DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS - joinpp

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DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS – desafios para a efetivação dos
direitos de crianças e adolescentes
Selma Maria Muniz Marques1
Maria Jacinta Carneiro Jovino da Silva2
Carla Cecília Silva Serrão3
Cândida da Costa4
RESUMO:
A mesa Coordenada “Direitos Humanos e Políticas Públicas – desafios para a
efetivação dos direitos de crianças e adolescentes”. Objetiva disseminar, no âmbito
acadêmico, a questão da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes e
apresentar experiências e desafios na perspectiva da efetivação dos direitos humanos
para esse segmento. Objetiva contribuir também com as organizações
governamentais e não governamentais, que desenvolvem ações voltadas para esse
segmento através de estudos e análises sobre a realidade de crianças e adolescentes
e as ações desenvolvidas. Essa temática tem justificativa nas diversas expressões de
negação de direitos humanos de crianças e adolescentes identificadas nas
experiências de estudos e pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas (GDES),
vinculado ao Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Maranhão.
Abordaremos os seguintes conteúdo: o processo sócio histórico de organização do
sistema de proteção social para a infância e a adolescência no Brasil, no contexto do
paradigma da proteção integral. A situação de violação dos direitos humanos de
crianças e adolescentes no Brasil e no Maranhão. Experiências na perspectiva da
efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes nas políticas. Avanços e
desafios no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e no Sistema
Único de Saúde (SUS).
1
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
2
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
3
Mestre. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
4
Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO: desafios para o SUAS e contrapontos para a
redução da maioridade penal 5
6
Selma Maria Muniz Marques
7
Carla Cecília Silva Serrão
1 INTRODUÇÃO
O atual contexto societário, marcado pela agudização da violência social, com
reconhecida influência no aprofundamento da desigualdade social no Brasil, tem
mostrado tendência de acentuação e ampliação das vulnerabilidades que são
inerentes à vivência da adolescência e de potencialização de riscos que põem em
questão o paradigma da proteção integral consagrado no Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA.
Esse contexto exige debate em torno dos entraves que desafiam a efetividade
do
Atendimento
Socioeducativo,
reconhecido
e
assegurado
em
normativas
internacionais (Convenções, Declarações e Tratados) e nacionais (Constituição
Federal, ECA, Lei do SINASE, dentre outros). Chama atenção para os desafios que se
interpõem à efetividade dos direitos humanos de adolescentes que por motivo de
autoria de atos infracionais deverão ser tutelados pelo Estado. Condição que resulta
do reconhecimento destes como pessoas em processo peculiar de desenvolvimento.
Por essa razão, para galgarem o direito ao desenvolvimento integral, necessitam dos
mecanismos de proteção social do Estado.
Neste artigo discutimos os desafios para a efetivação do atendimento
socioeducativo no Maranhão, no âmbito do SUAS, a partir de conhecimento sobre este
registrado em pesquisas que subsidiaram o processo de formulação do Plano Decenal
do atendimento socioeducativo no Maranhão. Além destes indicadores sobre o
5
Artigo vinculado à Mesa Coordenada da JOINPP 2015 intitulada ADOLESCENTES E VIOLAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS: contrapontos à redução da maioridade penal
6
Doutora. Docente vinculada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão.
E-mail: [email protected]
7
Mestre. Docente vinculada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão.
E-mail: [email protected]
contexto histórico do atendimento socioeducativo apresentamos alguns argumentos
em torno da refutação da proposta de redução da maioridade penal, em andamento,
através da PEC 171/1993.
2 ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO E O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL: encontros e desencontros
O Atendimento Socioeducativo, segundo Costa (2006) foi uma construção para
o controle social de delitos praticados por adolescentes. Delitos entendidos sob
diversos enfoques teóricos que se situavam desde a teoria acrítica até a teoria crítica.
Os positivistas, que em muito influenciaram a criminologia positivista, reconhecem no
autor de delitos um ser delinquente, portanto, desviante, anormal e patológico.
Os construtivistas defendem que os delitos são uma construção social que
surge e desaparece no curso da história humana. A dialética afirma que os delitos são
resultantes de múltiplas determinações e que para compreendermos necessitamos
adotar o princípio da contradição que perpassa a constituição da sociedade,
considerados enquanto processo sócio histórico em um contexto de desigualdade
social, marcado pela contradição.
Baseado no entendimento de que a teoria acrítica construiu um tipo de
pensamento sobre o delito que leva à formação de opiniões que beiram ao sensocomum, porque baseiam-se em ideias que afirmam a existência de uma predisposição
irrecuperável para a maldade, defendemos que a teoria crítica produz conhecimentos
que acumulam para a viabilização da vida humana, visto que reconhece a
dialeticidade que permeia a sociabilidade humana. Conhecimento que afirma que
qualquer pessoa, desde que submetida a condições dignas de vida, pode reorientar
sua trajetória de vida, rompendo com comportamentos rejeitados pelo regramento
erigido pelo sistema de controle social.
Essa forma unilateral de pensar a adolescência foi superada, em seus
aspectos teórico e jurídico, com o reconhecimento de adolescentes como sujeitos de
diretos, a partir das reações em defesa dos direitos humanos desses segmentos.
Processo que fez emergir formas diferenciadas de reação ao delito: uma formal e
outra informal (COSTA, 2006).
Esse movimento reconheceu o delito como ameaça à condição idealizada para
a infância e adolescência. Trouxe para o Estado e para a sociedade, de forma
compartilhada, a responsabilidade de construção de respostas seguras para garantir a
proteção social devida a todas as crianças e adolescentes, de modo a evitar o risco
concreto do encontro com o delito.
A reação formal ocorreu com base na criação de dispositivos jurídicos
representados através do Sistema de Justiça. A reação informal por mecanismos
diferenciados, como os dispositivos de formação da opinião pública, dispositivos de
organização da vida social, instituições e movimentos sociais articulados em torno da
luta pela conquista e efetivação de direitos humanos de adolescentes.
Foi nessa luta contra o efeito nefasto do delito na vida de adolescentes, e na
sociedade de forma geral, que o movimento de reação, formal e informal, promoveu a
ruptura com o paradigma da situação irregular e erigiu o paradigma da proteção
integral, que resultou no princípio da prioridade absoluta. Fazendo surgir o
atendimento socioeducativo como consequente proposta de reação ao delito quando
praticado por adolescentes.
É nesse patamar que situamos o atendimento socioeducativo. Inserido no
patamar de política pública devida a adolescentes que, por falha das barreiras de
proteção necessárias para assegurar o seu desenvolvimento, encontram-se com o
delito, na condição de autores de ato infracional, denominação prevista no ECA, que
em sua ocorrência prevê o atendimento socioeducativo.
O Atendimento Socioeducativo é organizado através de dois regimes: o meio
aberto e o meio fechado. O meio aberto, sob responsabilidade do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) é configurado como serviço de Proteção Social Especial de
Média Complexidade (PSEMC) destinado a adolescentes autores de atos infracionais
e que foram sentenciados para cumprimento de medidas socioeducativas nas
modalidades de Liberdade Assistida (LA) ou de Prestação de Serviço à Comunidade
(PSC).
Destaca-se que no Maranhão – estado com 217 municípios-, o atendimento
socioeducativo em regime aberto está municipalizado em apenas 35 municípios,
através de 122 CREAS (MDS, 2014). Esta situação revela o reduzido investimento
público nas medidas em meio aberto registrado nos últimos anos. Desperta, ainda,
uma preocupação frequente, haja vista que esse regime oferece maior potencial de
inversão da trajetória infracional. Tanto pela maior possibilidade de realinhamento da
trajetória de vida, quanto pelo menor custo que representa para as políticas públicas.
A Tipificação dos Serviços Socioassistenciais do SUAS, que ordena e orienta a
execução das medidas socioeducativas nos CREAS, prevê como serviços de proteção
social a adolescentes e famílias em situação de cumprimento de medidas
socioeducativas o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos (PAEFI) e o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento
de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à
Comunidade (PSC).
Segundo o MDS o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos (PAEFI), voltados para famílias e indivíduos em situação de
vulnerabilidade pessoal e social, deve se constituir como serviço de apoio, orientação
e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de
ameaça ou violação de direitos. Para esse fim deve desenvolver atenções e
orientações direcionadas à promoção de direitos, à preservação e ao fortalecimento de
vínculos familiares, comunitários e sociais e ao fortalecimento da função protetiva das
famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a
situações de risco pessoal e social.
O PAEFI objetiva contribuir para a redução das violações dos direitos
socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; orientação e proteção social a
famílias e indivíduos; acesso a serviços socioassistenciais e das políticas públicas
setoriais; identificação de situações de violação de direitos socioassistenciais; e
melhoria da qualidade de vida das famílias.
Considerando a incompletude institucional do SUAS e complexidade dos
desafios a enfrentar, as normativas colocam como exigência para esse serviço de
proteção social a articulação em rede com os serviços socioassistenciais dos dois
níveis que estruturam o SUAS, a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial;
com os serviços ofertados pelas demais políticas públicas setoriais; com a sociedade
civil organizada e seus processos participativos e de controle social; com os demais
órgãos do Sistema de Garantia de Direitos tais como o sistema de Segurança Pública,
Ministério Público e de Justiça; com os Conselhos Tutelares; com as Instituições de
Ensino e Pesquisa; e com os serviços, programas e projetos de instituições não
governamentais e comunitárias. Têm por perspectiva a garantia de atendimento
imediato e providências necessárias para a inclusão da família e seus membros em
serviços socioassistenciais e/ou em programas de transferência de renda, de forma a
qualificar a intervenção e restaurar o direito.
O Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade
(PSC) tem como usuários adolescentes de 12 a 18 anos incompletos, ou jovens de 18
a 21 anos, em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de
Prestação de Serviços à Comunidade, aplicada pela Justiça da Infância e da
Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente, extensivo a suas
famílias.
O atendimento socioeducativo objetiva: realizar acompanhamento social a
adolescentes durante o cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade
Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade e sua inserção em outros
serviços e programas socioassistenciais e de políticas públicas setoriais; criar
condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à ruptura
com a prática de ato infracional; estabelecer contratos com o adolescente a partir das
possibilidades e limites do trabalho a ser desenvolvido e normas que regulem o
período de cumprimento da medida socioeducativa; contribuir para o estabelecimento
da autoconfiança e a capacidade de reflexão sobre as possibilidades de construção de
autonomias; possibilitar acessos e oportunidades para a ampliação do universo
informacional e cultural e o desenvolvimento de habilidades e competências; fortalecer
a convivência familiar e comunitária (MDS, 2013).
