Daniela Alves e Silva

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Pró-Reitoria de Graduação
Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Psicologia
Curso de Psicologia
Trabalho de Conclusão de Curso Trabalho de Conclusão de Curso
ESTUDO
NARCISISMO NA PERSONAGEM
NINA
OSDO
PSICOTERAPEUTAS
PSICANALÍTICOS
E DO
O TRATAMENTO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
FILME CISNE NEGRO
BORDERLINE
Autor: CamilaAlves
Siebert Altavini
e Silva
Autora: Daniela
Orientador:
EspíritoSanto
Santo
Orientador: Prof. MsC. Luciano da
CostaLuciano
Espírito
Brasília - DF Brasília
2011
- DF
2014
DANIELA ALVES E SILVA
OS PSICOTERAPEUTAS PSICANALÍTICOS E O TRATAMENTO DO
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Psicologia da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do Título de Psicólogo.
Orientador: Prof. Msc. Luciano da Costa
Espírito Santo
Brasília
2014
Monografia de autoria de Daniela Alves e Silva, intitulada “OS PSICOTERAPEUTAS
PSICANALÍTICOS E O TRATAMENTO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
BORDERLINE”, apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 02 de Dezembro de 2014, defendida e
aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________________
Prof. Msc. Luciano da Costa Espírito Santo
Orientador
_____________________________________________________
Prof. Msc. Maristela Muniz Gusmão
Brasília
2014
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e aos meus pais pela realização desse sonho; Aos meus amigos de
curso que fizeram diferença nessa caminhada. Aos professores pelo comprometimento com o
ensino e a todos que contribuíram de alguma forma para a elaboração desse projeto.
RESUMO
Esse presente trabalho tem como objetivo compreender as características e aspectos gerais da
psicoterapia psicanalítica do Transtorno de Personalidade Borderline. Foram realizadas três
entrevistas com profissionais de orientação psicanalítica com, no mínimo, quatro anos de
experiência clínica, sendo utilizada amostra de conveniência e entrevistas semiestruturadas.
Constata-se através das entrevistas com os profissionais de orientação psicanalítica que, os
pacientes que possuem o Transtorno de Personalidade Borderline exigem uma disponibilidade
que vai além do setting convencional, pois sendo um transtorno que afeta diretamente os
vínculos, esse padrão conflitivo se repetirá fora do consultório e cabe ao terapeuta saber lidar
com as necessidades de seu paciente. Além disso, ressalta-se que o uso da psicanálise clássica
não é indicada nesses casos, o que sugere que o terapeuta saiba manusear o setting de forma
que favoreça o tratamento para que o paciente possa transpor as peculiaridades estruturais
desse quadro clínico.
Palavras-chave: Transtorno de Personalidade Borderline, Psicanálise, Psicoterapia.
ABSTRACT
This present study aims to understand the general characteristics and aspects of
psychoanalytic psychotherapy of Borderline Personality Disorder. Three interviews with
professional psychotherapy with at least four years of clinical experience, convenience
sampling was used semi structured interviews were conducted. It appears from interviews
with professional psychotherapy that patients who have Borderline Personality Disorder
require an availability that goes beyond the conventional setting, as being a disorder that
directly affects the links, this confrontational pattern will repeat off office and up to the
therapist to deal with the needs of your patient. Furthermore, it is noteworthy that the use of
classical psychoanalysis is not indicated in these cases, suggesting that the therapist knows
handling the setting so conducive to the treatment that the patient can overcome the structural
peculiarities of the clinical picture.
Keywords: Borderline Personality Disorder, Psychoanalysis, Psychotherapy.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
1 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................ 9
2 METODOLOGIA................................................................................................................ 12
3 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 14
3.1 CONTRATO TERAPÊUTICO .......................................................................................... 14
3.2 FENÔMENOS E TÉCNICAS ............................................................................................ 15
3.2.1 Resistência, transferência, contratransferência .......................................................... 15
3.2.2 Ideação suicida ............................................................................................................... 17
3.2.3 Manejo clínico ................................................................................................................ 18
3.2.4 Problemas e dificuldades............................................................................................... 20
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 26
ANEXOS ................................................................................................................................. 27
7
INTRODUÇÃO
O presente estudo visa compreender como os profissionais de psicoterapia
psicanalítica lidam com pacientes que possuem o diagnóstico de Transtorno de Personalidade
Borderline (TPB), visto que os profissionais da área encontram dificuldades em manejar a
terapia com estes pacientes. Segundo Romaro (2002), um dos problemas no manejo
terapêutico é a intensa agressão que se expressa na relação transferencial e exige que o
terapeuta possa conter, tolerar e compreender essas reações.
Segundo a décima edição do Código Internacional de Doenças (CID-10), o Transtorno
de Personalidade Borderline é caracterizado por relacionamentos interpessoais com padrões
invasivos, impulsividade no início da vida adulta, os portadores se esforçam para evitarem um
abandono real ou imaginário de seu objeto.
Pretende-se compreender os aspectos gerais da psicoterapia psicanalítica do
Transtorno de Personalidade Borderline por meio de entrevistas com terapeutas que tiveram
experiências com esses pacientes, uma vez que estes tendem a formar relações intensas e
dependentes.
Assim, poderemos entender como os psicoterapeutas psicanalíticos lidam na prática
com seus pacientes e com as intercorrências no decorrer do processo terapêutico.
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Compreender as características e aspectos gerais da psicoterapia psicanalítica do
Transtorno de Personalidade Borderline.
Objetivos Específicos
Compreender como os psicoterapeutas estabelecem o contrato terapêutico (enquadre
ou setting) com os pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline.
Descrever o manejo clínico destes pacientes: fenômenos clínicos e técnicas
terapêuticas mais presentes nestes tratamentos, por exemplo: formas de resistência, tipo e
8
manejo da transferência, sentimentos contratransferências, técnicas e intervenções mais
importantes.
Conhecer os principais problemas e dificuldades no tratamento do TPB segundo a
percepção dos entrevistados.
9
1 REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo a CID-10 (1993), um transtorno de personalidade é uma perturbação grave da
constituição das características e das tendências comportamentais do indivíduo, podendo
envolver várias áreas da personalidade e quase sempre associado à considerável ruptura
pessoal e social. Os transtornos de personalidade tendem a aparecer no final da infância ou na
adolescência e continuam a se manifestar pela idade adulta. Porém, é inapropriado que seja
atribuído um diagnóstico antes da idade de 16 ou 17 anos.
Segundo o DSM-IV-TR (2002), o transtorno de personalidade segue um padrão
persistente de vivência íntima ou comportamento que se desvia acentuadamente das
expectativas da cultura do indivíduo, é generalizado e inflexível. Este transtorno tem início na
adolescência ou no começo da vida adulta, é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento
ou prejuízo.
A décima edição do Código Internacional de Doenças (CID-10) apresenta a pessoa
com o Transtorno de Personalidade Borderline como um sujeito de características emocionais
instáveis. O paciente com este transtorno apresenta autoimagem, objetivos e preferências
internas (incluindo sexual) frequentemente pouco claras ou perturbadas. Existe de forma geral
um sentimento crônico de vazio. Há uma propensão a se envolver em relacionamentos
intensos e instáveis, podendo causar repetidas crises emocionais possivelmente associadas a
esforços excessivos para evitar abandono e uma série de ameaças de suicídio ou atos de
autolesão.
Para o DSM-IV-TR (2002), o transtorno de personalidade Borderline é descrito como
um padrão invasivo de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, autoimagem e afetos,
bem como acentuada impulsividade que começa na idade adulta e está presente em uma
variedade de contextos. Ainda em referência ao DSM-IV-TR (2002), o indivíduo Borderline
aplica esforços frenéticos no intuito de evitar um abandono real ou imaginário; existe uma
iminente sensação de separação, rejeição ou perda do objeto de apoio. Tal aspecto pode
ocasionar profundas alterações na autoimagem, afeto, cognição e comportamento. Essas
pessoas mostram-se sensíveis às situações circunstanciais, experimentando intensos temores
de abandono e raiva de forma inadequada.
Segundo o DSM-IV-TR (2002), a impulsividade surge em pelo menos duas áreas
prejudiciais: comportamentos impulsivos e imprudentes relacionados a gastos irresponsáveis,
10
alimentação em excesso, abuso de substâncias, promiscuidade sexual ou prática de sexo
inseguro e direção imprudente de veículos automotores.
Dalgalarrondo (2008) lembra que os Transtornos de Personalidade são classificados
em três grupos: “A- esquisitos e/ou desconfiados; B-instáveis e/ou manipuladores; e Cansiosos e/ou controlados/controladores”.
Dentre os transtornos do grupo B está o Transtorno de Personalidade Borderline
(TPB), que tem sido muito estudada na área clínica, tendo sua descrição sofrido muitas
alterações ao longo dos anos. Originalmente o termo Borderline veio do referencial
psicanalítico e era usado para se referir a um grupo de pacientes que se encontravam na
fronteira entre a neurose e a psicose, mas que não se enquadravam nas categorias diagnósticas
existentes. Borderline, termo em inglês, têm sido traduzido como casos ou estados limítrofes,
ou fronteiriços. (Dalgalarrondo, 2008).
Segundo Bergeret (1988) o Transtorno de Personalidade Borderline é uma doença
relacionada ao narcisismo. Como outros estados limítrofes, o ego não possui uma estrutura
psíquica definida, ou seja, não atinge uma estrutura estável de personalidade; não é nem
psicótico, nem neurótico, porém, caminha na linha das duas estruturas. A relação do objeto
permaneceu centrada na dependência anaclítica do outro; o perigo imediato contra o qual
lutam todas as variedades de estados limítrofes é, acima de tudo, a depressão.
Bergeret (1998) ressalta ainda que dificilmente encontraremos um TPB puro. É
facilmente encontrado de forma misturada a patologias, tais como anorexia, bulimia e
psicoses, além da depressão.
Segundo Cordioli (1998) a psicoterapia de orientação psicanalítica afirma que um
setting específico é necessário para alcançar os objetivos de resoluções de sintomas. Procura
também o entendimento dos conflitos, utilizando-se de interpretação para promover o contato
do paciente com estes conflitos e assim a consequente elaboração.
Para este mesmo autor, o objetivo da psicoterapia seria ajudar o paciente a adquirir
consciência e insight das causas dinâmicas responsáveis por seu transtorno. O tratamento
psicoterápico, auxiliado com farmacoterapia e do acompanhamento familiar, constitui o eixo
central do que pode vir a ser um tratamento bem sucedido.
De acordo com Kenrberg (1991), o foco da ação terapêutica psicanalítico no
tratamento do transtorno Borderline é auxiliar o paciente a construir uma imagem de si e dos
objetos de forma integrada e coerente. Para que isso ocorra, é necessário mostrar ao paciente o
11
modo que suas defesas participam de suas percepções fragmentadas, pondo em questão sua
resistência em se deparar com suas limitações.
Kernberg (1991) declara que é um transtorno de difícil tratamento. Não tem como
ferramentas básicas a associação livre e interpretação, pois essas técnicas poderiam ressaltar a
desorganização do eu. Deve-se buscar reorganizar a capacidade elaborativa do paciente, assim
como auxiliá-lo no desenvolvimento das funções do ego através da ampliação de defesas,
mecanismos adaptativos mais maduros, funcionamento psíquico mais elaborado que
representam um avanço no desenvolvimento de relação objetal, onde o paciente encontra-se
fixado.
12
2 METODOLOGIA
A proposta desejada era de uma amostra de cinco psicoterapeutas de orientação
psicanalítica, com no mínimo cinco anos de experiência clínica e histórico de atendimento em
casos de pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline. A amostra foi de
conveniência, resultando em entrevistas de três profissionais com a experiência clínica de no
mínimo 4 anos, que puderam ser entrevistados a tempo de elaboração desse trabalho de
conclusão de curso.
As entrevistas foram semiestruturadas, gravadas e transcritas. A análise dos dados
ocorreu pelo método teórico-clínico, sendo empregada a Análise de Conteúdo inspirada em
Bardin (2009) e na classificação dos atos de fala de John Searle (2002).
