LINGUAGEM ESCRITA E AUTISMO: UM ESTUDO DE CASO EM UMA SALA DE AULA REGULAR EM SÃO LUÍS - MA Chayene Cristina Santos Carvalho1 - UFMA Grupo de Trabalho – Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente estudo partiu da problemática de se compreender como a aquisição da linguagem escrita acontece no indivíduo com autismo e em que medida incide no seu desenvolvimento cognitivo e social. Este artigo é proveniente da pesquisa monográfica intitulada Linguagem escrita e autismo: um estudo de caso, para qualificação de graduação do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão. Partindo-se da evidência de que há um aumento considerável do ingresso escolar de autistas, é importante compreender esse processo, e assim, um importante passo pode ser dado por todos os participantes da escola, para contribuição do desenvolvimento de crianças com autismo. Para construção do quadro teórico buscou-se referências bibliográficas sobre a temática, pois, dessa forma segundo Matos (2002) é preciso fazer um levantamento de todo material disponível sobre o assunto com dados já analisados e publicados. Utilizou-se assim, diferentes autores, dentre eles: Barros (2011); Luria (1986); Orrú (2012); Vygotski (1991); Mello (2009); Smolka (2012), entre outros. Esta investigação caracterizou-se como um estudo de caso, o qual Triviños (1995, p.13) classifica como “[...] uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente.”. A pesquisa foi feita em uma escola regular de cunho privado em São Luís, com dados gerados pelos sujeitos envolventes, uma criança autista e sua professora e foi feita a análises a partir de uma abordagem discursiva, com base em Bakhtin (2009), pois, considera-se o sujeito autista capaz de produzir e interagir. Ante ao estudo feito, a pesquisa apontou que a criança autista possui condições reais de se apropriar da escrita. Contudo, os métodos utilizados para o ensino têm se concentrado na perspectiva do objetivismo abstrato, pois o modo de instrução limita-se a gramática normativa, o que não corrobora para se expandir o discurso do autista. Palavras-chave: Concepções de Linguagem. Autismo. Linguagem Escrita. 1 Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 36801 Introdução Atualmente, a academia e a sociedade têm aberto os olhos para as pessoas que apresentam algum tipo de transtorno/deficiência/síndrome. Nos jornais, nos programas, na novela, a discussão em torno do autismo tem sido considerada. Mas, há muito que se discutir, refletir e fazer pelas pessoas que possuem este espectro, visto que o autismo é um distúrbio de conduta que afeta o desenvolvimento do indivíduo, mas especificamente “[...] uma síndrome comportamental que engloba comprometimentos nas áreas relacionadas à comunicação, quer seja verbal ou não-verbal, na interpessoalidade, em ações simbólicas, no comportamento geral e nos distúrbios do desenvolvimento neuropsicológico.” (ORRÚ, 2012, p.29). Portanto, é um desafio fazer as devidas relações entre a linguagem e o autismo. Considerando que a linguagem é essencial para que o homem atue em seu modo de vida, é por meio dela que o homem consegue expor suas ideias e sentimentos, seja através de sua fala ou da escrita. Assim, a linguagem pode ser verbal, não verbal e de outros signos convencionais. Ela nos coloca em sintonia com o outro, com nós mesmos e com o mundo. Para a pessoa com autismo, a linguagem pode se apresentar como principal mediadora na formação e no desenvolvimento das suas funções psicológicas superiores. Orrú (2012) diz que o autista, sendo um indivíduo único, é exclusivo enquanto pessoa e assim, apresenta características que lhes são próprias da síndrome, suas manifestações comportamentais diferenciam-se segundo seu histórico-social, afetando diferentemente a linguagem. No que diz respeito à linguagem escrita, especificamente, segundo Vygotski (1991, p.125), ela “ocupa um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança.” Sendo assim, a escrita não pode ser considerada e não é uma receita pronta para a apropriação da língua materna. Mas, deve ser encarada como um instrumento linguístico social-cultural-político, que norteia as relações com o outro e a sociedade. Diante disso, o interesse em abordar a relação entre linguagem escrita e autismo, surgiu em meio a experiências com crianças autistas no ensino regular, em meio a uma escola que ainda possui muitas dificuldades em relação à síndrome e no acompanhamento dessas crianças que estão chagando a escola. Visto que, quando se trata de autismo, a primeira possibilidade de tratamento está voltada unicamente para o comportamento do indivíduo. Contudo, a questão da escolarização é algo que fica a se pensar mais para frente, pois a vida acadêmica de um autista tem sido pouca pesquisada, estudada. De acordo com o 36802 levantamento bibliográfico para esta pesquisa, a demanda do ensino e da aprendizagem desse sujeito está mais relacionada com a área da Psicologia, Fonoaudiologia, Neurologia, Terapia ocupacional, sendo que do ponto de vista pedagógico, ainda encontra-se no início. O que