O serviço de atendimento socioeducativo segundo o MDS (2013) deve prover
atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens em
cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto na perspectiva de contribuir
para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e social
destes. Para esse fim chama atenção sobre o fato de que a oferta do serviço deve
observar a responsabilização face ao ato infracional praticado; e os direitos e
obrigações devem ser assegurados de acordo com as legislações e normativas
específicas para o cumprimento da medida.
O MDS (2013) prevê para a oferta do serviço no CREAS: a elaboração do
Plano Individual de Atendimento (PlA), com a participação do adolescente e da família,
destacando os objetivos e metas a serem alcançados durante o cumprimento da
medida, perspectivas de vida futura e outros aspectos que podem ser acrescidos, de
acordo com as necessidades e interesses do adolescente; o acompanhamento social
ao adolescente de forma sistemática, com frequência mínima semanal, de modo a
garantir o acompanhamento contínuo e possibilite o desenvolvimento do PIA; no caso
da Prestação de Serviços à Comunidade identificar no município os locais para a
prestação de serviços, que devem se configurar enquanto tarefas gratuitas e de
interesse geral, com jornada máxima de oito horas semanais, sem prejuízo da escola
ou do trabalho, no caso de adolescentes maiores de 16 anos ou na condição de
aprendiz a partir dos 14 anos.
Os avanços conquistados pelo movimento de criança e adolescente no âmbito
do SUAS nos coloca na situação demarcada por Bobbio (1997), quando anteveu para
o século XXI o desafio da efetivação dos direitos humanos conquistados no século XX.
Construímos uma política para a adolescência. Está no papel é lei, mas grande ainda
é a luta para a efetivação dessa conquista, conforme veremos a seguir.
O Atendimento Socioeducativo em Meio Fechado, ofertado em regime de
restrição de liberdade (medida cautelar ou provisória e de semiliberdade) ou privação
de liberdade (internação) é de responsabilidade da Fundação da Criança e do
Adolescente, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES) e à
Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDHPop).
As medidas restritivas de liberdade são oferecidas em duas unidades de
Semiliberdade e duas unidades de Medida Provisória ou Cautelar. As unidades de
Semiliberdade localizam-se uma em São Luís, capital do estado, Centro de Juventude
Nova Jerusalém, com capacidade de atendimento 12 adolescentes e outra em
Imperatriz, Centro de Juventude Cidadã, com capacidade de atendimento de 8
adolescentes. As unidades de Medida Cautelar ou internação provisória estão
localizadas uma em São Luís, Centro de Juventude Canaã, com capacidade de
atendimento de 20 adolescentes e outra em Imperatriz, o Centro de Juventude
Semear, com capacidade de atendimento de 20 adolescentes. Estas unidades têm em
sua totalidade capacidade de atendimento de cerca de 60 adolescentes.
As medidas privativas de liberdade ou internação no período de 2008 a 2013
foram ofertadas em duas unidades socioeducativas, uma localizada em São Luís o
Centro de Juventude Florescer, unidade feminina, com capacidade de atendimento de
14 adolescentes e Centro de Juventude Esperança, unidade masculina, localizada em
São José de Ribamar, com capacidade de atendimento de 40 adolescentes.
Considerando como referência o quantitativo de adolescentes que foram
atendidos pela FUNAC em 2008 pode ser compreendido que nos anos de 2010 a
2012 ocorreu uma ligeira redução no número de adolescentes nas Unidades.
Entretanto, começou a ser registrado crescimento significativo a partir de 2013.
Analisa-se que o maior volume de atendimento ocorre nas Unidades de
Internação Provisória em São Luís e Imperatriz, seguido da internação masculina em
São Luís. Esta última demonstra menor volume em 2013, que pode ser relacionado à
situação de interdição promovida pelo Ministério Público, em decorrência da precária
condição de funcionamento. Contexto no qual foram deslocados adolescentes a nova
unidade Centro de Juventude Alto da Esperança (CJAE), adaptada para atendimento
deste grupo. Em 2015 segundo a Presidente da FUNAC a tendência de superlotação é
acentuada visto que a internação provisória registrou no mês de maio lotação 98
adolescentes.
O
crescimento
da
violência
na
sociedade
maranhense,
manifestado
diariamente através da construção discursiva midiática tem trazido reflexos diretos
para o aumento do delito juvenil, registrados pela FUNAC e pela 2ª Vara da Infância e
Juventude da Comarca de São Luís. Entretanto, cabe destacar que este aumento
retrata o baixo investimento do Estado em políticas públicas reafirmadoras dos direitos
humanos do público criança e adolescente em todo o estado, que diante dos riscos a
que estão impostas, destaca-se com significância a dominação pelo narcotráfico e
pelas facções criminosas.
Esse contexto, marcado pela construção discursiva fundamentada nos
conhecimentos jurídicos acríticos e por análises que beiram ao senso comum,
apresenta argumentos poderosos na contramão do avanço legal conquistado com o
ECA e põe em risco o paradigma da proteção integral conquistado com muita luta no
século XX, retrata-se atualmente pela proposta de redução da maioridade penal.
A partir do exposto reafirmamos a necessidade de maior investimento público
no atendimento socioeducativo em meio aberto do SUAS visto que a Proteção Social
Especial tem maior potencial protetivo, porque mantém os adolescentes em condições
mais salutares para a vivência da socioeducação de forma que possibilite reflexão
sobre a trajetória infracional e desperte um compromisso para ruptura com essa
trajetória, próximos de suas bases relacionais familiares e comunitárias, resguardando
assim, a priori, maiores chances de reinserção social e ruptura com a trajetória
infracional.
Dentro dessa lógica discursiva, as medidas socioeducativas em meio aberto,
teriam maior potencialidade de prevenção da trajetória infracional, pela sua interrupção
precoce. Assim sendo, dotadas de maior peso no processo de investimento
governamental no desenvolvimento destas, pelo seu caráter preventivo promove a
interrupção da trajetória infracional, por meio da redução dos riscos que impulsionam o
adolescente para o ato infracional.
2.1 Desafios para a implementação do SINASE no Maranhão
No Estado do Maranhão a gestão do SINASE tem comando duplo: as medidas
em meio aberto devem ser geridas pelas secretarias municipais de Assistência Social,
com apoio técnico da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES). As medidas em
meio fechado são executadas pela FUNAC, com apoio técnico da SEDHPOP, ou seja,
as medidas em meio aberto são de responsabilidade do SUAS (executadas pelos
gestores municipais com apoio técnico da SEDES) e as de meio fechado da Secretaria
Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDHPop).
Para a efetiva gestão do atendimento socioeducativo no Maranhão é exigida
articulação entre as duas secretarias de governo (SEDES e SEDHPOP) e as gestões
municipais do SUAS dos 217 municípios maranhenses. A intercessão entre a gestão
do meio aberto e o fechado parece ocorrer dentro da SEDHPOP que obteve esta
organização a partir da posse do novo gestor público estadual em janeiro de 2015.
Estudos publicados por Costa, Marques e Miranda (2013) e Marques (2013 e
2014) chamaram a atenção para o quadro de crise que abalava o atendimento
socioeducativo, tanto em meio fechado quanto aberto. Demonstrando a necessidade
de reposicionamento do tema na agenda governamental, tendo em vista a situação de
precariedade que abalava o sistema socioeducativo em todo o estado.
Destacamos alguns dos principais desafios presentes na implementação do
atendimento socioeducativo na perspectiva de construção de alternativas para a sua
superação e assim para o seu fortalecimento, tanto em meio aberto quanto fechado.
No âmbito da gestão do atendimento socioeducativo, destacamos: a
ausência da articulação intersetorial. Princípio estruturante para a construção e
consolidação de um sistema de proteção social público fortemente respaldado no
princípio da incompletude institucional, que faz emergir a prática da ação em rede.
Nessa lógica, o sistema socioeducativo seria mantido por um conjunto de serviços,
complementares, que potencializariam as ações socioeducativas e que incidiriam
diretamente no enfrentamento das vulnerabilidades que impulsionam os adolescentes
em rota de colisão com a prática infracional. Vulnerabilidades estas de difícil
enfrentamento face à complexidade vivenciada pelos adolescentes e suas famílias, em
um contexto societário marcado pelas expressões da desigualdade social.
Destaca-se também o não cumprimento das condições postas no SUAS, por
meio de suas normativas, para a efetivação dos direitos socioassistenciais em parte do
território estadual. Sobre esse aspecto destacamos a dificuldade de constituição de
serviços de referência, com equipe de referência exclusiva para execução das
medidas socioeducativas, organizadas de forma a combater a precarização do
trabalho vivenciada pelos trabalhadores do SUAS. Sobretudo, na perspectiva de
cumprir o que está referenciado na NOB/RH /SUAS, ou seja: equipes constituídas por
meio de concursos públicos, seguindo os parâmetros estabelecidos. A situação
predominante, em todo o Estado é a contratação precarizada. Situação que pode
dificultar, sobremaneira, na falta de condição para adesão das equipes à proposta do
SUAS.
Outro desafio destacado é a desarticulação entre o meio aberto e o
fechado, marcado por uma cisão que não permite compreender que estão
organicamente vinculados e que um reflete no outro. Precisamos entender, que o meio
aberto necessita ter maior primazia, inclusive no que diz respeito à dotação
orçamentária para potencialização do seu caráter preventivo e efetivação da proposta
pedagógica construída pelo SINASE.
No âmbito da qualificação do atendimento socioeducativo destacamos a
fragilidade do atendimento especializado junto às famílias dos adolescentes
autores de atos infracionais atendidos nas medidas restritivas e privativas de
liberdade, visto que estes são atendidos em unidades distantes do seu município de
origem. Situação que ameaça a metodologia da Unidade Socioeducativa visto que
nesta a família tem participação decisiva para reinserção familiar e comunitária dos
adolescentes. Além de ser alvo direto de proteções que precisariam ser acionadas
para erigir barreiras capazes de prevenir o retorno destes à trajetória infracional.