Foi utilizada apenas a fase inicial da metodologia de Análise de Conteúdo, com o
recorte dos núcleos de sentido das respostas dos participantes. A organização das respostas
em categorias informais obedeceu aos núcleos de sentido encontrados, seguindo o tema de
cada pergunta.
O uso da teoria de atos de fala da pragmática da conversação envolveu a escuta do
áudio das entrevistas, para identificar possíveis sentidos das frases que fossem dependentes do
contexto de enunciação (atos de fala indiretos, interjeições, subentendidos, etc.). Não se
constatou nenhum significado relevante que alterasse os resultados da análise de conteúdo.
Ambas as análises dos dados foram feitas de forma independente por dois juízes, com
a posterior verificação conjunta das interpretações divergentes.
Os entrevistados são apresentados abaixo com a denominação de E01, E02 e E03:
E01 é o do sexo masculino, com 25 anos de experiência clínica. Sua formação de
graduação é em Psicologia. Possui mestrado e doutorado em Psicologia. Tem formação
específica em psicanálise. O entrevistado acredita ter atendido por volta de 10 pacientes com
Transtorno de Personalidade Borderline ao longo desses anos.
E02 é do sexo feminino, possui 7 anos de experiência clínica. Sua graduação é em
Psicologia, bem como possui mestrado na mesma área. Também concluiu formação específica
em psicanálise. Acredita que já atendeu, no mínimo, 10 pacientes com o Transtorno.
E03 é do sexo feminino, com 4 anos de experiência clínica. É formada em Psicologia e
está concluindo uma especialização em psicanálise winnicottiana. Esta entrevistada tem longo
13
histórico de atendimento em Intervenção em Crise em clínica psicológica. Desta clientela,
E03 acredita que já tenha atendido um grande número de casos de pacientes com TPB.
14
3 DISCUSSÃO
3.1 CONTRATO TERAPÊUTICO
O entrevistado E01 considera que: “Não adianta você fazer [...] alterações no setting
ortodoxo da psicanálise que não vai, no meu entendimento, não vai adiantar muito”. Apesar
dele já ter atendido em consultório, hoje acredita que o melhor contrato terapêutico é aquele
que é feito dentro de instituições: “Então eu, geralmente os pacientes que eu comecei a
atender, eu percebi com o tempo que seria melhor encaminhá-los para instituições, que ali as
transferências ficam múltiplas, fica com o terapeuta ocupacional, fica com o assistente
social, com o psicólogo, com o psiquiatra. A transferência é com a instituição”.
A entrevistada E02 não acredita que o contrato do trabalho psicanalítico deva ser
muito rígido, independente do tipo de paciente: “Em psicanálise, a gente não trabalha com
contratos terapêuticos rígidos, porque se a gente esta pensando na dinâmica psíquica do
sujeito, no inconsciente não faz sentido a princípio a gente enrijecer muito”.
Em relação ao paciente Borderline, E02 propõe uma flexibilidade ainda maior, devido
ao seu modo de funcionamento: “Mas o que eu posso dizer da minha experiência em clínica e
teórica é que os pacientes que tem funcionamento limites ou que comportam angústias
psicóticas que ficam muito em cena, mesmo pacientes neuróticos, a gente parte do
pressuposto que o setting não pode ser tão enrijecido, então tem uma questão de flexibilizar o
período da sessão, a frequência, de ter um cuidado, por exemplo, em não enrijecer o uso do
divã, ter uma elasticidade no uso da cadeira”.
De acordo com a entrevistada, a dinâmica desses pacientes exige que, por vezes, o
contrato vá além do setting tradicional e possibilite comunicações e atendimentos fora da
sessão, atendendo as necessidades do paciente: “Então nesses casos a gente percebe que é
importante a nossa disponibilidade como analistas para outros meios de comunicação senão,
às vezes, os pacientes ficam muito regredidos, eles precisam ficar muito colados no analista
em certos momentos, então ter disponibilidade via telefone, e-mail”.
A entrevistada E03 sustenta que todo setting psicanalítico é diferente para cada
individuo: “[...] só que ai é onde entra à questão da minha formação, a psicanálise
Winnicottiana trabalha com esse setting individualizado, então ele nunca vai ser igual pra
todo mundo. É diferente para o paciente Border? Não. Ele vai ser diferente para cada
15
paciente. Então nunca foi uma coisa que eu focasse muito: nossa é um paciente Borderline,
então eu vou ter que transformar o setting”.
Apesar de E03 sustentar a ideia do setting personalizado para cada paciente, em
seguida admite a criação de um setting especial para o paciente Borderline: “Mas, que sim,
precisa ter um setting diferenciado, precisa né”. Porém, muitas vezes a iniciativa de
modificação do setting é do próprio paciente Borderline: “[...] dependendo da gravidade né,
do comprometimento mesmo é dessa questão de sofrimento, eles mesmo modificam esse
setting, eles mesmo forçam essa, eles testam muito, é uma modificação que, às vezes, nem é
nossa, mas do próprio paciente dependendo do nível de sofrimento”. Uma vez modificado o
setting pelas necessidades do paciente e avaliação da terapeuta, E03 trabalha para mantê-lo
constante durante o tratamento: “[...] são muito desconfiados das próprias regras mesmo,
questão de pagamento [...] então o setting uma vez modificado, adaptado àquele paciente, ele
precisa ser muito constante, porque pra dar essa segurança de: olha eu me adaptei a forma
de como você se sente melhor e eu vou estar aqui agora dessa forma né, para o paciente
sentir que: ela tá ali, eu posso confiar, isso é importante”.
3.2 FENÔMENOS E TÉCNICAS
3.2.1 Resistência, transferência, contratransferência
O entrevistado E01 relata que a transferência com os pacientes portadores do
Transtorno de Personalidade Borderline é muito difícil de lidar por um terapeuta apenas, pois
geralmente a transferência é ambivalente e intensa. Ele acredita ser necessário desenvolver
múltiplas transferências: “Só que ela é muito intensa, tanto amorosa como eu falei a pouco,
como hostil e ai você sozinho para segurar isso é muito, muito pesado, complicado
entende?”.
A transferência pode ser ambivalente, de acordo com E02, podendo ser marcada por
necessidade de desligamento e fusionamento: “O que eu percebo muitas vezes é uma
transferência marcada com muita ambivalência, com muitas passagens ao ato, tendem a
entrar muitas vezes num estado de identificação muito adesiva quando entra em contato com
ansiedades muito primitivas, então fica oscilando entre uma necessidade de desligamento e
uma necessidade de estar muito colado, por isso muita ambivalência em cena”.
16
Para a entrevistada E02, os pacientes Borderline apresentam como resistência o
fenômeno da clivagem, de forma muito frequente. Segundo o vocabulário de Laplanche e
Pontalis (2001, p.65), a clivagem é “um fenômeno muito particular da coexistência, do seio
do ego, de duas atitudes psíquicas para com a realidade exterior quando esta contraria uma
exigência pulsional. Uma leva em conta a realidade, a outra nega a realidade em causa e
coloca em seu lugar uma produção do desejo. Estas duas atitudes persistem lado a lado sem se
influenciarem reciprocamente”.
Colaborando com o conceito Kernberg (1991) refere-se à clivagem como sendo uma
separação entre extremos - aspectos bons e maus do eu e dos objetos, o que proporciona uma
defesa à contradição e à ambivalência emocional, que representa um conflito intrapsíquico
intolerável.
Esta clivagem surge com frequência no atendimento ao paciente Borderline. Segundo
E02: “na defesa, a gente percebe que tem uma defesa muito comum da clivagem, então em
uma sessão ou outra, ele não vai se comunicar, vai estar mais desorganizado, outras estará
extremamente ótimo, de ter uma coisa nesse sentido que comparece. Às vezes, ele está ali,
falando, falando, falando que está tudo bem, mas afetivamente ele transmite uma angústia
intensa, a gente percebe a defesa de clivagem entre o afeto e o pensamento”
Para o E03 a transferência é algo difícil de lidar por sua intensidade, pois são pacientes
que provocam angústia: “olha, são pacientes que causam muita angústia né, causam muita, é
uma identificação projetiva que eles fazem que é muito maciça, você se ver no lugar desse
ambiente hostil não é fácil, você resistir ali, sobreviver aos ataques né, dessa falta de
confiança, dessa transferência negativa, não é fácil”.
A questão da resistência para o entrevistado E03 aparece muito pela atuação do
paciente e não pela simbolização, ou seja, o paciente não consegue, de certa forma, elaborar
sua fala e atua: “uma característica do transtorno a questão da atuação né, não passa tanto o
sofrimento pela parte da simbolização, é mais pela questão da atuação, né então, a
resistência também vai ter muito mais esse caráter, por exemplo, ao invés de vir e ficar
calado porque não tem nada pra dizer que seria uma resistência neurótica, uma coisa nesse
sentido, ele não vem né, é mais uma atuação daquela resistência do que realmente uma
simbolização daquilo”.
A entrevista E03 sente uma contratransferência positiva em relação aos pacientes
Bordeline. Como a maioria dos pacientes que atendeu possuem esse transtorno, a terapeuta
17
aprendeu a admirá-los com o passar do tempo: “eu, particularmente, por ter atendido muitos
pacientes com esse diagnóstico e a maioria eram pacientes que me fascinavam muito, eu
costumo dizer que eu adoro os pacientes Borderline, porque eu acho de uma coragem o que
eles fala e o que eles sentem, eles sentem na pele o que as outras pessoas estão tentando
esconder. É uma dor que a única coisa que você pode fazer, é falar. E é verdade, o mundo é
muito difícil mesmo, é um vazio, é uma solidão que muita gente estão botando mil coisas para
disfarçar e eles estão sentindo isso 24hs por dia”.
Apesar da maioria dos pacientes provocarem uma contratransferência positiva em
E03, ocorre também a contratransferência negativa: “Então costumo adorar assim, os
pacientes Border, e por isso eu tendo não usar o diagnostico: ah ele é assim por causa do
diagnóstico porque tem outros que eu atendo que são super chatos, tem outros que não
conseguem desenvolver essa contratransferência tão positiva”.
3.2.2 Ideação suicida
Em relação à ideação suicida, o entrevistado E01 acredita que se houver um suporte
institucional e familiar é possível transformar a ideação: “a gente tenta né, transformar em
fala essa ideação, fazer a pessoa falar né, aí né a questão de trabalhar com a família junto é
muito importante entende?” E01 afirma também que a multiplicidade de cuidadores existente
no ambiente institucional pode ajudar o psicólogo a detectar e avaliar a ideação suicida do
paciente: “E também a questão institucional, porque na instituição a pessoa tem diversos
olhares, tem o olhar do psiquiatra, tem o olhar do médico, do psicólogo, do terapeuta
ocupacional, o olhar, enfim, que pode estar até fazendo você ver essa questão do suicídio
que, às vezes, por você está mobilizado não vê, não dá o devido peso entende?”.
A entrevistada E02 acredita que, após a estabilização da ideação, a dor seja elaborada
e dado um significado a ela para uma melhor compreensão do paciente a cerca daquela
atuação: “O que eu percebo desses pacientes com tendências suicidas quando eles estão mais
organizados, passa também a possibilidade de tentar aprofundar nessa compreensão da
angustia de aniquilação e dar um tipo de contorno a ela, de integrar ela, de não ficar só
aquela coisa de momento de crise que é algo que faz parte dele”.
A entrevistada E03 lida com a questão da ideação suicida com o manejo do sofrimento
psíquico apresentado pelo paciente: “O manejo da ideação passa muito pela possibilidade de
fazer um vínculo terapêutico muito pautado pela confiabilidade, e que seja por um vínculo
18
que passe pela disponibilidade muito segura do analista. Então a questão da ideação
geralmente ela é manejada a partir da possibilidade de acolher a ideação e tentar entender
aquilo ali a partir de um lugar de sofrimento psíquico passível de ser recebido e cuidado e
não de um lugar de sofrimento psíquico que não vai ser necessariamente, que não vai ter uma
continência para ser dada, tenta-se favorecer a continência a partir da relação terapêutica
de análise”.
