo selecionado, tal como apontamos : 1. Pelos cortes de desigualdade social/ política afirmativa de respeito às diferenças: permitiriam a montagem das políticas a partir de questões como a questão de gênero; questão étnica/racial; padrão de relação entre as gerações: (Criança e adolescente, Terceira Idade); 2. Pelas áreas tradicionalmente estabelecidas, conforme legislação específica sobre o assunto: Lei orgânica da saúde, estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS . A limitação é que estas legislações provocam arranjos institucionais novos, mas exigem transversalidade apenas na sua execução específica. Poderíamos engendrar, nesse campo, políticas setoriais (políticas e programas de saúde, políticas para crianças e adolescentes, por exemplo) ; 3. Sustentabilidade: privilegiando temas como diversidade cultural; respeito ao meio ambiente; economia solidária; 4. Eixos Temáticos abrangentes/ Temas transversais, nos quais teriam centralidade os Direitos transversais, como Humanos; "continuidade e Combate à violência; descontinuidade de Temas políticas", "incorporação da perspectiva de gênero por políticas públicas locais", "novos arranjos institucionais", "parcerias no combate à pobreza", ética, educação ambiental, e orientação sexual. Algumas dessas questões já avançaram no plano legal, mas não se incorporaram à cultura política. Sua incorporação exige tanto o reordenamento dos processos de planejamento das políticas, como a sua reestruturação e as relações entre as diversas esferas administrativas. O atendimento integral às crianças e adolescentes requer transversalidade. Nossa intenção, ao propor a transversalidade é enfrentar os empecilhos para a efetivação das políticas, tais como superposição de atribuições, fragmentação, setorialização, compartimentação e verticalidade. A perspectiva que queremos alcançar é a interrelação, integração; uma “transversalidade vertical”, isto é, a busca de sinergia entre políticas públicas de alcance nacional com as políticas regionais, estaduais e locais. 5 CONCLUSÃO Os diversos indicadores sociais expostos que evidenciam a negação dos direitos das crianças e adolescentes brasileiras e, em particular, da infância maranhense evidenciam a ineficiência das políticas públicas executadas pelos diversos agentes públicos que atuam no Maranhão, nos três níveis da esfera administrativa – municipal, estadual e federal. Tal situação se insere no quadro geral dos problemas sociais vivenciados pela maioria dos maranhenses, traduzindo-se como a expressão mais concreta do sistema econômico, político e social implementado no Brasil e, de forma particular, no Maranhão. A persistência desse quadro, já apontado em outras vezes, é uma evidência de que o governo não incorporou os novos direitos das crianças e adolescentes, praticando sua sonegação, de forma frequente e a sociedade ainda não desenvolveu uma mentalidade de proteção e controle social para aquele segmento.. Essa situação revela, simultaneamente, o descompromisso do Poder Público com a imensa agenda social brasileira e maranhense. A alteração desse quadro exige mudança de cultura política e reordenamento institucional. Esta, por sua vez, supõe a modificação da relação Estado/sociedade, que passa pelo estabelecimento de controle social no sentido de ampliar a presença da sociedade nos processos decisórios da vida social, dentro de um novo processo de correlação de forças. REFERÊNCIAS LIMA JR, Jaime Benevenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Editora Renovar, 2002. COSTA, Cândida. Exclusão social no Maranhão. In: BORGES, Arleth et al. Vidas ameaçadas; indicadores da violação de direitos de crianças e adolescentes no Maranhão de 1991 a 1998. São Luís:CDMP, 2000. ________. Iniciativas governamentais na área da infância e da adolescência no Maranhão; 1994-1997. In: Vidas ameaçadas; indicadores da violação de direitos de crianças e adolescentes no Maranhão de 1991 a 1998. São Luís: CDMP, 2000. _________. Atualidade do controle social das políticas públicas no Maranhão. In: Observatório Criança: acompanhando a situação dos direitos da criança e do adolescente no Maranhão de 1998 a 2002. Vol. IV, 2004. _________. Indicadores de assistência social 2006-2010. In: COSTA, Cândida da(Org).Observatório Criança: acompanhando a situação dos direitos da criança e do adolescente no Maranhão de 2006 a 2010. Vol .V. São Luís: CDMP:CEDCA, 2014. Disque 100: Quatro mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes foram registradas no primeiro trimestre de 2015. Disponível em: http://www.sdh.gov.br. Acesso em: 02.06.2015 IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Brasília: 2012. MAPA DE INDICADORES SELECIONADOS DO TRABALHO INFANTI. Disponível em http://censo2010.ibge.gov.br/trabalhoinfantil/Trabalho%20infantil%20%20Notas%20tecnicas.pdf Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/trabalhoinfantil/ PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano 2010. Disponível: www.pnud.org.br. Acesso em: 22. jan. 2012.