A fragmentação e/ou inexistência da rede socioassistencial e das políticas
públicas nos municípios maranhense. Visto que conforme destacado pelos
profissionais do SUAS e pelos conselheiros de direitos e tutelares são muito frágeis; e
os municípios maranhenses ainda são marcados pela baixa sensibilidade dos gestores
municipais diante dos problemas que podem ameaçar o direito ao pleno
desenvolvimento de adolescentes. Distanciando mais ainda dos adolescentes o direito
à proteção social em prioridade absoluta.
Destaca-se ainda a ausência da experiência de práticas restaurativas no
âmbito do atendimento socioeducativo, conforme defendido e proposto pela Rede
Maranhense de Justiça Juvenil, referência nacional em metodologia de práticas
restaurativas. As práticas restaurativas são de grande potencial pedagógico para o
enfrentamento do ato infracional por permitirem a construção de uma nova relação de
sociabilidade fundamentada na cultura de paz, fundamental para a consolidação de
uma sociabilidade que traz como elemento central a efetividade dos direitos humanos.
Destacamos mais um dos desafios que pode ser colocado em condição de
prioridade devido ao papel que desenvolve para a efetivação dos direitos humanos de
adolescentes, a desarticulação do
envolvidos
controle social evidente nos segmentos
com a promoção dos direitos de adolescentes no atendimento
socioeducativo
responsáveis pelo controle social dos direitos de crianças e
adolescentes e da política de assistência social, respectivamente os Conselhos de
Direitos da Criança e do Adolescente (estadual e municipais) e os Conselhos da
Assistência Social (estadual e municipais).
Os conselhos de direitos e de políticas públicas, emergiram nos anos de 1990
como pilar fundamental para a democratização das políticas públicas e da sociedade,
de forma geral. Colocaram em cena a experiência da participação popular, enquanto
mecanismo efetivo para a construção de políticas públicas destinadas à satisfação dos
direitos humanos dos cidadãos. Entretanto, reconhece-se que no Maranhão, a
ambiência democrática tem enfrentado dificuldades de consolidação visto que este
não combina com o estilo de gestão fundado em bases oligárquicas.
Uma das formas de destruição do controle social é a redução deste à sua
dimensão burocrática, ao não investimento em formação política para o exercício do
controle social democrático e ao não aparelhamento dos conselhos para o pleno
exercício de suas funções. Situação cristalizada no Maranhão pela força do modelo
político implementado nos últimos 50 anos, impregnado por práticas antidemocráticas
e que reforçam a dificuldade de elevação da sociedade à condição de protagonistas
da construção de uma sociedade fundamentada na efetivação dos direitos humanos.
Assim, o desafio posto no contexto atual é a rearticulação e fortalecimento do
controle social para que a partir da participação qualificada no âmbito dos conselhos
de direitos e de políticas públicas seja assegurada a implementação das políticas,
programas, projetos e serviços conquistados no âmbito do SUAS e do SINASE.
2.2. Contrapontos à redução da maioridade penal à luz dos desafios para o
atendimento socioeducativo no âmbito doo SUAS
A proposta da redução da maioridade penal representa um ataque ao
paradigma da proteção integral conquistado no ECA, assim como aos direitos
socioassistenciais do SUAS. Conquistas resultantes de ampla mobilização e luta
orquestrada pelo movimento de criança e adolescente e pelos trabalhadores do SUAS,
nas duas últimas décadas do século XX. Mais ainda, um retrocesso no processo
histórico que culminou com as conquistas de direitos humanos de adolescentes,
reafirmados como segmento de especial proteção da sociedade pela sua condição de
pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, portanto, permeáveis a
vulnerabilidades e riscos com potencial de ameaça, de sabotagem e até interrupção
da trajetória a ser percorrida rumo à condição de pessoas adultas e por isso
signatários da proteção social compartilhada pelo Estado, Sociedade e Família.
Entendemos, que no contexto societário atual, a participação de adolescentes
em atos delituosos, tipificados no ECA como ato infracional, não pode mais ser
compreendida à luz da doutrina jurídica positiva. Isto porque não acreditamos nos
argumentos que retiram adolescentes da condição de vítimas da violência social que
marca o atual momento societário, transformando-os em algozes vorazes que
precisam ser tratados com a forma mais dura de exclusão social: a prisão em um
sistema carcerário falido, que não consegue tratar autores de delitos como pessoas,
portanto, detentores de dignidade que devem ter garantido o direito de reconstrução
de seus projetos de vida.
Esse
sistema
desumano
contribuirá
para a
eliminação
de
qualquer
possibilidade de pessoas no início de suas vidas, ainda em processo de refinamento
do seu aparelho cognitivo, neuronal e comportamental, abandonarem as práticas
infracionais. O direito conquistado no ECA de ter acesso, nessa situação, ao
atendimento socioeducativo fundamentou-se na premissa de que estes têm o direito
de realinhamento do seu projeto de vida, de modo a se tornarem livre dos efeitos do
mundo infracional.
A defesa da vida de adolescentes fundamenta-se também no aspecto de que
não dá para acreditar no ditado popular de que “pau que nasce torno, morre torto”. O
adolescente é uma pessoa e como pessoa guarda em si a possibilidade de superação
de comportamentos e práticas que são nocivas a si próprio e à sociedade.
Um outro argumento utilizado pelos defensores da redução da maioridade
penal é o de que estes não são punidos pela autoria de atos infracionais. Argumento
sem nenhuma base e, portanto, irreal. Eles são sentenciados ao cumprimento de
medidas socioeducativas que tem caráter educativo e punitivo. Momento no qual
deveriam ser responsabilizados pelos seus atos e estimulados à reconstrução de sua
trajetória de vida e de assumirem que cometeram infrações danosas para eles, para
outros em particular e para a sociedade de forma geral. Assim, por meio da
socioeducação terão a chance de ruptura com a experiência infracional. As perguntas
que não podem ser silenciadas são: as unidades socioeducativas em meio aberto e
fechado conseguem efetivamente se constituir como experiência socioeducativa com
capacidade de influenciar na trajetória infracional de adolescentes? Existem
experiências com caráter efetivamente socioeducativo que permitam construir novos
projetos de sociabilidade humana para esses adolescentes? A sociedade como um
todo se articula em prol dessa perspectiva?
O que estes defensores não mostram é que o Estado tem um débito histórico
com estes adolescentes, pela dificuldade de manter um sistema efetivamente
socioeducativo. Mostrando que falharam e falham, caindo em condição de autores de
crime de omissão, negligência. Tentam ocultar o problema oferecendo a saída
rejeitada historicamente para a situação: o autoritarismo e a punição sem opção de
reconstrução do sujeito. Comportamento próprio de adultos opressores que escondem
sua culpa através da coerção e do aprisionamento.
Outro ponto de defesa usada pelos defensores da redução da maioridade
penal é de que precisamos de mais uma lei. Não precisamos de novas leis para lidar
com o ato infracional, para esse fim existem leis que não conseguiram tornar-se
concretas até o presente momento, quais sejam: o ECA, o SINASE, o SUAS, o SUS,
dentre outros. Trazem em seus conteúdos as ações a serem desenvolvidas para
garantir àqueles que cometem o ato infracional a superação desse quadro e o
abandono da trajetória infracional. O que falta, portanto é efetividade das leis. Falta
assegurar os direitos humanos que abrem a possibilidade de romper com a
perversidade de um sistema que para poucos assegura chances de desenvolvimento
humano.
Os que são favoráveis à redução da maioridade penal defendem a prisão de
adolescentes em um sistema prisional falido, brutal e bárbaro, dominado por facções
criminosas. Omitem que o sistema “correcional” no qual desejam isolar os
adolescentes tem índice de reincidência de 70% e que é uma expressão da barbárie
que atravessa a sociedade. Presídios abalados por rebeliões, dominados por facções
criminosas, dentro das quais os adolescentes não terão quase nenhuma chance de
sobrevivência física e emocional.
Argumentam que reduzir a idade penal reduzirá a violência. Ao contrário, a
realidade do sistema penitenciário denunciada e comprovada através de dados,
mostra que o inchamento dos presídios não impacta na redução da violência. A
violência cresce no interior dos presídios e deixa a sociedade em pânico. O que não
mostram é a verdadeira raiz do problema; ela não está nos adolescentes, mas no
modelo de organização da sociedade, reafirmando a ligação demonstrada por
inúmeros teóricos ao apresentarem a relação orgânica existente entre desigualdade e
violência. Deste modo deduz-se que o que faz crescer a violência é a persistência da
desigualdade.
4 CONCLUSÃO
A proteção social à adolescência está atravessando momento crucial marcado
por ataques de forças conservadoras que ameaçam conquistas legais construídas ao
longo do século XX. A socioeducação de adolescentes ainda não se consolidou e está
para esse fim trazendo exigências que precisam ser pautadas nos movimentos de
defesa de direitos e pelo controle social. A principal questão é a defesa intransigente
do ECA e do SINASE em uma perspectiva de assegurar aos adolescentes em
condição de autores de atos infracionais a aplicação da socioeducação, conforme
preconizada no SINASE. Dessa forma, assumindo e possibilitando a experiência da
socioeducação enquanto estratégia para o enfrentamento do ato infracional. Antes
dessa situação não podemos aceitar, em qualquer formato, proposta que ataque
direitos e adolescentes e que elimine a possibilidade de, mesmo que na adversidade
do ato infracional, estes tenham assegurada a chance de ruptura e retorno à trajetória
de vida livre da violência.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal Nº 8.069, 1990.
BRASIL. Plano Decenal do SINASE. Brasílias: 2013
BRASIL. Secretaria Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais. Brasília, 2013
CEDCA. Plano Decenal do Atendimento Socioeducativo do Maranhão (2014-2024).
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Os Regimes de Atendimento no ECA:
perspectivas e desafios. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Por uma Política Nacional de Execução das
Medidas Socioeducativas. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006
COSTA, C. (Org.); MIRANDA, Aurora Amélia Brito de (Org.); MARQUES,
Selma. M. M. (Org.) . Reconstruindo trajetórias de vida? um olhar sobre o
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EDUFMA, 2013. v. 500. 348 pp.
MARQUES, Vidas em Risco: adolescentes no atendimento socioeducativo em uso de
substâncias psicoativas. São Luís: EDUFMA, 2013.