3.2.3 Manejo clínico
Um ponto relevante para o E01 é a questão do engajamento familiar com o tratamento
do paciente. Ele acredita que: “[...] a família geralmente, eles te entregam o paciente né, eles
não querem, aquele paciente tem uma função naquela família, tem uma homeostase com todo
sofrimento que trás, mas tem uma função e essa família não quer se tratar, quer que trate o
sujeito, mas não muda o sistema familiar e eu acho que isso é mais uma dificuldade, aliás,
não é só mais uma dificuldade e uma dificuldade que impede qualquer tratamento”. Para o
entrevistado, a não participação da família no tratamento do paciente inviabiliza o seu
sucesso.
Quanto à recuperação do paciente, o entrevistado E01 acredita não ser possível uma
melhora significativa. A respeito dos seus casos afirma que: “Nenhum foi assim profícuo, a
pessoa “melhorou” né, daí a minha decisão de não trabalhar mais individualmente com eles.
Uma estabilidade assim por um período, depois recaia tá e uma estabilidade muito
conseguida pela custa da medicação né, mas não houve essa transformação, uma elaboração
do modo de funcionamento, do modo de funcionamento familiar tá, se tem, são coisas muito
tímidas assim, ok?” E01 parece sugerir que o tratamento individual não produz uma melhora
duradoura ou modificações prolongadas nos modos de funcionamento psíquico e familiar dos
pacientes Borderlines.
E02 acredita que, muitas vezes, estes pacientes têm dificuldades de compreender
claramente seus estados mentais e até de simbolizá-los: “quando entram em contato com
estados um pouquinho mais frágeis, primitivos [...] aparecem com muita dificuldade de
diferenciação e até de simbolização. Têm pacientes com relato verbal, às vezes, muito
organizado, mas na medida que você vai fazendo algumas metáforas e algumas associações,
parece não fazer muito sentido, como se escapasse.”
19
Estas dificuldades fazem com que a interpretação psicanalítica clássica dos fenômenos
inconscientes não deve ser utilizada. Para E02, estes pacientes precisam aprender a elaborar a
confiabilidade e a continuidade que não foi vivida em algum momento do sujeito: “São
pacientes que a interpretação geralmente não é muito recomendada, a interpretação clássica,
direta, porque a angústia é de uma ordem que primeiro precisa constituir, favorecer uma
experiência que não foi vivida precocemente, então a gente pensa muito na função do
analista nesse sentido”.
Para a E02 o analista possui uma função materna, ele ampara o paciente, assim como
uma mãe, nos seus momentos de significação: “Então o analista tem por muitas vezes uma
função, assim, materna, que é primordial nos primeiros ambientes de amparo, para favorecer
que o sujeito aos poucos venha se costurando né, ir aos pouquinhos fazendo essa borda que
de alguma forma ficou precária, para ele se sentir psiquicamente um pouco mais integrado
para a partir disso começar a ressignificar”. E02 parece se apoiar nas ideias de Winnicott
(1960 apud ZIMERMAN, 1999), onde o analista pode assumir uma função de maternagem
com os pacientes Borderline, onde a mãe é tida como ego auxiliar do filho, até que este
consiga desenvolver suas capacidades, ou seja, como uma função holding que sustente a
criança tanto fisicamente como emocionalmente, garantindo assim, uma continuidade
existencial.
A respeito do tratamento, a E02, acredita que os pacientes Borderline possam ficar
integrados nas redes sociais de forma estável: “o que eu pude observar nos casos é que
muitas vezes são sujeitos que vão conseguir estar mais integrados. Então a passagem ao ato
diminui bastante”.
A entrevistada E03 cita que é importante trabalhar a diferenciação do eu e do outro
com o paciente Borderline, pois eles possuem essa tendência de fusionamento com o outro:
“Acho que é importante ter muito essa diferenciação do eu e do outro. Deixar sempre muito
claro essa diferenciação, por isso que, às vezes, o setting tem essa questão do limite, da
estabilidade, pra colocar isso que não foi colocado antes né, essa pessoa conseguir se
constituir como uma pessoa individual, não precisar colar no outro pra se constituir né, e
isso não é fácil pra gente que tá nesse lugar né”.
20
3.2.4 Problemas e dificuldades
Uma dificuldade apresentada pelo E01 é a questão da disponibilidade que o paciente
Borderline requer de seu analista: “E pede uma disponibilidade do analista, do terapeuta que,
às vezes, a gente não tem por conta dos outros pacientes, e por conta também no meu caso,
da atividade de ensino, que eu divido entre ensino e consultório. E aí, essa disponibilidade
falta pra eles entendeu?”.
Para o E01 a transferência que o paciente transmite ao psicanalista é difícil de lidar, o
que torna o atendimento, para ele, de difícil manejo: “Só que eu repito, é muito intenso e a
amorosa também, a pessoa gruda com você, te liga todas as horas, manda e-mail, descobre
os lugares que você frequenta e se você não tiver um suporte, um apoio, como falei a pouco a
questão da instituição né, fica muito complicado né. Pede uma disponibilidade tremenda, e
na transferência, é claro né que na psicanálise é o tratamento da transferência né, e aí
também fica muito pesado entende? Mobiliza muitas transferências nossas também como
analista”.
Para o entrevistado E01 os pacientes Borderline mobilizam nele contratransferência de
fusionamento, tentando impedir que os pacientes se aproximem demais: “é uma defesa contra
o fusionamento e também um despedaçamento né, porque ao mesmo tempo que eles fusionam
com você, quando eles se afasta é quebrando, despedaçando”.
Uma dificuldade apontada pelo E01 é a questão da família não se comprometer e se
conscientizar no engajamento junto com o paciente, deixando essa responsabilidade para o
terapeuta e para o paciente: “Pessoas que tem psicose, estados limítrofes, elas precisam do
suporte familiar, elas não dão conta de fazer uma transformação na neurose que a pessoa vai
se transformando e com isso vai transformando suas relações. No paciente limítrofe essas
relações precisam ser transformadas juntas, porque ele não tem essa capacidade de deslocar
o pouco que se trabalha e se transforma ali com ele, entendeu”.
O entrevistado E01 apresenta uma dificuldade ética quanto à questão da ideação
suicida, pois ele acredita que no fundo, a escolha é do indivíduo: “Eu tenho uma posição
ética, filosófica que o suicídio é uma possibilidade humana né, assim, nossa cultura judaica,
cristã lida muito mal com essa questão do suicídio, mas se você olhar culturas asiáticas ou
ando saxônicas o suicídio é uma possibilidade, uma saída. Então assim, eu tenho um conflito
ético né, porque no final a escolha é da pessoa né, mesmo que seja escolha inconsciente,
aquelas coisas todas né”.
21
Apesar do entrevistado E01 acreditar que a melhor forma de se acompanhar um
paciente Borderline seja através de instituições, ainda assim é perigoso, pois o paciente pode
acabar construindo uma relação de amor com a instituição e ódio com o terapeuta e viceversa: “Mais até isso é perigoso porque ele pode estabelecer você como objeto de amor e a
instituição como a de ódio e vice-versa. Então é delicado, que tem quadros clínicos que você,
o setting analítico... Freud já dizia não alcança, não é o apropriado entendeu?”.
Para o entrevistado E01 os analistas não conseguem suportar a demanda que o
paciente Borderline apresenta: “Mas todos que me procuram pra supervisão, pra falar que
estão atendendo paciente Borderline geralmente não ficam, não conseguem suportar a
demanda de amor e ódio que eles tem entendeu, e acabam consciente ou inconscientemente
mandando a pessoa embora”.
A entrevistada E02 relata que a contratransferência é negativa e difícil com os
pacientes Borderline: “Algumas dessas coisas que comparecem é um sentimento de
desligamento, né então, dá uma sensação de estranhamento e, às vezes, até de sonolência
muitas vezes”.
A entrevistada E02 relata que os pacientes acabam provocando sentimentos negativos
muito intensos no analista: “A resistência aparece muito por meio da passagem ao ato, por
exemplo, de faltas também, pequenos ataques que aparecem por meio da transferência
negativa, e quando ela comparece é muito intensa, em alguns casos na sessão ela aparece de
forma pessoalizada, às vezes, algumas questão... Então é você que não me ama, você que não
gosta de mim... é muito adesivada na pessoa do analista, porque é uma forma de metaforizar
dessa angústia”.
De acordo com a entrevistada E02, os pacientes Borderline provocam uma demanda
que vai além do setting terapêutico, trazendo ao analista uma preocupação terapêutica fora das
sessões: “o sentimento de estar psiquicamente muito ocupado pelo paciente, ou seja, fica
pensando muito no paciente ao longo de vários momentos, além daquele específico do
atendimento, é como se ele ocupasse psiquicamente um grande espaço”.
As faltas dos pacientes falam de uma resistência do mesmo, mas também é
considerado uma forma de atuação, conforme E03: “A falta fala de uma resistência, mas
também de uma comunicação, pode ser um ataque ao setting, muitas vezes quando a sessão é
intensa, ocorre falta na sessão seguinte. É até curioso, que eles não só faltam, eu percebo
22
assim, que são pacientes que faltam, mas, que ocupam outros espaços, então eles atuam fora
do setting, isso é muito comum”.
E03 relata que a identificação projetiva que o paciente Borderline faz com o terapeuta
seja muito maciça, o que pode tornar a transferência de difícil manejo: “olha, são pacientes
que causam muita angústia né, causam muita, é uma identificação projetiva que eles fazem
que é muito maciça, você se ver no lugar desse ambiente hostil não é fácil”.
23
CONCLUSÃO
Todos os três entrevistados consideram muito difícil lidar com a manutenção do
contrato terapêutico, assim como a aplicação da psicanálise clássica nos casos de Transtorno
de Personalidade Borderline. Assim, parecem concordar com Kenrberg (1991) que declara ser
este um transtorno de difícil tratamento, onde não se pode empregar apenas as ferramentas
clássicas da associação livre e interpretação, pois essas técnicas poderiam ressaltar a
desorganização do eu. Segundo este autor, deve-se buscar reorganizar a capacidade
elaborativa do paciente, assim como auxiliá-lo no desenvolvimento das funções do ego
através da ampliação de defesas, mecanismos adaptativos mais maduros, funcionamento
psíquico mais elaborado que representam um avanço no desenvolvimento de relação objetal,
onde o paciente encontra-se fixado (KENRBERG, 1991). Quando E02 e E03 propõe a
flexibilização do setting tradicional da psicanálise e E01 propõe seu abandono eles podem
estar tentando lidar com as graves limitações do desenvolvimento do ego dos pacientes
Borderlines citadas por este autor.
Os entrevistados E02 e E03 concordam que para desenvolver o ego primitivo dos
pacientes Borderline o analista assuma uma função de maternagem, assim como uma mãe,
para auxiliar o ego de seu filho, para que ele atinja suas capacidades emocionais, garantindo
uma continuidade existencial. E03 acredita que os limites impostos no setting são necessários
para que o paciente aprenda a diferenciação do eu e do outro, já que a relação objetal tende ao
funcionamento.
E01 não acredita que o contrato terapêutico em psicoterapia individual seja eficaz com
esses pacientes. Ele acredita que o ideal é um contrato elaborado em uma instituição que
abranja diversos profissionais de saúde para atendimento multifuncional. Entretanto, E02 e
E03 trabalham com o contrato terapêutico individual. Nas entrevistas podemos destacar que
E02 e E03 concordam que essa manutenção é algo único para cada paciente, porém, para os
pacientes Borderline o setting é de difícil manejo. Zimerman (1999) afirma que o ponto
principal da inviabilidade da técnica analítica estaria na dificuldade de manutenção de um
setting terapêutico com todas as regras que compõem o contrato estabelecido entre o analista
e o paciente.
Em relação aos fenômenos clínicos e técnicas, todos os três entrevistados concordam
que a transferência é difícil, assim como as peculiaridades que envolvem esse transtorno.
