o direito nas decisões judiciais entre a vida e a fé

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O DIREITO NAS DECISÕES JUDICIAIS
ENTRE A VIDA E A FÉ
COMO TEM SIDO O TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL DA OPOSIÇÃO ENTRE A RECUSA DE UM TRATAMENTO,
FUNDAMENTADA NA LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA, E O DEVER DE PRESERVAR A VIDA.
Aluna: Ana Cecília Alves Monti
Orientador: Professor Dr. Elias Kallás Filho
Instituição de Fomento: FAPEMIG e FDSM
INTRODUÇÃO
Diversos estudos já se dedicaram à discussão acerca da tensão entre os pacientes que professam a fé das Testemunhas de Jeová, na medida em que se opõem aos tratamentos que incluem transfusão de sangue, e o
dever dos profissionais da saúde, notadamente os médicos, de empregar todos os meios e recursos necessários à preservação da vida. Na doutrina, parece majoritário o entendimento de que, neste conflito, deve
prevalecer a preservação da vida. Entretanto, não se tem notícia de um levantamento a respeito de como o tema tem sido tratado pela jurisprudência dos tribunais brasileiros, no momento da decisão dos casos
concretos. Aqui reside, portanto, o problema central desta pesquisa, que pretende verificar qual tem sido o tratamento jurisprudencial à oposição, no caso concreto, entre a recusa de um tratamento, fundamentada na
liberdade de crença religiosa, e o dever de preservar a vida.
OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa concentra-se justamente em investigar qual tem sido, nos casos concretos, o entendimento
jurisprudencial adotado, entre o dever de preservar a vida, e a recusa de um procedimento, fundamentado na liberdade de
crença religiosa. Os objetivos específicos tangem-se em analisar os fundamentos religiosos da recusa à transfusão, a
examinar a liberdade de crença religiosa como um direito fundamental, a indagar acerca do dever de preservação da vida
em contrapartida à recusa ao tratamento por motivos de crença religiosa, a apurar a coleta de jurisprudências acerca do
tema, e por fim, a certificar se o resultado da análise jurisprudencial está de acordo com as doutrinas.
METODOLOGIA
Análise jurisprudencial: no campo prático da pesquisa, a coleta jurisprudencial se operou no site do TJSP (www.tjsp.jus.br),
seguindo o caminho “Advogado”>“Consulta de Jurisprudência”>“Consulta Completa”. A consulta foi efetuada com o emprego
das expressões “testemunha de jeová” e “transfusão de sangue”. No total de pesquisas, sem delimitação temporal, foram
encontrados 37 acórdãos que variam desde o ano de 1998 até 2016. De modo a limitar o período correspondente à
publicação dos acórdãos, tendo como objetivo a atualidade dos dados jurisprudenciais, delimitou-se um período de seis
anos (de 1º de janeiro de 2011 a 1º de junho de 2016). A nova consulta para a coleta dessas decisões deu-se em 28 de
junho de 2016, às 15h12, colecionando-se o total de 14 acórdãos.
DESENVOLVIMENTO
Fundamentos religiosos da recusa à transfusão de sangue: desde 1870 as Testemunhas de Jeová desenvolvem suas atividades. Foram chamadas, inicialmente, de Estudantes da Bíblia até que em 1931 adotaram o
nome bíblico (antigo testamento, Isaías 43:10 “Vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor”) de Testemunhas de Jeová. A vida é vista pelos seguidores da religião como uma dádiva de Deus, devendo sua saúde ser
resguardada. Por esse motivo buscam e acreditam no cuidado médico e não defendem o “direito de morrer”. Porém as Testemunhas de Jeová rejeitam veementemente a transfusão de sangue e seus quatro
componentes primários, obedecendo ao dispositivo bíblico “Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição; e destas coisas fareis bem de vos guardar...”
(Atos dos Apóstolos 15:29). E também nos ensinamentos bíblicos dispostos em Gênesis 9:3,4; Levítico 7:26,27 e 17:10-14; Deuteronômio 12:23,24.