FUNDAMENTOS PARA A PROTEÇÃO SOCIAL DE ADOLESCENTES AUTORES
DE ATOS INFRACIONAIS: imperativos para a garantia de direitos humanos
Maria Jacinta Carneiro Jovino da Silva8
1 INTRODUÇÂO
A trajetória de conquistas de direitos para o segmento criança e adolescente
na sociedade brasileira está expressa em vários dispositivos legais, tratados e
convenções, amplamente conhecidos pelos estudiosos e trabalhadores das políticas
públicas. Um dos argumentos que fundamentam estes direitos é o fato de que a
criança e o adolescente se encontram numa fase de desenvolvimento peculiar da vida
humana, um período especial que merece proteção integral, visto que guarda um
potencial protetivo significativo para a construção da sua vida adulta e de suas
relações na vida em sociedade.
Neste
trabalho
pretendemos
construir
argumentos
que
consideramos
fundamentais para compreender a condição social do ser humano adolescente, em
especial daqueles que estão na situação de autores e vítimas de práticas delituosas.
Este adolescente não pode ser compreendido de forma desconectada do contexto
sócio-histórico da sociedade brasileira, demarcado por relações sociais complexas e
contraditórias, que produzem uma profunda desigualdade social a que estão
submetidos, e por consequência, a privação de suas necessidades básicas e
essenciais para o seu desenvolvimento. Estas relações produzem uma violência
estrutural na vida dos adolescentes, que violam a sua condição de sujeitos de direitos,
a partir da negação dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que criam armadilhas
da ilusão, conhecidas como práticas delituosas ou atos infracionais.
8
Doutora. Docente vinculada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão.
E-mail: [email protected]
Neste texto abordamos algumas categorias que consideramos bases éticas
para a exigência da garantia da proteção social aos adolescentes, no sentido protetivo,
preventivo e proativo: a dignidade humana; desigualdade social e diferença;
necessidades sociais; e vulnerabilidade social. Acreditamos que, se a proteção social
integral for garantida pelo Estado e pela sociedade, parcela significativa dos
adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas, poderiam não
ser autores e vítimas de atos infracionais. Entretanto, estas bases também devem ser
consideradas
para
garantir
a
proteção
social
no
âmbito
do
atendimento
socioeducativo, para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas,
quer sejam restritivas ou privativas de liberdade.
2. FUNDAMENTOS PARA COMPREENSÃO DA SITUAÇÃO DO ADOLESCENTE
COMO AUTOR E VÍTIMA DO ATO INFRACIONAL
2.1
A Dignidade Humana como fundamento de todo o direito
A dignidade é a essência fundamental do ser humano, ao mesmo tempo em
que também é intrínseca a todos os homens. Existe um consenso na humanidade de
que todos os homens são reconhecidos como pessoas, e, portanto, são iguais perante
quaisquer normas legais, e são também portadores de direitos. Os direitos humanos
são comuns a todos, a partir da matriz do direito à vida, sem distinção alguma: de
sexo, da etnia, religião, instrução, profissão, faixa etária, condição social,
nacionalidade, deficiência, ideologia, cultura, orientação sexual, etc.
O homem, a
partir da qualidade de pessoa humana é a fonte primária de todo direito, de modo que
”todo ser humano tem direitos a ter direito” (ARENDT, 1998; DAGNINO, 2004;
BENEVIDES, 2007). Desse modo, a dignidade humana justifica a construção e a
defesa dos direitos humanos.
Todos os homens são dotados de dignidade, independentemente das
situações de desigualdade social que experimentam ou de quaisquer diferenças de
uns em relação aos outros. Nenhum homem, por qualquer condição que vivencie,
pode ser considerado inferior ou superior a outro homem, visto que nenhuma pessoa
humana pode ter mais dignidade do que outra. De acordo com Pequeno (2008, p.25),
a dignidade é um valor incondicional, incomensurável, insubstituível e não admite
equivalente, pois está acima de qualquer outro princípio ou ideia. Cada homem é um
ser insubstituível, porque a sua vida, sendo humana, não tem equivalente, não pode
ser trocado por alguma coisa, porque não têm preço, mas tem um valor absoluto que
ultrapassa todos os valores: a dignidade humana.
O homem é, sobretudo, o único ser cuja existência, em si mesma,
constitui um valor absoluto, isto é, um fim em si e nunca um meio para
a consecução de outros fins. È nisto que reside, em última análise, a
dignidade humana [...] A dignidade do homem consiste na sua
autonomia, isto é na aptidão para formular as suas próprias regras de
vida (COMPARATO, 1997, p. 18).
A ideia de dignidade, como atributo essencial do ser humano, está na
afirmação da racionalidade humana. O que torna o homem essencialmente único e
diferente dos outros seres é a sua inteligência, a capacidade de raciocinar, de
conhecer, de criar, de tomar decisão, de escolher os seus objetivos, seus próprios
projetos de vida, orientar suas ações e conduzir sua vida na direção das finalidades
traçadas por ele mesmo. Através da razão o homem cria o mundo da cultura, o
universo da moral e do direito. Segundo Pequeno (2008, p.26), a razão humana "é a
faculdade que funda a autonomia da sua vontade e a liberdade que orienta sua ação
no mundo”. Porém, os objetivos traçados só se realizam devido a uma outra
característica essencial do ser humano: a razão axiológica, ou seja, a sua capacidade
de apreciação e de escolha de valores éticos, morais, políticos, religiosos, etc.
Significa que a racionalidade e a consciência dos homens permitem que eles sejam
sujeitos na definição de um juízo de valor sobre o bem e o mal, sobre o justo e o
injusto.
Entretanto, a capacidade de fazer escolha depende das condições
econômicas, sociais, culturais e políticas dos homens, visto que influenciam na sua
concepção de mundo e na sua perspectiva de vida. Para o ser humano adolescente
das camadas empobrecidas, que no geral experimenta a negação de seus direitos
básicos, a capacidade de definir objetivos para a condução de sua própria vida é muito
fragilizada e/ou abortada por suas condições de vida e permeada por interesses
distintos, do contexto em que estão situados socialmente. A situação de desigualdade
social, de pobreza e de injustiça em que vivem a maioria desses adolescentes, não
permite que os mesmos experimentem uma socialização baseada em valores éticos,
nem que desenvolvam práticas correlatas.
A expressão dignidade humana nos remete ao confronto com as situações de
violação aos direitos humanos, que ainda são vivenciadas por mais de 50% das
famílias brasileiras e pela maioria dos adolescentes, em situação de pobreza e de
extrema pobreza, em pleno século XXI. A violação da dignidade dos adolescentes é
expressa de formas diversas: privação das necessidades básicas, como alimentação,
moradia e higiene; violência e exploração sexual; situação de abandono e de vivência
na rua; repetência, evasão e/ou falta de acesso à educação escolar; dependência do
uso de substâncias psicoativas; e ausência de formação profissional para acessar um
trabalho digno.
2.2 As Necessidades Sociais como justificativa de direitos
Tomando por base as principais obras de Karl Marx, Agnes Heller (1986)
descobriu que existe uma relação direta entre mercadorias e necessidades humanas.
A satisfação das necessidades dos homens constitui uma condição básica para a
existência de qualquer mercadoria. Portanto, os homens precisam de mercadorias, na
forma de “coisas” objetivas, para que a satisfação da suas necessidades possa ser
garantida (HELLER, 1986, p. 21), de modo que o homem e os objetos que satisfazem
suas necessidades estão em constante correlação, pois toda necessidade se refere a
algum objeto material ou atividade concreta.
Em A ideologia alemã, Marx e Engels afirmavam que o primeiro fato histórico
é a produção dos meios necessários para a satisfação das necessidades humanas.
Nessa perspectiva, Doyal e Gough (1991, p. 45) afirmam que “todos os seres
humanos, em todos os tempos, em todos os lugares e em todas as culturas, têm
necessidades básicas comuns”. Existe um consenso moral na humanidade de que
uma vida humana digna só ocorrerá se certas necessidades sociais fundamentais e
comuns a todos forem atendidas.
As necessidades sociais guardam relação estreita com o trabalho, pois,
através dele, são produzidos os materiais para a provisão das necessidades humanas.
Entretanto, o lugar que os homens ocupam na divisão social do trabalho determina a
estrutura das suas necessidades e os limites no acesso, de acordo com as suas
condições sociais. Portanto, os objetos produzidos socialmente não são acessados
igualmente por todos. As necessidades sociais são objetivas e imprescindíveis à
manutenção da vida humana, pois, sem a sua satisfação, o homem não sobrevive.
Todas as pessoas precisam de alimentação, moradia, vestuário, higiene, etc.
(HELLER, 1986, p. 31), porém, as necessidades variam de acordo com cada época,
com as condições naturais e culturais de cada lugar.
Todos os homens também têm necessidades imateriais e subjetivas,
referentes ao âmbito das ideias, das concepções, da cultura, espiritualidade, etc., pois
sendo o homem um ser social, suas necessidades não são limitadas à natureza
biológica. Essas necessidades imateriais guardam uma dimensão ético política: o
direito de conhecer e reivindicar seus direitos; o direito de se indignar diante das
desigualdades sociais e das injustiças; a liberdade de participar da vida social, de
propositar melhorias nas condições de vida e de lutar pela construção de relações
democráticas, justas e igualitárias.
A provisão das necessidades sociais das pessoas, quer sejam objetivas ou
subjetivas, constitui uma justificativa primordial para a afirmação da dignidade. A
categoria das necessidades sociais permite fundamentar a definição de direitos e a
elaboração de medidas de proteção social através das políticas sociais. A relação
entre necessidades e direitos sociais está no núcleo de muitas expressões da questão
social, demonstrando a importância da proteção social, como fator de justiça e de
efetividade dos direitos humanos. Necessidades e proteção social estão interligadas
no discurso político e moral e na prática das políticas sociais no âmbito do Estado.
Segundo Pisón (1998, p. 160), “não há serviços sociais sem a delimitação daquelas
necessidades sociais a serem satisfeitas”.
