universidade regional do noroeste do estado do rio grande

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
LISMARA BATISTA DA CRUZ SATURNO
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A EFETIVAÇÃODO
DIREITO DE ESCOLHA A TRATAMENTOS MÉDICOS EM FACE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E DO ARTIGO 5°, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988.
Ijuí (RS)
2012
1
LISMARA BATISTA DA CRUZ SATURNO
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A EFETIVAÇÃO DO
DIREITO DE ESCOLHA A TRATAMENTOS MÉDICOS EM FACE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E DO ARTIGO 5°, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988.
Monografia
final
apresentada
à
Banca
Examinadora do Curso de Graduação em Direito
da Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como exigência
parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais.
Orientadora: Ms. Eloísa Nair de Andrade Argerich
Ijuí (RS)
2012
2
3
D
edico este trabalho às minhas filhas
Larissa e, em especial, Luana, pois lutou
muito para viver quando bebê e
enfrentou, aos quatro meses de vida,
uma cirurgia complexa e sem sangue
(no RS a primeira deste tipo nessa
idade), para retirada de um tumor
maligno na glândula suprarrenal direita,
permanecendo muito bem desde então.
4
AGRADECIMENTOS
Á Jeová Deus, o Criador de todas as coisas,
acima de tudo, por ter permitido realizar este sonho,
fornecer ajuda necessária ao enfrentar dificuldades
e ter sempre abençoado e iluminado meus passos.
A toda minha maravilhosa família, em
especial, aos meus amados pais, Marina e Eliseu,
que são minha inspiração na busca de meus
objetivos e nunca me deixaram desistir, sendo os
principais responsáveis por mais esta conquista.
Também os meus irmãos, Juliano, Lucas e sua
esposa Elivana e ainda João Elias e, meus tios e
tias, porque sempre me apoiaram em tudo. Amo
todos vocês!!!
À minha querida mestra Eloísa! A sua ajuda
e experiência me proporcionou o desenvolvimento
pessoal como aluna, e com paciência e
determinação foi possível a realização deste
trabalho. Obrigada pela confiança, dedicação e
interesse demonstrados.
Ao meu esposo Luciano, que esteve ao meu
lado durante esta caminhada. Obrigada pela
compreensão e, acima de tudo, pela paciência. E
como não lembrar das minhas amadas filhinhas,
Luana e Larissa, razão do meu viver, Deus não
poderia ter me dado melhores presentes do que
vocês. Amo muito vocês!!!
Agradeço também aos Defensores Públicos,
pela realização do estágio, e aos estagiários, pois,
com sua ajuda obtivemos um crescimento pessoal e
jurídico.
Por fim, a todos os colegas, amigos e irmãos
que de uma ou outra maneira auxiliaram e
incentivaram, incluindo o Dr. Rui Lima, a
professora Laura Dalpiaz, Eliseu e Glades Silva e
ainda, Ivan e Leninha Pastorelli, porque sempre
acreditaram em mim e apoiaram a concretização
deste estudo.
A todos meus sinceros agradecimentos.
5
Consciência, digo eu, não a tua, mas a da outra
pessoa. Pois, por que haveria de ser julgada a
minha liberdade pela consciência de outra
pessoa? (1ª Coríntios 10: 29).
“O fundamento de um direito que se tem [está na]
norma válida que o reconheça; [e] tentarei buscar
boas razões para defender a legitimidade do
direito em questão e para convencer o maior
número possível de pessoas (sobretudo as que
detêm o poder direto ou indireto de produzir
normas
válidas
naquele
ordenamento)
a
reconhecê-lo” (BOBBIO, 1992, p. 15, grifo do
autor).
6
RESUMO
O presente estudo analisa uma perspectiva do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana e a eficácia do direito de escolha a tratamentos médicos em face dos Direitos
Fundamentais e do artigo 5º, inciso VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988. Aborda o direito dos pacientes inseridos nos Direitos Humanos Fundamentais e a
ligação destes com o direito de escolha e a liberdade de consciência religiosa. Busca desafiar
a sociedade quanto ao aparente conflito de direitos fundamentais, tais como o direito à vida, o
direito de escolha e direito à liberdade religiosa expressa constitucionalmente. Neste sentido,
verifica a conduta médica perante o Código de Ética Médica e os direitos do paciente.
Esclarece sobre o direito à informação e à recusa de tratamentos. Analisa a importância do
direito à escolha de tratamentos médicos, tendo em vista a posição das Testemunhas de Jeová,
que a partir do entendimento bíblico, não fazem uso de sangue total ou dos seus componentes
primários; portanto, recusam a transfusão de sangue, mas aceitam outros tratamentos
terapêuticos, que serão brevemente abordados. Sobretudo, tece algumas considerações quanto
ao atual pensamento sobre a autonomia da vontade do paciente, o consentimento esclarecido e
o posicionamento dos tribunais superiores quanto ao direito à vida e escolha de tratamentos,
objetivando demonstrar a relevância jurídica desses direitos.
Palavras chaves: Princípio da dignidade humana. Direito à vida e à escolha. Liberdade
religiosa. Autonomia. Consentimento esclarecido.
7
ABSTRACT
This study analyses a perspective of the constitutional principle of human person
dignity and the efficacious of the right to choose medical treatment in the face of fundamental
rights and article 5, paragraph VIII of the Brazil‘s Federative Republic Constitution of the
1988. Discusses the right of patients enrolled in Fundamental Human Rights and the
connection with the right of choice and the freedom of religious conscience. Seeks to
challenge the society on the apparent conflict of fundamental rights, such as the right to life,
the right choice and the right to religious freedom constitutionally expressed. In this sense, the
medical checks before the medical code of ethics and patient rights. Clarifies the right to
information and refusal of treatment. Analyzes the importance of the right to choose medical
treatment, in view of the position of Jehovah‘s Witnesses, that from the biblical
understanding, do not use whole blood or its primary components, and therefore refuse blood
transfusion, but accept other therapeutic treatments, which be discussed briefly. Above all,
presents some considerations about the current thinking about the autonomy of the will of the
patient, informed consent and positioning of the superior about courts for the right to life and
choice of treatments, aiming to demonstrate the relevance of these legal rights.
Keywords: Principle of human dignity. Right to life and choice. Religious freedom.
Autonomy. Informed consent.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA ..................................................... 12
1.1 Conceito de princípio ........................................................................................ 12
1.2 Dignidade da pessoa humana como norma jurídica ........................................ 14
1.3 A dignidade humana como limite à restrição dos direitos humanos
fundamentais........................................................................................................... 17
1.4 A interligação existente entre o princípio da dignidade, o direito de escolha e o
art. 5°, VIII, da CF/88............................................................................................. 21
2 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE ESCOLHA A TRATAMENTOS
MÉDICOS TERAPÊUTICOS EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E
DO ARTIGO 5°, VIII, DA CF/88........................................................................... 23
2.1 Os direitos da pessoa-paciente e os direitos humanos fundamentais .............. 23
2.2 O direito à vida digna e o direito de escolha sob a ótica do art. 5°, VIII, da
CF/88 e do novo Código de Ética Médica .............................................................. 26
2.2.1 Direito à vida X direito de escolha e religião: conflito? ................................ 32
2.3 Direito à informação e direito à recusa ............................................................ 38
2.4 Direito de escolha a terapias médicas sem transfusão de sangue .................... 41
3
AUTONOMIA,
CONSENTIMENTO
ESCLARECIDO
E
POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES REFERENTES AO
DIREITO À VIDA E AO DIREITO DE ESCOLHA ............................................ 45
3.1 Autonomia das decisões do paciente ................................................................ 45
3.2 Consentimento esclarecido ............................................................................... 49
3.3 Posicionamento de Tribunais Superiores relativos ao direito à vida, à escolha
quanto à utilização de hemocomponentes .............................................................. 52
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 58
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 61
ANEXO – A – INSTRUÇÕES E PROCURAÇÃO PARA TRATAMENTO DE
SAÚDE .................................................................................................................... 66
ANEXO – B – INTERNATIONAL ADVANCE MEDICAL DIRECTIVE ......... 68
9
ANEXO – C – PROJETO DE LEI N.º 5119/2005, DE 2005 (Dr. HELENO) ....... 72
ANEXO – D – MEDIDA CAUTELAR INOMINADA PROPOSTA POR MARIA
FERREIRA FERNANDES CONTRA ANA COSTA SAÚDE ............................. 74
ANEXO – E – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 22395/2006 ........................... 75
ANEXO – F – SENTEÇA REF. PROCESSO Nº 016/1.11.0005702-0 .................. 76
ANEXO – G – O TRATAMENTO MÉDICO EM PACIENTES TESTEMUNHAS
DE JEOVÁ: O DIREITO DE ESCOLHA E A INAPLICABILIDADE DA TESE
DA COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS .............................................. 77
ANEXO – H – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.0701.07. 191519-6/001 .......79
ANEXO – I – QUESITOS DO PARECER DE NELSON NERY JUN IOR .........86
ANEXO – J – ALTERNATIVAS À TRANSFUSÃO: SÉRIE DE DOCUMENTÁRIOS – DVD.... .............................................................. .......................................
10
INTRODUÇÃO
O presente estudo objetiva esclarecer brevemente o conceito de princípios
constitucionais, especialmente, o princípio constitucional da dignidade humana, sua força
normativa e a interligação do direito de escolha com os direitos fundamentais. Demonstra os
direitos do paciente e a conduta médica perante o Código de Ética Médica. Analisa a
relevância do direito de escolha aos tratamentos sanguíneos, tendo em vista a posição
religiosa das Testemunhas de Jeová 1 que, a partir do entendimento bíblico, recusam o uso de
sangue total ou dos componentes primários; entretanto, aceitam outros tratamentos médicos,
que serão comentados. Verifica a mudança de paradigma ante a suposta colisão do direito à
vida, com o direito de escolha e a liberdade religiosa, prevista no art. 5º, VIII, da CF/88, nos
tratamentos com sangue e, os riscos nestes envolvidos. Enfatiza a autonomia, o consentimento
esclarecido e o posicionamento dos tribunais superiores, observando a atual mudança de
paradigma e a relevância jurídica perante a vida, à liberdade religiosa e o direito de escolha.
Quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratório. Utiliza no seu
delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas e jurisprudências disponíveis em
meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de
abordagem hipotético-dedutivo. Ademais, o estudo expõe um tema extremamente polêmico,
que confronta opiniões divergentes no que se refere a salvar a vida a qualquer custo ou
defender a liberdade ao direito de escolha e consciência religiosa, na qual o cidadão-paciente
envolvido recusa o tratamento. Portanto, seria adequada uma disposição mental preparada
1
É uma religião com mais de 7.000.000 praticantes em 236 países e baseiam suas crenças na Bíblia.
Adotaram o nome bíblico com base em Isaias 43:10: “Vós sois as minhas testemunhas” (AZEVEDO, 2009).
11
para quebrar paradigmas individuais por usar de empatia ao se analisar os interesses e direitos
alheios do paciente.
Consequentemente, é indispensável adentrar no aspecto religioso em face da própria
natureza do tema, sem, no entanto, deixar de sustentá-lo juridicamente e a verificar a
efetivação do direito de escolha no que se refere aos direitos fundamentais do cidadão,
previstos na CF/88. Deste modo, para assegurar o respeito à dignidade da vida humana,
previsto constitucionalmente, se faz necessário considerar que a decisão pessoal, verbal ou
escrita, seja respeitada em qualquer situação. Visto que esse direito de escolha envolve
decisões sobre a vida digna e a saúde do indivíduo, o primeiro capítulo analisa o princípio da
dignidade humana. Nessa perspectiva, avalia-se a vinculação da dignidade com os direitos
humanos fundamentais e com o artigo 5º, VIII, da CF, quanto a não privação de direitos por
consciência religiosa, especialmente, o direito de escolha.
A segunda parte deste trabalho apresenta e discute o direito à escolha e sua efetivação.
Este estudo demonstra que o direito à vida não entra em colisão com direito à escolha e nem
com o direito à liberdade religiosa, pois, exercê-los não acarreta dano a direito de outro, nem
indica suicídio ou cura pela fé, conforme se verificará. Ademais, o Código de Ética Médica
disciplina a conduta médica quanto ao direito do paciente de recusar determinado tratamento.
Aborda, ainda, por que há essa recusa de tratamentos por transfusão de sangue nos membros
da religião das Testemunhas de Jeová2 e se há outros que também recusam. A esse respeito,
são propostos tratamentos terapêuticos isentos dos componentes primários do sangue, por
assim dizer, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e plasma, inclusive em
cirurgias, com excelentes resultados, baixo custo e livres da contaminação de doenças.
Observam-se os casos em que as pessoas morreram ao receberem transfusões sanguíneas
quando as recusavam.
Serão analisados, no último capítulo, aspectos referentes à autonomia do paciente e o
seu consentimento esclarecido. Em que pese ser um tema conflitante, será também analisado o
que as decisões judiciais atualmente têm definido na questão do direito de escolha a
tratamentos de saúde e sua efetivação através do Poder Judiciário e das leis existentes, para
respeitar o direito fundamental de o cidadão decidir o que é melhor para sua saúde.
2
Jeová: o nome pessoal de Deus conforme Isaías 42:8; 54:5 e Salmo 83:18 (SAGRADAS, 1986).
12
1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
As seguintes considerações terão o intuito de esclarecer a base de pensamentos de
vários juristas, as noções sobre a expressão ―princípio‖ destacando-se, em especial, o
princípio constitucional da dignidade humana e sua interligação com os Direitos
Fundamentais e com o art. 5º, inciso VIII, da CF/88.
1.1 Conceito de princípio
A expressão princípio indica os fundamentos iniciais, traz a ideia de começo. Por
assim dizer, os princípios são considerados ―as verdades primeiras, porque estão ao
princípio,‖ e são deveras ―as premissas de um sistema que se desenvolve geométrico‖,
conforme nos declara Luís-Diez Picazo, citado por Paulo Bonavides (2003, p. 255).
A esse respeito, o autor José Afonso da Silva (1998 p. 95, grifo do autor) tece alguns
comentários esclarecendo que o vocábulo princípio, na realidade:
Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início. Norma
de princípio [...] por exemplo, significa norma que contém o início ou esquema de
um órgão, entidade ou programa, como são as normas de princípio institutivo e
programático. [...] a palavra princípios da expressão princípios fundamentais do
Titulo I da Constituição [...]
Sobretudo, o autor espanhol F. de Castro (apud BONAVIDES, 2003, p. 256) indica
que ―princípios são verdades objetivas nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do
dever ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade‖.
Assim, os princípios tornam-se bastante abrangentes na questão da interpretação jurídica.
É possível dizer que princípios são normas dotadas de um alto grau de generalidade e
legalidade requerendo uma concretização via interpretativa e, sem esta, não é possível aplicar
a casos concretos. Além disso, os princípios normativos desempenham um papel relevante e
fundamental no sistema jurídico ou político (BONAVIDES, 2003). A seguir, F. de Clemente,
citado por Bonavides (2003, p. 256), ao se referir à noção de princípio, sustenta que:
―princípio de direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação [...] de
Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo‖.
13
Deste modo, ao falar em princípios, não há como negar que a Constituição da
República Federativa do Brasil (CF/88), é a fonte primária do ordenamento jurídico e
conforme Bonavides (2003, p. 261) é o ―gérmen principal do ordenamento‖, a ―viga mestra‖
que sustenta o arcabouço jurídico, sendo assim esta razão será amplamente utilizada.
Tendo em vista que os princípios são uma espécie de normas José Joaquim Gomes
Canotilho (2002, p. 1146, grifo do autor) destaca:
Os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado [...] são
normas de natureza estruturante ou com papel fundamental no ordenamento jurídico
devido a sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios
constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.:
princípio do Estado de Direito) [...] os princípios são vinculantes radicados nas
exigências de <justiça>.
O exposto acima destaca a importância dos princípios, sendo justificável para melhor
entendimento do princípio da dignidade. Neste sentido, a liberdade e a dignidade são
inseparáveis, e nenhuma delas pode existir sem a outra, segundo Aldir Guedes Soriano
(2002).
Assim, oportunamente será abordado que não é possível obrigar o cidadão a fazer
tratamentos que contrariem a sua liberdade de escolha e dignidade religiosa, confirmado nas
palavras de Nery Júnior (2009, p. 20, 21, grifo nosso):
Não pode o Estado obrigar o cidadão a se submeter a tratamento que degrade a sua
dignidade, liberdade e sua fé, até porque, essa conduta seria, no mínimo,
contraditória, afinal de nada valeria assegurar o direito à liberdade religiosa no
texto constitucional e o negá-lo na prática.
[...] Assegurar a liberdade religiosa no texto constitucional, mas ver no mundo
fático, ser tal garantia suprimida pelo Estado, obrigando seus cidadãos a se submeter
a tratamentos que violem sua convicção, força a conclusão de que essa liberdade
ficaria apenas enunciada no plano normativo-constitucional (simbólico).
[...] obrigar as Testemunhas de Jeová a realizarem transfusão de sangue contra
sua vontade constitui uma ação inconstitucional.
Avalia-se, então, que os princípios são a base de normas jurídicas dotados de uma
fundamental importância no ordenamento jurídico e, conforme dito acima, o Estado não pode
obrigar o cidadão a se submeter a tratamento que degrade a sua dignidade ou ofenda seus
princípios e seus livres preceitos religiosos. Salienta-se que o princípio da dignidade humana
serve de base para as normas jurídicas, conforme será explanado a seguir.
14
1.2 Dignidade da pessoa humana como norma jurídica
Após tecer estes breves comentários sobre a conceituação dos princípios, se observará
mais especificamente o significado do princípio da dignidade da pessoa humana como norma
jurídica e, posteriormente, a sua vinculação com os direitos humanos e a CF/1988. Então, a
dignidade estará ―latente e pressuposta no texto, como o restante, em tudo que se declara na
essência
do
ser
humano‖,
conforme
Ingo
Wolfgang
Sarlet
(2006,
p.25,
29).
Consequentemente, a dignidade humana envolve o modo como cada um encara a si
individualmente e como trata os outros (A SENTINELA, 2006, p. 3, a).
Deveras, para um melhor entendimento da expressão ―dignidade‖ conceitua-se a
mesma como sendo ―o valor próprio que identifica o ser humano como tal‖, embora não haja
uma compreensão satisfatória do que efetivamente seja a proteção da dignidade, conforme
salienta Michael Sachs (apud SARLET, 2006, p.40, 41). Visto que é um conceito em processo
de construção e desenvolvimento, reclama também uma concretização e delimitação por parte
dos órgãos estatais (BASTOS, 1989). Ademais, a dignidade da pessoa humana é também um
valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito
constituindo o princípio máximo do Estado Democrático de Direito. (WIKIPEDIA, 2011).