Liberdade de crença religiosa como direito fundamental: “a escolha das Testemunhas de Jeová por receber tratamento médico sem sangue, além de ter respaldo científico e estar em harmonia com os progressos da
Medicina, tem como base a liberdade religiosa” (AZEVEDO, p.19). Desde o momento em que a Constituição republicana de 1981 reconheceu em seu artigo 72 a liberdade de crença, dando aos cidadãos o direito de
exercer pública e livremente seu culto, passando também as seguintes Constituições a consagrar esse direito como fundamental, ganha notável importância o fato de uma pessoa agir de acordo com seus preceitos
religiosos. A crença religiosa é como uma espécie de liberdade de pensamento, que decorre da dignidade humana e do próprio direito a vida, sendo portanto uma das convicções mais íntimas do ser humano. Desse
modo, a Constituição Federal de 1988, assegura no seu inciso VI, artigo 5º, não só o direito de um indivíduo professar uma religião como a prerrogativa de pautar seu modo de vida nos preceitos religiosos, frente a
terceiros e até mesmo frente ao Estado, sendo possível se contrário, uma aniquilação da própria identidade pessoal do sujeito.
RESULTADOS PARCIAIS
O dever de preservar a vida ante a recusa ao tratamento: o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução CFM 1.021/80 que orienta os médicos em casos de recusa à transfusão ficando definido que “se houver
iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.” Porém, há que se dizer que esta Resolução é anterior à Constituição
Federal e ao atual Código Civil, focalizando a recusa e não o direito de escolha, sem posturas de razoabilidade com relação às Testemunhas de Jeová, por exemplo. O atual Código de Ética Médica aprovado pela
Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.931/09 tem como fundamento a busca de melhor relacionamento com o paciente e a garantia de maior autonomia à sua vontade. Fora inserido então, como princípio
fundante que “XXI – No processo de tomada de decisões profissionais de acordo com seus ditames de consciência e as precisões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos
diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.” Assim, para o CFM o direito de escolha do paciente deve ser respeitado pelo médico. O artigo 22 do
CEM trás ainda, que é vedado ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o precedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.”
Ou seja, só não será devido o consentimento do sujeito em caso de emergência e inconsciência do paciente. Deixar de obter o consentimento não significa agir contra o consentimento.
Os julgados encontrados foram dividos em 5 grupos para uma melhor análise. O Grupo 1 reuniu 46,15% dos acórdãos e envolvia a posição do convênio com relação a não aceitação de tratamento com transfusão
sanguínea e a troca de hospital devido ao mesmo motivo. O Grupo 2 somou 15,38% das decisões, as quais estavam relacionadas à responsabilidade dos pais em casos de menores que, por não receberem o
tratamento, vieram a óbito. O Grupo 3 (7,69% dos acórdãos) contém o caso em que o médico atendeu a liberdade de escolha do paciente, não realizando a transfusão de sangue. O Grupo 4 (15,38% das decisões)
abarca casos de acidente de trânsito com homicídio, mas por culpa exclusiva da vítima que não aceitara o tratamento envolvendo a transfusão. E por fim o Grupo 5 (15,38% do total) trouxe o caso do pedido de
indenização por discriminação no próprio grupo religioso. Portanto, no que tange a comparação entre o que é dito na doutrina e o que ocorre na jurisprudência, é possível observar que as decisões têm seguido uma
lógica coesa quando da aplicação do direito no caso concreto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A BÍBLIA: tradução ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002.
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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduzido por Luís Virgílio Afonso da Silva. Malheiros. 2008.
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AZEVEDO, Álvaro Villaça. Autonomia do Paciente e Direito de Escolha de Tratamento Médico Sem Transfusão de Sangue: mediante os atuais
preceitos civis e constitucionais brasileiros – atualizado conforme o novo Código de Ética Médica – Resolução CFM 1931/09.
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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.com.br.
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BRASIL. Código de Ética Médica. Disponível em: http://www.cfm.org.br.
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MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. São Paulo: Atlas, 29ª edição, 2013.
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NERY JUNIOR, Nelson. Escolha Esclarecida de Tratamento Médico por Pacientes Testemunhas de Jeová: como exercício harmônico de direitos
fundamentais – atualizado conforme o novo Código de Ética Médica – Resolução CFM 1931/09.
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.
•
VIEIRA, Danilo Porfirio de Castro; Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Revista O Magistrado, Brasília, v. IV, n.XXIX, 2004.
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