Entretanto, no geral, as famílias das camadas mais pobres não têm
condições de prover, através da renda do seu trabalho e da cultura que dispõe, o
atendimento de suas necessidades essenciais, nem de seus filhos crianças e
adolescentes. Desse modo, muitas das necessidades essenciais dos adolescentes
não são supridas, desde as básicas e materiais, até às subjetivas, fragilizadas no seu
processo de socialização, e que dizem respeito a afetividade, a construção vínculos
familiares, a apreensão de valores éticos e morais, a perspectiva de uma vida melhor,
etc. Esta condição de vida dos adolescentes, exige das políticas públicas no âmbito do
Estado, à luz da concepção de dignidade humana, uma proteção social especializada,
no sentido proativo e preventivo, de modo a evitar que os adolescentes sejam autores
e vítimas de atos infracionais.
2.3 Desigualdade Social e Diferença: imperativos para a afirmação de direitos
Compreender a desigualdade exige, de antemão, uma correlação entre
igualdade e desigualdade, pois cada um dos termos permite apreender o significado
do outro. Independentemente do plano em que são abordadas (social, cultural,
econômico ou político) e dos espaços que se efetivam – relações de trabalho, de
gênero, de gerações ou nas relações familiares –, sempre existe uma correlação direta
entre igualdade e desigualdade.
A desigualdade pressupõe uma hierarquia dos seres humanos, em
termos de dignidade e valor, ou seja, define a condição de superior e
inferior; pressupõe uma valorização positiva ou negativa e, daí,
estabelece quem nasceu para mandar e quem nasceu para obedecer,
quem nasceu para ser respeitado e quem nasceu só para respeitar
(BENEVIDES, 2008, p. 154).
No Brasil, as condições sociais e econômicas das famílias são
profundamente desiguais. Porém, as diferenças na remuneração do trabalho
constituem o indicador mais importante para avaliar as condições de pobreza e de
desigualdade social. São as diferenças, na distribuição desigual de renda, entre
famílias ricas e não ricas, que demarcam com mais concretude, a desigualdade social
(MEDEIROS, 2004, p. 16). A principal diferença na renda ocorre a partir da
contradição da lógica capitalista: a renda adquirida a partir da propriedade do capital,
pelos donos dos meios de produção ou dos investimentos
monetários na
financeirização, de modo que ambos geram lucros; e a renda adquirida pela maioria
da população, através da renda do trabalho, na forma de salários, ou através de
aposentadorias, pensões ou benefícios socioassistenciais.
A desigualdade social entre as famílias brasileiras é expressa pela enorme
diferenciação nos espaços territoriais: entre regiões e estados; entre regiões
metropolitanas; e nos limites territoriais internos de estados e municípios brasileiros.
Porém, a desigualdade é mais acentuada nas regiões metropolitanas, nas capitais e
nas grandes cidades, devido às diferenças nas condições sociais entre os centros
urbanos e as suas regiões periféricas. Essas diferenças se revelam prioritariamente
nas condições sociais das famílias relativas ao acesso ao trabalho remunerado, ao
nível de renda, à educação, à profissionalização, às condições estruturais dos
domicílios e aos serviços de saneamento básico.
Os indicadores sociais do IBGE revelam a extrema diferença nos níveis de
renda, expressando o fosso da desigualdade social entre as famílias brasileiras. No
ano de 2010, no Brasil, mais de 10% das famílias sobreviviam sem nenhuma renda ou
com apenas ¼ do salário mínimo, expressando condição de extrema pobreza. Com
renda de até ½ salário mínimo estava 15, 2% das famílias, também em situação de
pobreza e indigência. Com renda na faixa de até um salário mínimo estavam 27,6%
das famílias. Somando a faixa das famílias sem renda, com renda de ¼, ½ e até um
salário mínimo estavam 52,8% das famílias brasileiras (IBGE, 2010). Porém, na faixa
maior de rendimentos, com mais de cinco salários mínimos, estavam apenas 5,1% das
famílias brasileiras. No Nordeste, apenas 2,5 % das famílias atingem este nível de
renda, e no Maranhão, apenas 1,8% (IBGE, 2010). Esses dados afirmam uma extrema
desigualdade entre as famílias brasileiras, pois mais da metade delas não têm renda
para viver nos padrões de dignidade humana.
A compreensão sobre a igualdade tem fundamentos em outros parâmetros
ético-políticos. Está relacionada ao significado dos direitos sociais, à garantia de
liberdades civis e políticas, implícitas na concepção de cidadania. Na lógica dos
direitos sociais, “a liberdade é exercida pela sua vinculação com a igualdade, porque
tem a função de garantir a todos os homens o acesso às mínimas condições materiais
de vida” (COUTO, 2006, p. 51). O que diferencia a igualdade da desigualdade “são os
conteúdos e significados que lhes são atribuídos, o que por sua vez impõem as formas
de sua superação ou sedimentação” (SCHWARTZ; NOGUEIRA, 2000, p. 95). A
igualdade não é sinônimo de homogeneidade, mas pressupõe o direito à diferença,
como colaborador da igualdade na dignidade, no sentido da proteção às pessoas que
são discriminadas por ser diferentes.
Na sociedade são estabelecidos padrões moralmente aceitos como corretos,
com limites e critérios de normalização, que são institucionalizados e podem ser
formalizados através de normas jurídicas. Na lógica da exclusão social, aqueles que
são diferentes aparecem como ameaça à ordem estabelecida, e por isso deve ser
mantido a uma distância segura, no sentido da manutenção da coesão social.
Entretanto, a diferença deve ser entendida numa relação horizontal, pois todos os
seres humanos, de uma forma ou de outra, apresentam diferenças, mas essa
condição não torna as pessoas inferiores às outras. Entretanto, compreendidas em
bases preconceituosas, as diferenças são transformadas em ameaças e justificam
atitudes discriminatórias, que são efetivadas através de várias formas de exclusão
social, segregação do convívio social e privações diversas. Na discriminação não
existe o sentido de alteridade, do respeito às outras pessoas que são diferentes.
Todas as pessoas têm em comum a condição de ser humano, entretanto,
todos nós somos diferentes porque somos seres únicos. A diferença permite entender
a existência de uma diversidade infinita de pessoas humanas. A discriminação começa
pela ausência de reconhecimento de que uma pessoa seja diferente, mas se efetiva
quando essa diversidade serve de motivação para excluir, desqualificar, emitir juízo de
valor negativo e inferiorizar as pessoas. Quando ignoramos que estamos excluindo o
outro, o diverso, não aceitamos e não sabemos lidar com as diferenças. “Existe um
abismo entre o reconhecimento filosófico do outro, que é abstrato, e a prática éticopolítica de aceitar as outras possibilidades humanas, de aceitar a diversidade num
espaço de convivência” (SODRÉ, 2006, p. 8).
A afirmação da diferença está ligada à reivindicação do direito de que ela
possa ser vivida sem tratamento desigual ou discriminação, pois ser diferente é
normal. Santos (1995, p. 44) afirma: temos o direito de ser iguais sempre que a
diferença inferiorizar as pessoas, ao mesmo tempo em que temos o direito de ser
diferentes, sempre que a igualdade descaracterizar o ser humano como pessoa.
Portanto, “o direito à diferença especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade”
(DAGNINO, 2004, p. 114). Uma cultura de direitos humanos não deve ter como
parâmetro uma medida, estritamente igualitária, como se todas as pessoas tivessem
as mesmas necessidades, mas deve considerar as diferenças entre os indivíduos e
grupos sociais, assim como as especificidades que essas diferenças produzem em
termos de demandas por direitos e por proteção social.
Com base nos elementos acima, compreendemos que o ser humano
adolescente, experimenta, junto com suas famílias, uma situação de desigualdade
social, de pobreza e/ou extrema pobreza, e de violação de direitos humanos. A
desigualdade se manifesta de diversas formas: na renda da família, nos trabalhos
precarizados ou desempregos de seus pais, na localização e nas condições de
moradia, na escola que frequenta ou não tem acesso, nos espaços públicos e de lazer
que não pode acessar. Suas condições sociais não são equivalentes às dos
adolescentes das camadas sociais mais favorecidas. Porém, eles tem necessidades
não satisfeitas, pois precisam de coisas materiais e de formação como pessoa
humana,
de educação e cultura, valores e princípios. Como numa armadilha da
ilusão, a negação da provisão dessas necessidades pode influenciar alguns
adolescentes a se envolver com práticas ilícitas e violadoras de direitos de outras
pessoas.
2.4 Vulnerabilidade Social e novas demandas por direitos
A categoria da vulnerabilidade social permite entender o processo de
fragilização que pessoas e grupos enfrentam para garantir seus direitos na dinâmica
da vida societária. Segundo Castel (2001, p. 24), a vulnerabilidade social é uma zona
intermediária e instável, que conjuga a inserção, a não inserção ou a precarização nas
relações de trabalho com a fragilidade da sociabilidade mais próxima. No geral, as
pessoas e os grupos vulneráveis são identificados, a partir da condição de pobreza ou
de extrema pobreza, o que não é incorreto, mas é insuficiente. Oliveira (1995, p. 9)
afirma que "todos os ‘indigentes’ são vulneráveis, mas nem todos os vulneráveis são
indigentes”. A vulnerabilidade social não pode ser restrita à dimensão econômica,
porque seria incompleta, mas nessa dimensão estão representados todos os grupos
sociais mais vulneráveis. A camada dos empobrecidos representa a maior parte da
população vulnerável, pois fazem parte dela as pessoas mais discriminadas: negros,
idosos, indígenas, nordestinos, homossexuais, pessoas em situação de rua, pessoas
com deficiência, usuários de drogas, profissionais do sexo, etc.
A dimensão econômica deve ser compreendida como a base material para a
explicação da vulnerabilidade social. Porém, é insuficiente porque não “não clarifica o
processo pelo qual a vulnerabilidade social é construída’’ (OLIVEIRA, 1995, p. 9). A
ausência dessa explicação promove a esperança de que a vulnerabilidade possa ser
resolvida ou atenuada apenas no âmbito das condições de renda. A vulnerabilidade
social deve ser compreendida pelo seu caráter multidimensional, associado a uma
diversidade de modalidades de desvantagem social, tais como: fragilidade,
dependência, preconceito, discriminação e circunstâncias de risco social e pessoal,
que indicam possibilidades de perdas, agravamento de situações desfavoráveis,
redução de oportunidades, etc. Assim, o estado de vulnerabilidade social é uma
circunstância da condição humana.