Neste sentido, a CF/88, dispõe sobre os fundamentos do Estado Democrático de
Direito no art. 1º, III (PINTO; WINDT; CESPEDEZ; 2010, p. 7,8, grifo nosso):
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Convém salientar que a dignidade pessoal, destacada acima é: ―qualidade intrínseca da
pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser
humano como tal e dele não pode ser destacado‖ (SARLET, 2006, p. 41, 42). De modo que
não se pode sequer cogitar a possibilidade de outra pessoa ser titular de uma pretensão
pessoal. Considerando esse artigo inicial da Constituição, supracitado, pode-se dizer que a
dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos basilares da República Federativa do
Brasil e do Estado Democrático de Direito, ou seja, um dos seus princípios fundamentais. Por
conseguinte, associado ao princípio da dignidade humana está o princípio da legalidade.
15
Segundo Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 23), o princípio da legalidade de que ninguém
é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei se liga ao princípio da
dignidade e surge como um dos sustentáculos do ordenamento jurídico. Contudo, possui um
duplo significado, num momento ―representa o marco avançado do Estado de Direito que
procura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos órgãos estatais, às normas
jurídicas das quais as leis são a expressão‖, em outro, garante o indivíduo contra ―os possíveis
desmandos do Executivo e do próprio Judiciário‖. Assim, o princípio da legalidade torna-se
uma garantia constitucional mais do que um direito individual aliado à dignidade da pessoa
humana.
Sobretudo, a dignidade, no tocante à razão humana, segundo Immanuel Kant (2003, p.
116, grifo do autor) é ―um princípio essencial de todo uso da nossa razão levar seu
conhecimento a até a consciência da sua necessidade‖. Com efeito, Alexandre de Moraes
(2010, p. 22, grifo do autor) declara que:
A dignidade da pessoa humana concede unidade, aos direitos e garantias
fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Este fundamento afasta a
idéia de predomínio [da] Nação em detrimento da liberdade individual. [Porque] A
dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que
traz consigo pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um
mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar [...] sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos.
Com boas razões, tais considerações sobre a dignidade lhe conferem um valor
espiritual. A esse respeito, Bonavides (apud SARLET, p.14,15, 2006, grifo nosso) comenta:
A dignidade da pessoa humana, [...] manifestação conceitual daquele direito natural
positivo, cuja essência se buscava ora na razão divina, ora na razão humana, [...]
[está] presa a concretização constitucional dos direitos fundamentais [...] Introduzir,
de conseguinte, o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental na consciência, na vida e na práxis dos que exercitam a
governamentação [...]
Baseando-se nesta razão divina, acima descrita, as Escrituras Sagradas têm firmado
que a dignidade é a qualidade ou o estado de quem é digno, honrado ou estimado. Isto denota
a bela e apropriada descrição do status do Soberano Senhor Universal, Jeová Deus – Salmos
83:18 (SAGRADAS, 1986, p. 782).
16
Sobretudo, ao se falar em dignidade humana, não há como esquecer a relação entre a
essência divina e a humana, pois Deus fez homens à sua semelhança e usou a razão divina
dotando os humanos com certa medida de amor-próprio e dignidade – Gênesis 1:26. Assim, a
razão humana, dita acima, se faz presente e dá uma visão valorativa quanto à cidadania e à
dignidade. Por isso, nos tratos com outros, é necessário conceder a cada pessoa o devido
respeito e, na realidade, reconhecer a Fonte da dignidade humana, o Soberano do Universo
descrita no Salmo 8:4-9. Neste sentido, a história bíblica destaca a dignidade nas palavras do
Rei Davi: ―Tuas, ó Deus, são a grandeza, e a potência, e a beleza, e a excelência, e a
dignidade; [...].‖ (1º Crônicas 29:11, grifo nosso) (A SENTINELA, 1998, b).
Entretanto, isto não significa que se esteja menosprezando a Ciência Jurídica ao se
referir às Escrituras Sagradas. A ideia é fazer demonstrar que o homem, desde os primórdios,
sustentava a existência da dignidade como um aspecto importante da vida, continuando a ser
essencial para os humanos. Para exemplificar, as Escrituras associam o Criador com a
dignidade. Com efeito, os personagens bíblicos Moisés, Isaías, Ezequiel, Daniel, o apóstolo
João e outros tiveram o privilégio de receber visões inspiradas do Altíssimo e da sua corte
celestial, e as descrições deles retratam uma espantosa majestade e dignidade. (Êxodo 24:911; Isaías 6:1; Ezequiel 1:26-28; Daniel 7:9; Apocalipse 4:1-3). Por outro lado, a violação da
dignidade produz os sérios efeitos negativos, enfatiza a Revista A Sentinela, (1998, p. 28, b):
―privar alguém da dignidade pode ser mais brutal do que infligir-lhe golpes físicos. É algo
devastador para o espírito humano. [...] Minar a dignidade humana continua, [porém] talvez
de formas mais sutis‖, por exemplo, por negar ao cidadão do Estado Democrático de Direito,
sua dignidade e seu direito de escolha ante os tratamentos de saúde.
Bonavides, portanto, recomenda aos que buscam os caminhos da virtude e regeneração
nacional, frente às crises do Estado Democrático de Direito, utilizar-se deste nobre princípio:
a dignidade da pessoa humana. A saber, o ―pensamento constitucional [sobre a dignidade]
converge para que o axioma da liberdade seja interpretado como a norma das normas dos
direitos fundamentais” (BONAVIDES apud SARLET, 2006, p. 15, grifo nosso). Neste
pensamento, a dignidade representa ―o valor absoluto de cada ser humano, que não sendo
indispensável, é insubstituível‖ (STERN; KLAUS apud SARLET, 2006, p. 42). Assim, a
dignidade humana, sendo ―valor absoluto‖ é, por vezes, colocada com limite quando há
tentativas de restringir direitos humanos fundamentais, conforme descrito a seguir.
17
1.3 A dignidade humana como limite à restrição dos direitos fundamentais
Depois de compreender-se o conceito de dignidade humana, convém destacar que o
direito constitucional contemporâneo se baseia na vinculação entre a dignidade da pessoa
humana e os direitos fundamentais humanos, porque tais direitos não devem ser restringidos.
Assim, faz-se necessário conceituar o que são direitos fundamentais, uma vez que são
considerados indispensáveis. Esses envolvem o valor próprio de cada indivíduo de forma a
garantir que tenha uma existência digna, livre e sem desigualdades, por assim dizer, são
direitos inerentes à pessoa humana e contribuem muito para o progresso moral da sociedade.
Neste sentido, para corroborar o descrito acima, Rodrigo César Pinho (2006, p.67) declara:
Direitos fundamentais são considerados indispensáveis à pessoa humana,
necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao
Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-lo no dia-a-dia dos
cidadãos e de seus agentes.
Pode-se afirmar que a dignidade humana sempre esteve presente nas relações
interpessoais e sociais. Para elucidar tal afirmação, a Revista A Sentinela (1998, p. 28, b)
enfatiza: ―respeitar a dignidade pessoal de outros significa também aceitá-los assim como são,
sem tentar enquadrá-los num ideal‖. Ademais, os direitos fundamentais estão intrinsecamente
relacionados com a dignidade humana. E para confirmar isto o professor Sarlet (2006, p.25,
grifo nosso) salienta:
A dignidade da pessoa humana, desde logo há que se destacar que a – íntima e, por
assim dizer, indissociável [...] – vinculação entre a dignidade da pessoa humana e
os direitos fundamentais já constitui, por certo, um dos postulados nos quais se
assenta o direito constitucional contemporâneo.
Embora algumas ordens constitucionais não tenham a dignidade reconhecida em seu
texto, observa-se que aquelas em que há a previsão constitucional este reconhecimento, por
mais nobre e fundamental que seja, em geral, lamentavelmente se limita ao próprio texto
constitucional, e não encontra eco na práxis, ou se encontra, nem sempre é para todos ou de
modo igual para todos os que precisam (SARLET, 2006).
Por ora, a previsão de dignidade na Constituição torna-a imprescindível, até porque os
direitos que são efetivamente protegidos estão num ordenamento jurídico inspirados no
constitucionalismo, onde haja juízes imparciais, segundo Bobbio (1992).
18
Entretanto, os direitos fundamentais, no que tange ao princípio da dignidade humana,
esteio da melhor doutrina, são resultados de posições jurídicas e se referem a uma liberdade
jurídica para efetivar um direito frente ao Estado para que não obstaculize certas ações, isto é,
de um direito a ações negativas e a de um direito a ações positivas do Estado, assegura Robert
Alexy, citado por Guilherme Peña de Moraes (2000, p. 11).
Com efeito, na lição de Klaus Stern (1988), se referindo a Tomás de Aquino (apude
SARLET, 2006), resta firmada que a dignidade tem seu fundamento na circunstância de que o
ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus. Entretanto, a capacidade de
autodeterminação é inerente à natureza humana e por força de sua dignidade, o ser humano
por seu livre, existe em função de sua própria vontade.
Há que se levar em conta que o princípio da dignidade é a condição humana do ser
humano e por ser relevância atual se encontra no direito, isto é uma ordem social que
estabelece ―determinado comportamento recíproco das pessoas, ou seja, induzi-las a se
absterem de determinados atos julgados desvaliosos à sociedade por uma ou outra razão,
apresentando-se outros que, por essa ou aquela razão são vistos como úteis à sociedade‖,
segundo Hans Kelsen (2010, p. 29). Tal importância da dignidade humana como sendo um
direito é agregada nas lições do professor Sarlet (2006, p.27) a seguir:
Apenas quando (e se) o ser humano viesse ou pudesse renunciar à sua condição é
que se poderia cogitar da absoluta desnecessidade de qualquer preocupação com a
temática ora versada. Todavia justamente pelo fato de que a dignidade vem sendo
considerada [...] qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano
e certos de que a destruição de um implicaria na destruição do outro, é que o
respeito e a proteção da dignidade da pessoa [...] constituem-se (ou ao menos , assim
o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito.
Sendo assim, pelo exposto acima, a compreensão do princípio da dignidade, no que se
refere aos direitos fundamentais, indica que o direito de escolha que todo ser humano pode ter
é de suma importância quando se trata de saúde que não violem sua consciência religiosa.
Atribui-se que a ideia de dignidade é anterior ao seu reconhecimento no âmbito do direito
positivo e até mesmo determinante desta. Pois, o ―valor intrínseco da pessoa humana‖ tem
suas raízes já no pensamento clássico e nas ideias cristãs, de acordo com o professor Sarlet
(2006, p. 29).
19
Sobre a importância da dignidade, Kant (apud SARLET, 2006, p.33) sustenta que é
uma ―qualidade peculiar e insubstituível da pessoa humana‖, pois ―no reino dos fins tudo tem
um preço ou uma dignidade‖. Assim, ―quando uma coisa tem preço, pode pôr-se em vez dela
qualquer outra coisa equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e
portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade‖. Assim, Bastos (1998, p. 64,65)
demonstra que ―a proteção à honra consiste no direito de não ser ofendido ou lesado na sua
dignidade ou consideração social. Caso ocorra tal lesão, surge o direito de defesa‖, indicando
o autor que a dignidade deve ser defendida frente à violação da honra, que se fará então caso a
questão seja do princípio da dignidade humana e do direito a escolha? Por acaso não deve ser
defendida?
A rigor, no pensamento filosófico e político da antiguidade, verifica-se que a
dignidade (dignitas) da pessoa humana, sustentada por Sarlet (2006, p. 30), é:
Em regra, [a] posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento
pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e
modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais
dignas ou menos dignas. Por outro lado, no pensamento estóico, a dignidade era tida
como a qualidade que por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais
criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma
dignidade, noção esta que se encontra a noção de liberdade pessoal de cada
indivíduo [...]
Salienta-se que no âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII E XVIII, a
concepção de dignidade da pessoa humana, assim como a ideia do direito natural em si,
passou por um processo de racionalização, mantendo-se a noção de igualdade de todos os
homens em dignidade e liberdade. Neste sentido, conforme as palavras de Sarlet (2006, p. 34,
59):
Sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda
mais numa época em que o reconhecimento, da proteção do meio ambiente como
valor fundamental indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a
preservação de todos os recursos naturais, [...] ainda que se possa argumentar que tal
proteção [...] constitua, em última análise, exigência da vida humana e de uma vida
com dignidade [...]
Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano,
onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde
não houver limitação do poder, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em
direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e
minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e
esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de um mero objeto de arbítrio e
injustiças.
20
Por certo, respeitar a dignidade dos outros além de um dever jurídico, moral e também
um requisito cristão. Assim, todas as pessoas são dignas de nosso respeito, nossa honra e
nossa estima. E Deus tem concedido a cada um de nós certa medida de dignidade e de honra,
que devemos reconhecer e manter (A SENTINELA, 1998, c). Portanto, a dignidade da pessoa
humana é uma qualidade intrínseca e distintiva encontrada em cada ser humano, que o torna
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado, no sentido de garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, visando promover sua participação
ativa e co-responsável na sua própria vida e no conjunto com os demais semelhantes
(SARLET, 2006). Em suma, o princípio da dignidade humana envolve o respeito aos direitos
fundamentais descritos na Declaração de Direitos do Paciente de Lisboa, que diz em parte:
10. Direito à dignidade.
a) O paciente tem direito à privacidade e será respeitado a toda hora com ensino e
cuidados médicos.
b) O paciente terá ajuda ao que ele sofre de acordo com o estado atual de
conhecimento.
c) O paciente tem o direito a cuidado terminal humanitário, ser provido com toda
ajuda disponível e sua morte será tão digna e confortável quanto possível.
Assim, estes artigos deixam claro que a dignidade está vinculada aos direitos humanos
e aos cuidados da pessoa-paciente porque esses possuem este direito. E, além disso, a
dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão no texto constitucional da Lei
Maior, não apenas no art.1º, inciso III, como já citado anteriormente, mas também em outros,
tais como o art. 170, caput, que tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna.
Com efeito, o professor Clèmerson Merlin Clève (apud SARLET, 2006) enfatiza que a
dogmática constitucional não deve ser prisioneira da razão do Estado, na qual o cidadão é
acessório e os direitos fundamentais concessão. Na verdade, se busca um novo olhar para a
fenomenologia constitucional, na qual o Estado constrói não uma realidade em si justificada,
mas uma integral satisfação da dignidade humana.
Portanto, se observa que a dignidade humana atua como limitador à restrição de
direitos fundamentais, entre eles, o direito à vida, liberdade religiosa e escolha e não podem
ser restringidos dos humanos, nem mesmo pelo Estado. Considerando-se tudo que já se
escreveu sobre o tema, cumpre que seja empreendido um entendimento da dignidade da
pessoa e sua posterior ligação com o direito de escolha quando o assunto é liberdade religiosa
do art. 5º, VIII, CF/88, pois estão interligados entre si, conforme se verificará na sequência.
21
1.4 A interligação existente entre o princípio da dignidade, o direito de escolha e o
art. 5°, VIII, da CF/88
A pesquisa verifica a seguir a interligação existente entre a dignidade, o direito de
escolha dos pacientes em determinados tipos de tratamentos médicos, em face da consciência
religiosa, destacando o artigo 5º, VIII, da CF/88. Isto significa que o direito de escolha
permite a possibilidade de recusa de um tratamento de saúde em favor de outro, pois está
assegurado nas normas, nos princípios constitucionais e nos direitos humanos. Para tratar
sobre o direito à escolha é necessário ressaltar que a CF/88 e a legislação brasileira trazem de
forma explícita de que maneira isto irá ocorrer no âmbito das relações com o Estado. Há
inclusive um projeto de lei de 2005 que institui o direito de opção de todos os pacientes
passíveis do uso de transfusão sanguínea, salientando tratamentos alternativos que podem ser
utilizados, porém, está arquivado (Anexo – C).
Ademais, no que se refere ao direito à escolha, a legislação civil traz um exemplo ao
se referir a contratos, nos quais os contratantes podem optar pela manutenção das suas
escolhas, conforme o contrato realizado. Outro exemplo sobre a relação de dignidade com o
direito de escolha está no artigo 1.514 do Código Civil (PINTO; WINDT; CESPEDEZ; 2010,
p. 267), que ao se referir ao casamento diz: ―se realiza no momento em que o homem e a
mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os
declara casados‖. Há entre as partes um vínculo derivado da escolha ou vontade pessoal.
Todavia, em uma análise mais específica, nota-se que o Estado Brasileiro assenta-se
na democracia, isto por si só já nos dá a dimensão subjetiva de que existe no direito à escolha.
O artigo ―Médico, hospital, tratamento, o paciente tem o direito de escolher‖ (2010, p.1)
declara:
O paciente tem, sim, o direito de escolher seu médico, seu hospital e até seu
tratamento. O médico possui o conhecimento, mas a decisão sobre o tratamento tem
de ser tomada em conjunto com o paciente, considerando as melhores evidências
cientificas e também a individualidade o que vai desde condições financeira até
aspectos psicológicos, crenças e valores. A pessoa tem de ser comunicada sobre as
alternativas de tratamento e os riscos. No caso de procedimento de risco cirúrgicos
ou invasivos, por exemplo, essas informações são formalizadas por escrito em
documento assinado pelo paciente.
Direito de escolher [...] significa também poder exigir uma segunda opinião, recusar
um exame ou procedimento ou dizer que gostaria de ser atendido por outro
profissional ou por outra instituição.
22
O paciente tem direito de escolha, conforme demonstrado acima. Este direito está
interligado no princípio da dignidade humana e nos direitos humanos num intuito de
intensificar a sua eficácia em uma sociedade que já sofreu, mas, ainda sofre muitas violações,
notadamente na consciência religiosa. Deste modo, Álvaro Villaça Azevedo (2009, p.17)
destaca que todos os outros direitos são subordinados à dignidade, cláusula geral do texto
constitucional, quais sejam, direito à vida, à liberdade, (art. 5º caput), à liberdade de
consciência e de crença (art. 5º, inciso VI) e os não previstos no ordenamento jurídico.
Assim, do liame existente entre a dignidade humana e os direitos fundamentais em
relação ao art. 5º, VIII, CF/88, depreende-se que a liberdade religiosa, isto é, liberdade de
pensamento, é a ―exteriorização da dignidade da pessoa humana‖, devendo-se dar ―uma
atenção especial a este direito fundamental e à postura dos pacientes Testemunhas de Jeová‖
(AZEVEDO, 2009, p.17) que será objeto de aprofundamento oportunamente. Sendo que, não
há qualquer pretensão de esgotar a temática, nem ao enfoque específico ora adotado. Cabe
ressaltar ainda que em outras passagens do texto constitucional a dignidade humana, baseada
nos direitos fundamentais e de escolha, por exemplo, no art. 226, §7º, CF/88, quando diz que:
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
O descrito acima destaca a importância da dignidade humana e da livre escolha no
planejamento familiar. Portanto, tanto em questões familiares, quanto em questões de
liberdade religiosa ou tratamentos de saúde, a dignidade humana constante dos direitos
humanos se faz igualmente presente, cabendo ao Estado propiciar eficácia desses direitos.