entendemos por linguagem? Com a passagem à existência histórico-social, ao trabalho e às formas de vida social, o homem mudou radicalmente seu comportamento. Nessa passagem da conduta animal do homem à atividade consciente nasce a linguagem e com ela a necessidade de uso de códigos que exercem papel importante na atividade consciente do homem. (LURIA, 1986). Assim, para o entendimento da criação da linguagem infere-se que, com o estudo da ciência da filosofia, a preocupação era em buscar uma origem existencial da mesma. Em meio a tantas indagações filosóficas, principalmente na Grécia, a pergunta criadora sobre seu surgimento era a de que se a linguagem era natural aos homens ou se era uma convenção social. Para Chauí (2000, p. 176), “se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional, são decisões consensuais da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias”. Ainda segundo a mesma autora, a partir de então, tem-se uma separação entre linguagem, considerada como capacidade de expressão dos seres humanos, e línguas, que surge diante de condições históricas, geográficas, econômicas e políticas. (CHAUÍ, 2000). A linguagem incide em todos os campos da atividade consciente do homem, dando-lhe a capacidade de transformar seu ambiente. Segundo Orrú (2012, p.88) “[...] é por meio da linguagem que são constituídas as complexas formas de pensamento abstrato e generalizado que são aquisições muito importantes da história da humanidade, garantindo a passagem do sensorial para o racional.”. Assim, entende-se como linguagem algo que é próprio da espécie humana, constituído a partir de suas necessidades na construção de signos, significantes e significados levando em consideração a historicidade e a cultura de cada ser. Para Chauí (2012, p. 185), “dizer que somos seres falantes significa dizer que temos e somos linguagem, que ela é uma criação humana (uma instituição sociocultural), ao mesmo tempo em que nos cria como humanos (seres sociais e culturais)”. Portanto, a linguagem é a chave para a compreensão do mundo. Ficam a partir disso, questões como: qual seria então o papel da linguagem na vida do homem? Ou somente se trata de um instrumento de comunicação que perpassa de um emissor para um receptor? Felizmente, a linguagem não se reduz a poucos conceitos, ela vai além. Pois, pensar a linguagem sem o filtro do sujeito, juntamente com sua composição social-cultural, é uma tarefa complexa. Chauí (2012). 36803 A linguagem de fato nos torna indivíduos na busca da compreensão do mundo. Bakhtin, em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (2009), discorre sobre duas linhas às quais podemos fazer reflexões acerca das concepções de linguagem, visto que as duas concepções que trata na obra são concepções de línguas dominantes nos estudos linguísticos, gramaticais e filológicos. Essa discussão traz consigo questionamentos do que seja linguagem e o que é palavra, além de colocar em voga a questão fundamental da língua: a de que serve como instrumento de comunicação a partir de regras com intuito de produzir enunciados. As duas orientações tratam-se do subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. A primeira orientação, o subjetivismo idealista, tem como Wilhelm Humboldt seu maior representante. Segundo Bakhtin (2009, p.74), esta orientação “interessa-se pelo ato da fala, de criação individual, como fundamento da língua (no sentido de toda atividade de linguagem sem exceção)”. A língua, deste ponto de vista, limita-se a uma criação individual e serve a questões práticas da aquisição de uma língua dada, ou seja, serve fielmente como uma ferramenta pronta para ser utilizada de forma individual. Para Silva e Leite (2013, p.39) aqueles que defendem o subjetivismo idealista “[...] têm a ideia de que o fator social não interfere na enunciação e de que o modo como o sujeito se expressa está relacionado com a capacidade deste de pensar.” Diante disso, considera-se que para primeira orientação há um fluxo contínuo de atos de fala, então, nada permanece estável, há uma falta de identidade. Para Britto (1991, p.40-41), “Existiria, pois, uma forma “correta” da linguagem que equivaleria à forma “correta” do pensamento”. A linguagem, portanto, seria apenas uma exteriorização da mente, sendo que o indivíduo só poderia adquiri-la de forma passiva, não considerando as variações linguísticas. Já a segunda orientação, o objetivismo abstrato, faz da língua um objeto científico, situa-se para o sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua. O principal determinante, segundo Bakhtin (2009, p.79), é que “Cada enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável”. Ou seja, tornar-se um processo imutável. Silva e Leite (2013, p.39) dizem que “O objetivismo abstrato, que se norteia por meio das dicotomias saussurianas, entende a língua como algo social e a aborda como um sistema psíquico e arbitrário.”. Arbitrário, pois, o indivíduo recebe um testamento que não pode ser contestado. Assim, a língua para esta orientação é um sistema imóvel. Em Bakhtin (2009, p.81) “Em tal sistema, o indivíduo tem que tomá-lo e assimilá-lo no seu conjunto, tal como é. [...] Na verdade só existe um critério linguístico: está certo ou errado”. 