A vulnerabilidade social, segundo Abramovay (2002, p. 29), se expressa
como um resultado negativo entre a disponibilidade dos recursos materiais de
indivíduos e grupos e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e
culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Essa situação produz
fragilidades e desvantagens para o desempenho e a mobilidade social. A
vulnerabilidade social permite entender porque diferentes pessoas e grupos, apesar de
suas potencialidades, são mais influenciáveis aos processos que se contrapõem as
suas possibilidades, fazendo-os permanecer na insegurança, na instabilidade e em
situação de necessidades sociais diversas.
A vulnerabilidade assim compreendida traduz a situação em que o
conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um
dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis de
lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade [...] ou
diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de
determinados atores sociais (ABRAMOVAY, 2002, p. 30).
A compreensão da vulnerabilidade social também está diretamente vinculada
às práticas discriminatórias, de modo que os grupos sociais vulneráveis não são
distinguidos do conjunto da sociedade pelos atributos que portam: “Eles se tornam
vulneráveis, melhor dizendo, discriminados, pela ação de outros agentes sociais”
(OLIVEIRA, 1995, p. 9). Significa que pessoas e grupos são vulneráveis, não por
escolha própria, mas pela ação de outrem. Numa sociedade complexa, muitas
situações de vulnerabilidade social têm origem no preconceito e nas ações
discriminatórias, visto que produzem um mecanismo complexo de desvantagem social,
a exemplo de fatores de fragilização de pertencimento social, como a discriminação
etária, étnica, de gênero, por deficiência ou por orientação sexual.
A
vulnerabilidade
perpassa
todas
as
camadas
sociais,
das
mais
empobrecidas às as mais abastecidas, pois todas as pessoas e grupos sociais
experimentam alguma situação de vulnerabilidade social. Entretanto, a desigualdade
de renda produz, necessariamente, uma diferenciação no modo como as situações de
vulnerabilidade são experimentadas e enfrentadas, mas não no conteúdo específico
da vulnerabilidade vivenciada. Desse modo, situações similares de vulnerabilidade
social – pessoas com deficiência ou idosos com doenças crônicas, por exemplo – não
ocorre no mesmo grau de fragilidade para todas as pessoas, pois dependem das suas
condições socioeconômicas: se conseguem prover as necessidades mais urgentes; ou
se precisam recorrer à proteção social do Estado.
Em toda condição de vulnerabilidade, o risco social está presente. A noção de
risco diz respeito à incerteza, um componente essencial da vida humana, assim como
a exposição aos perigos, as fatalidades, as dificuldades imprevistas, as ameaças, as
decisões relativas ao futuro. A concepção de risco está diretamente relacionada com a
ideia de probabilidade de ocorrência de eventos futuros, numa situação nem sempre
passível de controle. Segundo Hillessheim e Cruz (2008, p. 193), o significado de risco
guarda uma ambiguidade: incorpora a noção de incerteza, podendo apresentar
resultados favoráveis, na forma de ganhos e acertos; ou desfavoráveis, como perdas e
danos em diferentes dimensões da vida. Nas situações de vulnerabilidade social, os
riscos sociais indicam maior possibilidade de prevenção e controle para famílias e
indivíduos.
Essa concepção de vulnerabilidade social e de risco contribui para
compreender o significado e importância de proteção social para ser humano
adolescente e suas famílias, através das políticas públicas e no âmbito do Estado. As
condições de desigualdade social, de vulnerabilidade e de risco social que o
adolescente vivencia no cotidiano não possibilita que ele transite da sua situação de
desvantagens, fragilidade, insegurança, discriminação e incertezas, para a ampliação
de suas potencialidades de construção de um futuro melhor. As possíveis
oportunidades que ele desenvolver suas potencialidades depende da proteção do
Estado, para o adolescente e sua família. Sem a proteção social, o adolescente pode
ser envolvido em práticas ilegais para melhorar sua condição social de vida.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A PROTEÇÃO SOCIAL E OS ADOLESCENTES
AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS: a necessidade de garantia dos direitos
humanos
A proteção social é perpassada por uma ideia-chave: a existência da
solidariedade por parte da sociedade para com os indivíduos, quando estes enfrentam
dificuldades para viver dentro de um padrão de dignidade humana (VIANNA, 2000, p.
11). Em princípio, toda pessoa está sujeita a vulnerabilidades e riscos, como o de não
conseguir acesso ao trabalho, o de não prover o seu próprio sustento e de sua família,
o de não ter condições de trabalhar, o de ficar em situação de extrema pobreza, etc. A
existência da proteção social possibilita que essas situações não sejam entendidas
como problemas individuais da pessoa ou da sua família, mas se constituam uma
responsabilidade pública e do Estado.
No curso da história da humanidade, a proteção social tem sido construída à
medida que as necessidades de provisão, cuidados, defesa contra dificuldades,
limitações, vulnerabilidades e riscos, individuais ou familiares vão sendo expostas na
sociedade. As circunstâncias da existência humana, como a doença, os acidentes, a
invalidez, a velhice e a incapacidade para o trabalho, exigem da família e da
sociedade medidas de proteção social. Portanto, o objeto da proteção social são as
diversas necessidades sociais, materiais e imateriais, fundamentais para as pessoas
viver com dignidade.
A proteção social consiste na ação coletiva de proteger indivíduos
contra os riscos inerentes à vida humana e/ou assistir necessidades
geradas em diferentes momentos históricos e relacionadas com
múltiplas situações de dependência. Os sistemas de proteção social
têm origem na necessidade imperiosa de neutralizar ou reduzir o
impacto de determinados riscos sobre o indivíduo e a sociedade
(VIANA; LEVCOVITZ, 2005, p. 17).
Com base nos princípios de justiça, Euzéby (2004, p. 11) esclarece que a
proteção social se sustenta mediante justificativas que fazem parte do plano ético. A
justiça social significa a promoção e a garantia do conjunto dos direitos humanos e sua
indivisibilidade. Sendo assim, a proteção social pode ser entendida como um pilar da
justiça social porque faz parte dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais). A proteção social não deve ser considerada como uma simples
concessão do Estado, visto que está inscrita nos parâmetros da consciência universal,
”como expressão total dos valores vinculados à dignidade humana [...] A proteção
social faz parte dos direitos do homem, e nessa condição ela é um objetivo comum a
toda a humanidade“ (EUZÉBY, 2004, p. 28).
Na atualidade, um dos traços mais marcantes da proteção social está no
papel do Estado, ou seja, o exercício da proteção social se constitui como função legal
e legítima do Estado, socialmente assumida como atribuição do poder público. No
Brasil, a proteção social ganha estrutura concreta através das políticas de caráter
social, tais como: a de saúde, educação, habitação, previdência social, de atendimento
à criança e ao adolescente, de direitos humanos e da Política de Assistência Social.
Numa sociedade com reduzida proteção social, como a brasileira,
pessoas, famílias e grupos sociais vivem sob ameaça permanente, na incerteza, sem
poder controlar o presente nem planejar um futuro melhor. A insuficiente proteção
social do Estado condiciona a vida das pessoas a uma situação de insegurança social,
exigindo uma luta constante pela sobrevivência. A família, por razões de compromisso
moral e afetivo, busca a garantia de proteção aos seus filhos adolescentes, tornandose, portanto, fonte primária de satisfação das necessidades humanas, entretanto, ela
fica impossibilitada de construir experiências exitosas em direção a novos patamares
de vida. A possibilidade de as famílias realizarem a proteção e a inclusão social de
seus membros, a exemplo dos seus filhos adolescentes, só poderá ser efetivada se
antes elas forem protegidas pelo Estado. Isso depende, em grande parte, das
possibilidades de acesso das famílias à política econômica, através do trabalho digno
e gerador de renda. Depende também da proteção social das políticas sociais de corte
social, como a saúde, educação e a Política Assistência Social . A busca pela garantia
da proteção social, deve ser um imperativo que todas as pessoas, devem perseguir
para assegurar direitos e viver em condições de dignidade humana.
Para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, a partir da
sua situação de autores e vítimas práticas delituosas, a proteção social está na
socioeducação, na perspectiva de ruptura com a trajetória infracional. Este
adolescente também tem direito a proteção integral, visto que continua em situação
peculiar de desenvolvimento, e portanto, tem direito a ter direitos, no âmbito da
proteção do Estado e do Sistema de Garantia de Direitos. Não se trata de negação da
responsabilização destes, em relação aos agravos cometidos, mas sim, da
possibilidade de construção de uma sociabilidade humana que seja capaz de mudar a
mentalidades do adolescente em relação ao mundo e sua inserção nele, na
construção de novas perspectivas de vida, livre das armadilhas do ato infracional e na
contribuição com uma cultura de paz, na lógica dos direitos humanos.
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CULTURA POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS: interdições para a concretização dos
direitos de crianças e adolescentes no Brasil e no Maranhão
Cândida da Costa9
1 INTRODUÇÃO
Neste artigo, tratamos do fenômeno da violação dos direitos de crianças e
adolescentes no Brasil e no Maranhão, partindo de alguns indicadores como a
violência, pobreza e trabalho infantil, para evidenciar como após 25 anos do Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA, tais direitos permanecem parcialmente realizados
ou são permanentemente violados pelo Estado, família e sociedade.
Tais evidências são o ponto de partida para chamarmos a atenção para o fato
de que o arcabouço institucional das políticas públicas pouco se alterou; que a
mentalidade conservadora em relação à convivência entre as gerações não rompeu o
conservadorismo para acolher os sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento.
Mais ainda, é um quadro que permanece e se repete, teimando em fazer da legislação
uma letra morta e condenar uma geração após outra. É necessário alterar
mentalidades e práticas sociais se quisermos materializar os direitos humanos. É
preciso romper a cultura política conservadora para fazer imperar a democracia. São
estes os temas que perpassam este artigo.
2 DIREITOS HUMANOS E UMA NOVA RELAÇÃO COM A POLÍTICA
A emergência dos direitos humanos inaugurou um novo momento no processo
civilizatório, demarcando novos padrões de relação entre gerações, entre a
humanidade e a natureza, entre as nações, entre os gêneros. O reconhecimento do
direito à diferença foi se firmando como parte da concretização da democracia.
