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Simpósio de Bioética
Hospital Municipal Dr. Carmino
Caricchio
TRANSFUSÃO SANGUÍNEA PARA
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
LEGISLAÇÃO E RESPALDO AOS
PROFISSIONAIS DE SAÚDE
16/06/2010
Ângela Tuccio
• Conflitos entre proposta terapêutica e recusa do paciente
• Dilema médico em aceitar a vontade do paciente ou
cumprir sua obrigação
• Autonomia do médico x autonomia do paciente
• Orientação jurídica
DIREITO E INTERPRETAÇÃO DAS LEIS
Conjunto de regras obrigatórias que garante a
convivência social, graças ao estabelecimento de limites
à ação de cada um dos seus membros. Portanto, quem
age em conformidade com essas regras comporta-se
direito; quem não o faz, age torto (REALE, 2002).
Interpretação da lei: compreensão do alcance exato do
sentido da norma.
Biodireito e Bioética
Interpretação das leis e sua aplicação a situações que
constantemente se aprimoram = garantia dos princípios
fundamentais da Bioética.
A
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
E
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
A
Constituição da República = lei fundamental de
organização do Estado brasileiro.
Contém princípios fundamentais dos outros
ramos jurídicos, nenhuma norma jurídica poderá
contrariá-la.
Direitos individuais básicos: vida, liberdade,
igualdade, segurança e propriedade (art. 5o,
caput).
Por uma razão lógica, o direito à vida é o bem tutelado
pela Constituição que tem maior importância, já que os
outros somente serão exercidos se ele pré-existir. De
nada adiantaria resguardar a liberdade, a igualdade, a
segurança e a propriedade se a vida não fosse
assegurada. O direito à vida deve ser entendido em sua
forma mais ampla, nele inseridos o direito de nascer, de
permanecer vivo, de morrer de maneira natural ou
inevitável (SILVA, 2008).
Não importa ao direito e à aplicação das leis que o
paciente tenha dado seu consentimento para a
realização de ato destinado a interromper a vida. O
texto legal é expresso ao assegurar a proteção da vida
e, via de conseqüência, ao vedar a prática de atos que
impeçam que a vida se esgote de maneira natural ou
espontânea.
AUTONOMIA E DIGNIDADE HUMANA
Autonomia do grego auto (próprio) e nomos (lei, regra,
norma). Capacidade que o ser humano possui de decidir
o que é bom, de acordo com seus valores, expectativas,
necessidades, prioridades e crenças.
Liberdade de escolha limitada pela necessidade de não
afetar a vida e a liberdade de terceiros.
Para DINIZ (2008) a pessoa humana e sua dignidade
constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado,
sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de
avanço científico e tecnológico.
O artigo 31 (56) do Código de Ética Médica refere-se à
autonomia:
“É vedado ao médico:
Art. 31 – Desrespeitar o direito do paciente ou de seu
representante legal de decidir livremente sobre a
execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas,
salvo em caso de iminente perigo de morte (vida).”
França (2006):
“[...] todo ato médico representa uma aliança de uma
consciência e de uma confiança. Isso não quer dizer
que, pelo fato de o paciente confiar, venha o médico a
fazer tudo o que ele admite poder realizar, mesmo
supondo estar agindo em favor do paciente
(paternalismo). O paciente, salvo nos casos de
comprovada iminência de morte, pode decidir não
aceitar certas práticas propedêuticas ou terapêuticas, e
o médico terá de respeitar essa decisão (princípio da
autonomia).”
Capítulo I, CEM, Princípios fundamentais
V- Compete ao médico aprimorar continuamente seus
conhecimentos e usar o melhor progresso científico em
benefício do paciente.
Capítulo II, CEM, Direitos dos médicos
II – Indicar o procedimento adequado ao paciente,
observadas as práticas cientificamente reconhecidas e
respeitada a legislação vigente.
Capítulo IV, CEM, Direitos Humanos
art. 26 – Deixar de respeitar a vontade de qualquer
pessoa, considerada capaz física ou mentalmente, ou
alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das
prováveis complicações do jejum prolongado e, na
hipótese de risco iminente de morte, tratá-la.
TESTEMUNHAS
DE
JEOVÁ
–
ARGUMENTAÇÃO FRENTE A LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
Fundamento religioso para recusa:
“Não deveis tomar o sangue de carne alguma,
pois a vida de toda carne é o seu sangue.
Qualquer pessoa que tomar dele será cortada”
(Levítico 17:13, 14).
Fundamento legal: Constituição Federal, no
artigo 1º, III – dignidade da pessoa humana e no
artigo 5º, VI – liberdade religiosa.
Direito à vida e direito à crença religiosa idêntico grau de importância. Não haveria
sobreposição de um valor em relação ao
outro. A Testemunha de Jeová acredita
que ao se submeter à transfusão, jamais
será perdoada. Tal fato traz para sua vida
conseqüências religiosas importantes, que
a afetarão definitivamente.
Jurisprudência dos Tribunais Brasileiros
Testemunhas de Jeová:
Supremo Tribunal Federal: nenhuma ocorrência.
Superior Tribunal de Justiça: 1 acórdão
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 4
acórdãos.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: 1
ocorrência.