24
Os entrevistados E01, E02 e E03 concordam que a transferência, além de difícil, é
ambivalente e intensa. Ao mesmo tempo em que o paciente ama, ele odeia e transfere esses
sentimentos de forma significativa para o terapeuta. Porém, E01 acredita que a melhor forma
de lidar com o manejo dessa transferência é com atendimento institucional, enquanto que E02
e E03 lidam com a transferência de forma mais acolhedora, com a função de maternagem dita
anteriormente.
A contratransferência, acredita o E01, é melhor trabalhada na instituição por ser
distribuída de forma equilibrada para vários profissionais, não demandando uma energia
grande para apenas um profissional. Enquanto que E02 e E03 trabalham essa
contratransferência de forma individualizada, em consultório, e concordam que essa
contratransferência gera angústia.
Em relação à ideação suicida, E01 acredita que o suporte familiar e institucional é
fundamental para apoiar o paciente. Além de que a diversidade de cuidadores em uma
instituição ajuda o psicólogo a detectar a ideação de um paciente que pode ter passado
despercebida. E02 e E03 acreditam que a ideação pode ser elaborada e compreendida através
do vínculo terapêutico e a confiabilidade criada.
A respeito do manejo clínico, E01 acredita que o engajamento familiar no tratamento
do paciente faz toda a diferença no desenvolvimento terapêutico, pois o não
comprometimento familiar pode implicar no sucesso do quadro. E01 não acredita numa
melhora significativa dos pacientes Borderline. Como os pacientes com esse Transtorno tem
dificuldade de simbolização E02 acha importante que aprendam a elaborar a confiabilidade e
a continuidade que não foi vivenciada em algum momento do sujeito. Dessa forma E02,
acredita que os pacientes Borderline possam ficar integrados nas redes sociais de forma
estável. E03 trabalha a diferenciação do eu e do outro por possuírem a tendência de
fusionamento com o objeto. Sobre os problemas e dificuldades podemos destacar que, há em
comum entre os três entrevistados, o relato da dificuldade que os pacientes com o Transtorno
de Personalidade Borderline possuem em diferenciar o eu e o outro, tornado a relação
fusionada. Essa afirmação para concordar com Kernberg (1991) onde conclui que a estrutura
psíquica tripartida não está consolidada, sendo que, como um movimento defensivo,
componentes sádicos, agressivos e idealizações são projetados no objeto, em uma oscilação
entre o possuir controlar e o aniquilar, havendo com isso dificuldade de diferenciação entre o
eu e o não-eu. Ainda segundo Chabert (1997), Santos e Vaz (2006) e Alvez (2008) (citados
por PINTO, 2009) existe uma precariedade na introjeção dos objetos primários (função
25
materna e paterna). Esses são frequentemente carregados de angústia, agressividade e
desvitalização, levando ao predomínio de relações objetais marcadas pela cisão e pela invasão
do meio, indicando uma frágil diferenciação do Eu/Tu. A fragilidade de diferenciação entre
Eu/Tu sinaliza, entre outras coisas, um vínculo de dependência com o outro. De modo geral
percebemos que, o manejo dos pacientes que possuem o Transtorno de Personalidade
Borderline exige do profissional de orientação psicanalítica uma disponibilidade que vai além
do setting convencional, pois sendo um transtorno que afeta diretamente os vínculos, esse
padrão conflitivo se repetirá fora do consultório e cabe ao terapeuta saber lidar com as
necessidades de seu paciente. Além disso, ressalta-se que o uso da psicanálise clássica não é
indicada nesses casos, o que sugere que o terapeuta saiba manusear o setting de forma que
favoreça o tratamento para que o paciente possa transpor as peculiaridades estruturais desse
quadro clínico.
Sugere-se um estudo posterior com uma amostra maior de psicoterapeutas, pois seria
interessante entrevistar um grupo acima de 20 anos de prática clínica para constatar se
compartilham da mesma opinião do entrevistado E01.
Conclui-se com esse trabalho que, a personalidade do terapeuta influência em seu
modo de trabalhar com seus pacientes e dita seus limites pessoais em cada caso. É necessário
que o analista tenha um autoconhecimento para que não corra o risco de sabotar a terapia e
consequentemente seus resultados.
26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.
BERGERET, Jean. Personalidade Normal e Patológica. 3ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1998.
CAETANO, D. (Trad.). Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da
CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. – Organiz. Mund. Da Saúde (coord).
Porto Alegre: Artes Marciais, 1993.
CLAUDIA, D. (Trad.). DSM-IV-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais. 4ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
CORDIOLI, A. V. Psicoterapias: abordagens atuais. 4ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1998.
DALGALARRONDO, P. Semiologia dos Transtornos Mentais. 2ed. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
FERREIRA, P. G. Psicodiagnóstico: um caso de transtorno de personalidade Bordeline.
2010. 30f. Trabalho de conclusão de curso (Especialização em Psicopatologia e
Psicodiagnóstico) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
KERNBERG, O. Psicoterapia psicodinâmica de pacientes Borderline. Porto Alegre:
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LAPLANCHE, J. Vocabulário da psicanálise. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
OUTEIRAL, J. O. Adolescente Borderline. Traduzido por Cristina Müller. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1993.
PINTO, D. M. Dinâmica Psíquica, Agressividade, Impulsividade e Morte na Clínica do
Borderline. Brasília. 2009. 230 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de
Brasília, Brasília, 2009.
ROMARO, R. A. Revisão do Conceito de “Borderline”. Arquivo Brasileiro de Psicologia.
v. 43, n. 1/2, p. 21-40, 1991.
ROMARO, R. A. O sentimento de exclusão social em personalidade borderline e o manejo da
contratransferência. Mudanças. v. 10, n. 1, p. 62-71, 2002.
SEARLE, J. R. Expressão e Significado. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem
didática. Porto Alegre: Artmed, 1999.
27
ANEXOS
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em duas vias)
Você está sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa sobre compreender as
características e aspectos gerais da psicoterapia psicanalítica do Transtorno de
Personalidade Borderline.
Esse estudo pretende gerar conhecimento científico sobre o assunto pesquisado, e é
parte da pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia Daniela Alves e Silva,
aluna de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB-DF), com
telefone para contato (61) 8207-4748 e e-mail: [email protected]. Esta
investigação ocorre sob a orientação do Professor Luciano da Costa Espírito Santo e-mail:
[email protected].
A pesquisa consiste na aplicação de entrevista semi-estruturada, onde a pesquisadora
fará perguntas sobre sua pesquisa a respeito de pacientes com TPB, com duração aproximada
de 1hora.
Os dados colhidos serão tratados de forma confidencial. Sua entrevista será
registrada em áudio e posteriormente transcrita e identificada por números aleatórios, para
análise e discussão dos resultados. Após a transcrição, o material de áudio será destruído. Na
divulgação dos dados o anonimato será garantido.
Caso ocorra interesse, a pesquisa poderá ser enviada aos participantes após a defesa do
mesmo.
Participante: Considero-me suficientemente informado(a), e concordo que a minha
entrevista seja gravada e usada em publicação científica, desde que preservando meu
anonimato, e para certificar que concordo livremente em participar dessa pesquisa, assino este
termo.
Brasília, _____ de _______________________ de 2014.
______________________________________________________
Daniela Alves e Silva
Estudante Pesquisadora
________________________________________________________
Prof. Luciano da Costa Espírito Santo
Orientador
________________________________________________________
Participante:
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ANEXOS
Roteiro de entrevista
1- Dados demográficos:
- Formação acadêmica?
- Formação em Psicanálise?
- Quanto tempo de prática clínica?
2- Já trabalhou com pacientes Borderline? Tem um numero aproximado (quantos?)
3- Como se chegou no diagnóstico de TPB dos seus pacientes?
4- Existe alguma diferença na criação do setting ou contrato terapêutico com os
pacientes portadores de TPB e outros transtornos? Quais seriam?
5- Como você vê a resistência e a transferência nesses pacientes?
6- Você identifica algum tipo de contratransferência especifica com esses pacientes?
Como ela é?
7- Qual a maior dificuldade em lidar com pacientes que possuem esse transtorno?
8- Como você lida com a ideação ou o comportamento suicida nestes pacientes?
9- Quais os resultados que podem ser obtidos no seu tratamento deste transtorno?
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ANEXOS
Entrevista 1
P: Primeiro vou colher alguns dados demográficos, seria qual a sua formação
acadêmica?
R: Eu fiz metade da graduação em Psicologia em Fortaleza e a última metade aqui na
UNB. Fiz mestrado e doutorado na UNB e participo de um grupo de estudo em
psicanálise, de formação de estudos em psicanalise chama-se: Espaço psicanalítico e
tem haver com o pessoal da UNB, com os professores e alunos de lá, não sei se
responde...
P: E sua formação em psicanálise, foi feita onde?
R: Nesse grupo que chama-se: Espaço psicanalítico na Asa norte, que é formado por
pessoas ligadas pela UNB, pessoal trabalha com vários tipos de psicanálise, com várias
linhas em psicanálise, Freud, Lacan, Melanie Klein, não tem uma linha teórica
especifica como Lacan, por exemplo, ou Melanie Klein, né, a gente vai estudando o
que interessa pra gente e tudo.
P: Quanto tempo o Senhor tem de prática clínica?
R: Risos... deixa eu ver, tem uns 25 anos, eu acho, por ai... se contar dentro dos
estágios, tá bom.
P: E o senhor já trabalhou com pacientes Borderline?
R: Já.
P: Tem um número aproximado?
R: Não são muitos não tá, depois eu te explico porquê. Ai não sei... eu acho, nesses
anos todos uns 10 eu acho.
P: E como o Senhor chegou a esse diagnostico?
R: Alguns vieram com esse diagnostico e a prática clínica, a escuta, ou a avaliação que
eu faço também confirma tá, outros eu fui percebendo durante os atendimentos, as
entrevistas iniciais né, e ai eu fui percebendo que o discurso é um discurso limítrofe né,
que os sintomas né, os comportamentos, estão nessa estrutura que a gente chama de
limítrofe e que a psiquiatria chama de Borderline né.
P: Existe alguma diferença na criação do setting ou no contrato terapêutico com os
pacientes Borderline e os outros transtornos?
R: Pois é, ai que entra nessa questão que eu te falei que não atendi muitos por que eu
30
não, não acredito no atendimento em consultório padrão né, o setting analítico com os
pacientes Borderline. Eu acho que tem que ser um atendimento institucional né, porque
a transferência é muito intensa, muito é, é como se você, não é como se você fosse uma
muleta dele né, assim, é como se você fosse uma prótese deles, uma perna mecânica,
eles não... é muito intenso, tanto na transferência afetiva, amorosa, como na
transferência hostil né, agressiva. Então eu, geralmente os pacientes que eu comecei a
atender eu percebi com o tempo que seria melhor encaminha-los para instituições, que
ali as transferências ficam múltiplas, fica com o terapeuta ocupacional, fica com o
assistente social, com o psicólogo, com o psiquiatra. A transferência é com a
instituição....
P: Não com o terapeuta em si
R: Isso, isso... e ai essa intensidade fica distribuída né. Eu acredito que alterações no
setting individual né, não vão dá conta, não responde a isso, entendeu, não responde.
Não adianta você fazer né, alterações no setting ortodoxo da psicanálise que não vai, no
meu entendimento, não vai adiantar muito.
P: E como você vê essa resistência e a transferência com esses pacientes?