Os Direitos Humanos consagrados nas primeiras declarações foram chamados
"de primeira geração" e assinalam, particularmente, uma separação entre Estado e
9
Doutora. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós Graduação em Políticas
Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
não-Estado (LIMA JR, 2002). Trata-se de um conjunto de direitos individuais
universalizados pela doutrina liberal que marcam a emancipação do poder político, a
superação do Estado absoluto e religioso e a liberação do poder econômico diante dos
entraves feudais. A estes direitos foram acrescentados os direitos individuais
exercidos coletivamente; a liberdade de associação, reconhecida na primeira emenda
da constituição norte-americana, que amparou o processo histórico de criação dos
partidos políticos e dos sindicatos.
Os direitos de segunda geração só serão incorporados nos textos
constitucionais do século XX, principalmente a partir do impacto da Revolução Russa.
No caso brasileiro, tais direitos só passam a ser formalmente reconhecidos a partir da
constituição de 1934.
A terceira geração de Direitos Humanos que prossegue e atualiza o caminho
aberto pelas primeiras declarações não se dirige ao indivíduo, mas a grupos humanos
como a família, o povo, a nação, a coletividade regional ou étnica e a própria
humanidade. A auto-determinação dos povos, o direito ao desenvolvimento, o direito à
paz, ao meio ambiente, entre outros, inserem-se nesta terceira geração. Deve ser
mencionada, ainda, uma quarta geração de direitos fundamentais, identificada por
vários autores, que decorreria da atual globalização desses direitos, tais como a
democracia, o direito à informação e ao pluralismo.
Pode-se afirmar, sem dúvida, que o grau de civilidade alcançado por uma
sociedade determinada está em relação direta com o estágio de garantia efetiva
conferida aos Direitos Humanos. É graças à consciência dos Direitos Humanos e aos
princípios derivados que foram se imprimindo nas leis e nos costumes de cada nação
que populações inteiras se mobilizam na afirmação de novos direitos, impulso que
confere à trama das sociedades políticas uma dinâmica acelerada de transformações.
As características apontadas permitem fazer entender porque a luta pelos
Direitos Humanos torna possível uma nova relação com a política.
3. O FENÔMENO DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DAS CRIANÇAS
ADOLESCENTES NO BRASIL E NO MARANHÃO: algumas exemplificações
E
3.1 Mapa de denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes no
Brasil – 2015
Foram registradas 21.021 denúncias de violações de direitos de crianças e
adolescentes. Os casos mais registrados foram de negligência, violência física,
violência psicológica e violência sexual. O total de registros caiu 1,6% na comparação
com os três primeiros meses de 201410.
Em relação ao perfil, 45% das vítimas eram meninas e 20% tinham entre 4 e 7
anos. Em mais da metade dos casos (58%), o pai e a mãe são os principais suspeitos
das agressões, que ocorrem principalmente na casa da vítima.
3.2 Violência sexual
A violência sexual é a quarta violação mais recorrente praticada contra crianças
e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos. Nos três primeiros meses de
2015, foram denunciados 4.480 casos de violência sexual, o que representa 21% das
mais de 20 mil demandas relacionadas a violações de direitos da população
infantojuvenil, registradas entre janeiro e março de 2015.
Em cada denúncia, é possível o relato de mais de uma violação. Os casos de
abuso de sexual são os que mais se destacaram, representando 85% do total de
denúncias de violência sexual, seguida de casos de exploração sexual, que é
caracterizada pela utilização sexual de meninas e meninos com a intenção de obter
lucro, com 23% dos registros. As denúncias de violência sexual também envolvem
casos de pornografia infantil, grooming (assédio sexual na Internet), sexting (troca de
fotos e vídeos de nudez, eróticas ou pornográficas), exploração sexual no turismo,
entre outros.
10
O Disque 100 é um serviço mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH/PR) para registro e encaminhamento de denúncias. para receber denúncias e reclamações sobre
violações de direitos humanos, em especial as que atingem populações com maior vulnerabilidade
Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia concentraram
entre janeiro e março deste ano os maiores quantitativos de denúncias sobre
exploração sexual de crianças e adolescentes. No Maranhão, foram 162 casos.
Gráfico 1: Denúncias Violência Sexual - 1º Trimestre 2015, por UF
Fonte: Disque 100
3.3 Trabalho infantil no Brasil
A Constituição brasileira determina claramente que é inconstitucional o trabalho
de crianças e adolescentes com menos de 16 anos.
O trabalho infantil diminuiu 13,44% no país entre 2000 e 2010, segundo dados
do Censo 2010. Os dados revelam a redução do trabalho infantil na faixa etária entre
os 10 e 17 anos. Em 2010, havia 3,4 milhões de crianças e adolescentes nessa idade
ocupados, o que representava 3,9% das 86,4 milhões de pessoas ocupadas com 10
anos ou mais de idade. Em 2000, eram 3,94 milhões. Note-se que foram registrados
10.946 casos de trabalho infantil a mais do que em 2000. O aumento atingiu
principalmente a faixa etária entre 10 e 13 anos, atingindo outras áreas da vida das
crianças e adolescentes, especialmente o estudo.
Tabela 1: Trabalho Infantil no Brasil 2000 a 2010
Crianças e adolescentes que trabalham, segundo o
Censo
2000
2010
3.935.489 3.406.517
10 a 13 anos
699.194
710.140
14 e 15 anos
1.092.285 888.433
16 e 17 anos
2.144.010 1.807.944
*Fonte: IBGE, Micro Dados Censo Demográfico 2000/2010.
Elaboração: Fórum Nacional para a Prevenção e Eliminação
do Trabalho Infantil PNPETI, 2012
3.4 Indicadores de violação dos direitos de criança e adolescentes no Maranhão
O Indice de Desenvolvimento Humano do Maranhão11 Maranhão persistiu entre
2006 a 2010 estudo como um dos piores Estados em IDH e posição em relação ao
11
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dado utilizado pela Organização das Nações
Unidas (ONU) para analisar a qualidade de vida de uma determinada população. Os critérios utilizados
para calcular o IDH são:a) Grau de escolaridade: média de anos de estudo da população adulta e
Nordeste e
ao Brasil, conforme se observa na tabela
02. A permanência do
Maranhão em tão baixos índices indica a baixa qualidade de vida do povo
maranhense, desmentindo o discurso governamental sobre o desenvolvimento do
estado e sobre a melhoria e investimento em politicas públicas. Afinal, o IDH mede
justamente a melhoria em qualidade de educação, longevidade e renda.
Tabela 2 : IDH Estado do Maranhão
Local
2006
2007
2008
2009
Maranhão
0,707
0,724
0,6830,724
Nordeste
0,733
0,749
Brasil
0,803
0,816
2010
0,683
0,608
0,807
0,693
Fonte:ONU/PNUD/2012
A pobreza que atinge a maioria das famílias maranhenses provoca uma
violência estrutural, que condiciona e condena o futuro das novas gerações.
Quanto ao trabalho infantil, conforme os dados do Censo 2010 do IBGE, foram
identificadas cerca de 144 mil crianças e adolescentes na faixa etária entre 10 e 17
anos trabalhando no Maranhão. Desse total, quase 61 mil tinha idade entre 10 e 14
anos e cerca de 83 mil, estavam na faixa etária entre 15 e 17 anos. Na faixa etária
entre 15 a 17 anos, cerca de 57% (ou seja, 47.601) adolescentes não têm instrução ou
têm o ensino fundamental incompleto.
Em 2009, foram registrados 71 casos de violência física ou psicológica,
negligência e abuso sexual contra criança/adolescente em 96 municípios do Estado
expectativa de vida escolar, ou tempo que uma criança ficará matriculada.b) Renda: Renda Nacional
Bruta (RNB) per capita, baseada na paridade de poder de compra dos habitantes. Esse item tinha por base
o PIB (Produto Interno Bruto) per capita, no entanto, a partir de 2010, ele foi substituído pela Renda
Nacional Bruta (RNB) per capita, que avalia praticamente os mesmos aspectos que o PIB, no entanto, a
RNB também considera os recursos financeiros oriundos do exterior;c) Nível de saúde: baseia-se na
expectativa de vida da população, reflete as condições de saúde e dos serviços de saneamento
ambiental.O Índice de Desenvolvimento Humano varia de 0 a 1, quanto mais se aproxima de 1, maior o
IDH de um local.
0,699
equivalendo a 73.96%. Em 2010, as situações de violência física e psicológica
somadas chegam a 171 casos (78.2%) contra o mesmo público; abusos sexuais
correspondem a 91 casos (60.67%) seguindo de: exploração sexual - 87 casos
(66.92%), negligência - 85 casos (54.49%), trabalho infantil - 85 casos (88.54%)e
outras violações de direitos. Ressaltamos que no levantamento de 2010 foram
acrescidas mulheres adultas, homens adultos, idosos e de instituições que não
atendiam a situação. Todavia, mesmo com o aumento de mais um sujeito aos casos
que estão sendo observado, as crianças e adolescentes continuam no topo dos que
estão com os seus direitos violados (CENSO SUAS).
Quanto ao adolescente em conflito com a lei, são aplicadas medidas sócio-educativas,
como: Advertência, Obrigação de Reparar o Dano, Prestação de Serviços à
Comunidade, Liberdade Assistida, Semiliberdade, Internação em Estabelecimento
Educacional e as medidas de proteção previstas no art. 101, I a IV do Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA. - As medidas sócio-educativas, de natureza
sancionadora e com finalidade pedagógica, devem ser aplicadas e operadas conforme
o grau e com as características da infração, circunstâncias sócio-familiar e
disponibilidade de programas e serviços em nível municipal, regional e estadual. É de
responsabilidade da Fundação da Criança e do Adolescente - FUNAC a execução das
medidas de Internação, Semiliberdade e Liberdade Assistida, o atendimento aos
adolescentes em medida acautelatória de Internação provisória, no período em que se
encontram aguardando decisão judicial e o atendimento inicial aos adolescentes
envolvidos em atos infracionais, no Serviço Social no Centro Integrado. Em São Luís,
funcionam três Unidades de Internação, sendo duas com atendimento a adolescentes
do sexo masculino (Centro da Juventude Esperança e Centro da Juventude Renascer)
e uma com atendimento dirigido às meninas (Centro da Juventude Florescer), uma
Unidade de Semiliberdade masculina (Centro da Juventude Nova Jerusalém), uma
Unidade de Internação Provisória (Centro da Juventude Canaã), um Programa de
Liberdade assistida, atendimento Inicial no Centro Integrado e um Programa de
atendimento aos Egressos. No município de Imperatriz funcionam uma Unidade de
Internação Provisória (Centro da Juventude Semear), uma Unidade de Semiliberdade
e o atendimento inicial no Centro Integrado.