Ademais, a questão fundamental relacionada aos direitos humanos, não é tanto o de justificálos, mas antes o de protegê-los (BOBBIO, 1992).
Embora se questione o direito à recusa tratamento de saúde por fundamento religioso,
pode ocorrer de alguém recusar transfusões sanguíneas por motivos não religiosos, apenas de
consciência ou por riscos de doenças. Por outro lado, quando há princípios fortemente
alicerçados nas convicções religiosas, deve-se considerar o direito à vida como sendo muito
mais amplo do que é e não apenas a vida biológica em si, levando em conta a liberdade
religiosa e a escolha, que serão os assuntos do próximo capítulo.
23
2 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE ESCOLHA A TRATAMENTOS MÉDICOS
TERAPÊUTICOS EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DO ARTIGO 5°,
VIII, DA CF/88
Neste capítulo analisam-se os direitos do paciente c ontidos
nos
direitos
humanos
fundamentais. A pesquisa desafia a sociedade quanto ao aparente conflito de direitos, tais
como o direito à vida, o direito de escolha e direito à liberdade religiosa em face do artigo 5º,
VIII, da CF/88. Verifica as possibilidades de tratamentos médicos em substituição à
transfusão de sangue, garantindo o melhor tratamento e custo benefício, livres de doenças
transmitidas via transfusão sanguínea, aliada à garantia de não violação da consciência
religiosa e do direito de escolha do paciente. Aborda os direitos de liberdade religiosa,
informação e recusa de tratamentos. Tendo em vista o grande avanço da medicina em buscar
os melhores tratamentos e resultados com menos riscos, deve-se proporcionar aos pacientes
procedimentos aceitáveis, que serão brevemente considerados oportunamente.
2.1 Os direitos da pessoa-paciente e os direitos humanos fundamentais
De acordo com a teoria clássica dos Direitos Humanos, a evolução histórica
institucionalizou a sequência gradativa dos direitos ao serem divididos tridimensionalmente
em gerações. Observa-se que três das gerações estão presentes no direito constitucional
brasileiro, sendo que o caput do artigo 5º divide-os em cinco grupos: direito à vida, direito à
intimidade, direito à igualdade, direito de propriedade e direito à segurança. Sustenta
Bonavides (2011, p. 563):
Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo,
são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e
ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos
de resistência ou de oposição perante o Estado [...] são por igual direitos que
valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas [...] que
compõe a chamada sociedade civil da linguagem jurídica mais usual.
Nesta linha de ideias, Valéria Araújo Cavalcante (2012, p. 1) concorda dizendo que:
A primeira geração que se refere aos direitos civis e políticos, envolvendo direito a
liberdade, propriedade, vida e segurança, [...] e se referem às limitações do Estado
em relação ao cidadão, consistindo numa prestação negativa do Estado, na qual o
cidadão é protegido de arbitrariedades.
24
Deste modo, para melhor esclarecer sobre a geração de direitos, ora citada, observa-se
que os Direitos Humanos Fundamentais trazem implícitos na sua estruturação o direito dos
pacientes, tais como: o direito à vida digna, à escolha e à informação. Portanto, trata-se de um
requisito imprescindível para o exercício, com responsabilidade, do direito à autonomia, isto
é, direito de escolha, segundo lições de Roberto Baptista Dias da Silva (2009, p. 1). Não se
pode negar, a despeito dessa realidade, que as bases de sustentação do acima exposto
encontram guarida no Código de Ética Médica Brasileiro (2009, p. 2, grifo nosso),
recentemente aprovado pelo o Conselho Federal de Medicina, evidenciando a importância que
deve ser dada à dignidade da pessoa humana, quando em seus princípios estabelece que:
VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre
em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar
sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para
permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Sobretudo, consoante a esse princípio, Fábio Konder Comparato (2010, p. 50),
sustenta que a compreensão da dignidade da pessoa humana ―no curso da História, tem sido,
em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral‖. Salienta-se que, um aspecto
relevante sobre os direitos e a dignidade é que são irrenunciáveis e, por isso, cabe ao dono do
direito não exercê-los se apenas não quiser, independente de interferência do Estado.
Sem sombra de dúvida, o Estado Constitucional deve ser um Estado Democrático e de
Direito, caracterizado pela dignidade humana e ―primazia dos direitos fundamentais [...] o que
implica afirmar que os Poderes (Legislativo/Judiciário/Executivo) estão limitados à
Constituição, não apenas quanto à forma e procedimentos, mas também quanto aos
conteúdos.‖, conforme esclarece Nery Júnior (2009, p. 9, grifo do autor). De modo que a
prioridade dos direitos humanos fundamentais deve estar na atuação do Poder Público no
Estado Democrático de Direito, de forma a resguardá-los.
Outro fator importante em relação à dignidade e ao direito de escolha são os direitos
descritos na Carta do Paciente com Tuberculose, sendo esta utilizada como parâmetro para
esclarecer aspectos referentes a esses direitos. Embora seja possível aplicar estes direitos
também a outros tratamentos médicos, serão elencados a seguir alguns direitos da pessoapaciente em tratamento de Tuberculose, descritos na Carta dos Direitos do Paciente, b (2006,
p. 1, 2, grifo nosso):
25
DIREITOS
2.Dignidade
•Direito de ser tratado com respeito e dignidade, incluindo a prestação dos
serviços sem estigma, prejuízo ou discriminação por parte dos provedores de
serviços de saúde e das autoridades.
3.[...]
4.Escolha
•Direito a uma segunda opinião médica, com acesso aos expedientes médicos
anteriores.
•Direito de aceitar ou rejeitar as intervenções cirúrgicas se a quimioterapia é
possível, e de ser informado das consequências médicas e estatutárias dentro do
contexto de uma doença transmissível.
•Direito de escolher se deseja ou não participar em programas de investigação sem
comprometer seu tratamento.
5.Confiança
•Direito de ter privacidade pessoal, e o respeito à sua dignidade, às crenças
religiosas e à cultura.
•Direito de ter a informação relacionada ao seu expediente médico mantida
confidencialmente e liberada a outras autoridades sob consentimento do paciente.
Estes artigos citados confirmam a importância da dignidade e das escolhas do paciente
incluindo um segunda opinião médica e rejeitar ou aceitar intervenções cirúrgicas quando há
outro tratamento disponível, entretanto, é possível que muitas pessoas nem saibam que
possuem esses direitos. No pensamento de Azevedo (2009, p. 13) ―cada direito fundamental
contém uma expressão de dignidade‖, por isso os direitos, quando respeitados, elevam a
grandeza dos direitos humanos. Segundo as lições de Nélson Neri Junior (2009, p. 20), o
cidadão-paciente tem garantido constitucionalmente a inviolabilidade de sua consciência
religiosa.
Neste respeito, o cidadão praticante da religião das Testemunhas de Jeová tem o
direito de escolha a tratamentos terapêuticos, podendo recusar-se à transfusão de sangue por
ser atentatória às suas convicções religiosas constantes do artigo 5º, VIII, da CF/88. Visto que
o Estado Democrático de Direito tem suas concepções firmadas nos direitos humanos
fundamentais, ao violar esses direitos do cidadão, ocorre a descaracterização do próprio
regime democrático consoante Robert Alexy (apud NERY JÚNIOR, 2009, p. 11):
Quem esteja interessado em regularidade e legitimidade, deve estar interessado em
democracia e nos direitos fundamentais e humanos. Este argumento não só é
importante porque adiciona a mais um elemento às duas razões apresentadas como
fundamento dos direitos fundamentais e humanos. Seu verdadeiro significado está
em dirigir o olhar dos direitos fundamentais e humanos para os procedimentos e as
instituições da democracia e demonstra que a ideia do discurso só pode ter lugar
num Estado de direito democrático em que os direitos fundamentais e a democracia,
apesar de todas as tensões, entram numa parceria inseparável.
26
Em relação às duas razões para o fundamento dos direitos humanos supracitadas,
Santiago (apud NERY JÚNIOR, 2009, p. 10) explica que são ―a força normativa da
Constituição e a concepção de direitos fundamentais como limites ao poder‖. Observa-se que
os direitos da pessoa-paciente são relevantes para o estudo em questão visto que estão
inseridos nos direitos fundamentais, uma vez que o homem só pode ter a sua dignidade
preservada caso esteja em pleno gozo de sua liberdade de escolha.
A seguir, o próximo assunto destacará a importância do direito à vida, relacionado
com a não privação de direitos, previsto no artigo 5º, inciso VIII, especialmente o direito de
escolha a tratamentos médicos.
2.2 O direito à vida digna e o direito de escolha sob a ótica do art. 5°, VIII, da CF e do
novo Código de Ética Médica
Nesse momento, a questão é o direito à vida, um direito valioso que não pode ser
substituído, previsto no caput do artigo 5º da CF/88. Além disso, ―o direito à vida não se
exaure apenas na esfera biológica, antes, preservar a vida significa também preservar valores
morais, espirituais e psicológicos que a ele se agregam‖, de acordo com o desembargador
Alberto Vilas Boas (ANEXO – H). Ao se falar sobre a vida, deve-se levar em conta o seu
grande significado, sendo este o maior bem do ser humano, sua própria existência, segundo
Elisiane Buligon (2007, p. 28). Entretanto, o direito à vida é muito mais amplo do que a
questão biológica, porque envolve a história de vida da pessoa, seus princípios, sua
consciência e seus valores. Para confirmar isso, Nery Júnior (2009, p. 9) destaca que ―o
direito à vida deve ser interpretado em consonância com o princípio da dignidade da pessoa
humana. A Constituição Federal garante o direito à vida digna, com todos os seus
desdobramentos‖. Ademais o direito à vida não se resume em simplesmente viver, respirar, é
importante que exista a preservação da vida de forma digna e saudável, de acordo com
Buligon (2007, p. 28). Nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo (2009, p. 13, grifo do autor):
O direito à vida garantido constitucionalmente no art. 5.º, caput (CF), por
conseguinte, pressupõe não apenas o direito de existir biologicamente. Se o direito à
vida é um direito fundamental alicerçado na dignidade humana, a vida assegurada
pela Constituição é a vida com autonomia e liberdade.
Dessa forma, quando um paciente Testemunha de Jeová procura um médico ou
hospital, é internado e opta por receber tratamento médico que dispensa o uso de
transfusão de sangue, está exercendo o direito à vida em seu sentido pleno.
27
De modo que a garantia do direito à vida envolve a vida com autonomia e liberdade,
como dito acima, e ainda a não privação de direitos por convicção religiosa. Por isso, o
cidadão não pode ser privado de seus direitos por motivo de consciência, uma vez que estão
assegurados na constituição estes direitos. Portanto, o direito à escolha das Testemunhas de
Jeová quando desejam receber tratamento sem sangue, além de ter respaldo científico e se
harmonizar com o avanço da medicina, tem por base a liberdade religiosa. (NERY JÚNIOR,
2009, p. 19). Neste sentido, o direito à vida fundamenta a dignidade da pessoa humana e sua
disposição dotada de força normativa capaz de reclamar eficácia, especialmente no que se
refere a não privação de direitos, expressa no art. 5º, VIII, da CF/88. Este inciso cuida da
chamada não privação de direitos por convicção religiosa. Assim, o artigo indica que o
cidadão tem o direito de executar sua escolha por conta de crenças religiosas.
Para exemplificar, as Testemunhas de Jeová pelo entendimento que têm da Bíblia,
recusam a utilização de sangue humano ou animal, entendendo que esta proibição fora
transmitida por Deus à humanidade através de Noé, tendo em vista o sangue ser símbolo da
própria vida e ser ele precioso. Para tanto, fundamentam-se em textos bíblicos, tais como de
Gênesis 9:4 que declara: ―Somente a carne com sua alma – seu sangue – não deveis comer‖
(SAGRADAS, 1986, p. 16); Levítico 7:26, 27, o qual diz: ―E não deveis comer nenhum
sangue, [...] quer seja de ave, quer de animal. [aquela] alma que comer qualquer sangue [será]
decepada do seu povo‖ (SAGRADAS, 1986, p. 144) e Levítico 17:10: ―Qualquer homem da
casa de Israel [...] que comer qualquer espécie de sangue, eu certamente porei minha face
contra a alma que comer o sangue, e deveras o deceparei dentre o seu povo‖ (SAGRADAS,
1986, p. 161). Reforçando essa ordem, a restrição do sangue permaneceu aos cristãos,
conforme registrado em Atos 15:28, 29 (SAGRADAS, 1986, p. 1384, grifo nosso) que diz:
Pois, pareceu bem ao espírito santo e a nós mesmos não vos acrescentar nenhum
fardo adicional, exceto as seguintes coisas necessárias: de persistirdes em abstervos de coisas sacrificadas a ídolos, e de sangue, e de coisas estranguladas, e de
fornicação. Se vos guardardes cuidadosamente destas coisas, prosperareis. Boa
saúde para vós!
Deste modo, abster-se de sangue indica não utilizá-lo de forma nenhuma e o resultado
de se obedecer esta ordem indica prosperidade ao se guardar de tais coisas e, boa saúde.
Sobretudo, o sangue é o símbolo da vida, no entanto, o único sangue que pode salvar a vida é
o de Cristo e respeitar essa santidade é um dos pontos centrais da fé das Testemunhas de
Jeová. Por essas razões, rejeitam o uso de sangue humano ou animal, na forma de alimento ou
28
de tratamento. Porém, se preocupam com a saúde e, por esta razão, criaram o Serviço de
Informações sobre Hospitais, em Cesário Lange, SP, estabelecendo a Comissão de Ligação
com Hospitais – COLIH, integrada por mais de 1200 homens qualificados para ajudar nos
casos em que os médicos comumente usam transfusão de sangue, e prestar auxílio a quem
enfrenta problemas relacionados com esse procedimento. (MACHADO FILHO, 1991, p. 3).
Digno de nota que muitos médicos têm interesse em cooperar com os tratamentos substitutos
do sangue. Há também o Grupo de Visita à Pacientes – GVP, com o intuito de prestar suporte
e apoio em providenciar qualquer coisa que os pacientes necessitem. Além disso, são
realizadas pesquisas pela COLIH sobre formas de cirurgias e procedimentos sem sangue, bem
como visitas aos médicos interessados em cooperar com alternativas à transfusão, com o
objetivo de estabelecer um bom relacionamento entre médicos e pacientes Testemunhas de
Jeová, conferindo-lhes dignidade e preservação da vida pela melhor escolha.
Tendo em vista que cada pessoa possui valores e princípios próprios, faz aquilo que
ama e escolhe fazer. Por isso, salienta-se que aliados ao direito à vida estão a manutenção do
amor-próprio e a consciência individual. A pessoa necessita para isso de uma consciência
limpa, pois a consciência aviltada associada à culpa pode levar facilmente a sentimentos de
inutilidade, de frustração e de depressão, segundo a revista A Sentinela (1998, b). Por
conseguinte, associado ao descrito acima, Kant (1970, p. 41) informa que o respeito à vida
indica que ―mesmo pelo exame mais esforçado, nunca podemos penetrar completamente até
os móbiles secretos dos nossos actos‖, porque as pessoas têm ―princípios íntimos que não se
vêem‖. Portanto, o direito à vida digna se associa à liberdade de consciência religiosa,
descritas no art. 5º, VI, VII e VIII, IX (PINTO; WINDT; CESPEDEZ, 2010, p. 7,8, grifo
nosso) a seguir:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença [...]
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
Estes incisos concretizam os direitos e as garantias que asseguram a livre expressão do
pensamento, liberdade e consciência religiosa do cidadão. Segundo o professor Bastos (1989,
p. 47, 48), tais direitos ―asseguram a liberdade do espírito em matéria religiosa e moral‖. Há
29
que se destacar, no entanto, que a liberdade de consciência pode ser independente de crença
religiosa. Azevedo declara que o direito à escolha nem sempre tem cunho espiritual (2009, p.
19):
Embora o direito de escolha de tratamento médico não dependa de uma motivação
de cunho espiritual, pois pode ser exercido por qualquer pessoa, por outras
convicções e por qualquer motivo, o fato de ser [...] em razão de princípios
religiosos ganha especial relevância.
Ademais, ―a liberdade de consciência pode aderir a certos valores morais e espirituais
que talvez não passem por um sistema religioso‖. Como é possível respeitar a liberdade de
consciência sem violar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e, assim
conferir o direito à escolha a tratamentos médicos em face do artigo 5º, VIII, da CF/88? Um
aspecto importante a ser levado em conta é o respeito à consciência e os princípios
individuais, observando as questões teológicas a seguir. Por este ângulo, ninguém menos que
o personagem mais ilustre do universo defende o direito de escolha, porque sendo Ele
Criador, seu conhecimento das necessidades do homem é ilimitado e ele dá generosamente
instruções e orientações sobre o melhor rumo a tomar. Assim, não se desconsidera em
nenhum momento o livre-arbítrio dos humanos (A SENTINELA, 1998, c).
A livre escolha pode ser exercida por qualquer cidadão que deseje tratamento isento de
sangue, mesmo que não tenha motivo religioso. Do mesmo modo que a questão de direito à
escolha se encontra registrado no artigo 15 do Código Civil (2010, p. 147) quando diz que
―ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica‖, isto se reflete diretamente no direito de escolha e na dignidade da
pessoa-paciente. De acordo com Nery Júnior (2009, p. 29), ―por interpretação do CC, 15,
conforme a Constituição Federal, não se pode admitir que o paciente possa ser forçado a
realizar tratamento em desconformidade com sua própria vontade‖. Ademais, o estatuto do
idoso (L 10.741/3) firma no art. 17 que ―ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades
mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais
favorável‖. Considerando o artigo 15, CC, cujo teor proibiu o paciente de ser constrangido a
ser submetido a tratamento ou intervenção com risco de vida e na Lei do Idoso art. 17, se
permitiu ao idoso realizar opção pelo tratamento que lhe repute mais favorável, ―por que o
paciente Testemunha de Jeová não poderia recusar submeter-se à transfusão de sangue?‖
questiona Nery Júnior (2009, p. 30, grifo nosso) e conclui seus pensamentos ora citados,
dizendo que:
30
A única resposta que se cogita para essa pergunta seria a intolerância ao motivo
religioso [...] E se esta for a razão, estamos diante de clara discriminação religiosa.
Não se pode suprimir o direito de liberdade de escolha de tratamento por
motivo religioso. Esta prática é inconstitucional por ser violadora da CF, 5º,
VIII.