R: A transferência, esse processo é comum, é um processo que ocorre com todos. A
transferência de inicio ela vem como uma resistência, uma atuação tá, e você fala sobre
aquela atuação tá. Só que ela é muito intensa, tanto amorosa como eu falei a pouco,
como hostil e ai você sozinho para segurar isso é muito, muito pesado, complicado
entende? E pede uma disponibilidade do analista, do terapeuta que, às vezes, a gente
não tem por conta dos outros pacientes, e por conta também no meu caso, da atividade
de ensino, que eu divido entre ensino e consultório. E aí, essa disponibilidade falta pra
eles entendeu? Mas, ai a transferência vem, num ato, numa resistência, por exemplo, a
pessoa entra, bate a porta do seu consultório né, com força né, ai você.... Isso pode
acontecer com qualquer pessoa, com qualquer quadro clínico, só que o Borderline ele
bate com muita intensidade a porta né, e você ai fazer o mesmo procedimento né: O
que foi que aconteceu? Soltou os cachorros ai.... o que foi que houve? E transformar
aquela resistência, aquela atuação em fala tá. Só que eu repito, é muito intenso e a
amorosa também, a pessoa gruda com você, te liga todas as horas, manda email...
descobre os lugares que você frequenta e se você não tiver um suporte, um apoio, como
falei a pouco a questão da instituição né, fica muito complicado né. Pede uma
disponibilidade tremenda, e na transferência... é claro né que na psicanalise é o
tratamento da transferência né, e ai também fica muito pesado entende? Mobiliza
muitas transferências nossas também como analista.
P: E você identifica algum tipo de contratransferência especifica com esses pacientes?
Como elas seriam?
R: Pelo que e já vivi e pelo que eu já li né, o que me mobiliza, que eu acho que vai na
mesma dimensão deles, de outros colegas, de coisas que estudei e discuti, é uma defesa
contra o fusionamento e também um despedaçamento né, porque ao mesmo tempo que
31
eles fusionam com você, quando eles se afasta é quebrando, despedaçando. Teve um
paciente meu Boderline que eu tive um sonho que eu tava olhando umas vitrines e
tinha aqueles manequins de vitrine e ai o manequim explodia em mil pedaços. Ai eu
olhava os pedaços todos no chão né, e ai quando eu acordei, eu percebi que era uma
defesa né, é uma contratransferência, uma mobilização né, e uma defesa desse
movimento: o fusionamento te despersonaliza, você vira um manequim, um boneco né,
perde sua individualidade e quando se afasta, que foi o sonho, a vitrine, põe um vidro
entre você e o paciente, um corte né.. . o vidro corta né, a questão da castração, quando
põe essa separação ele te despedaça, o ódio te despedaça completamente entendeu.
Então em mim, mobilizava isso e eu vi que vai ao encontro do que eu já li, do que já
discuti com colegas, uma contratransferência de uma defesa né, contra esse
fusionamento e contra esse despedaçamento, que é essa intensidade do amor e do ódio
que eu estava te falando.
P: E qual a maior dificuldade em lidar com pacientes que possuem esse transtorno?
R: Além disso que a gente tá falando até o inicio, tem a questão que eu acho que é mais
sistêmica, familiar né, que a família geralmente, eles te entregam o paciente né, eles
não querem, e ai, você precisa entender um pouco de teoria sistêmica né, aquele
paciente tem uma função naquela família, tem uma homeostase com todo sofrimento
que trás, mas tem uma função e essa família não quer se tratar, quer que trate o sujeito,
mas não muda o sistema familiar e eu acho que isso é mais uma dificuldade, alias não é
só mais uma dificuldade e uma dificuldade que impede qualquer tratamento. Pessoas
que tem na psicose, estados limítrofes, elas precisam do suporte familiar, elas não dão
conta de fazer uma transformação na neurose que a pessoa vai se transformando e com
isso vai transformando suas relações. No paciente limítrofe essas relações precisam ser
transformadas juntas, porque ele não tem essa capacidade de deslocar o pouco que se
trabalha e se transforma ali com ele, entendeu.
P: Como você lida com a ideação ou o comportamento suicida com esses pacientes?
R: Eu tenho uma posição ética, filosófica que o suicídio é uma possibilidade humana
né, assim. Nossa cultura judaica, cristã lida muito mal com essa questão do suicídio,
mas se você olhar culturas asiáticas ou ando saxônicas o suicídio é uma possibilidade,
uma saída. Então assim, eu tenho um conflito ético né, porque no final a escolha é da
pessoa né, mesmo que seja escolha inconsciente, aquelas coisas todas né... Mas ao
mesmo tempo eu sou um profissional da saúde né, então a vida tem um valor pra mim
né, assim... e talvez seja outro aspecto contratrasnferencial que você perguntou a pouco
que me escapou né, puxa também esses tipos de dilema né, porque o suicídio na
neurose pode se constituir numa escolha, pode se constituir numa racionalização né,
uma solução do conflito e nesses quadros não né? Então assim, é talvez mobiliza em
mim esses próprios dilemas éticos né, ok? Agora assim, se a pessoa se suicida né, isso
não é uma racionalização para me desculpar não né, assim... foi no final uma escolha
dela né assim... agora é claro né como profissional de saúde, como pessoa que valoriza
a vida a gente tenta né, transformar em fala essa ideação, fazer a pessoa falar né, dai né
32
a questão de trabalhar com a família junto é muito importante entende? E também a
questão institucional, porque na instituição a pessoa tem diversos olhares, tem o olhar
do psiquiatra tem o olhar do médico, do psicólogo, do terapeuta ocupacional, o olhar,
enfim, que pode tá ate fazendo você ver essa questão do suicídio que, às vezes, por
você está mobilizado não vê, não dá o devido peso entende? É claro que devido, diante
a ideação suicida a gente faz como qualquer fato em analise, a pessoa fala sobre isso
né, mas se não tiver um suporte institucional e das relações familiares eu acho que você
não consegue transformar essa ideação. A possibilidade de passar ao ato é muito
grande é muito forte né.
P: E por fim, quais os resultados que podem ser obtidos no seu tratamento desse
transtorno? Especificamente no seu caso
R: Nenhum foi assim profícuo ... a pessoa “melhorou” né, dai a minha decisão de
não trabalhar mais individualmente com eles
P: Não teve nenhum que alcançou uma estabilidade?
R: Não tá. Uma estabilidade assim por um período, depois recaia tá e uma estabilidade
muito conseguida pela custa da medicação né, mas não houve essa transformação, uma
elaboração do modo de funcionamento, do modo de funcionamento familiar tá, se tem,
são coisas muito tímidas assim, ok? Dai minha decisão de não individualmente. Por
mais que você modifique o setting, não ponha a pessoa no divã, seja um atendimento
mais face a face, que você se empreste como uma subjetividade estruturante da dele né,
pela minha experiência não dá certo entende? Eu acho que é um dos quadros que
precisa de uma rede, digamos assim, um suporte né maior, a pessoa pode ate fazer
terapia com você, analise com você, mas ela tem que tá engajada de fato nessa rede
entendeu? Mais ate isso é perigoso porque ele pode estabelecer você como objeto de
amor e a instituição como a de ódio e vice-versa. Então é delicado, que tem quadros
clínicos que você, o setting analítico... Freud já dizia não alcança, não é o apropriado
entendeu? E a gente precisa como toda e qualquer prática, como toda e qualquer
intervenção saber os limites né, a gente não tá ai pra tudo né, senão seria uma coisa
paranoide né, se dou conta de tudo... Então acho que você pode ter um atendimento
com viés psicanalítico institucional, ai eu acredito mais, ai eu já tive relatos de pessoas
que ficaram muito bem né, que estão no Caps, ou instituições privadas semelhantes ao
Caps né, hospitais dia que estão bem, que tão conseguindo trabalhar, que tão
conseguindo... e depois de um bom tempo claro, estão conseguindo um certo sucesso
assim, aí eu tive noticias entendeu? Mas todos que me procuram pra supervisão, pra
falar que estão atendendo paciente Borderline geralmente não ficam, não conseguem
suportar a demanda de amor e ódio que eles tem entendeu, e acabam consciente ou
inconscientemente mandando a pessoa embora.
33
Entrevista 2
P: Primeiro eu queria saber como foi sua formação acadêmica, sua formação em
psicanalise e quantos anos de prática você tem?
R: Deixa eu fazer as contas (risos), eu tenho 6 a 7 anos de prática já, de
formada, se for contar o tempo de estágio, daria até mais né, mas a minha
formação foi a seguinte: eu formei em psicologia pela UNB, é desde a
graduação na verdade, eu já vim adentrando o campo da psicanalise e toda
minha formação na graduação já foi muito voltada pra clinica psicanalítica,
todas as disciplinas, até os tipos de estágios, desde os estágios comecei a focar
muito no atendimento psicanalítico a crianças, depois que eu comecei a atender
adultos na verdade, trabalhei muito com crianças altistas AT, só depois que
trabalhei muito com infantil que eu fui mesmo trabalhar com os adultos. Fiz
mestrado também na UNB na psicologia clínica, terminei em 2011, meu tema
foi sobre trauma né, foi um trabalho na clinica infantil, mas uma discussão
muito mais ampliada. Sou membro da ABB desde que me formei e eu fiz tanto
pela ABB quanto pela sociedade de psicanalise os cursos de observação de
Bebes, na relação faz bebe, minha formação em psicanalise passou muito por
esses cursos da Sociedade em psicanalise, curso de extensão deles, decide não
fazer a formação, por enquanto, pelo menos, na formal. Ai eu fiz um curso de
estudos de Freud com o Carlos Viera, fiz o curso de psicanalise de criança, e
também outros cursos paralelos via ABB também, a psicanalise voltada mais
para o bebê. Participei de grupos de estudos já na UNB, fiquei na pesquisa da
Isabel por muito tempo, fiz parte da pesquisa sobre parentalidade com viés
psicanalítico, foi uma pesquisa internacional, fiz intercambio acadêmico
também na época da graduação também, então eu estudei psicanalise em
Portugal, na França na época. Enfim, tem tanta coisa né. Então minha formação
é por ai.
P: E você já trabalhou com pacientes Borderline?
R: Sim, bastante.
P: Tem um numero aproximado?
R: Quantitativo assim?
P: É, aproximado.
R: É difícil falar assim de forma aproximada, principalmente se pensar em todos
os anos de prática. Eu particularmente não gosto muito do nome transtorno
Borderline, eu acho que a maior parte psicanalista se você for conversar, não vai
gostar muito na verdade, começa já por ai. Dá um certo incomodo. A gente
pensa no funcionamento limite, dentro da psicanalise tem essa discussão, e
34
como eu trabalho com a abordagem mais Winnicottiana, por exemplo, a gente
não vai pensar tanto em termos de estrutura né, limite, mas em um
funcionamento limite. Então a ideia do transtorno Borderline, por ser uma coisa
que encaixota, incomoda um pouquinho, temos que pensar mais na dinâmica
psíquica do sujeito, que tem um sofrimento psíquico, com ansiedades muito
precárias, muito primordiais que, às vezes, aparece com o funcionamento que
vamos chamar de limite, na dificuldade de lidar com alguns processos psíquicos
simbólicos; mas no termo quantitativo é difícil... Eu devo ter atendido no
mínimo, mais de 10 pacientes, já passou muito gente já aqui e trabalho também
na Secretária de Saúde, então eu tenho atendimento psicanalítico tanto aqui no
consultório como em instituição, no ambulatório e na internação. No mínimo
10, acho que muito mais que isso até.
P: Como se chegou no diagnostico de TPB dos seus pacientes?
R: Por meio da clinica psicanalítica mesmo, por meio da escuta. Na clinica
psicanalítica na verdade, a gente acaba fazendo um diagnostico observando o
funcionamento psíquico do paciente por meio das sessões e principalmente por
meio da analise da transferência. A analise da transferência acaba revelando
muito sobre os processos psíquicos em cena do paciente, além do seu discurso
verbal. Então, muitas vezes, antes mesmo do paciente, por exemplo, fazer uma
atuação, uma expressão que fica muito aberta, muito clara no funcionamento
limítrofe, muitas vezes a gente percebe por meio da transferência, tem aspectos
que a gente capta também na contratransferência, que tem alguma coisa ali
velada, de uma angústia mais primordial que talvez não aparece de frente, muita
vezes tem, como se diz Winnicottianamente um falso self, bem funcional, e que
por trás a gente percebe que tem umas angustias que não estão casando bem,
tentando se comunicar na transferência, então a gente fica com a lanterninha já
acessa. Então o diagnostico acontece por meio da escuta psicanalítica dos
pacientes e da analise da própria transferência.
P: Existe alguma diferença na criação do setting ou contrato terapêutico com os
pacientes TPB e outros transtornos? Quais seriam?