Tabela 03: Adolescente em conflito com a Lei, 2006-2010
2006
2007
2008
2009
2010
São Luís
1265
754
415
444
452
Imperatriz
101
127
147
134
158
Total
478
881
562
578
610
Fonte: Observatório Criança, Volume V, 2014.
Ao se falar em ato infracional e nas medidas tomadas pelo governo para a
inibição desse tipo de prática, cada vez mais comum em nossa sociedade, bem como
para a criação de medidas de ressocialização dos menores que o praticam. Tem-se
que ter em mente o universo de violações de direitos no qual esses adolescentes são
submetidos durante sua formação moral que começa ainda na infância, assim como, o
papel do Estado e da própria sociedade no decorrer dessa vivência, para que não
culpabilizem e nem vitimizem os adolescentes cometedores de atos infracionais, mas
que sejam justos em seus julgamentos.12
4 POR UM NOVO FORMATO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 13
No Brasil, historicamente, a atuação do Estado na área de políticas
públicas tem se dado de forma fragmentada, com corte assistencialista e paternalista,
buscando consolidar uma noção de cidadania regulada que, enquanto expressão da
relação Estado e sociedade, denuncia o padrão autoritário de gestão da coisa
pública, inaugurado no Brasil desde a colonização.
As políticas públicas, na medida em que se configuram como demandas de
amplos setores da classe trabalhadora, poderão ser as bandeiras em torno das quais
se torne viável o debate sobre o papel social do Estado. Esse elemento permite
questionar as tentativas inspiradas no neoliberalismo que defendem a retirada do
Estado na área social e pressioná-lo para que adote instrumentos de planejamento
econômico capazes de interferir no direcionamento das políticas públicas e das
próprias políticas macroeconômicas.
12
A esse respeito, ver COSTA, Cândida da. Observatório Criança, Vol. V, 2014.
13
Parte deste texto já foi publicado no livro Observatório Criança, Vol. IV, 2004.
Contribuir na redefinição das políticas públicas supõe a participação da
sociedade na construção de experiências de gestão. Nessa perspectiva, as políticas
públicas aparecem como elemento mobilizador para a tomada de consciência sobre
as desigualdades e os direitos. Aparece, ainda, como elemento relevante na
construção de sujeitos coletivos.
A inversão das prioridades da atuação do Estado no campo das políticas
públicas é consoante com a perspectiva de um atendimento de qualidade, universal, o
que coloca como premissa a democratização e moralização do serviço público, com o
combate ao clientelismo e à corrupção. Nessa perspectiva, colide com a atuação do
Estado de desmonte e privatização dos serviços públicos. Nesse contexto, ganha
relevância a ampliação de mecanismos de participação, visando facilitar processos de
formação e manutenção de um participante coletivo. Dessa forma, poderão ser criadas
as condições para que a sociedade civil entre em disputa pelo significado a ser
imprimido às políticas públicas.
É nesse sentido que ganha corpo o investimento em processos de
participação popular, como possibilidade de criação, transformação e controle social,
tendo em perspectiva a construção de espaços públicos nos quais os interesses
diferenciados entram em disputa.
Quanto ao universo da criança e do adolescente, tratava-se não só de
garantir a proteção via políticas públicas, mas de mudar a forma de conceber a
problemática, uma vez que o termo “menor” delimitava a separação entre crianças
pobres e ricas, cuja conseqüência na formulação de políticas públicas é a
discriminação das crianças pobres. Tal concepção tem sido enfrentada a partir da
ação de movimentos sociais, organizações não governamentais e integrantes de
organizações governamentais, que lograram afirmar a concepção de criança e
adolescente como “sujeitos de direitos”. É nesse cenário que emerge a doutrina de
uma proteção integral a crianças e adolescentes, opondo-se à visão restritiva da
criança e do adolescente:
A concepção de sujeito se ampliou sob a influência
internacional, e a constituinte, recepcionando o conceito, tornou
possível o fortalecimento da proteção integral, tendo em vista a
formação de meninos e meninas em sua integralidade –
inteligência, sentimento, vontade – e universalidade, ou seja:
todas as crianças e adolescentes do país. (ATHAYDE, 1997
apud COSTA, 2000, p. 134).
Há que se ressaltar, ainda, que “essa nova ordem não será estabelecida
apenas a partir do ordenamento legal, mas dentro de um processo que exige mudança
de cultura política e reordenamento institucional” (COSTA, 2000, p.134).
Abrigados sob a ideia de crianças e aos adolescentes como prioridade
absoluta, os direitos e garantias que visam à proteção da integridade das crianças e
adolescentes só podem tomar forma concreta, caso se sustentem em três pilares,
quais sejam, a defesa, a promoção e a garantia de direitos. Na área da infância e da
adolescência, merecem destaque o número significativo de Conselhos Tutelares e de
Direitos (em nível estadual e municipal), a atuação do Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente – CONANDA na coordenação de ações em prol dos
direitos das crianças e adolescentes e as iniciativas dos Centros de Defesa,
coordenados nacionalmente pela Associação Nacional dos Conselhos Direitos da
Criança e do Adolescente – ANCED.
O tipo de atuação das diferentes instâncias de defesa dos direitos das
crianças e adolescentes também é singular por objetivar a construção do Sistema de
Garantia de Direitos e por buscar a integração das políticas. São singulares as suas
iniciativas, ainda, por atuarem não só como simples fiscalizadores das políticas,
exercitando continuamente a proposição de políticas públicas de novo tipo.
No terreno das políticas públicas, tem a ver com a concepção que orienta
sua formulação e implementação: Como entendemos a democracia e a cidadania?
Com que noção de participação trabalhamos, a que respeita a autonomia da
sociedade civil ou a tutelada pelo Estado? A construção de um Brasil democrático, que
aponte para a inclusão social, para o resgate dos valores da integridade e da
solidariedade – tão caros ao nosso povo – , e para a abolição da desconfiança e do
medo como motores das relações sociais é inseparável do necessário investimento
em Políticas Públicas.
O papel estratégico deve ser exercido em três eixos principais: o da
transversalidade interna e externa na construção de políticas públicas de governo; o
da participação e controle social, para garantir os benefícios do poder compartilhado e
diluído; e o da sustentabilidade. Toda política pública deve ser analisada a partir do
elemento da sustentabilidade, percebendo se a mesma inclui sustentabilidade (caso
positivo, se inclui a sociedade civil); se envolve controle social. Precisa, ainda,
responder à questão de como serão trabalhadas as problemáticas sociais: por áreas
temáticas ou por áreas de políticas tradicionalmente adotadas. Como vamos interagir
com políticas já estruturadas, também é necessário indagarmos se os nossos arranjos
institucionais permitem a transversalidade e, em um cenário de descentralização, qual
o melhor arranjo.
Exercitando o poder de invenção, podemos optar por várias formas de
organização das políticas, conforme o eixo selecionado, tal como apontamos :
1. Pelos cortes de desigualdade social/ política afirmativa de respeito às
diferenças: permitiriam a montagem das políticas a partir de questões como
a questão de gênero; questão étnica/racial; padrão de relação entre as
gerações: (Criança e adolescente, Terceira Idade);
2. Pelas
áreas
tradicionalmente
estabelecidas,
conforme
legislação
específica sobre o assunto: Lei orgânica da saúde, estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS . A
limitação é que estas legislações provocam arranjos institucionais novos,
mas exigem transversalidade apenas na sua execução específica.
Poderíamos engendrar, nesse campo, políticas setoriais (políticas e
programas de saúde, políticas para crianças e adolescentes, por exemplo) ;
3. Sustentabilidade: privilegiando temas como diversidade cultural; respeito
ao meio ambiente; economia solidária;
4. Eixos Temáticos abrangentes/ Temas transversais, nos quais teriam
centralidade
os
Direitos
transversais,
como
Humanos;
"continuidade
e
Combate
à
violência;
descontinuidade
de
Temas
políticas",
"incorporação da perspectiva de gênero por políticas públicas locais",
"novos arranjos institucionais", "parcerias no combate à pobreza", ética,
educação ambiental, e orientação sexual.
Algumas dessas questões já avançaram no plano legal, mas não se
incorporaram à cultura política. Sua incorporação exige tanto o reordenamento dos
processos de planejamento das políticas, como a sua reestruturação e as relações
entre as diversas esferas administrativas.
O atendimento integral às crianças e adolescentes requer transversalidade.
Nossa intenção, ao propor a transversalidade é enfrentar os empecilhos para a
efetivação das políticas, tais como superposição de atribuições, fragmentação,
setorialização, compartimentação e verticalidade. A perspectiva que queremos
alcançar é a interrelação, integração; uma “transversalidade vertical”, isto é, a busca
de sinergia entre políticas públicas de alcance nacional com as políticas regionais,
estaduais e locais.
5 CONCLUSÃO
Os diversos indicadores sociais expostos que evidenciam a negação dos
direitos das crianças e adolescentes brasileiras e, em particular, da infância
maranhense evidenciam a ineficiência das políticas públicas executadas pelos
diversos agentes públicos que atuam no Maranhão, nos três níveis da esfera
administrativa – municipal, estadual e federal. Tal situação se insere no quadro geral
dos problemas sociais vivenciados pela maioria dos maranhenses, traduzindo-se
como a expressão mais concreta do sistema econômico, político e social
implementado no Brasil e, de forma particular, no Maranhão.
A persistência desse quadro, já apontado em outras vezes, é uma
evidência de que o governo não incorporou os novos direitos das crianças e
adolescentes, praticando sua sonegação, de forma frequente e a sociedade ainda não
desenvolveu uma mentalidade de proteção e controle social para aquele segmento..
Essa situação revela, simultaneamente, o descompromisso do Poder Público com a
imensa agenda social brasileira e maranhense. A alteração desse quadro exige
mudança de cultura política e reordenamento institucional. Esta, por sua vez, supõe a
modificação da relação Estado/sociedade, que passa pelo estabelecimento de controle
social no sentido de ampliar a presença da sociedade nos processos decisórios da
vida social, dentro de um novo processo de correlação de forças.
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