Importante salientar que o direito à liberdade religiosa, constante do referido inciso,
implica no respeito ao paciente ante a recusa de transfusão de sangue. Ressalta-se que fato de
que o paciente que não aceita tratamento com sangue, mas aceita outros métodos terapêuticos,
não há que se falar em tentativa de suicídio, porque ―as Testemunhas de Jeová pretendem a
cura pelo tratamento médico. Apenas não admitem chegar a ela pelo caminho da transfusão de
sangue‖ (NERY JÚNIOR, 2009, p.30), no sentido de exercer o direito de escolha baseado na
dignidade. Significa, então, que esse direito de salvar a vida a todo e qualquer custo pode
atropelar o direito de escolha a tratamentos médicos e as convicções do paciente em qualquer
hipótese? Na verdade, o Código de Ética (2009, p. 1) declara que:
[...] as normas do Código de Ética Médica devem submeter-se aos dispositivos
constitucionais vigentes;
[...] a busca de melhor relacionamento com o paciente e a garantia de maior
autonomia à sua vontade.
Mostra-se a importância das normas constitucionais e do bom relacionamento entre
médico e paciente, preservando a autonomia da vontade deste último, nos princípios acima.
Aliás, o primeiro princípio desse Código (2009, p. 1, grifo nosso) diz ―A Medicina é uma
profissão a serviço da saúde do ser humano‖. Considerando a conduta médica em relação
aos cuidados com a saúde do paciente, os princípios do Código (2009, p. 1, grifo nosso)
supracitado enfatizam:
XVII – [...] sempre o interesse e o bem-estar do paciente.
XXI – [...] o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos
procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que
adequadas.
XXV - Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas tecnologias, [...] o
médico zelará para que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão
vinculada a herança genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e
integridade.
Além do acima exposto, a CF/88 tem como um dos pressupostos do Estado
Democrático de Direito à liberdade de religião, e integra a dignidade em todos os seus
aspectos. Assim, os direitos individuais abordados no artigo 5º tendem a limitar o poder do
Estado como instrumentos de controle de poder.
31
No pensamento de Nery Júnior (2009, p. 9) o direito à vida é descrito a seguir:
A primazia dos direitos fundamentais deve orientar toda a atuação do poder público
no Estado Democrático de Direito, seja para resguardar ou implementar os referidos
direitos. Em paralelo aos direitos fundamentais, temos a dignidade humana, que
consiste em elemento fundante do Estado Democrático de Direito(CF, 1º, III).
Dessa forma, temos que o direito à vida deve ser interpretado em consonância com o
princípio da dignidade da pessoa humana. Ou seja, o que a Constituição Federal
garante é o direito á vida digna com todos os seus desdobramentos.
Visto sob o ângulo acima, esse direito à vida com todos os seus desdobramentos estão
ligados à dignidade e à liberdade religiosa. Na realidade, quem decide recusar tratamento com
sangue, por outro, de modo algum deseja a morte, pois busca auxílio e nesse momento
delicado de doença, muitas vezes grave, o que lhe resta é a apenas a dignidade de escolher o
seu tratamento, mesmo que signifique ir para outra região do país que o disponibilize. Neste
respeito, se observa um número crescente de pessoas que buscam alternativas ao sangue.
Uma das razões pode estar relacionada à transmissão de doenças. A OMS
(Organização Mundial da Saúde) ―estima que entre 3 milhões a 4 milhões de pessoas são
infectadas pela hepatite C a cada ano em todo o mundo [...] A hepatite C é transmitida pelo
contato com o sangue de uma pessoa contaminada por meio de transfusão de sangue‖, de
acordo com o artigo ―Quatro milhões de pessoas contraem Hepatite C no mundo por ano, diz
OMS‖ (2011, p. 1), e outros, um número bastante expressivo. Ressalta-se que ainda ―Não
existe vacina contra a hepatite C. O tratamento é a base de antivirais, como o interferon. No
entanto, segundo a OMS, o acesso ao medicamento não é universal e muitas pessoas
abandonam a terapia‖. Outro aspecto pode estar relacionado à diminuição nas doações de
sangue. Na Região Nordeste do RS, o Banco de Sangue do HCI é referência regional. No ano
passado, a média mensal de doadores foi de 600 pessoas, sendo que o ideal seria em torno de
800 doadores. Ademais os números destes no primeiro trimestre deste ano destacam que e m
janeiro foram 510, em fevereiro 536 e em março 551 doadores. Segundo a enfermeira responsável
pelo serviço, Maria Helena Winckler, assevera que vários fatores contribuíram para a queda
de doadores, tais como férias, feriados e a vacinação contra a gripe, comenta o artigo ―Banco
de sangue registra diminuição nas doações‖ (2012, p. 1). De modo que há um sério interesse
em se buscar novos procedimentos e que possuam melhores resultados com baixo custo.
Mesmo assim, alguns insistem em dizer que ao recusar sangue por motivos religiosos se
questiona o direito à vida versus a liberdade religiosa, ocasionando um aparente conflito. Esse
assunto será abordado no próximo tópico.
32
2.2.1 O direito à vida X direito de escolha e religião: colisão?
Quando há divergência sobre determinado tratamento, surgem os conflitos entre
pacientes e médicos quanto a princípios éticos e religiosos, principalmente, quando a pessoapaciente deseja um tratamento terapêutico diferente, por exemplo, recusa o uso de sangue.
Essa situação envolve um direito de escolha e recusa de tratamento, sendo amparado pelo
princípio da legalidade, cujo teor revela que ninguém será obrigado a fazer coisa alguma, se
não em virtude de lei. Ocorre que essa recusa à transfusão de sangue provoca o entendimento
de que há aparente colisão entre o direito à vida e o direito à escolha e à liberdade religiosa.
Normalmente, os autores sustentam a ideia de que pacientes Testemunhas de Jeová, ao
recusarem a transfusão de sangue, ocasionam um conflito de direitos fundamentais, isto é,
direito à vida versus liberdade religiosa. Para solucionar esse suposto conflito, destacam o
princípio da proporcionalidade, cuja essência indica que numa colisão de direitos e garantias
fundamentais deve-se fazer uso de um ―mecanismo capaz de harmonizar os bens jurídicos em
choque com o fim de que o direito ou a garantia de menor relevância submeta-se ao de maior
valor social‖ conforme Raquel de Souza Franzine (2009, p. 1). Por um lado, a vida é um bem
supremo prevalecendo ante a liberdade religiosa autorizando, assim, o médico a transfundir
contra a vontade deste, (grifo nosso) mas, por outro lado, afirma a autora que ―infelizmente,
tal tese, além de se precipitar em hierarquizar os direitos fundamentais, vem sendo utilizada
como se fosse uma equação matemática em qualquer caso que envolva um paciente
Testemunha de Jeová‖ destaca Franzine (2009, p. 2), não se importando com seus direitos.
Em que pese à hermenêutica constitucional clássica sustentar que há colisão de
direitos, por exemplo, direito à vida versus liberdade religiosa, devendo o intérprete afastar
aquele que menos prejuízo acarreta ao interessado, entendendo que o princípio da dignidade
humana considera apenas a dimensão física ou biológica; a nova hermenêutica sustenta que o
direito à vida digna é um bem que está acima dos demais, sendo muito mais amplo do que a
apenas a vida física. Salienta em seu parecer o autor Luis Roberto Barroso (2010, p.4), que
está ocorrendo uma ―mudança de paradigma na ética médica e exploram-se os possíveis
sentidos da ideia de dignidade da pessoa humana [...], [uma vez que] na sua dimensão de
autonomia privada do indivíduo, confere legitimidade à decisão de recusa de tratamento
médico por fundamento religioso‖.
33
É bem verdade que o conflito entre princípio se resolve, na dimensão do valor.
Todavia, a luz da nova interpretação constitucional, afirma Franzine (2009, p. 2) que:
A adequada hermenêutica é aquela que parte do princípio da dignidade da pessoa
humana e analisa todas as circunstâncias de um caso, não a que previamente
hierarquiza direitos, apresentando uma fórmula matemática, estanque, para produzir
sempre o mesmo resultado (Direito à vida versus direito à liberdade religiosa=
prevalência do direito à vida).
Esse modo de pensar a nova hermenêutica, assim como o próprio direito evolui
constantemente, e salvar a vida envolve verificar primeiramente outros tratamentos
disponíveis para respeitar os aspectos morais, religiosos e psicológicos, de modo a analisar
cada caso concreto revendo se realmente há conflito de direitos. Aliás, não existe esse conflito
de direitos fundamentais, nas lições de Azevedo (2009, p. 13, grifo nosso) quando afirma que:
Não se pode mais argumentar que a postura das Testemunhas de Jeová quanto às
transfusões de sangue gera conflito de direitos fundamentais tais como entre o
direito à vida e o direito à liberdade religiosa. Pelo contrário, sua postura
evidencia o exercício desses dois direitos.
Por conseguinte, isso não quer dizer que se vai abandonar a interpretação
constitucional até então utilizada ao caso concreto, mas há necessidade de redimensionar a
sua aplicação considerando o princípio da dignidade da pessoa humana e os princípios morais,
éticos, religiosos e filosóficos inerentes ao ser humano. Então, quando acontecem choques
entre princípios de mesma hierarquia, como se verifica nesse trabalho monográfico, o mais
coerente é basear a interpretação na ponderação. Assim parece que a saída para tal
problemática é maximizar os princípios na base do equilíbrio (BONAVIDES, 2003).
Ademais, para que haja colisão de direitos é necessário que o exercício de um direito
fundamental afaste outro constitucionalmente protegido e ainda ambos sejam protegidos pela
Constituição Federal, situação que não ocorre na recusa de transfusão de sangue.
A opção de receber outros tratamentos ao invés de receber transfusão de sangue de um
paciente que é Testemunha de Jeová não indica que está suprimindo o seu direito à vida pelo
direito à liberdade religiosa, antes está tão somente escolhendo seu direito à escolha de outros
tratamentos que se harmonizam com sua fé (FRANZINE, 2009, p. 2).
34
Salienta-se que os direitos individuais não são absolutos, podendo entrar em conflito
com os direitos de outra pessoa. Entretanto, observa-se que as Testemunhas de Jeová, ao
recusarem transfusão de sangue, não estão em conflito com os direitos de outrem, nem mesmo
abdicando do direito à vida, antes estão preservando a sua autonomia e liberdade, cuja
convicção religiosa os impede de utilizar sangue. Sobre o destacado acima, enfatiza Azevedo
(2009, p. 4) que:
As Testemunhas de Jeová recusam resolutamente as transfusões de sangue total e de
seus quatro componentes primários, ou seja, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos,
plaquetas e plasma. Ao agirem dessa forma, obedecem à diretriz bíblica encontrado
no livro de Atos 15 versículo 28 e 29. Esse decreto apostólico, feito no primeiro
século da era cristã, reiterou o mandamento divino que havia sido dado a Noé,
antepassado da humanidade de acordo com o registro bíblico e reafirmando a
Moisés por ocasião da Lei Mosaica. – Genesis 9:3,4; Levítico 7:26, 27, 17: 1, 2, 1014; Deuteronômio 12: 23, 24.
As lições de Canotilho (2002, p. 1255, grifo do autor), são fundamentais para sustentar
o acima exposto:
[...] considera existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o
exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício
do direito fundamental de outro titular. Aqui [se está] perante um <<choque>>, um
autêntico conflito de direitos. A colisão de direitos em sentido impróprio tem
lugar quando o exercício de um direito fundamental colide com outros bens
constitucionalmente protegidos.
Pelo acima exposto, insistir que o paciente realize transfusão sanguínea contra a sua
vontade obriga-o a agir contra as suas convicções mais íntimas, considerando-se uma violação
do seu corpo. Ademais, hoje em dia dizer que há colisão nos direitos fundamentais de
liberdade religiosa e direito à vida, prevalecendo o segundo em detrimento do primeiro, é não
acompanhar a evolução do direito, pois se demonstrará adiante que ―essa suposta colisão é um
falso problema‖ (NÉRY JUNIOR, 2009, p.51). Aliás, Canotilho (2002) esclarece que a
colisão de direitos fundamentais só ocorre de fato quando a realização de um direito
fundamental, por exemplo, a liberdade, causa repercussão negativa no direito fundamental de
outrem. Ademais, o Poder Judiciário é de suma importância na resolução dos conflitos,
garantindo por meio de medidas cautelares, devidamente cabíveis a cada caso concreto, a
concessão da tutela jurisdicional compelindo o Estado, propiciar a efetivação dos direitos do
cidadão e o respeito à consciência individual, no que se refere a tratamentos de saúde.
35
Entretanto, no intuito de proteger a vida, se adotam posições contrárias às convicções
religiosas dos pacientes, violando os princípios da dignidade, da legalidade e, o direito
fundamental de livre escolha. Com base nisto, Nery Júnior (2009, p. 50) ressalta que:
Essas decisões violam a dignidade e o direito fundamental de liberdade (mormente
religiosa) do cidadão, sem dizer que os obriga a realizar uma conduta que não é
imposta nem por lei, nem pela Constituição. Ao contrário, quando o particular é
informando das conseqüências de determinado tratamento e, ainda assim, por
motivos de foro íntimo, recusa-se a realizá-lo, não pode ser compelido a fazê-lo
porque está exercendo seu direito fundamental de liberdade.
O direito fundamental de liberdade, em sua essência, é inviolável, de modo que toda
a ingerência estatal que implique em certa medida, restrição a esse direito deve
possuir base legal e ser proporcional.
Importante referir que essas decisões são na realidade contrárias ao princípio da
legalidade, visto que só podemos fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei; mas
isso nem sempre acontece na prática nas decisões judiciais. Para ilustrar, em 24 de agosto de
2011, a Defensoria Pública do Estado obteve na Justiça a autorização para que uma jovem
internada no Hospital de Caridade de IJUÍ-RS recebesse transfusão de sangue, mesmo sendo
ela seguidora das Testemunhas de Jeová, e recusava-se ao procedimento. Essa jovem, de 20
anos, foi vítima de um acidente de trânsito na BR 285, em Bozano-RS, no qual morreram
tragicamente um casal e a filha de três anos. O despacho do juiz Guilherme Eugênio
Mafassioli Corrêa, que deferiu a liminar, declarou que no atestado médico ―havia necessidade
de cirurgia ortopédica para correção de fraturas e que a paciente encontrava-se sem condições
clínicas de realização do procedimento por quadro de anemia grave, demandando a transfusão
de sangue...‖ (DEFENSORIA PÚBLICA, 2011, p. 1).
Os pais da moça disseram que se mostrava necessária a submissão da paciente à
cirurgia para reparação dos traumas sofridos, mas que o procedimento dependia da realização
de transfusão sanguínea. Ainda asseveraram que a filha se negava terminantemente a realizar
os procedimentos por questões de convicção religiosa, visto que era Testemunha de Jeová,
não anuindo com a transfusão de sangue. Manifestaram que ela estava muito debilitada e a
única chance de sobrevivência é a realização da cirurgia com transfusão sanguínea
(grifo nosso).
Pediram liminarmente o suprimento do consentimento, o qual foi concedido pelo juiz
que em parte disse (ANEXO – F, grifo nosso):
36
Embora respeitado o direito à liberdade de crença da paciente, não há como
justificar a negativa do tratamento proposto, mormente porque implica na (única)
possibilidade de sobrevivência, inclusive para que se minimizem eventuais
danos futuros que possam decorrer do acidente sofrido. Não se desprezam os
possíveis reflexos futuros da medida ora deferida na vida da paciente.
Isso posto, defiro o pedido feito para o fim de suprir o consentimento autorizando a
utilização de todos os meios necessários à manutenção da vida, inclusive a
transfusão sanguínea (hemoderivados), em último caso, caso se mostre necessária a
medida.
Consoante a liminar concedida, foi administrado sangue na jovem no dia seguinte.
Entretanto, passados 15 dias do procedimento a jovem morreu. Este caso ilustra a violação de
direitos sofrida por esta moça, em especial, seu direito constitucional de liberdade de escolha
e não privação de direitos prevista no artigo 5º, VIII, da CF/88, além de sequer tentar
previamente outro tratamento alternativo ao sangue. Deste modo, decisões semelhantes a esse
caso concreto, acima exposto, descrevem não apenas uma inconstitucionalidade, mas
desconsideram também a o direito à liberdade religiosa e não levam em conta o Estado
Democrático de Direito, constante do art. 1º da CF/88, segundo Azevedo (2009, p.19), por
que a religião, por vezes não é respeitada no sentido de que não se permite o praticante
exercer sua fé, quando se impõe realizar transfusão sanguínea sem lhe dar a oportunidade de
optar por outro tratamento, mesmo este recusando o uso de sangue.
Certo é que a recusa de transfusão sanguínea das Testemunhas de Jeová não
caracteriza uma colisão de direitos fundamentais em sentido amplo, mas poderia ser talvez
uma colisão de direitos fundamentais com coletivos, argumentando-se que ao exercer o direito
de religião e negar a terapia de hemoderivados, resultaria em violar um bem coletivo da
sociedade, isto é a preservação da vida. Entretanto, Nery Júnior (2009, p. 18) salienta que não
há essa violação:
Na realidade isso não se verifica in casu pelo simples motivo de que o indivíduo
pertencente a essa religião, quando recusa a tratamento que envolva a transfusão
sanguínea, em nenhum momento recusa-se a se submeter a outras opções
terapêuticas médicas, ou seja, o paciente Testemunha de Jeová não deseja a morte,
bem como não acredita na cura pela fé.
[O paciente] recusa tão somente a transfusão de sangue; mas aceita, por conseguinte,
outras opções terapêuticas. Portanto em nenhum momento a recusa [...] pode ser
comparada ao suicídio, afinal ele deseja a cura e aceita se submeter a outros
tratamentos médicos alternativos.
Assim fica evidente a inexistência de colisão entre direitos fundamentais (liberdade
de religião vs direito à vida), seja na colisão entre direitos fundamentais em sentido
estrito ou amplo.
37
Com efeito, no sentido estrito descrito acima, não há colisão ao se exercer o direito à
liberdade religiosa e recusar transfusão de sangue, porque esse direito não causa dano nem
atinge negativamente o direito fundamental alheio e no sentido amplo, também não há
colisão, da mesma maneira, ao se recusar tratamento com sangue, pois não gera detrimento a
um bem coletivo. Visto que o paciente não deseja a morte em nenhuma hipótese e aceita
outros tratamentos, a recusa de transfusão de sangue não confronta o bem coletivo: qual seja a
preservação da vida. Assim, ―ilegítima e inaplicável [...] a suposta ponderação entre a vida e a
liberdade religiosa [e] apresenta-se como um falso problema. Se evidencia a
impossibilidade de o Estado coagir o cidadão à transfusão de sangue [...].‖ (NERY JÚNIOR,
2009, p. 19, grifo do autor). Ademais, o Estado não pode obrigar um cidadão a praticar
condutas (transfusão sanguínea) que sejam ―atentatórias à sua dignidade e à sua convicção
religiosa‖. Assim, a recusa de um de tratamento com sangue é legítima.