R: Na clínica psicanalítica, especialmente guiada por Winnicott, a gente parte do
principio que o setting não pode ser rígido nunca, não é só com os pacientes
limites. Então eu até diria que a ética psicanalítica não restringiria nesse sentido,
só nesses casos, eventualmente uma elasticidade, a elasticidade vai comparecer
na necessidade de cada caso, por exemplo, de um paciente que não tem o
funcionamento limite, mas que regride ao ponto de entrar com uma angustia
psicótica e vai precisar de uma elasticidade do setting. Mas o que eu posso dizer
da minha experiência em clinica e teórica é que os pacientes que tem
funcionamento limites ou que comportam angustias psicóticas que ficam muito
em cena, mesmo pacientes neuróticos, a gente parte do pressuposto que o setting
não pode ser tão enrijecido, então tem uma questão de flexibilizar o período da
35
sessão, a frequência, de ter um cuidado, por exemplo, em não enrijecer o uso do
divã, ter uma elasticidade no uso da cadeira. Então nesses casos a gente percebe
que é importante a nossa disponibilidade nossa como analistas para outros meios
de comunicação, senão as vezes o paciente ficam muito regredidos, eles
precisam ficar muito colados no analista em certos momentos, então ter
disponibilidade via telefone, email. E no contrato, eu não vejo que há
efetivamente uma diferença no contrato, porque se precisar de sessão extra ela
será cobrada, como já faz parte do contrato de qualquer maneira. Meu contrato é
guiado pelas necessidades terapêutica dos pacientes, a frequência, a sessão, tudo
isso vai ser conversado a partir da necessidade daquele caso, porem nunca um
contrato terapêutico rígido. Em psicanalise, a gente não trabalha com contratos
terapêuticos rígidos, porque se a gente está pensando na dinâmica psíquica do
sujeito, no inconsciente não faz sentido a principio a gente enrijecer muito. A
partir do Ferenczi, por exemplo, que foi um analista muito significativo tanto
para pensar em pacientes com funcionamento psicótico ou funcionamento
limite, enfim, em casos um pouco mais delicados, com funcionamentos
psíquicos mais primitivos, ele vai falar que conforme a gente fica muito apegado
a rigidez do setting, a gente está falando mais das doenças da infância do
analista, essa hipocrisia profissional, um pouco dessa frieza que muitas vezes as
pessoas tem a partir de Freud; Freud era assim, tinha um rigidez de setting que,
muitas vezes, não é recomendada. A ideia é que a gente possa estar sempre
sensível a escuta que o paciente trás em seu relato latente, no seu inconsciente e
a partir disso a gente tem uma disponibilidade psíquica afetiva do nosso setting
interno também, não só o setting físico, pra acolher aquilo, poder conter e
transformar e favorecer um processo de desenvolvimento psíquico daquele
paciente.
P: Como você percebe a resistência e a transferência nesses pacientes?
R: O que eu percebo muitas vezes é uma transferência marcada com muita
ambivalência, com muitas passagens ao ato, tendem a entrar muitas vezes num
estado de identificação muito adesiva com entra em contato com ansiedades
muito primitivas, então fica oscilando entre uma necessidade de desligamento e
uma necessidade de estar muito colado, por isso muita ambivalência em cena.
Percebo que são pacientes que quando entram em contato com estados um
pouquinho mais frágeis, primitivos, são pacientes que aparecem com muita
dificuldade de diferenciação e ate de simbolização. Têm pacientes com relato
verbal, às vezes, muito organizado, mas na medica que você vai fazendo
algumas metáforas e algumas associações, parece não fazer muito sentido, como
se escapasse. Na defesa a gente percebe que tem uma defesa muito comum da
clivagem, então em uma sessão ou outra ele não vai se comunicar, vai estar mais
desorganizado, outras estará extremamente ótimo, de ter uma coisa nesse
sentido que comparece. Às vezes, ele está ali, falando, falando, falando que está
tudo bem, mas afetivamente ele transmite uma angustia intensa, a gente percebe
36
a defesa de clivagem entre o afeto e o pensamento. O manejo disso, do analista
conter isso e aos poucos e tentar recosturar muitas vezes, fazer essa reintegração
da paciente vai muitas vezes por ai. A resistência aparece muito por meio da
passagem ao ato, por exemplo, de faltas também... pequenos ataques que
aparecem por meio da transferência negativa, e quando ela comparece é muito
intensa, em alguns casos na sessão ela aparece de forma pessoalizada, as vezes,
algumas questão... Então é você que não me ama, você que não gosta de mim...
é muito adesivada na pessoa do analista, porque é uma forma de metaforizar
essa angustia. São pacientes que a interpretação geralmente não é muito
recomentada, a interpretação clássica, direta, porque a angustia é de uma ordem
que primeiro precisa constituir, favorecer uma experiência que não foi vivia
precocemente, então a gente pensa muito na função do analista nesse sentido. O
foco não é sobre o conteúdo da interpretação, é muito mais sobre a forma
daquela comunicação. A forma como analiticamente pode-se dá um contorno
pra esse tipo de angustia, e promover uma experiência de confiabilidade e
continuidade que se percebe que não foi vivida em alguns momentos precoces
da vida daquele sujeito. Então no manejo da transferência e da resistência a
gente não vai pelo conteúdo, a gente não interpreta, a gente vai fazer falas que
verbalmente continentes, que vai dar um contorno verbal e simbólico para
aquelas angustias muitas vezes inomináveis que vão comparecendo novamente.
A ideia Winniccotiana é que o sujeito que está em processo de construção
psíquica desde bebezinho, a ideia do trauma, que foi minha tese do mestrado,
ele passa muitas vezes por experiências de vida que são excessivas para as
capacidades psíquicas do sujeito em constituição, e quando algo é muito
excessivo rompe o continuar-a-ser, o sentimento de existir continuamente que o
bebe tem muito junto com seus principais cuidadores. Naquele momento, ela
ainda não sabe diferenciar eu-e-outro por isso é o tipo de falha, excesso que
rompe alguma coisa não só na relação com o ambiente, mas ate na relação
consigo mesma, tem aspectos de si mesmo que os pacientes tem dificuldade de
acessar, e faz o falso self para se proteger, por exemplo, que é um falso self que
não se comunica com o verdadeiro self muita machucado, primitivo. Então se a
gente pensa nesse sentido, que tem essa falha muito precoce, essas rupturas e
que além dessas rupturas ele tem que fazer defesas para defender esses
machucados, por assim dizer, nos processos de construção psíquica, uma função
da analise seria a possibilidade não de ressignificar, quando a gente fala da
clinica dos estados limites ou outras clinicas de estados mais primitivos da
mente, a gente não fala da clinica da ressignificação, é da clinica antes de
ressignificar, da significação, de experimentar pela primeira vez algumas coisas
que não foram possíveis. Então o analista tem por muitas vezes uma função,
assim, materna, que é primordial nos primeiros ambientes de amparo, para
favorecer que o sujeito aos poucos venha se costurando né, ir aos pouquinhos
fazendo essa borda que de alguma forma ficou precária, para ele se sentir
psiquicamente um pouco mais integrado para a partir disso começar a
37
ressignificar.
P: Você identifica algum tipo de contratransferência especifica com esses
pacientes? Como ela é?
R: Percebo algumas coisas. Algumas dessas coisas que comparecem é um
sentimento o de desligamento, né então... dá uma sensação de estranhamento e,
as vezes, até de sonolência muitas vezes, quando o paciente tá com uma defesa
do falso self muito clivada, as vezes, com sono, é como se fosse desligar, mas
comparece mais no inicio, depois eu vejo que os sentimentos que mais aparecem
são um pouco assim, de sentimentos negativos muito intensos, por exemplo né,
aquela raiva que fica um pouco adesivada no analista, o sentimento de estar
psiquicamente muito ocupado pelo paciente, ou seja, fica pensando muito no
paciente ao longo de vários momentos, além daquele especifico do atendimento,
é como se ele ocupasse psiquicamente um grande espaço. Então acabamos
ficando contra-transferenciamente muito atentos na forma de como muitas vezes
você conduz, então são pacientes que ocupam psiquicamente. É como se você
sentisse essa adesivação, uma coisa que você precisa ter muito tato, é como se
fosse um paciente que comunica muitas vezes, aspectos negativos, muito
agressivos, as vezes, muito vazio... um sentimento de desligamento na analise,
muitas vezes percebido pela falta de ar... enfim, por ai vai... a questão da raiva
que eu ia te falar é interessante, porque raiva que muitas vezes o paciente sente,
contra-transferencialmente o analista, porque é como se ele sentisse essa raiva
junto, sentisse por ele. Os sentimentos negativos tendem a aparecer em primeiro
momento, mas fortemente, em segundo momento contra-transferencialmente eu
percebo que aparece mais esse sentimento de cautela e cuidado, por ter essa
questão de fragilidade que fica muito evidente. Aí é como se o analista se
sentisse no lugar de uma mãe, que tá tentando achar formas né, de cuidar muito
intensamente... tem essa sensação de: será que eu estou sendo uma mãe
suficientemente boa, eu dou muita supervisão também, então aparece muito
isso, eu atendo casos limites de pessoas que atendem casos limites, então é são
coisas que aparecem muito na contra-transferencia: será que né.. tá tão delicado,
parece que qualquer coisinha vai desmoronar né, é uma preocupação muito
grande, assim como na continência desse bebê psíquico do paciente que nem
sempre deixa ser acolhido né, porque é o bebe que fica com essa variação
ambivalente de querer depender e ter medo de depender, então é difícil o
manejo.
P: Qual a maior dificuldade em lidar com esses pacientes? Faltas, abandonos,
por exemplo...
R: Na minha experiência, não tive muita de abandono, evadir simplesmente não,
mas eu sei que isso é algo que aparece. Eu acho que a maior dificuldade, na
verdade, vem muitas vezes da dificuldade da transferência, no manejo, na
delicadeza da transferência, requer uma disponibilidade do analista muito
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significativa né, alguns analista não tem essa disponibilidade para sustentar as
faltas, realmente, muitas vezes aparece muitas faltas e entender aquilo como
uma comunicação de uma forma. A falta fala de uma resistência, mas também
de uma comunicação, pode ser um ataque ao setting, muitas vezes quando a
sessão é intensa, ocorre alta na sessão seguinte. É ate curioso, que eles não só
faltam, eu percebo assim, que são pacientes que faltam, mas, que ocupam outros
espaços, então eles atuam fora do setting, isso é muito comum. Então o desafio é
saber manejar, receber, por exemplo, as comunicações que vem fora do setting
sem interpretar ou sem ter uma função ali que se equiparasse ao que pode ser
feito no setting, quase de disponibilizar uma função de continência daquilo que
é comunicado fora do setting e tentar redirecionar isso para ser trabalhado vindo
no espaço da analise mesmo. Então esse paciente é um pouco delicado, por que,
muitas vezes são pacientes que demandam que você esteja disponível pra além
do setting em funções além daquele que da analítica. Então esse manejo é um
pouco delicado, de saber acolher sem que o elástico rompa né, a elasticidade da
técnica... saber acolher né, mas preservando esse elástico, senão o paciente
também cai, ele desmorona, se você pensar num continente, ai tipo rompe, e a
função da analise também se desfaz, então é promover uma elasticidade desse
manejo, mas, ficar muito atento de ate onde é possível manter essa elasticidade
sem perder a função analítica. Então esse jogo de cintura, por assim dizer, é o
mais desafiador, não sei se é uma dificuldade, mas é o mais desafiador. Tem
uma analista que gosto muito que é a Ane Alvarez, ela fala que a clinica com
pacientes, com analisandos que tem angustias muito primitivas, que inclui o
estado limite, envolve uma capacidade psíquica do analista de estar sempre
oscilando, em estar perto suficiente pra sentir junto, pra sentir inclusive a
intensidade daquele desespero, angustias muito intensas, muito primitivas e isso
é um desafio também na transferência, e também se manter diferenciado para se
manter pensante, se manter outro, que é também uma função da mãe também
com o bebê no inicio. Eu gosto muito porque ela fala o seguinte, que não
conhece ninguém que acerta essa medida, de tá oscilando entre os dois eixos,
que é algo que continuamente tem que tá em cena, em supervisão e em analise
do analista. Então é por ai, as faltas, a intensidade das angustias comunicadas na
transferência, mas eu prefiro a palavra desafio.