Superior Tribunal de Justiça - n. 7785 – acórdão
proferido nos autos de Recurso Ordinário originário de
procedimento de Habeas Corpus, oriundo da Comarca
do São Paulo (Tribunal de Justiça), cujo provimento foi
negado.
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro concluiu seu voto da
seguinte forma:
“O profissional da medicina (em qualquer especialidade)
está submetido ao Direito brasileiro. Tanto assim, as
normas da deontologia médica devem ajustar-se a ele.
Daí, não obstante ser adepto de Testemunhas de Jeová,
antes de tudo, deve cumprir a legislação vigente no
país. Comparativamente, seria o mesmo o Juiz de Paz
(agente do Estado), porque católico, recusar a
celebração de casamento porque um dos nubentes é
divorciado, o que é proibido pelo Direito Canônico. Hoje,
tal pessoa pode, consoante as leis brasileiras, celebrar
novo matrimônio.”
TJSP – rec.apelação 442.163.4/1, 13/06/07, relator o
Des. Caetano Lagrasta. Pedido de indenização por
danos morais em face de Operadora de Saúde que teria
se recusado a autorizar a realização de procedimento
cirúrgico com restrição à transfusão de sangue.
A questão é polêmica, mas a jurisprudência tem
decidido no sentido de que o direito à vida se sobrepõe
à liberdade de crenças religiosas. Nesse sentido:
TESTEMUNHAS DE JEOVÀ – Necessidade de
transfusão de sangue, sob pena de risco de morte,
segundo conclusão de médico que atende o paciente –
Recusa dos familiares com apoio na liberdade de crença
– Direito à vida que se sobrepõe aos demais direitos –
Sentença autorizando a terapêutica recusada – Recurso
desprovido (Ap. n. 132.720-4/9, 5ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Boris Kauffmann, 26.06.03).
Rec. de apelação 132.720-4/9-00, 26.06.03, Rel. Des. Boris
Kauffmann:
“O art. 5º, VI, da Constituição Federal, assegura o direito à
liberdade de consciência e de crença, bem como a inviolabilidade
da intimidade e da vida privada. Com base nestas cláusulas é que o
apelante defende o direito de sua esposa recusar o tratamento com
transfusão de sangue e derivados.
Não se pode negar, todavia, que os vários direitos previstos nos
incisos do art. 5º da Constituição Federal ostentam uma certa
gradação em relação a outro direito, este estabelecido no caput do
referido artigo: o direito à vida. Assim, se com base em sólido
entendimento médico-científico, ainda que divergências existam a
respeito, para a preservação daquele direito seja necessária a
realização de terapias que envolvam transfusão de sangue, mesmo
que atinjam a crença religiosa do paciente, estas terão de ser
ministradas,pois o direito à vida antecede o direito à liberdade de
crença religiosa.
É certo que, assim como o tratamento sem a transfusão oferece
riscos à paciente, também a transfusão acarreta riscos, mas bem
menores e com grandes possibilidades de serem evitados.”
Rec. de Apelação 70020868162, 22/08/07, Relator Des. Umberto
Guaspari Sudbrack, TJRS:
O Código de Ética Médica, em seu artigo 19, estabelece que [...] o
médico, salvo o caso de iminente perigo de vida, não praticará
intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explícito
do paciente e, tratando-se de menor incapaz, de seu representante
legal [...].
O consentimento do paciente somente é necessário quando inexistir
perigo de vida, que não é a circunstância do caso em apreço.
Nesse contexto, não há necessidade nem utilidade da intervenção
jurisdicional, pois o médico é obrigado a empregar todos os meios
disponíveis para salvar a vida dos pacientes. Portanto,
diversamente do alegado nas razões recursais, a manifestação
judicial não é imprescindível, porquanto o profissional da medicina
tem o dever de tratar o internado, em caso de risco de vida,
independentemente de seu consentimento.
Registre-se, por fim, que incumbiria à paciente ou a seus familiares
o ajuizamento de eventual ação no intuito de evitar a ação médica,
caso assim desejassem e entendessem haver relevantes
fundamentos jurídicos.
Realização da transfusão de sangue = ação de
acordo com a lei e com o contido no Código de
Ética Médica.
O direito à vida se sobrepõe à liberdade de
crenças religiosas.
Assegurado o cumprimento do dever legal e a
realização de transfusão de sangue. Obrigação
configurada quando se está diante de iminente
risco de morte.
Testemunhas de Jeová - argumentos centrados em
dispositivos constitucionais e artigos do Código de Ética
Médica. O principal argumento utilizado diz respeito ao
desrespeito causado à vida da pessoa que é submetida
à transfusão de sangue compulsória, já que lhe é
imposto tratamento que contraria sua crença religiosa.
Julgados - o respeito à manifestação de vontade das
Testemunhas de Jeová é legítimo até o momento em
que se caracteriza risco de morte. Portanto, o
reconhecimento do direito se dá durante o lapso de
tempo em que são viáveis alternativas terapêuticas que
visem obstar a transfusão de sangue. Constatado o
risco de morte, a transfusão deve ser feita, em
cumprimento a dever legal imposto ao médico.
Obrigada!
Angela Tuccio
Departamento Jurídico Corporativo
Hospital e Maternidade São Camilo – Pompeia,
Santana, Ipiranga
[email protected]
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