Depois de compreender que o direito à vida não se confronta com o direito à liberdade
religiosa, visto que estão entrelaçados, se analisará a liberdade religiosa propriamente dita, a
qual consiste num feixe de direitos públicos, considerados como fundamentais e inclui o
direito que cada um tem por livre escolha de seguir determinada religião, prestando o culto à
divindade sem a interferência do Estado, mas com seu apoio (SILVA, J, 2005). A base da
liberdade religiosa está na liberdade de consciência ou crença e para determinar melhor a sua
compreensão está a liberdade de expressão e de consciência. Bastos (1989, p. 40) salienta que
―a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do
homem [...]‖, e a consciência é o recinto mais recôndito de seus interesses. Menciona-se que a
liberdade religiosa se insere nos direitos fundamentais, cuja essência é inviolável (NERY
JUNIOR, 2009, p. 19, 20).
Portanto, o paciente pode recusar tratamento que envolva componentes contrários à
sua consciência religiosa. Do contrário, não aceitar a opção do paciente por outros tratamentos
terapêuticos pode produzir resultados muito tristes, além de violação de direitos
constitucionais. Em razão disso, Azevedo (2009, p.19) diz que não se pode negar que o direito
à vida é o direito de viver com autodeterminação e desrespeitar os desejos de um paciente que
é Testemunha de Jeová de viver e manter seu direito à vida sem transfusão de sangue destrói
sua esfera mais íntima e fere a própria condição de ser humano, pois viola a sua liberdade de
consciência.
38
Após estas considerações, constata-se que a tese de que há conflito entre o direito à
vida e o direto de escolha por convicção religiosa já está ultrapassada, ou melhor, sequer
existe, pois o paciente tem o direito constitucional à liberdade de escolha referente à saúde.
Quanto a este assunto, o autor Luis Roberto Barroso (2009, p. 29) esclarece que:
Não cabe ao Estado avaliar o mérito da convicção religiosa, bastando constatar a sua
seriedade. Em outras palavras, o que interessa aqui não é o acerto ou desacerto do
dogma sustentado pelas testemunhas de Jeová, mas sim o direito, ostentado por cada
um de seus membros, de orientar sua própria vida segundo esse padrão ético ou
abandoná-lo a qualquer momento, segundo sua própria convicção.
As afirmações desse autor, citado acima, tornam claro que independente da
fundamentação que as Testemunhas de Jeová se utilizam para recusar o tratamento com
sangue, existe o direito de decidir sobre sua própria vida segundo suas convicções. Além
disso, o paciente tem direito à informação sobre sua saúde e os tratamentos disponíveis, bem
como tem direito à recusa de procedimentos que podem ser um risco ou que ofendam
princípios, assuntos que serão abordados a seguir.
2.3 Direito à informação e direito à recusa
O direto de escolha no tocante a direitos do paciente está intimamente ligado a outros
direitos, incluindo à liberdade de informação e recusa de tratamentos que violem a
consciência de indivíduo. Certo é que a terapia transfusional sanguínea é um tratamento que
agrega vários riscos, para tanto o paciente precisa estar bem informado. Diante disso, é
possível o paciente recusar e exercer seu direito de escolher outro tratamento e a não
observância desse preceito gera responsabilidade civil (AZEVEDO, 2009, p. 23). A saber,
quanto ao direito de informação, a ―Carta dos direitos do paciente‖ (2008, a, p. 1) assegura:
7. O paciente deve receber explicações claras e detalhadas sobre exames realizados,
bem como sobre a finalidade da eventual coleta de material para análise.
8. O indivíduo tem direito a informações claras, objetivas e, se preciso, adaptadas à
sua capacidade de entendimento, sobre as ações diagnósticas e terapêuticas e suas
consequências, duração prevista do tratamento, áreas do organismo afetadas pelo
problema, patologias envolvidas, necessidade ou não de anestesia e instrumental a
ser utilizado.
9. Deve ainda ser informado se o tratamento ou o diagnóstico for experimental,
sobre se os benefícios obtidos são proporcionais aos riscos e sobre a possibilidade de
agravamento dos sintomas da patologia.
39
Em se tratando desse direito à informação, supracitado, vale lembrar os custos e os
riscos das transfusões de sangue. Para exemplificar, Cristiane Segatto, (2011, p. 2) descreve
alguns fatores que demonstram que nem todas as pessoas estão informadas quanto às doenças
transmitidas pelo sangue, bem como os elevados custos que o tratamento com transfusão de
sangue possui, quando afirma que:
O excesso de transfusões aumenta o risco por bactérias ou vírus. Nem todos os
bancos fazem o teste rápido do HIV [caso] o doador estiver na janela imunológica
(período que o organismo leva, a partir de uma infecção para produzir anticorpus
que possam ser detectados por exames), o paciente poderá ser infectado.
Os custos são outro problema grave. Uma bolsa de sangue com 350 mililitros custa
de R$ 300 a R$ 800. A maioria dos pacientes recebe de duas a três. Se o doente
passa mais de sete dias no hospital, costuma receber pelo menos uma bolsa para
compensar o sangue perdido em sucessivas coletas para exames.
Por isso, levando-se em conta as doenças e o alto custo do uso do sangue ora citadas,
muitos pacientes têm preferido tratamentos alternativos, portanto, recusando o tratamento
com sangue. Em relação a essa recusa a tratamentos médicos, há aspectos a considerar entre
os chamados direitos do paciente – um conjunto de 35 garantias que médicos e hospitais
devem levar em conta para preservar a ética em sua conduta profissional e a saúde dos
pacientes.
O problema é que essas normas são praticamente desconhecidas. Por isso, convém
salientar alguns desses direitos, dentre os quais a ―Carta de direitos do paciente‖ (2008, a, p.
1, 2, grifo nosso) orienta em certos artigos relacionados à recusa de tratamentos, a saber:
10. O paciente pode recusar qualquer tratamento experimental. Se não tiver
condições de expressar sua vontade, os familiares ou responsáveis deverão
manifestar o consentimento por escrito.
11. É direito do paciente recusar qualquer diagnóstico ou procedimento
terapêutico. O consentimento deve ser expresso de maneira livre e voluntária,
depois de prestados todos os esclarecimentos necessários. Se porventura ocorrerem
alterações significativas em seu estado de saúde ou nas causas do consentimento
inicial, o paciente deverá ser novamente consultado.
Assim, conforme citado acima, resta claro que a dignidade envolve o direito do
paciente recusar qualquer procedimento. Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana
se reflete na condição de se exercer esse direito de recusa de tratamento, em prol de outro que
não afete a consciência pessoal. Salienta-se que mesmo que a pessoa não possa expressar sua
vontade, os familiares ou responsáveis deverão se manifestar nesse sentido.
40
Curiosamente, o direito de recusa a um tratamento médico sem a utilização de
transfusão de sangue não é apenas utilizado pelas Testemunhas de Jeová no Estado Brasileiro,
uma vez que a Organização das Nações Unidas – ONU subscreve um documento (ANEXO –
B) que possibilita o direito de recusa à transfusão de sangue a cidadãos maiores de 18 anos.
Haja vista que está inserido no princípio da autonomia da vontade e dignidade da pessoa
humana, de modo a exercer o direito de escolha a métodos alternativos à transfusão de
sangue.
Neste respeito, é possível respeitar a vontade do paciente que recusar tratamento com
sangue, independente de convicção religiosa, se estiver portando esse cartão de antecipação
de vontade? Diante da alegação de que o paciente está em ―iminente risco de vida‖, sendo
pessoa capaz, justifica-se o desrespeito a sua vontade contida nesse documento? Será que fica
afetada sua dignidade e escolha? Nas palavras de Azevedo (2010, p. 50):
A alegação médica de que o paciente está em ―iminente risco de vida‖ não retira
deste o seu direito constitucional de preservar a sua dignidade e sua liberdade
escolhendo o seu tratamento. [...] o conceito de ―iminente risco de vida‖ é
extremamente volátil variando de profissional para profissional [...]
A transfusão de sangue, portanto não é o único meio de preservara vida do paciente,
que não pode ser a ela constrangido por direito moral, reconhecido pela legislação
ordinária (art. 15 do Código Civil). Além disso, não há qualquer disposição no nosso
ordenamento jurídico que permita a desconsideração da personalidade e/ou
autonomia da pessoa caso ela esteja em uma situação de risco ou emergencial.
Esta afirmação acima indica que a pessoa não está querendo morrer por recusar
transfusão de sangue, mesmo que esteja em ―iminente risco de vida‖, antes, deseja os
tratamentos isentos de sangue. E se a recusa envolver filhos menores, os pais têm direito de
tomar decisões médicas a favor de seus filhos por escolher um tratamento excluindo outro?
Conforme a própria legislação civil, os pais têm direito fundamental de tomar decisões
médicas relativamente a seus filhos que são menores, mesmo se for o caso de substituir o
tratamento, pelo fato de que o poder familiar abrange a escolha de tratamento à saúde e seus
cuidados, além de serem representantes dos filhos (AZEVEDO, 2010).
Depois de avaliar a importância do direito de informação e recusa a tratamentos
sanguíneos, envolvendo situação de risco de doenças, o próximo assunto detalhará o direito de
escolha e alguns procedimentos terapêuticos isentos de sangue.
41
2.4 Direito de escolha a terapias médicas sem transfusão de sangue
Observa-se, no desenvolvimento deste tema, que há anos atrás não havia muitas
variedades de tratamentos para salvar vidas. Será que realmente existem métodos legítimos e
eficazes de salvar a vida sem sangue? Felizmente sim, há estratégias de tratamento isentas de
sangue, as quais possibilitam aos cidadãos que recusam procedimento envolvendo sangue
humano, usar a liberdade de consciência e a efetivação do princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana e do direito à escolha.
Busca-se demonstrar neste tópico que os médicos têm utilizado alternativas eficazes
de tratamento sem sangue. Assim, os procedimentos e técnicas cirúrgicas resultam numa
recuperação mais rápida e menos traumática para o paciente, restabelecendo o volume
sanguíneo em situações de acidentes graves, ou evitando a perda sanguínea em cirurgias. O
artigo intitulado ―Sem sangue – programas de cirurgia e medicina‖ ([s.d.], p. 2) explica:
A cirurgia sem sangue [...] se refere a um programa cirúrgico de um hospital, onde
as transfusões de sangue homólogo (o sangue de outro paciente) são cuidadosamente
e deliberadamente evitadas, a fim de cumprir o desejo do paciente para evitar
receber uma transfusão de sangue.
"É uma tendência crescente em todo o país," diz o Dr. Gabriel Alvarez de Baptist
Hospital, um dos poucos centros de cirurgia sem sangue no sul da Flórida. Ele
acrescenta estas cirurgias transfusão sem levar a complicações menos, menos
inflamação, melhores resultados, e as recuperações mais rápidas, mesmo durante
cirurgias de grande porte - como ponte de safena.3
Para aplicar o direito de escolha e a liberdade individual em uma decisão sobre quais
tratamentos médicos serão utilizados, sejam clínicos ou cirúrgicos, é necessário que essa
decisão seja compartilhada entre paciente e médico, conforme entrevista, com o Doutor José
Roberto Goldim, Professor e Chefe do Serviço de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto
Alegre – RS. Segundo ele, existe o que se chama de decisão moral, que envolve não violar as
crenças do paciente e decisão técnica médica que é a decisão que envolve salvar a vida
daquela pessoa. Neste sentido, a decisão compartilhada entre médico e paciente respeita a
dignidade humana, a vida e, propicia que o tratamento clínico ou cirúrgico seja o melhor.
Os comentários médicos que se seguirão foram extraídos do vídeo ―Alternativas à
transfusão: série de documentários‖ (2004). De acordo com Prof. Roland Hetzer, atualmente,
3
Tradução livre
42
80% dos pacientes dão total preferência a não receberem transfusão de sangue. Ademais,
segundo os especialistas as pessoas desejam evitar riscos médicos, doenças virais conhecidas
como HIV e Hepatite B e C, relacionadas ao sangue, além de doenças parasitárias, bem como
indenizações e custos elevados. Sobretudo, se estima que nos EUA dez a cinquenta mil
pacientes por ano morram devido às transfusões de sangue. Diante disso, é necessário um
trabalho em equipe para adaptar ao quadro clínico do paciente e também ao procedimento a
ser adotado (ALTERNATIVAS..., 2004).
Assim, as opções terapêuticas à transfusão de sangue podem ser expressas, tendo em
vista três pilares básicos que o planejamento pré-operatório deve observar: a tolerância
apropriada à anemia, a otimização da massa eritrocitária e a redução da hemorragia ou sangue
derramado. O primeiro pilar é a questão da tolerância apropriada à anemia, uma vez que o
paciente anêmico tem o número de glóbulos vermelhos (que transportam oxigênio ao corpo)
pequenos em relação ao volume sanguíneo, então isto significa que se pode tolerar anemia
desde que se tenha volume sanguíneo suficiente para funcionar, porque esse é o componente
crítico para manter a pressão sanguínea. Há muitos expansores do volume sanguíneo, tais
como as soluções de Ringer e salina. O segundo princípio é estimular a produção de glóbulos
vermelhos, que pode ser feita com Eritropoetina, uma substancia produzida pela engenharia
genética, conhecida como EPO, combinada com suprimentos suficientes de ferro. Já o terceiro
pilar é reduzir a perda sanguínea, isto é, a hemorragia, por evitá-la ou estancá-la se for o caso.
Por exemplo, nas cirurgias é possível utilizar dispositivos de eletrocautério, o qual permite o
cirurgião cortar os vasos sanguíneos cauterizando-os imediatamente. Além disso, a
recuperação intraoperatória de células durante uma cirurgia ajuda na preservação de sangue.
Sobre a eficácia das alternativas às transfusões de sangue nas cirurgias cardíacas, segundo o
Dr. Todd Rosengar, Illinóis, ao avaliar 50 pacientes Testemunhas de Jeová e 100 da
população, em geral, descobriu que usar as estratégias alternativas ao sangue resulta em custo
e tempo de internações menores (ALTERNATIVAS..., 2004).
Outra questão a ser levada em conta é que anos atrás, não havia alternativas para
salvar a vida, caso se precisasse de transfusões sanguíneas, em situações de urgência em que o
paciente corresse risco de morrer ou sofresse traumatismos. Porém, hoje há vários
procedimentos disponíveis.
Segundo a opinião do anestesiologista Dr. Aryeh Shander, do Englewood Hospital e
Medical Center, New Jersey, ―o primeiro procedimento é estancar a hemorragia, seja por
43
meio cirúrgico ou outro e, importante agir rapidamente, ter em mente que há outros
tratamentos disponíveis mesmo em caso de traumatismos‖. Observa o Prof. Richard K.
Sperce, BHS, Alabama, no tocante ―às alternativas à transfusão, elas são as mais eficazes e
são as mais baratas‖. Uma vez que o sangue tem se tornado um produto caro e com muitos
riscos, as estratégias alternativas têm se tornado uma prática constante pelos especialistas, e
resultam em economia e satisfação dos pacientes (ALTERNATIVAS..., 2004). Neste sentido,
Azevedo (2009, p. 12) complementa que ―a experiência com as Testemunhas de Jeová
demonstra que quando um compromisso é feito para evitar a transfusão de sangue, o esforço é
bem sucedido na vasta maioria dos casos‖. Avalia-se que o respeito ao direito à vida está
intimamente ligado ao respeito ao direito de escolha. É possível realizar procedimentos
respeitando-se a vontade de pacientes Testemunhas de Jeová4, com uma excelente chance de
sobrevida.
Ademais, o consenso do tratamento entre médicos e pacientes pode produzir
excelentes resultados e perspectivas futuras, definidas por respeito às decisões do paciente.
4
Digno de nota é o caso de uma bebê de apenas quatro meses que estava internada no Hospital das
Clínicas em Porto Alegre – HCPA e precisava de uma cirurgia para retirada de um tumor maligno de uns 4 cm
de diâmetro na glândula suprarrenal direita, em meados de 2008. Tendo em vista que a cirurgia era de risco, e o
tumor localizava-se numa região extremamente irrigada por vasos sanguíneos importantes, próximo ao fígado e
aos rins, não poderia haver sangramento. Ademais, a equipe médica estava preocupada com os riscos durante a
cirurgia, bem como pelo fato de que era um bebê muito pequeno, por isso, queriam fazer transfusão de sangue,
como forma de prevenção em caso de sangramento. Porém, nesse caso, os pais eram Testemunhas de Jeová e
aceitavam realizar a cirurgia apenas sem a transfusão de sangue. Após uma reunião com toda a equipe médica do
setor de oncologia pediátrica, comissão de ética e psicólogos, seguida por outra no dia seguinte junto com os
membros da COLIH, os médicos pediatra oncológico e a cirurgiã pediátrica entenderam a posição dos pais ante a
recusa de transfusão sanguínea. Decidiram convencer a equipe a realizar a cirurgia preparando a criança para o
procedimento sem sangue, uma vez que o principal tratamento seria a retirada do tumor através da cirurgia; não
seria possível fazer quimioterapia, nem radioterapia, devido a aumentarem o tumor. Diante disso, se utilizaram
de métodos alternativos descritos neste tópico tais como: doses de Eritropoetina, sulfato ferroso por duas vezes
ao dia e a mãe da criança melhorou a sua dieta fortalecendo com alimentos ricos em ferro, pelo fato de que o
bebe apenas mamava no seio. Então a cirurgia foi marcada para duas semanas seguintes àquelas reuniões. No dia
da cirurgia, a criança também foi preparada pelo anestesista do HCPA com outra técnica alternativa que se
denomina hemodiluição, isto é, foi aplicado um litro de soro no bebê diluindo-se o sangue, para o caso de haver
sangramento durante a cirurgia, evitando a perda sanguínea extrema, a fim de evitar o óbito. Passados uma hora
de cirurgia, imagine qual foi o resultado?
A médica cirurgiã saiu da sala sorrindo, ainda com o jaleco e disse emocionada: ―A cirurgia foi um
sucesso, o bebê sangrou apenas algumas gotinhas e o tumor foi totalmente ressecado, não estava no fígado, nem
nos rins, apenas na glândula.‖ Também o anestesista comentou que a criança embora estivesse bastante inchada,
devido ao soro, obteve um bom resultado naquele procedimento sem sangue, ele que no princípio foi contra,
ficou plenamente satisfeito com o resultado. Salienta-se que a criança teve ainda uma boa recuperação pósoperatória e saiu da UTI em menos de 24 horas, quando o normal deveria ser de três a quatro dias. A criança
obteve alta em cerca de 15 dias após a cirurgia. Nunca mais precisou internar no HCPA, embora mantenha até
hoje exames de sangue e consultas de rotina, em cada três ou quatro meses. Desenvolveu-se muito bem,
aprendeu a andar e a falar, frequenta a escolinha e é muito afetuosa, hoje já está com quatro anos e se encontra
muito bem. (experiência vivenciada pela família de Lismara Batista da Cruz Saturno).