P: Como você lida com a ideação ou o comportamento suicida nesses pacientes?
R: Eu tive poucos que efetivamente tiveram ideação suicida, não eram tantos.
Tive uns 4 ou 5. O manejo da ideação passa muito pela possibilidade de fazer
um vinculo terapêutico muito pautado pela confiabilidade, e que seja por um
vinculo que passe pela disponibilidade muito segura do analista. Então a questão
da ideação geralmente ela é manejada a partir da possibilidade de acolher a
ideação e tentar entender aquilo ali a partir de um lugar de sofrimento psíquico
passível de ser recebido e cuidado e não de um lugar de sofrimento psíquico que
não vai ser necessariamente .... que não ter uma continência para ser dada, tenta-
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se favorecer a continência a partir da relação terapêutica de analise. Da minha
experiência, entrar num lugar com tendência suicida e de ficar com a
preocupação muito, só concreta, não favorece a continência efetiva que o
paciente precisa, é quase o mesmo lugar do elástico de disponibilizar um espaço
para entender a angustia de aniquilamento e ao mesmo tempo demonstrar uma
preocupação afetiva que promova a sensação de não estar tão só, de estar de
certa forma vinculado a alguém, que a vinculação ao espaço é o que previne a
passagem ao ato. Muitas vezes os pacientes são muito vinculados a alguém no
espaço analítico, por exemplo, eles não vão a passagem ao ato, eles vão ligar pra
gente pra falar que estão pensando essas coisas, então assim, é como se eles
tivessem a possibilidade de sentir dentro de um vinculo que dá algum tipo de
sustentação ao ponto de que a passagem ao ato não seja a única saída dessa
angustia, tem como direcionar essa angustia pra alguém ao invés de passar ao
ato, então o manejo é um pouco por ai. O que eu percebo desses pacientes c com
tendências suicidas quando eles estão mais organizados, passa também a
possibilidade de tentar aprofundar nessa compreensão da angustia de
aniquilação e dar um tipo de contorno a ela, de integrar ela, de não ficar só
aquela coisa de momento de crise que é algo que faz parte dele. O que eu
percebo muitas vezes por meio da clivagem é como se ele tivesse tido um
momento de ideação ou de passagem ao ato e que depois que isso foi contido eu
também vou aqui focar em outras coisas e não é bem assim. É de tentar pensar
que aquilo ali faz parte dele também, não significa que essa parte mortífera
precisa destruir o todo, mas que tem recursos pra cuidar dessa parte, de alguma
forma adoecida, que vem de lugar de vazio. Eu vejo que são casos que muitas
vezes a gente tem uma disponibilidade psíquica tal como uma mãe, de manter
esses pacientes vivos no nosso psique, como ele muitas vezes tem essa ideação
suicida, pra ele saber que se mantem vivos em outra pessoa e assim eles
conseguem manter vivos em si mesmos e que isso muitas vezes vai sendo
trabalhado e comunicado na transferência desses casos. Em outro momento
começar a pensar e a integrar que dimensão é essa que tão mantida, tão
desesperadora que aparece de forma tão desruptiva e que não tem só isso. Tem
esse lado que ele consegue tá bem, então como é que podemos conversar as
duas coisas, como a gente pode cuidar desse bebê que tá caindo eternamente né,
que não tá sentindo que tem um colo, que a única saída é a morte, é a
inexistência, por meio desse outro lado que tá fortalecido e que consegue de
alguma forma se manter pensante, se manter ligado, vinculado as pessoas. Em
palavras mais teóricas seriam assim: como a gente pode promover que o falso
self não seja um barreira com relação ao verdadeiro self, que dizer, que ele
possa fazer uma ponte. O falso self, fazendo um paralelo com o Ferenczi, fala
que pessoas que viveram experiências muito traumáticas elas passam uma
clivagem narcísica. Por isso a clivagem é uma das principais defesas assim, uma
clivagem narcísica que aparece, que tem que ser valorizada, porque é uma via de
sobrevivência de experiência traumáticas excessiva, ela cliva muitas vezes o ego
em uma instancia que se identifica com esse cuidador e uma instancia que se
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identifica com esse lugar vulnerável, que foi machucado. A clivagem vem pra
tentar proteger esse lado muito frágil, porque ele não encontra muitas vezes no
ambiente um cuidador efetivo, que esteja ali disponível para acolher essas
dimensões tão vulneráveis do sujeito. Só que muitas vezes esse, voltando pro
Winnicott, esse falso self, fica tão grande, que ate esconde, que até esquece
dessa dimensão muito vulnerável, como se ele só tapasse, não favorece essa
comunicação com essa dimensão muito vulnerável. Na medida que a gente pode
aos pouquinhos lembrar que tem também essa dimensão muito forte e que ela tá
também, pode tá em comunicação com essa dimensão mais vulnerável , eu
brinco com os paciente que há essa possiblidade em brincar de pensar em dar
colo pra si mesmo, tem que pensar nesse lado, porque tem muitos recursos pra
pensar, outros recursos pra começar a entrar em contato e vincular com a vida e
tá funcionando socialmente né, com uma lado que tá totalmente fragmentado,
desmembrado, vulnerabilizado. Na medida em que a gente consegue juntar as
duas coisas, nem só tem esse bebe que tá desmantelado, como também nem só o
adulto que tá tentando proteger né, não vendo o bebe, mas tu colocar o bebe no
colo. Então, por isso que depois que passa os momentos de crise, seja por meio
de ideação suicida ou por meio de outras angustias que podem comparecer, a
tendência num processo de analise pra tentar favorecer essa integração, de
valorizar os recursos psíquicos que a pessoa já tem para fortalecê-los e poder
integra-los de vez. Até porque o próprio analista se torna um objeto interno bom
pro analisando por meio dessas experiências de confiabilidade, disponibilidade
psíquica que vai aos pouquinhos sendo costurado na analise.
P: Quais os resultados que podem ser obtidos no seu tratamento desse
transtorno. Especificamente os que você obteve
R: o que eu pude observar nos casos é que muitas vezes são sujeitos que vão
conseguir estar mais integrados. Então a passagem ao ato diminui bastante.
Tenho poucos pacientes que efetivamente passaram ao ato, então eu tive pouco
com ideação e poucos com passagem ao ato. Essa paciente que eu atendo a
muito tempo já lá no hospital, teve muitas passagens ao ato inclusive na
adolescência e hoje em dia não tem, ela consegue tá muito mais consciente da
própria angustia dela, ela consegue comunicar isso de uma outra maneira. Então
ela fala por exemplo, que sentiu aquela coisa ruim, que ela percebeu que tava
com aquela coisa ruim dentro dela, com vontade de usar drogas, com vontade de
fazer uma serie de coisas ruins, mas que ela pensou que era um vazio muito
grande e que ela pensou, nessas horas, ligar para um amigo ou procurar a
analise, ou ate comer, entendendo que tentando acalmar o vazio. Então ela tem
mais consciência, tem mais integrada essa dimensão, mas vulnerável dessa
ansiedade um pouco mais primitivas de tendência um pouco mais psicótica.
Então em termos de evolução o que eu mais percebo é isso, a possiblidade de
estar integrado, de alguma forma apropriado das varias dimensões de si mesmo,
de não ser tão desruptiva a angustia, mas que possa ser pensada, cuidada, mais
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elaborada. Uma coisa que percebo também nesses casos que passa por
dificuldades de muita elaboração no inicio, casos que estão muito no ato, muito
clivado e que aos pouquinhos vão conseguindo resimbolizar e elaborar.
Pacientes que tem ate dificuldade, não tem espaço pra interpretação porque tem
dificuldade de lidar com algumas metáforas e que no final já tem espaço pra ser
interpretado, efetivamente analisando a angustia, o conflito em cena. Ate a
possibilidade de brincar né com os conflitos... o caso do meu mestrado é ate de
uma criança, que tinha o funcionamento um pouco, considerado limite e que ela
saiu de um estado de angustias muito desorganizadoras, ela não conseguia, por
exemplo, reconhecer os próprios pés, não conseguir juntar as letras, conseguir
integrar pra atender.....
P: Qual idade?
R: Ela começou comigo quando tinha 3 anos, ela ta hoje com 10. Enfim, foi ao
longo da analise né, a presença de varias angustias significativas, inclusive de
desmembramento,.. é muito comum, casos de pacientes limites ter muitas
defesas, sofrimentos que se expressam por meio do corpo, são pacientes muito
somatizantes, pacientes que apresentam adoecimento psicossomáticos.. então
um dos ganhos é a possiblidade de sair do psicossomático pra poder entrar na
elaboração psíquica. Então já tive vários casos de tipo que não tem nenhum tipo
de motivo expresso, mas que tem o adoecimento, e que aos poucos o sintoma
vai sumindo do corpo. Então essa menininha minha tinha um câncer, que em
principio era maligno e depois se tornou benigno e depois conseguiu ser
curado... você vai vendo uma serie de elaboração psíquica que passa pelo
segmento do conflito que tá clivado... Então hoje ela já brinca, já consegue falar,
ela consegue significar uma angustia de separação que é muito significativa, que
antes ela pensava que ia morre se ela perdesse o contato com o outro, já
consegue falar sobre as tragédias de vida que já foram muitas. Então são casos
que você percebe a possibilidade do sujeito estar mais integrado, existe um Eu
mais fortalecido e que isso aparece de varias formas, podendo simbolizar mais,
verbalizar, brincar mais de forma mais integrada, de desapropriar dos lados mais
vulneráveis, de poder falar e vivenciar a angustia, de precisar passar menos ao
ato, de somatizar menos e por ai vai.
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Entrevista 3
P: Qual a sua formação acadêmica, sua formação em psicanalise e quanto tempo
de atividade clinica?
R: Eu sou formada na UNB, me formei em 2011, tem 3 anos que sou formada e
assim que me formei na graduação eu fiz uma especialização na UNB também
em Teorias Psicanalíticas, uma coisa mais abrangente em relação a várias
escolas da psicanalise e assim que terminei essa Pós graduação eu comecei o
curso de formação que que tá terminando em Winnicott, uma formação com a
Sandra Bacara da psicanalise Winnicottiana. A minha atuação profissional
começou no estagio, um ano antes de eu me formar, então eu tenho 4 anos de
prática, vamos dizer assim, porque eu fiz 1 ano de estágio e depois fiquei como
voluntaria no CAEP que é a clinica escola da UNB e 6 meses depois que eu e
formei já comecei a atuar com intervenção em crise pela Universidade de
Brasília também, fui contratada pela UNB e atendia os servidores, alunos
também, terceirizados. La que começou mesmo, fora do estagio, minha pratica
clinica e junto com isso eu comecei no consultório assim, uns 6 meses depois
que formei o consultório já tava começando e as pessoas que eu atendia no
CAEP eu trouxe para o consultório e ai tem por volta disso, 3, 4 anos.
P: J á trabalhou com pacientes Borderline? Tem um numero aproximado?
R: Já. O numero não, mas eu diria que 70 a 80% dos pacientes que eu atendi
tinham esse diagnostico, porque eram pacientes que tinham um
acompanhamento psiquiátrico então muitos já vinham com esse diagnostico ou
tinha um funcionamento mesmo que a gente identificava como relacionando
com esse transtorno. É um índice bem grande, principalmente pelo tipo de
trabalho que eu fazia de intervenção em crise, então eram pacientes que
realmente tinham uma questão afetiva ai relacionada com essas questão entre a
neurose e a psicose.
P: Como se chegou no diagnostico do TPB dos seus pacientes?