44
Durante uma cirurgia, cirurgiões e anestesiologistas peritos e conscienciosos utilizam técnicas
de conservação do sangue. O artigo Como pode o sangue salvar a sua vida (1990, p. 4)
esclarece sobre estratégias sem transfusão sanguínea:
Nunca é demais enfatizar o uso de técnicas operatórias meticulosas, tais como o
bisturi elétrico para minimizar a hemorragia. Às vezes é possível aspirar e filtrar o
sangue que flua em um ferimento, repondo-o depois em circulação. Pacientes num
aparelho coração-pulmão, tendo como volume de escorva um líquido isento de
sangue, podem beneficiar-se da hemodiluição resultante, perdendo menos glóbulos
vermelhos. E existem outros meios de ajudar. Resfriar um paciente, para reduzir
suas necessidades de oxigênio durante a cirurgia. A anestesia hipotensiva. A terapia
para melhorar a coagulação sanguínea. A desmopressina (sigla em inglês, DDAVP)
para abreviar o tempo de sangramento. Os ―bisturis‖ a laser. Verá essa lista
aumentar, à medida que os médicos, bem como os pacientes preocupados, procuram
evitar as transfusões de sangue.
Conceitos antigos sobre o transporte de oxigênio para os tecidos, sobre a cura dos
ferimentos e sobre o ‗valor nutritivo‘ do sangue, estão sendo descartados. A
experiência com pacientes que são Testemunhas de Jeová demonstra que a anemia
grave é bem-tolerada. — The Annals of Thoracic Surgery, de março de 1989.
Estas expressões acima indicam que ocorreram avanços nas estratégias às transfusões
de sangue, resultando nas novas técnicas em baixo custo e maior praticidade. Tendo em vista
a escassez de sangue sem doenças e o respeito às decisões do paciente, ―não há razão médica
para insistir em dar sangue ao paciente nos casos em que ele não é imprescindível. Talvez
haja uma razão financeira. Alguém pode estar lucrando (e muito) com o desperdício de
sangue‖, segundo Cristiane Segatto (2011, p. 2, grifo nosso) e conclui dizendo ―é importante
que você saiba: se precisar de sangue vai pagar caro por ele, seja em forma de dinheiro vivo,
seja em forma de impostos que sustentam o SUS‖.
O estudo não pretende esgotar a temática das estratégias ante a transfusão de sangue,
visto que são muitas, mas, a intenção é esclarecer que existem. Evitando transfusões de
sangue, poupa-se dinheiro e de quebra há beneficio ético por respeitar os pacientes que as
recusam. Não é à toa que, o Poder Judiciário tem acompanhado a evolução na área da
medicina, principalmente quando se trata de intervenções clínicas ou cirúrgicas em pacientes
Testemunhas de Jeová, sendo que as decisões são pautadas na liberdade de escolha, na
autonomia da vontade e no respeito às convicções dos que recorrem ao Estado-Jurisdição para
ver seus direitos tutelados. É o que tratará o capítulo seguinte.
45
3 AUTONOMIA, CONSENTIMENTO ESCLARECIDO E POSICIONAMENTO DOS
TRIBUNAIS SUPERIORES REFERENTES AO DIREITO À VIDA E AO DIREITO
DE ESCOLHA
A seguir neste capítulo será considerada a autonomia da vontade do paciente, o
consentimento esclarecido e o posicionamento dos tribunais superiores em relação ao direito à
vida e direito de escolha por convicções religiosas.
3.1 Autonomia das decisões do paciente
A autonomia da vontade, entendida a partir da natureza racional do ser humano, é a
faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas
leis, é um atributo apenas dos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da
pessoa humana, assinala Kant (apud SARLET, 2006, p.33). De um modo determinado, o
autor citado afirma que:
O homem, e, duma maneira geral, todo ser racional existe como um fim em si
mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade.
Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como
nas que se dirigem a outros seres racionais ele tem sempre de ser considerado
simultaneamente como um fim [...]
A esse respeito, os seres humanos, por serem racionais, têm as suas vontades e seus
desejos específicos e a autonomia envolve decisões quanto a quais médicos escolher. Sendo
possível escolher o médico para a prestação de serviço, é possível da mesma forma, ter
autonomia para escolher o tratamento em razão de sua consciência religiosa?
A autonomia também envolve a questão da recusa de sangue. As Testemunhas de
Jeová acreditam na medicina e desejam o melhor tratamento com a melhor tecnologia
possível, desde que sem sangue. Mesmo que a crença religiosa e a consciência venham como
motivadoras da decisão, há o pleno exercício do direito constitucional da autonomia amparado
pela dignidade da pessoa humana no caso de recusa de hemocomponentes, isto é, o exercício
do direito de escolha. Mas, se por acaso ―esta autonomia lhe faltar ou não puder ser
atualizada‖, mesmo assim deve ser o indivíduo ―considerado e respeitado pela sua condição
humana‖ (AZEVEDO, 2009, p.20).
46
Não obstante, seja correto cultivar amor-próprio, o que não deve ocorrer é o exagero
dos valores próprios, muito menos ―confundir a dignidade humana com os esforços egoístas e
extremos feitos por alguns para manter as aparências perante os outros‖ (A SENTINELA,
1998, p. 26-29, c).
Não há duvidas de que o artigo 15 CC, quando diz que ninguém pode ser constrangido
a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica, zela pela
eficácia da dignidade humana e preza a autonomia da vontade. ―O texto é claro em respeitar a
oposição do paciente frente a um tratamento médico, principalmente se este representar risco
à sua saúde ou à sua vida‖ (AZEVEDO, 2009, p. 22).
A saber, o Código de Ética (2009, p. 6) no capítulo IV ao tratar dos Direitos Humanos,
evidencia que a autonomia da vontade do paciente teve uma consideração especial:
É vedado ao médico:
Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz física e
mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo
cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco
iminente de morte, tratá-la.
Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio
que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou
de qualquer outra natureza.
Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição
na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade.
Pode-se observar que o mais importante na relação médico paciente é o respeito à
vontade do paciente, à integridade física e mental e o interesse pessoal do envolvido quando
diz respeito a internações, cirurgias e outros tratamentos que vão de encontro à sua
consciência religiosa.
Segundo Rodrigues (2002, p. 71,72), associada à autonomia, a regra do art. 15 CC,
―assegura a pessoa humana a prerrogativa de recusa a submeter-se a um tratamento perigoso,
se assim lhe aprouver‖. E acentua Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 210) que ―levando-se em
conta que qualquer cirurgia apresenta maior ou menor risco de vida, sempre haverá, em tese,
necessidade de autorização do paciente ou alguém por ele‖. Nessa perspectiva, continua o
Código de Ética firmando que o direito de escolha a tratamentos médicos é um dos aspectos
que devem ser levados em consideração na relação com o paciente e seus familiares. O artigo
31 e 32 do Código de Ética Médica (2009, p. 6) assim estabelecem:
47
É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso
de iminente risco de morte.
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento,
cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.
Este artigo refere que ao médico é vedado desrespeitar o paciente ou seu representante
legal nas decisões e nas escolhas de procedimentos terapêuticos. Neste sentido, quanto ao
direito de informação o Código de Ética Médica é muito elucidativo a respeito do tema.
Assim está determinado:
Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os
objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar
dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal (vide
retificação conforme DOU de 13-10-2009).
Não se pode deixar de mencionar que além do direito a informação, o cidadãopaciente quando não puder manifestar sua vontade, tem a garantia do que o próprio Código de
Ética (2009, p. 7, grifo nosso), que em seu artigo 41, parágrafo único, estabelece:
Art. 41[...]
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer
todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade
expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Art. 42. [É vedado ao médico:] Desrespeitar o direito do paciente de decidir
livremente [...]
Assim, entende-se claramente que a autonomia de vontade da pessoa deve ser
respeitada em suas decisões e se, por ventura, esta não estiver no domínio de suas faculdades
mentais deverá ser considerada vontade de seu representante legal.
A título de esclarecimento, a religião das Testemunhas de Jeová tem autonomia de
vontade e suas convicções religiosas são garantidas constitucionalmente pelo princípio da
legalidade, no 5º, III, CF/88, juntamente com o artigo 15 CC, quando de forma escrita
manifestam sua vontade em documento registrado em cartório e com testemunhas,
denominado ―Instruções e Procuração para Tratamento de Saúde‖ (Anexo - A). O objetivo é
manifestar sua vontade, previamente, para não realizar qualquer procedimento envolvendo o
sangue total ou os quatro componentes primários do sangue, enfatizando o seu direito à
escolha e autonomia conferidas ao paciente, em caso de inconsciência.
48
No painel – ―A posição do Judiciário perante as posturas religiosas‖ (RULLI JUNIOR,
et all. 2009, p.1), na cidade de São Paulo, a advogada Franzine discorreu sobre o tema
―Liberdade e autonomia do paciente na escolha de tratamento médico e sua relação com a
dignidade da pessoa humana‖. A autora ―considerou que é um mito a ideia de que o paciente
Testemunha de Jeová abre mão de sua vida ou da vida de seus filhos, em razão de convicções
religiosas, ao recusar uma transfusão de sangue‖. Além disso, declarou que ―não há conflito
de direitos fundamentais (direito à vida e liberdade religiosa), porque eles não estão
recusando, de forma fanática, o tratamento médico. Uma vez que estão exercendo, de forma
consciente e esclarecida, seu direito de escolha, porque a Medicina pressupõe uma série de
tratamentos médicos, entre eles, os tratamentos não-transfusionais‖, ponderou, salientando
que essa questão deve ser analisada de acordo com o princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana. Sobretudo, a autora supracitada declarou ainda sobre a dignidade humana:
Esse princípio fundamenta a relação médico-paciente no Código de Ética Médica e
tem como facetas a autonomia, o direito à vida digna (livremente auto-determinada)
e o fato de que o Estado existe em função da pessoa humana e não o contrário, daí o
direito subjetivo do cidadão de agir contra o Estado, quando sua autonomia for
desrespeitada, de forma ilegítima, e o comando endereçado ao Estado para que
interfira quando a autonomia do cidadão for violada, que é a postura do Supremo
Tribunal Federal.
Sabe-se que há o desafio de aplicar os procedimentos sem transfusão sanguínea diante
das deficiências do sistema de saúde brasileiro, bem como a hipótese de responsabilização do
médico que desrespeita a vontade do paciente e, também a necessidade de se estender o
debate às associações e entidades representativas da classe médica. Entretanto, respeitar a
autonomia do paciente lhe confere a possibilidade de exercer sua liberdade e seu direito à
escolha ao que entende ser melhor para si, sua consciência e suas convicções, do contrário,
negar esses direitos por violá-los pode produzir resultados devastadores e irreversíveis.
Por conseguinte, verifica-se que o paciente tem o direito à autonomia e também à
escolha de tratamento ou intervenção cirúrgica, até mesmo independente de seu estado
clínico, uma vez que se ele não quiser aceitar a transfusão de sangue como sugestão médica,
pode recusá-la. Assim, o paciente deve estar informado das questões referentes à sua saúde
para poder prestar seu consentimento esclarecido, no que se refere a aceitar ou recusar
determinados tratamentos envolvendo transfusões sanguíneas, conforme se entenderá no
próximo assunto.
49
3.2 Consentimento Esclarecido
Visto que o Brasil é um país laico, consoante a vigente Constituição Federal, o Estado
deve propiciar aos seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa e garantia ao
livre exercício medicina, segundo Iso Chaitz Scherkerkewitz ( [s. d], p. 1). Ademais, este
princípio da escolha se aplica também ao campo da saúde.
O conceito da escolha esclarecida em questões de saúde, ou consentimento
esclarecido, está sendo cada vez mais aceito tanto no Brasil como em outros países onde não
era tão comum no passado. Assim, em 1997, foi estabelecida a Convenção Europeia sobre os
Direitos do Homem e a Biomedicina, que destaca em seu art. 5º: ―uma intervenção cirúrgica
[...] só deve ser realizada depois de a pessoa envolvida ter dado consentimento voluntário e
esclarecido‖ (ALTERNATIVAS..., 2004).
Neste respeito, o Dr. Michitaro Nakamura, explica que o consentimento esclarecido ―é
a ideia de o médico explicar ao paciente, numa linguagem simples, a doença, o prognóstico, o
método de tratamento e os possíveis efeitos colaterais, respeitando o direito do paciente de
decidir, por si mesmo, o método de tratamento‖ (apud A SENTINELA, 1998, c).
O direito de decidir sobre a própria vida, a saúde e sobre a própria morte compreende
a noção de cidadania, dignidade e o direito de o paciente ser esclarecido sobre essas questões
(SILVA, R, 2009, p. 1). Deste modo, o consentimento informado:
Trata-se de um requisito imprescindível para o exercício, com responsabilidade, do
direito constitucional à autonomia. Só devidamente informado é que o paciente
poderá, livremente, prestar seu consentimento ou manifestar sua recusa em relação
aos procedimentos médicos sugeridos, tendo em vista sua própria dignidade.
Assim, conforme expresso acima, o consentimento esclarecido é um requisito
imprescindível para o exercício, com responsabilidade, do direito constitucional à autonomia,
de modo a preservar as garantias constitucionais. De acordo com a advogada Franzine, o
consentimento informado não é apenas um aspecto da relação médico-paciente, mas um
direito humano fundamental, consagrado pela Teoria dos Direitos Humanos e por tribunais
como o Supremo Tribunal da Espanha.
50
Todavia, a autora declarou ainda que mesmo sendo ―a parte mais frágil da relação
médico-paciente, o paciente deve ser visto como um sujeito de direitos, independentemente de
seu estado clínico, e nunca como um objeto de cuidados médicos, que perde sua autonomia
em uma situação de iminente perigo de vida‖, ressaltou no o painel ―A posição do Judiciário
perante as posturas religiosas‖ (RULLI JUNIOR, et all. 2009, p.1).
Sabe-se que o direito ao consentimento remonta à história, ao referir uma decisão
inglesa, de 1767, no caso Slater versus Baker & Stapleton. Houve responsabilização do
tribunal inglês a dois médicos que, sem o consentimento do paciente, quebraram um osso da
perna do paciente para tratar de uma fratura mal consolidada. Passou-se a discutir a autonomia
das pessoas no tocante aos cuidados com a saúde e, em 1914, no caso Scholoendorff versus
Society of New York Hospital, ficou assentada a ilicitude do comportamento do médico e a
consequente possibilidade de se pleitear indenização, no caso de adoção, sem o consentimento
do paciente, de um procedimento cirúrgico (PEREIRA, 2004, p. 57-59).
Após a Segunda Guerra Mundial, as Constituições europeias proclamaram o respeito à
dignidade da pessoa humana e, em 1947, surge no Código de Nuremberg o conceito de
―consentimento voluntário‖ que se tornou um marco na relação médico-paciente na medida
em que garante às pessoas o direito de se submeter a um tratamento médico apenas se
voluntariamente manifestar seu consentimento (PEREIRA, 2004, p. 59-60).
Entretanto, a expressão ―consentimento informado‖ indica que o médico deve revelar
os fatos ao paciente. Ademais, a Lei paulista 10.241 dispõe, desde 1999, sobre o direito de o
paciente, depois de devidamente informado, poder consentir ou recusar procedimentos
diagnósticos ou terapêuticos, bem como impedir tratamentos dolorosos ou extraordinários
para tentar prolongar a vida, além de escolher o local de sua morte (SILVA, R, 2009).
Há que se destacar ainda, que quando não é possível se obter o consentimento
esclarecido do próprio paciente, este dever é normalmente repassado ao seu representante
legal. Deste modo, o Código de Ética protegeu o direito do paciente que não pode expressar
sua vontade, quando dá importância ao representante legal, relativamente ao consentimento
esclarecido, o Código de Ética (2009, p. 6, grifo nosso) incluindo algumas vedações ao
médico e neste sentido, declara:
51
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal
após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco
iminente de morte.
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua
dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade
para limitá-lo.
Nestes artigos supracitados, a interpretação deve ser consoante à CF/88, sendo
importante destacar que os direitos fundamentais e o direito de escolha, bem como as
convicções religiosas previstas art. 5º, VI e VIII, CF/88, não podem ser violados. Sustenta
Nery Júnior (2009, p. 35) a respeito do art. 22 do Código de Ética:
Desse modo o art. 22 do Código de Ética Médica deve ser interpretado conforme a
CF, 5º, caput. Por conseqüência, diante da concordância do paciente ou se não
houver objeção, poderá o médico escolher o tratamento que julgar mais adequado ao
paciente. Entretanto, se houver objeção do paciente, mesmo que fundada em
premissas religiosas o médico deverá respeitar a vontade dele, sob pena de
configuração de ilícito penal infringir o consentimento informado-direito
constitucional.
É digno de nota que o autor menciona o respeito à vontade do paciente, principalmente
se houver objeção ao tratamento indicado. Ademais, conclui o Código de Ética Medica (2009,
p. 8, grifo nosso) indicando que as escolhas do paciente devem ser respeitadas:
Art. 48 - [É vedado ao médico] Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito
do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar;
Art. 56 - [É vedado ao médico] Desrespeitar o direito do paciente de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em
caso de iminente perigo de vida.
Desta forma, nestes artigos acima se impõe ao médico o dever de prestar todas as
informações ao paciente para que ele possa decidir livremente sobre si e seu bem-estar, pois
ele tem o direito de consentir ou recusar os procedimentos propostos (artigos, 48 e 56),
confirmando, portanto, a importância do consentimento esclarecido.
Sem dúvida, tanto o consentimento esclarecido como o respeito à autonomia das
decisões do paciente e aos seus direitos garantidos constitucionalmente enquanto sujeito de
direitos, tem sido considerados muito relevantes na atualidade, tanto que o assunto seguinte
verificará algumas decisões já em grau de recurso, isto é, nos tribunais superiores, referentes
ao direito à vida, o direito de liberdade religiosa e de escolha a tratamentos isentos de sangue.
52
3.3 Posicionamento dos tribunais superiores relativos ao direito de escolha e à utilização
de hemocomponentes
Considerando todos os aspectos abordados nesta pesquisa em relação aos direitos
fundamentais, especialmente sobre o direito à vida, à liberdade religiosa, direito de escolha,
autonomia, consentimento esclarecido, a seguir transcreve-se as decisões dos tribunais
superiores em relação à transfusão de sangue em casos de risco. Porém, sabe-se que a posição
dos pacientes Testemunhas de Jeová na recusa de tratamento médico sem sangue ainda é um
assunto rodeado pelo preconceito, até nos meios jurídicos, causando muita polêmica.
De modo que é importante destacar a posição dos tribunais superiores a respeito de
uma temática tão polêmica e que ainda carece de maiores esclarecimentos sobre os motivos
que levam as Testemunhas de Jeová a optarem por tratamentos sem a utilização de
hemocomponentes. Neste sentido, as jurisprudências abaixo comentadas contribuem para
demonstrar a importância dos princípios, em especial, o princípio da dignidade da pessoa
humana, para assegurar o direito à vida, observado o direito à escolha de tratamento e à
liberdade religiosa.
Observa-se nitidamente que o direito à vida envolve autonomia, consentimento
esclarecido e, principalmente, respeito à pessoa enquanto sujeito de direitos e a sua
consciência religiosa. Especialmente no que se refere aos tratamentos aceitos pelo paciente,
não os impondo qualquer tratamento, que se for recusado, pode produzir resultados
destruidores, desde ofender à sua consciência na sua esfera mais íntima, ou até mesmo
produzir o resultado morte, conforme foi analisado anteriormente, em casos onde se decide
por desprezar a vontade da pessoa capaz e submetê-la ao tratamento sanguíneo contra a sua
vontade.
Pode-se visualizar, também, nas situações à frente que a dignidade humana e o direito
de escolha, possuem estratégias seguras e hospitais habilitados que podem realizar
procedimentos a favor de tratamentos alternativos à transfusão de sangue, inclusive pelo plano
de saúde do governo, isto é, o SUS. Embora ainda não sejam unânimes neste assunto, alguns
desembargadores, ao julgar, têm se demonstrado interessados em salvar a vida das pessoas
sem violar-lhes o seu direito constitucional de liberdade religiosa e de escolha.
53
Nesse propósito, o TJ de Minas Gerais reconhece (ANEXO – H):
Neste caso, a decisão do tribunal avaliou que Estado não poderia compelir a pessoa
capaz, adepto da religião Testemunha de Jeová, a realizar transfusão de sangue durante
tratamento quimioterápico quando havia outros meios para preservação de seu sistema
imunológico e a pessoa possuía condições de autodeterminação, estando lúcida.
54
A seguir, a jurisprudência do Tribunal do RS, no que se refere à dignidade de valores
religiosos e direito a escolha, os julgados seguintes também estabelecem:
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO.
DIREITO
PRIVADO
NÃO
ESPECIFICADO. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. TRANSFUSÃO DE
SANGUE. DIREITOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE CRENÇA E
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA. OPÇÃO POR
TRATAMENTO MÉDICO QUE PRESERVA A DIGNIDADE DA
RECORRENTE.
A decisão recorrida deferiu a realização de transfusão sanguínea contra a vontade
expressa da agravante, a fim de preservar-lhe a vida. A postulante é pessoa capaz,
está lúcida e desde o primeiro momento em que buscou atendimento médico dispôs,
expressamente, a respeito de sua discordância com tratamentos que violem suas
convicções religiosas, especialmente a transfusão de sangue. Impossibilidade de ser
a recorrente submetida a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser
procedido necessita do uso de força policial. Tratamento médico que, embora
pretenda a preservação da vida, dela retira a dignidade proveniente da crença
religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido. Livre arbítrio.
Inexistência do direito estatal de ―salvar a pessoa dela própria‖, quando sua escolha
não implica violação de direitos sociais ou de terceiros. Proteção do direito de
escolha, direito calcado na preservação da dignidade, para que a agravante somente
seja submetida a tratamento médico compatível com suas crenças religiosas.
AGRAVO PROVIDO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70032799041,
DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS,
RELATOR: CLÁUDIO BALDINO MACIEL, JULGADO EM 06/05/2010)
Assunto: 1. LIBERDADE DE ESCOLHA. 2. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. AJG.
CONCESSÃO DO BENEFICIO. FINS RECURSAIS. CABIMENTO. 3.
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL. 4. HOSPITAL GERAL
DE CAXIAS DO SUL. 5. TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR. PACIENTE.
DIREITO DE ESCOLHA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA.
AUTORIZAÇÃO PARA TRATAMENTO MÉDICO-CIRÚRGICO OU
HOSPITALAR. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITAÇÕES.
DESCABIMENTO. QUANDO CABE. TRANSFUSÃO DE SANGUE.
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. INTERVENÇÃO MÉDICA OU CIRÚRGICA.
REALIZAÇÃO. REQUISITOS. PACIENTE MENOR. EFEITOS. PACIENTE
MAIOR E CAPAZ. EFEITOS. 6. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO
À VIDA E À SAÚDE. PRINCIPIOS GERAIS DA ÉTICA E DO DIREITO.
LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. 7. TUTELA ANTECIPADA.
AUTORIZAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICOHOSPITALAR. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. TRANSFUSÃO DE SANGUE.
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. 8. LIBERDADE DE RELIGIÃO. CIRURGIA.
SALVAR A VIDA. ÂMBITO INDIVIDUAL. 9. CRENÇA DO PACIENTE.
DIGNIDADE DE VALORES RELIGIOSOS. CONSIDERAÇÕES SOBRE O
TEMA. 10. TRATAMENTO MÉDICO. PACIENTE. DIREITO DE ESCOLHA.
JUSTIFICAÇÃO
DE
INTERVENÇÃO
NO
DIREITO
À
VIDA.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA. EXEMPLIFICAÇÃO DE CASOS
PRÁTICOS. 11. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONCEITO.
VIOLAÇÃO CARACTERIZADA. 12. CRENÇA RELIGIOSA. CONVICÇÃO
RELIGIOSA. RELIGIÃO. 13. MEDICINA. NATUREZA DA PROFISSÃO. 14.
ERITROPOETINA. 15. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR. ***** OBS: Julgadora
de 1º Grau: DRA. LUCIANA FEDRIZZI RIZZON
55
Nesta decisão, a paciente entrou com um agravo contra a decisão do juiz, o qual
deferiu a realização de transfusão sanguínea contra a vontade expressa da agravante, a fim de
preservar-lhe a vida. Porém, a paciente desde o primeiro momento afirmou que ―a transfusão
de sangue é procedimento incompatível com suas convicções religiosas‖. Esta paciente do
Hospital Geral de Caxias do Sul portava Síndrome Nefrótica e foi transferida inicialmente do
Hospital de Farroupilha. Assim, o hospital procurou a Justiça para tentar autorizar a realização
da transfusão contra a vontade da paciente. A Justiça de Caxias do Sul autorizou a medida e a
própria paciente recorreu da decisão ao Tribunal. Na fundamentação da decisão, o
desembargador declarou ―a impossibilidade de a recorrente ser submetida a tratamento
médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial‖
e, que o tratamento médico que, embora pretenda a preservação da vida, dela retira a
dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência restante
completamente sem sentido. Salientou, também, o livre arbítrio. E concluiu indicando a
―inexistência do direito estatal de ‗salvar a pessoa dela própria‘, quando sua escolha não
implica violação de direitos sociais ou de terceiros‖. Assim, o tribunal protegeu o do direito
de escolha da paciente, um direito calcado na preservação da dignidade humana, no qual a
agravante somente seja submetida a tratamento médico compatível com suas crenças
religiosas. Frisou o Desembargador Cláudio que em se tratando de piores experiências
totalitárias, elas se justificaram:
Por ‗valores‘ de Estado que arrombaram a tranca das liberdades de consciência, de
crença, de pensamento de escolha do cidadão a respeito de seu próprio destino e
eleição do significado de sua vida, sempre sob a justificativa de ‗salvá-los‘ de si
mesmos ante a um valor maior que os seus‖. Se por acaso os valores ou a crença
exteriorizada por alguém sejam nocivos a terceiros ou ao corpo social, não haveria
maior dificuldade na solução do problema, mas quando a crença de alguém não
coloca sob o risco, direitos de terceiros, a questão é saber-se se, também nesse caso,
o Estado pode intervir na órbita individual para ‗salvar a pessoa dela própria‘. Não
pode o Estado, intervir nessa relação íntima da pessoa consigo mesma, nas suas
opções filosóficas, especialmente na crença religiosa constitucionalmente protegida
como direito fundamental do cidadão, mesmo que importe risco para a sua própria
pessoa que a professa ( e para ninguém mais), sob pena de apresentar o Estado sua
face totalitária ao ingressar cogentemente no âmbito da essência da individualidade
do ser humano,onde não deve estar.
Observa-se que esta decisão do tribunal, a 12ª Câmara Cível do TJRS no agravo de
instrumento nº 70032799041 TJRS, 2010, acompanhando a mudança de paradigmas na
questão de conflito de direitos, reconheceu o direito dessa mulher Testemunha de Jeová de
deixar de receber transfusão de sangue, segundo o artigo intitulado ―Garantido o direito de
Testemunha de Jeová de não receber transfusão de sangue‖ (2010, p. 1), medida que em tese
56
seria necessária, de acordo com critérios médicos, para salvar sua vida. Salienta-se ainda, que
o Desembargador Orlando Heeman Júnior, presidente do colegiado, acompanhou as
conclusões do relator. Apenas houve o voto minoritário do Desembargador Umberto Guaspari
Sudbrack. Todavia, o tribunal concedeu à paciente o direito de recusar transfusão de sangue
tendo em vista suas convicções religiosas por maioria de votos.
Considerando-se o acórdão do TJ-MT, este endossa, sob o enfoque do princípio
constitucional da ―dignidade da pessoa humana‖ (artigo 1.º, III, da CF) que é direito do
paciente Testemunha de Jeová receber tratamento médico sem transfusão de sangue. Por
exemplo, em 2006 no estado do Mato Grosso, um paciente idoso, contando com 70 anos,
necessitando de uma cirurgia cardíaca, procurou os serviços públicos de saúde locais em sua
cidade. Visto que era Testemunha de Jeová, o paciente pretendia que a cirurgia fosse realizada
sem o uso de sangue. Todavia, como salientado no corpo do acórdão do TJ-MT, ―o único
médico a fazer cirurgia cardíaca pelo SUS – Sistema Único de Saúde, não domina a técnica de
realizá-la sem o risco de se utilizar transfusão de sangue‖. Ocorre que em São Paulo, a mesma
cirurgia era realizada, também pelo SUS, sem o uso de transfusão de sangue, razão pela qual o
paciente iniciou procedimento administrativo na Secretaria de Saúde com a intenção de ser
transferido. Porém, o pedido foi indeferido e o paciente promoveu ação de obrigação de fazer,
com pedido de tutela antecipada, solicitando sua transferência a fim de que o procedimento
cirúrgico fosse realizado em outro estado da Federação. Ao ser negada a tutela antecipatória,
interpôs recurso de agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça. Assim, o desembargador
Orlando de Almeida Perri, analisando as circunstâncias do caso, disse que ―impõe-se
esclarecer que não se está a debater ética médica ou confrontação entre o direito à vida e o
de liberdade de crença religiosa” e ainda, o “que se põe em relevo é o direito à saúde e a
obrigação de o Estado proporcionar ao cidadão tratamento médico que não implique em
esgarçamento à sua liberdade de crença religiosa‖. Derrubada a tese sobre conflito entre
direitos fundamentais (vida X liberdade religiosa), pois, não era o caso (JUNQUEIRA, 2008).
Deveras, seria um tanto estranho sustentar tal tese, uma vez que o paciente buscava
preservar sua vida, porque iniciou dois procedimentos (administrativo e judicial) como forma
de garantir seu acesso à saúde e direito à escolha, porém, levando em consideração suas
convicções pessoais com isenção de sangue (JUNQUEIRA, 2008).
57
Frisa-se que em nenhum momento as convicções religiosas do paciente colocaram em
perigo o seu ―direito à vida‖. Direcionando a questão no princípio da ―dignidade da pessoa
humana‖, o julgador destacou que (JUNQUEIRA, 2008, p.1):
Não cabe à Administração Pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitálos [...] Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como
obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o
Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica
que dispensem-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a
fazê-la [...] Ora, havendo método cirúrgico substitutivo na comunidade médica, tem
o recorrente o direito de obter da administração pública o fornecimento de meios
para que possa realizar o procedimento fora de seu domicílio.
Certo é que o acima citado desembargador protegeu o direito da paciente Testemunha
de Jeová de recusar tratamento com sangue, escolhendo-se outro em seu lugar, mesmo que
fora de seu domicílio. Portanto, de forma a garantir o direito das Testemunhas de Jeová de
não receber transfusão de sangue por convicções religiosas, não só a medicina, como também
os tribunais atualmente tem se adequado à constante evolução do direito e a quebra do
paradigma na questão envolvendo conflito de direitos fundamentais, por entender que não se
trata de optar entre o direito à vida ou religião, mas sim unir o melhor tratamento para
preservar a vida e a liberdade de escolha e religiosa, constitucionalmente protegida pelo artigo
5º da CF/88.
Sabe-se que há muitas outras decisões no sentido de proteger os direitos fundamentais
do cidadão. A partir dessas decisões, tem sido firmado o princípio da dignidade da pessoa
humana face aos direitos fundamentais da vida, do direito à escolha e à liberdade religiosa,
expresso no art. 5º, VIII, da CF/88. Portanto busca-se por meio das vias judiciais a efetivação
desses direitos humanos fundamentais, possibilitando ao cidadão-paciente ter o acesso à
preservação de sua vida aliado à autonomia e ao consentimento esclarecido.
Atualmente, observa-se que a jurisprudência brasileira tem adotado uma posição bem
mais favorável às pessoas que por convicções religiosas recusam tratamentos com transfusões
de sangue, na medida em que concede a autorização para estratégias substitutas ao uso de
hemocomponentes. À luz desse posicionamento, percebe-se que a interpretação do direito
progrediu muito de uns anos para cá e acredita-se que em breve não mais se precisará recorrer
ao Poder Judiciário para assegurar direitos e garantias já previstas constitucionalmente,
devido aos novos entendimentos da hermenêutica constitucional.
58
CONCLUSÃO
O direito atual não é estanque, sofre mudanças de paradigmas constantemente e se
ajusta às necessidades dos cidadãos. Entretanto, sabe-se que a forma de pensar a dignidade da
pessoa humana, um direito fundamental, incluindo o respeito à liberdade de escolha e à
liberdade religiosa é relativamente nova e necessita de conscientização das pessoas. Essa
conscientização se deve ao fato de que não se pode mais permitir, na sociedade atual,
violações aos direitos fundamentais da vida, da dignidade da pessoa referente às suas
convicções religiosas e que seus direitos enquanto cidadão de um Estado Democrático de
Direito sejam ignorados ou desrespeitados num contexto jurídico-social que enfatiza
veemente o respeito aos direitos, às garantias individuais e à vida digna.
A presente pesquisa abordou aspectos dos princípios constitucionais, com ênfase no
princípio constitucional da dignidade humana, sua força normativa e a interligação entre o
direito de escolha com os direitos fundamentais. Avaliou, também, os direitos do paciente e a
conduta médica perante o Código de Ética Médica. Enfatizou a relevância da efetivação do
direito de escolha quando há recusa de tratamentos sanguíneos, diante da posição religiosa das
Testemunhas de Jeová que, a partir do entendimento bíblico, recusam sangue total e seus
componentes primários, no entanto, aceitam outros tratamentos seguros e eficazes. Verificou
que a suposta colisão do direito à vida versus o direito de escolha e a liberdade religiosa,
garantida no art. 5º, VIII, da CF/88, quando há recusa de hemoderivados, não deve prosperar
tendo em vista a inaplicabilidade da tese de colisão. Salientou a autonomia, o consentimento
esclarecido e o posicionamento de tribunais superiores, indicando a atual mudança de
paradigma quanto à colisão de direitos e a relevância jurídica do direito à vida, à liberdade
religiosa e ao direito de escolha.
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Em que pese à hermenêutica constitucional clássica sustentar que há colisão de
direitos, constatou-se através desta pesquisa, a mudança de paradigma, não só na ética médica
como também jurídica, conferindo ao paciente legitimidade à decisão de recusa de tratamento
médico por motivo religioso. Constatou-se claramente que, em se tratando da suposta de
colisão de direitos fundamentais, ocorre a inaplicabilidade desta tese no que se refere ao
direito à vida x direito à liberdade religiosa, tornando-se atualmente, ilegítima e inaplicável e
ainda, apresentando-se um falso problema. Evidenciou-se, também, a impossibilidade do
Estado em coagir o cidadão à transfusão de sangue.
As considerações esclareceram que esse direito à vida é, sem dúvida, essencial,
valioso e insubstituível. No entanto, tal direito aliado à dignidade humana é muito mais amplo
do que a vida biológica em si, pois envolve respeitar os princípios e as convicções da pessoa
no que se refere a tratamentos terapêuticos. Em especial, quando se trata do direito à escolha e
a consciência pessoal e/ou religiosa, no caso das Testemunhas de Jeová, verificou-se que não
se pode impor um tratamento que é recusado por este paciente sem ao menos tentar outros
métodos previamente aceitos. Observaram-se, de um lado, os efeitos positivos das decisões
quando o cidadão tem seu direito de escolha, por princípios religiosos, respeitado e alguns
resultados de sobrevida após tratamento sem sangue e, de outro lado, as graves consequências
de decisões em que se impõe um tratamento recusado terminantemente pela pessoa-paciente.
Ademais, tendo em vista a escassez de sangue sem doenças, o custo elevado, bem
como o respeito às decisões do paciente, ocorreram avanços na medicina em tratamentos
médicos alternativos às transfusões de sangue, resultando em relativo baixo custo e maior
praticidade. Devido à existência de possibilidades de escolha a tratamentos médicos
terapêuticos em substituição do sangue, respeitar a questão da autonomia das decisões do
paciente e sua consciência, seria uma excelente maneira de efetivar a dignidade humana e o
direito de escolha, previstos na CF/88, como um princípio fundamental e um direito da
pessoa-paciente. Verificou-se que, os princípios da dignidade e da legalidade, cujos
fundamentos ensejam o direito a uma vida sadia e não fazer nada que a lei não obrigue,
garantem o bem estar jurídico da vida humana. Buscou-se, ainda, enfatizar que a pessoapaciente tem o direito à autonomia e consentimento informado quando as suas convicções
religiosas ou outras conflitam com tratamentos com sangue, sendo que já existem meios
alternativos para sustentar sua vida.
60
Diante disso, em nenhuma hipótese o paciente, ao recusar tratamento com transfusão
sanguínea ou qualquer outro, deseja morrer, pelo contrário, este deseja viver e exercer o seu
direito de escolha ao melhor tratamento, sendo este alternativo àqueles indicados quando
ferem sua consciência, buscando inclusive tutela jurídica. Uma vez que sua vida também
envolve seu modo de pensar e não apenas a vida física ou biológica, impor transfusão de
sangue a alguém que recusa por convicção religiosa, no intuito de tentar salvar a si mesma,
pode levar a pessoa a morrer ou sofrer graves efeitos psicológicos, pelo fato de que sua
consciência mais íntima foi aviltada.
Sobretudo ao avaliar a forma como a atual jurisprudência e o posicionamento de
tribunais superiores vêm sendo adequado aos casos concretos, tem se mostrado coerente com
a nova hermenêutica, no sentido de preservar a vida como um todo, inclusive as convicções
religiosas, proporcionando ao paciente a dignidade do direito à escolha de tratamentos e
direito à recusa por motivos religiosos, bem como, se for o caso, a substituição de hospitais
por outros que realizam procedimentos sem sangue, mesmo que não se encontrem no seu
próprio Estado da Federação, diante dos grandes avanços da medicina em proporcionar
tratamentos isentos de sangue humano.