R: Geralmente vinha pela questão psiquiátrica e são pacientes que já vem com
tratamentos anteriores né, então nunca foi eu que dei esse diagnostico porque eu
não trabalho muito com essa questão de focar no diagnostico né, como a gente
tinha um serviço, então tinha essa questão de estar sempre em relação com o
psiquiatra ou então essas pessoas chegava e falava: olha eu já fiz terapia, faço
tratamento psiquiátrico, tenho esse diagnostico né, então assim, eu uso como
pano de fundo, mas não uso como uma, realmente uma questão de falar para o
paciente ou de fechar um diagnostico nesse sentido. Então geralmente já vinha
diagnosticado de outro profissional ou de um psiquiatra.
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P: Existe alguma diferença na criação do setting ou contrato terapêutico com os
pacientes portadores de TPB e outros transtornos? Quais?
R:Existe. Mas eu acho que é um setting diferenciado por essa questão mesmo do
limite né, da questão de ser o limite entre a neurose e psicose, o setting para
neurose é um e para a psicose é outro. Como são pacientes que estão nesse
limite o setting realmente precisa ser um terceiro setting, um setting mais
diferenciado, só que ai é onde entra a questão da minha formação, a psicanalise
Winnicottiana ela trabalha com esse setting individualizado, então ele nunca vai
ser igual pra todo mundo e diferente pro paciente Border, não; ele vai ser
diferente para cada paciente. Então nunca foi uma coisa que eu focasse muito:
nossa é um paciente Borderline, então eu vou ter que transformar o setting. Esse
setting é transformado a cada paciente. Mas, que sim, precisa ter um setting
diferenciado, precisa né. Para as pessoas que atendem só com uma abordagem
psicanalítica, qualquer outra abordagem é muito comum esse relato de que o
setting é diferenciado e principalmente porque são pacientes que dependendo da
gravidade né, do comprometimento mesmo é dessa questão de sofrimento, eles
mesmo modificam esse setting, eles mesmo forçam essa, eles testam muito, é
uma modificação que as vezes, nem é nossa, mas do próprio paciente
dependendo do nível de sofrimento.
P: Tem muita falta, atraso?
R: Isso... também são muito desconfiados das próprias regras mesmo, questão
de pagamento e tudo, tem uma desconfiança muito grande no mundo, então o
setting uma vez modificado, adaptado aquele paciente, ele precisa ser muito
constante, porque pra dar essa segurança de: olha eu me adaptei a forma de
como você se sente melhor e eu vu estar aqui agora dessa forma né, para o
paciente sentir que ela tá ali, eu posso confiar, isso é importante.
P: Como você vê a resistência e a transferência nesses pacientes?
R: A transferência é mais complicada nesse sentido da confiança que se a gente
for pensar que a transferência é algo que tem haver com as primeiras relações e
se essas primeiras relações foram difíceis então a relação de transferência
também vai se difícil, se o mundo sempre foi muito hostil, o psicólogo também
ai ser nessa visão, o psicólogo não vai ser confiável, hostil, que tá ali pra julgar,
pra machucar; eu tinha um paciente que falava assim: você vai usar isso contra
mim, né. Então tem essa sensação que se eu me expor e falar ele vai depois usar
contra mim, vai me machucar. Então é por isso que é importante o setting
estável para a pessoa conseguir perceber que não, que eu to ali pra te ajudar né,
o mundo pode ter sido hostil, mas eu não vou ser, então é uma transferência que
é um pouco diferenciada sim. A questão da resistência, são resistentes como
qualquer outro pacientes, porque entrar no inconsciente sempre vai envolver a
questão da resistência, mais talvez ele atuem essa resistência de forma mais
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significativa, como por exemplo, mexer nessa questão do setting, talvez fique
mais claro porque é uma característica do transtorno a questão da atuação né,
não passa tanto o sofrimento pela parte da simbolização é mais pela questão da
atuação, né então, a resistência também vai ter muito mais esse caráter... por
exemplo, ao invés de vir e ficar calado porque não tem nada pra dizer que seria
uma resistência neurótica, uma coisa nesse sentido, ele não vem né... é mais
uma atuação daquela resistência do que realmente uma simbolização daquilo.
P:Você identifica algum tipo de contratransferência especifica com esses
pacientes? Como ela é?
R: olha, são pacientes que causam muita angustia né, causam muita, é uma
identificação projetiva que eles fazem que é muito maciça, você se ver no lugar
desse ambiente hostil não é fácil, você resistir ali, sobreviver aos ataques né,
dessa falta de confiança, dessa transferência negativa, não é fácil, é realmente....
mas eu, particularmente, por ter atendido muitos pacientes com esse diagnostico
e a maioria eram pacientes que me fascinavam muito, eu costumo dizer que eu
adoro os pacientes border, porque eu acho de uma coragem o que eles fala e o
que eles sentem, eles sentem na pele o que as outras pessoas estão tentando
esconder. É uma dor que a única coisa que você pode fazer, é falar. E é verdade,
o mundo é muito difícil mesmo, é um vazio, é uma solidão que muita gente
estão botando mil coisas para disfarçar e eles estão sentindo isso 24hs por dia.
Então costumo adorar assim, os pacientes Border, e por isso eu tendo não usar o
diagnostico: ah ele é assim por causa do diagnostico.... porque tem outros que eu
atendo que são super chatos, tem outros que não conseguem desenvolver essa
contratransferência tão positiva, mas tem outros que você fala: caramba, olha
que pessoa corajosa, olha que dor é essa que ele tá carregando, olha que força....
Muitas pessoas olham... nossa ele tem um transtorno que é difícil, que é crônico
e tal, olha eu acho muito mais crônico, por exemplo, o obsessivo, que não
consegue lidar com a dor e coloca mil rituais, mil coisas para lidar com aquela
situação do que um paciente que tá o tempo inteiro com esse vazio, com essa
angustia que é uma coisa inerente ao ser humano, só que em umas pessoas tá
muito mais transparente do que em outras. Então eu acho muito mais difícil
atender um neurótico, do que um psicótico ou um paciente Borderline.
P: E a característica deles, esse colarem, adesivarem não te causa nenhuma
contratransferência?
R: Incomoda. É algo que a gente precisa estar sempre observando pra gente não
deixar isso ser um problema no tratamento. Acho que é importante ter muito,
essa diferenciação do eu e do outro. Deixar sempre muito claro essa
diferenciação, por isso que às vezes o setting tem essa questão do limite, da
estabilidade, pra colocar isso, que não foi colocado antes né, essa pessoa
conseguir se constituir como uma pessoa individual, não precisar colar no outro
pra se constituir né, e isso não é fácil pra gente que tá nesse lugar né, mas se a
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gente for pensar também na questão da teoria de Winnicott, num primeiro
momento é necessário é igual um bebe que não vive sem a mãe nos primeiros
dias né, ele precisa daquela confiança, ele precisa saber que aquela pessoa esta
ali, e ai a medida que ele consegue vai descolando né.
P: Qual a maior dificuldade em lidar com esses pacientes?
R: eu acho que é lidar com a angustia, com a raiva que esses pacientes as vezes
causam, com essa bagunça do setting que é feita. Como eu disse, eu tenho uma
relação muito peculiar com os pacientes border, porque eu tenho uma
admiração, então assim, antes de olhar para eles como pacientes difíceis, eu olho
como pacientes interessantes, como pacientes que eu admiro, como pacientes
fortes, então isso me ajuda a lidar com essas outras dificuldades, mas o que eu
vejo é que .... claro que isso agora, depois de tanto tempo né, porque no começo,
realmente era muito difícil, mas eu vejo que realmente são pacientes que os
psicólogos dizem mais ser difícil de se lidar, que são muitos desafios, com
peculiaridades muito grande, não tem um padrão. Por mais que seja definido
como um transtorno, cada um atua esses transtorno de uma forma, não é um
obsessivo que tá ali e eles são robozinho iguais uns aos outros né, mas as
atuações vão ser muito diversificadas e importante pensar nisso realmente como
um desafio, eu não vejo como algo assustador, mas vejo com admiração.
P:Como você lida com a ideação ou o comportamento suicida?
R: pois é, eu acho que pra mim, hoje em dia, isso é uma coisa mais tranquila de
lidar, porque a minha atuação começou por via da intervenção em crise né,
então é.. eu estudei muito essa questão da ideação suicida que não é uma coisa
que todo psicólogo já faz, já atua porque é algo que é muito assustador mesmo
né. Então por eu ter começado minha carreira nessa área já não é algo que me
assusta tanto, mas não é fácil. Às vezes a gente acha que tá lidando bem e sente
um peso assim, porque é uma responsabilidade grande. Se a gente for pensar
que às vezes esses pacientes não tem uma família tão estruturada, não tem
alguém que possa sustentar esse momento maior de crise, a gente termina sendo
a única ligação com a vida mesmo, a ponto de você ter que dizer: olha tudo
bem, não precisa fazer pela sua mãe, nem pelo seu pai, nem por você, faz por
mim né, viva por mim, pra que você esteja aqui na próxima sessão. Porque é
isso que você precisa, que a pessoa esteja numa próxima, numa próxima, ate ela
conseguir suporta aquela dor e aquela dor passa. Então, às vezes, você não tem
muito pra quem recorrer mesmo, você não tem pra quem ligar, porque são
pacientes que cansam as pessoas, né então vai tá todo mundo abandonando
mesmo... e isso tem haver com o abandono inicial, eles vão repetindo esse
abandono né... e vão ficando sozinhos, por isso que eu acho tão corajoso porque
não é fácil viver sozinho.
P: Quais os resultados que podem ser obtidos no seu tratamento desse
46
transtorno? Especificamente os que você obteve
R:o que eu mais percebo, que eu acho que é a base pro tratamento é conseguir
suportar a angustia, conseguir não mascara-la, que é por exemplo, o que o
obsessivo vai fazer, o histérico vai fazer né, é isso que eu falei, se eles tem essa
característica, que é uma coisa que eu admiro muito, não é eliminar isso, eu
acho que é tá junto com eles pra poder suportar essa dor. É como se assim, a
metade do caminho já foi traçada, eles já entraram em contato com essa dor,
agora é suportar isso, e tornar a vida menos pesada. Porque com os outros
transtornos a gente tem que começar do começo, no sentido de fazer eles
entrarem em contato com essa dor que estão tentando negar pra depois lidar com
essa dor. O paciente border já esta em contato cm essa dor primeira, por isso que
é tão difícil pra eles, e pra gente estar com eles, porque é uma dor que é uma dor
de todo mundo né, então é conseguir fazer com que a pessoa consiga passar
pelos momentos de sofrimento, de maior desespero, de vazio e pensar assim: tá
vai passar, é uma coisa que não vai sumir, que não vai parar de existir esse
vazio, porque é inerente ao ser humano, mas que é possível ser lidado,
transformado. Eu lembro de uma tirinha que eu vi, nem sei se foi no facebook,
eu tava na época da faculdade, que era um menininho com um buraco assim no
coração, aqui... e ai, ele ficava botando um monte de coisa, um monte de coisa e
sempre doía muito, e ai a tirinha final era: olha eu corro desse jeito em relação
ao vento, faz uma musica, o vento entra num vazio e sai uma musica. Eu acho
que essa tirinha, eu sou doida pra achar ela porque eu acho que é exatamente
isso, não é colocar nada nesse buraco, o buraco vai estar ali independente de
você colocar alguma coisa, é você conseguir achar a forma em que você vai
viver, como a tirinha tá dizendo, como você vai viver em relação ao vento pra
que esse vento ao invés de bater e machucar, ele saia uma musica né, uma coisa
boa daquele vazio e não necessariamente uma dor, ou que você precise estar
sempre preenchendo com alguma coisa.
P: Então você acredita em um melhora?
R: com certeza. Como eu disse, eu acho que são pacientes que por mais que
tenha esse mito de serem muito graves, a metade do caminho já foi dado, é
muito mais construir do que descontruir. Eu acho muito mais fácil construir
alguma coisa do que descontruir, com um obsessivo, com um histérico, você
tem que desconstruir essa imagem que não pode sofrer, de que a dor não existe,
que o sintoma não existe.. os pacientes border não tem como fugir daquilo ali,
ele sente o tempo inteiro, então a desconstrução já não precisa fazer, você
precisa construir como lidar com aquilo. Eu acho que o prognostico é muito
mais favorável.
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