Finalmente, respeitar e compreender as diferenças entre os indivíduos não é algo tão
simples ou mesmo fácil, todavia, necessário diante das mudanças de paradigmas da sociedade
atual, firmadas por vários autores. Portanto, os esforços de quem deseja manter sua convicção
religiosa vão continuar avançando e futuramente, espera-se que este benefício da efetivação
do direito à escolha a tratamentos médicos se estenda a outras pessoas, independente dos seus
motivos e convicções, evidenciando a opção pelos melhores tratamentos para si e para sua
família, observando o princípio da dignidade como base dos direitos humanos fundamentais,
previsto constitucionalmente e elemento fundante do Estado Democrático de Direito.
61
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66
ANEXO – A –
67
68
ANEXO – B
69
70
TRADUÇÃO LIVRE DO ANEXO – B – ―DIRETIVA MEDICA INTERNACIONAL
AVANÇADA CONFORME AS NAÇÕES UNIDAS‖ – PÁGINA 1
Eu ____________________________(nome completo de impressão ou tipo) faço esta diretiva
antecipada como uma declaração formal de meus desejos. Esta instrução reflete minha decisão
resoluta. Dirijo que não seja dado a mim transfusão em qualquer circunstância, (isso inclui sangue
total, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma sanguíneo), mesmo se os médicos
considerarem que tal é necessário para preservar a minha vida ou a saúde. Irei aceitar expansores de
volume de sem sangue (tais como dextran, solução salina ou solução de Ringer, ou hidroxietilamido) *
outras condutas sem sangue.
A diretiva legal é um exercício do meu direito de aceitar ou recusar o tratamento médico de
acordo com as Nações Unidas Lei ** (E/C.12 / 2000/4). Este ato 1: proíbe o não consentimento de
tratamento médico e 2 garante o meu direito de realizar o maior suporte possível de saúde. Eu sei que
existem vários perigos associados a transfusões de sangue. Eu decidi exercer o meu direito legal para
evitar esses perigos. Aceito quaisquer riscos que podem estar envolvidos na minha escolha de conduta
alternativa sem sangue.
* Veja as opções de condutas sem sangue: www. noblood.com
Eu libero os médicos, anestesistas e hospitais e pessoas de sua habilidade por qualquer dano
que possa ser causado por minha recusa de sangue, apesar de seus cuidados de outra forma
competente.
Nome.
Endereço.
Endereço.
Assinatura.
Data
**Artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
http:www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/ (símbolo) / EC12.2000.4.En
Declaração das Testemunhas:
Declaro que o pessoal que assinou este documento, o fez em minha presença, que ele ou ela é
conhecer pessoalmente a mim, e que ele ou ela parece ser de mente sã e livre da influência de coação
ou indevido. Tenho 18 anos de idade.
Assinatura da testemunha
Endereço
Endereço
Corte ao longo da linha pontilhada
Preencha as informações NECESSÁRIAS
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Guarde na sua carteira
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TRADUÇÃO ANEXO – B – PÁGINA 2
1 - Eu dou a ninguém, (incluindo meu substituto de cuidados saúde ou substituto alternativo de
saúde) qualquer autoridade para substituir ou desconsiderar as minhas instruções, conforme listado no
verso da presente Diretiva Médica Avançada.
2 - Para além das questões abrangidas no verso deste documento, eu nomeio as pessoas
indicadas abaixo como meu Primeiro Substituto de Cuidado de Saúde e Substituto Alternativo de
Cuidados de Saúde. Eu dou-lhes autoridade para tomar decisões de saúde para mim.
3 - Eu dou o meu poder total e autoridade para consentir ou recusar o tratamento, consultar
com médico e receber cópias de meus registros médicos, e para tomar medidas legais para garantir que
os meus desejos sejam honrados em conformidade com a Lei das Nações Unidas ** (E/C.12 / 2000/4)
que 1 proíbe não-consensual de tratamento médico e 2 garante o meu direito de perceber o mais alto
padrão atingível de saúde. (Minhas convicções profundamente arraigadas são que recusar transfusões
de sangue total ou transfusões de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma de
sangue ajudará os médicos competentes assegurar que eu atingir o mais alto padrão atingível de
saúde).
Primeiro Substituto de Cuidado de Saúde
Nome
Endereço
Endereço
Telefone
E-mail
Substituto Alternativo de Cuidados de Saúde *
Nome
Endereço
Endereço
Telefone
E-mail
* Observação: você pode nomear qualquer adulto para ser o seu substituto saúde. No entanto é
recomendado você NÃO NOMEAR seu médico, qualquer um dos funcionários do seu médico, ou
qualquer funcionário de qualquer hospital ou casa de repouso onde você pode ser um paciente, a
menos que a pessoa que você nomear está relacionado a você pelo sangue, casamento ou a adoção.
Directiva Adiantamento para Cuidados de Saúde
(Dentro do documento assinado legal)
NÃO SANGUE
72
ANEXO – C
PROJETO DE LEI N.º 5119/2005, DE 2005 (Do Sr. Dr. HELENO) Institui o direito de
opção
de
tratamento
de
saúde
alternativo
a
todos
os
paciexxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ntes passíveis do uso de transfusão sangüínea.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - É assegurado a qualquer pessoa o direito de optar por tratamento de saúde alternativo
à transfusão sangüínea, devendo as autoridades médicas e hospitalares informarem aos
pacientes sobre essas alternativas existentes, ainda que não disponíveis naquela unidade de
tratamento, para todos os casos passíveis de uso de transfusão sangüínea.
Art. 2º - A opção por tratamento de saúde isento de sangue será feita pelo próprio paciente ou
seu representante legal, em documento particular ou em formulário próprio do hospital.
Parágrafo único – É vedado em qualquer formulário do hospital inserir termos que
condicionem o tratamento ou desestimulem à opção prevista no caput.
Art. 3º – Ficam os estabelecimentos de ensino médico e hospitais obrigados a ministrarem
ensinamentos sobre os tratamentos alternativos substitutivos às transfusões sangüíneas.
Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
O sangue tem sido encarado como elemento insubstituível nos tratamentos médicos,
quando necessário. Em razão disso, muitas campanhas têm sido realizadas com a participação
do governo e de instituições não governamentais com o objetivo de atrair mais doadores de
sangue. Em apoio a essas campanhas para estimular doadores de sangue, têm-se buscado
oferecer benefícios legais como: ‖gratuidade de passagens interestaduais‖, dentre outras, o
que não tem sido suficiente para suprir a crescente demanda do sangue nos tratamentos de
saúde. No entanto, ainda que se aumente o número de doadores, isso também não resolve o
problema, pois nem todo sangue doado pode ser aproveitado para transfusão tendo em vista a
sua má qualidade, que somente poderá ser detectada após a colheita e os exames posteriores.
Sempre que ele não é de boa qualidade, perde-se inúmeros recursos como os gastos na
colheita, processamento e estocagem do produto. Entrementes, contrário ao que se pensa, há
tratamentos alternativos substituindo o sangue com eficácia análoga e menores riscos, os
quais podem ser utilizados com igual êxito para praticamente todos os procedimentos médicos
em que se utilizam transfusão sangüínea. A transfusão de sangue é hoje um tratamento de
risco, quer por insegurança dos testes sorológicos efetuados, quer pela não compreensão
global do comportamento de eventuais vírus existentes no material a ser transfundido. Além
disso os custos do sangue também incluem aqueles resultantes dos tratamentos de novas
doenças transmitidas pelo produto, bem como aqueles resultantes de indenizações relativas à
responsabilidade civil do estado, quando os tratamentos são feitos em hospitais públicos. Em
países como os Estados Unidos, o Canadá, a Alemanha, a França a Suíça e outros, por
décadas têm-se utilizado, rotineiramente, diversas técnicas simples em substituição ao sangue,
e não apenas para casos de menor complexidade, mas também para procedimentos cirúrgicos
de maior complexidade, como cirurgia de coração aberto, transplante de medula óssea,
cirurgias ortopédicas, cerebrais, dentre outras, mesmo em casos de emergência.
Em todo o mundo existem mais de cem mil médicos que utilizam técnicas alternativas
à transfusão sangüínea. No Brasil, já por mais de uma década os médicos vêm utilizando
técnicas em substituição à transfusão sangüínea. Temos diversas experiências bem-sucedidas
nesse sentido, inclusive sem as costumeiras seqüelas do sangue. Exemplos notórios da
viabilidade dessas alternativas são o HOSPITAL SÃO JOSÉ DO HAVAÍ, na cidade de
ITAPERUNA, no Estado do Rio de Janeiro, que conta com mais de uma centena de médicos
com experiência em tratar pacientes sem sangue, isso desde a década de 90; e os HOSPITAIS
SÃO LUCAS e PAULO SACRAMENTO, na cidade de São Paulo, que realizam tratamentos
73
médicos sem sangue para quaisquer pessoas e para quaisquer tipos de tratamentos médicos,
inclusive para cirurgias de emergência. Em todo o país existem milhares de médicos que têm
enfrentado o desafio de utilizar as técnicas alternativas em substituição ao sangue. A
experiência médica tem também demonstrado que a utilização de técnicas alternativas ao
sangue apresenta diversas vantagens, sendo uma delas a impossibilidade de transmissão de
doenças viróticas mortais ao paciente. É preciso que os médicos olhem os seus pacientes
como um ser inteiro e não como uma patologia, seja ela cirúrgica ou clínica, e descobrir o
motivo dessa enfermidade. Uma anemia precisa ser vista como a manifestação de uma doença
que precisa ser pesquisada e descoberta o motivo do estar anêmico e não ser apenas o
tratamento com transfusão a solução do problema, como ocorre em alguns casos. Os pacientes
que não recebem transfusão de sangue têm uma recuperação mais rápida que aqueles que
recebem transfusão, o que significa menos tempo de internação, menor custo para o estado e
mais leitos nos hospitais. Outra vantagem é que a maioria das alternativas do uso do sangue
tem um custo menor que o próprio sangue, considerando-se apenas o seu processo de colheita,
testes e armazenagem. Há necessidade de uma busca pelo aprimoramento do ensino médico
uma vez que a cada dia vemos mais médicos formados sem uma visão crítica da indicação e
do uso racional do sangue, bem como dos riscos das transfusões.
Hoje alternativas como: Sistema de Recuperação de Sangue Autólogo; Coagulador a
Raio Laser; Expansores do Volume do Plasma; Eritropoetina Sintética; o Cell-Saver e o
Monitor Cutâneo são amplamente empregados. A recusa de tratamento médico motivada por
convicção religiosa, já tem proteção constitucional. Este projeto, entretanto, não pretende
extinguir as transfusões sangüíneas. Elas devem continuar a serem realizadas, porém
não de forma indiscriminada. É preciso entender que, por mais exames que se façam e por
melhores que sejam, sempre haverá o risco do desconhecido e, entenda-se por desconhecido
todos os incidentes adversos capazes de serem ocasionados por uma transfusão de sangue
incluindo a transmissão de doenças. Assim, diante dessa realidade social e científica, vê-se
que a solução do problema das longas listas de espera para tratamento de saúde, em razão dos
baixos estoques de sangue, não pode depender apenas das campanhas de incentivo a doadores
de sangue, fazendo-se necessário socorrer se de outras alternativas existentes, buscando-se,
igualmente, através da legislação assegurar-se a qualquer pessoa o DIREITO DE OPTAR
POR TRATAMENTO DE SAÚDE ISENTO DE SANGUE, fazendo-se, ao mesmo tempo,
com que os hospitais informem aos pacientes das alternativas existentes e dos benefícios
envolvidos. Sendo papel da lei regular fatos sociais, e sendo este um fato de inegável
relevância social, pois diz respeito à SAÚDE PÚBLICA, função essencial do estado, é
premente a necessidade de que a lei assegure a qualquer pessoa o DIREITO DE OPTAR POR
TRATAMENTO ALTERNATIVO À TRANSFUSÃO SANGUÍNEA, suprindo-se ou
amenizando-se, desta forma, a insuperável carência do fluxo precioso, à medida que essas
técnicas venham a ser utilizadas mais amplamente, por opção do paciente, sem prejuízo dos
outros benefícios que têm sido experimentados com a utilização dessas alternativas. Diante de
tudo já expresso, e considerando o indiscutível conteúdo meritório da proposição temos
certeza que contaremos com o apoio de todos os parlamentares desta Casa visando a sua
aprovação.
Sala das Sessões, 03 de maio de 2005.
Dr. HELENO Deputado Federal - PMDB/RJ.
PL: 5119/2005
Situação: Arquivada na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=284092>
74
ANEXO – D MEDIDA CAUTELAR INOMINADA PROPOSTA POR MARIA
FERREIRA FERNANDES CONTRA ANA COSTA SAÚDE
[...]
562.01.2010.024455-6/000000-000 - nº ordem 897/2010 - Procedimento Ordinário
(em geral) - MARIA FERREIRA FERNANDES X ANA COSTA SAÚDE - Fls. 42/43 Trata-se de MEDIDA CAUTELAR INOMINADA proposta por MARIA FERREIRA
FERNANDES contra ANA COSTA SAÚDE na qual autora pretende a concessão
de liminar para que a ré arque com o tratamento cirúrgico junto ao Hospital
Beneficência Portuguesa em São Paulo por dispor de profissionais
qualificados e que utilizam técnicas adequadas para procedimentos sem a
utilização de transfusão de sangue por ser a autora testemunha de Jeová. No
aditamento efetuado a autora indicou como ação principal a ação de obrigação
de fazer. Inicialmente, observo que a ação proposta não tem característica de
ação cautelar, pois apesar da indicação da ação principal tem natureza
satisfativa e por tal motivo nãopode ser recebida como ação cautelar. Porém,
ante a urgência indicada na inicial e visando analisar o pedido formulado,
recebo a presente ação como ordinária de obrigação de fazer com pedido de
tutela antecipada. Proceda a serventia as anotações devidas junto ao
Distribuidor e na autuação. O documento de fls. 29 comprova que a autora é
testemunha de Jeová e não aceita nenhuma transfusão de sangue e o
documento de fls. 30 comprova que a autora necessita realizar procedimento
cirúrgico cardíaco (revascularização do miocárdio) e que o profissional médico
do hospital Ana Costa informou não realizar tal ato com a restrição referente a
transfusão. O documento de fls. 35 demonstra que o Hospital Beneficência
Portuguesa em São Paulo é credenciado junto ao réu com restrição para
tratamento inexistentes na região. É certo que não foi juntado o teor do
contrato firmado entre as partes, porém, considerando as alegações iniciais,
bem como os documentos acima mencionados há prova inequívoca das
alegações iniciais, bem como risco de dano irreparável ou de difícil reparação
ante ao risco de vida da autora em não realizar a cirurgia nos termos
postulados, considerando os preceitos religiosos da autora que devem ser
respeitados ante a liberdade de crença prevista na Constituição Federal.
Assim, em sendo o hospital indicado credenciado pela ré capaz de realizar o
procedimento cirúrgico em observância aos preceitos religiosos da autora,
bem como que tal procedimento não pode ser realizado junto ao hospital réu,
estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada. Deste
modo, concedo a tutela antecipada para determinar que a ré autorize, com
urgência, a realização da cirurgia indicada para a autora junto ao HOSPITAL
BENEFICÊNCIA PORTUGUESA EM SÃO PAULO, credenciado pelo convênio
réu, por dispor de profissionais que utilizam técnicas adequadas para o
procedimento sem a utilização de transfusão de sangue, sob pena de multa
diária de R$ 1.000,00. Cite-se a ré para, querendo, contestar no prazo legal.
Expeça-se mandado de citação e intimação para cumprimento da tutela
concedida. - ADV ELIANE RODRIGUES CARVALHO OAB/SP 85307
[...]
75
ANEXO – E – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 22395/2006
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 22395/2006 - CLASSE II - 15 COMARCA CAPITAL (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO)
QUINTA CÂMARA CÍVEL
Fl. 1
TJ
Fls ----AGRAVANTE(S): WALDEMAR TIMÓTEO SILVAL
AGRAVADO(S): ESTADO DE MATO GROSSO
Número do Protocolo: 22395/2006
Data de Julgamento: 31-5-2006
EMENTA
TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE
DE TRANSFUSÃO DE SANGUE – EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA –
TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA –
DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA –
PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA –
RECURSO PROVIDO.
Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o
Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao
encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto
constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem,
mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública
avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de
cada um, que deve ser precatado de todas as formas de discriminação.
Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível
à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para
que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial
não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma
diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do
Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco
de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento
se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa
do paciente.
76
ANEXO – F – SENTEÇA REF. PROCESSO Nº 016/1.11.0005702-0
COMARCA DE IJUÍ
VARA ADJUNTA DA DIREÇÃO DO FORO
Rua Tiradentes, 671, Caixa Postal 361
___________________________________________________________________
Processo nº:
Natureza:
Requerente:
:
Juiz Prolator:
Data:
016/1.11.0005702-0 (CNJ:.0012866-50.2011.8.21.0016)
Voluntária - Outros
Aloir Pedro Zanella
Sirlei Martins Zanella
Juiz de Direito - Dr. Guilherme Eugênio Mafassioli Corrêa
09/11/2011
Vistos, etc.
Trata-se de ação de suprimento de consentimento para transfusão de sangue
ajuizado por Aloir Pedro Zanella e Sirlei Martins Zanella em favor de Janete Zanella, sua filha.
Relataram que a filha sofreu acidente e trânsito no último domingo, estando
hospitalizada em estado gravíssimo. Disseram que se mostra necessária a submissão da paciente à
cirurgia para reparação dos traumas sofridos, mas que o procedimento depende da realização de
transfusão sanguínea. Asseveraram que a filha se nega terminantemente a realizar os procedimentos
por questões de ordem religiosa, pois seguidora da religião Testemunha de Jeová, não anuindo com a
transfusão de sangue. Manifestaram que a saúde da paciente está muito debilitada e a única chance
de sobrevivência é a realização da cirurgia com transfusão sanguínea. Requerem, liminarmente, o
suprimento do consentimento de Janete Zanella na realização das diligências necessárias.
Deferido o pedido liminar, foi cumprido.
Noticiado o óbito de Janete Zanella.
Opinou o Ministério Público pela extinção do feito.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
Com o óbito de Janete Zanella, tenho que não mais persiste o interesse de agir.
ISSO POSTO, extingo, sem resolução de mérito, esta demanda ajuizada por
Aloir Pedro Zanella e Sirlei Martins Zanella, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.
Sem custas pelo deferimento de Assistência Judiciária Gratuita.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Ijuí, 09 de novembro de 2011.
Guilherme Eugênio Mafassioli Corrêa,
Juiz de Direito
77
ANEXO – G –
78
79
ANEXO
6/001
–
H
–
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO
Nº
1.0701.07.
191519-
80
81
82
83
84
85
86
ANEXO – I- QUESITOS DO PARECER DE NELSON NERY JUNIOR.
87
88
89
90