36804 Contudo, Bakhtin (2009) faz duras críticas às duas orientações, tanto ao subjetivismo idealista quanto ao objetivismo abstrato. Sua compreensão acerca da língua é vista a partir da interação verbal. Para Bakhtin (2009) “é imprescindível o estudo da língua em sua natureza comunicativa, é preciso colocar a enunciação não como algo individual, mas como fenômeno social”. Existindo assim, uma conjunção entre individual/social. Dessa forma, Bakhtin (2009) concebe a Teoria dialógica do discurso. Para o autor, “Enquanto a linguística orientar suas pesquisas para a enunciação monológica isolada, ela permanecerá incapaz de abordar essas questões em profundidade”. (BAKHTIN, 2009, p.148). Com isso, nessa concepção, se leva fundamentalmente em consideração que os sujeitos são vistos como atores sociais, pois é por meio do diálogo que ocorrem trocas, entre elas: informações, experiências e conhecimentos. Fanti (2003, p.97) diz que, a teoria bakhtiniana volta-se para “[...] análises efetuadas a partir de relações dialógicas, no plano do discurso, e não por análises linguísticas, no ‘sentido rigoroso do termo’, no plano da língua.”. Priorizando assim, aspectos reais de enunciação da língua. Com isso, Bakhtin (2009) une os dois principais fatores das duas primeiras orientações. Para ele a enunciação não poderá ocorrer em sua totalidade isolando a fala ou a língua, mas ocorrerá de maneira total a partir de seu diálogo. Assim, nessa concepção o ensino da língua materna deve levar o aluno além do conhecimento gramatical de sua língua, mas, fundamentalmente, ao avanço da faculdade de refletir, de modo crítico, sobre o mundo e sobre a utilização da língua como instrumento de interação social. Autismo e linguagem escrita A palavra autismo vem do grego (autos) e possui o significado por si mesmo. Segundo Orrú (2012, p.17) “É um termo usado, dentro da psiquiatria, para denominar comportamentos humanos que se centralizam em si mesmos, voltados para o próprio indivíduo”. Em 1942, Kanner descreveu sob o nome “distúrbios autísticos do contacto afetivo”, um quadro caracterizado por autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia. Segundo Orrú (2012), as características envolviam incapacidade de estabelecer relação com as pessoas, um vasto conjunto de atrasos e alterações na aquisição e uso da linguagem, extrema organização e repetição. Nos últimos anos, o autismo tem ganhado grande 36805 notoriedade. Segundo Surian (2010, p.9) “De cada mil crianças, aproximadamente, uma é autista, ou apresenta um distúrbio semelhante ao autismo, como síndrome de Aspeger2”. Sobre o diagnóstico do autismo, Surian (2010, p.10) diz que “[...] O autismo é um distúrbio do desenvolvimento neuropsicológico [...]”, manifestando-se principalmente através de dificuldades na interação social, na comunicação e no repertório de interesses e de atividades. E, portanto, estabeleceram-se padrões para se chegar ao diagnóstico desse transtorno. O CID-10, sob o código F84, classifica o autismo não mais como um transtorno global, mas como um transtorno invasivo do desenvolvimento. Diz que: esse grupo de transtornos é caracterizado por anormalidades qualitativas em interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Essas anormalidades qualitativas são um aspecto invasivo do funcionamento do individuo em todas as situações, embora possam variar em grau. Na maioria dos casos, o desenvolvimento é anormal desde a infância e, com apenas poucas exceções, as condições se manifestam nos primeiros 5 anos de vida. (OMS, 1993, p. 246-247). Essas anormalidades referem-se ao funcionamento global do indivíduo que causam prejuízos em várias áreas do desenvolvimento humano e que podem sofrer variações. De acordo ainda com o CID-10 (OMS, 1993, p.247) “O transtorno ocorre em garotos três ou quatro vezes mais frequentemente que em meninas.”. O autismo é uma doença que causa grande hesitação, medo e cuidado. Muito pouco ou quase nada se sabe sobre suas causas. Atualmente, o autismo se enquadra nos Transtornos do Espectro do Autismo, pois, dentro desse grupo colocam-se doenças que são novidades ao mundo científico. Silva; Gaiatos; Reveles (2012, p. 63) diz que “Esse espectro pode se manifestar nas pessoas de diversas formas, mas elas terão alguns traços similares”. Diante disso, as variações podem transitar pela tríade de deficiências como a área social, comunicação e de comportamento. Levando em consideração as três principais dificuldades para o sujeito com autismo – a interação, a comunicação e o comportamento – é que podemos levantar algumas questões sobre a construção de sua linguagem. Entretanto, é importante destacar as singularidades de cada autista, uma vez que o Transtorno do Espectro Autista possui muitas variações. Desta 2 O primeiro a relatar sobre a síndrome foi o médico Hans Asperger, em 1944, considerando-a como um distúrbio do desenvolvimento associado às alterações orgânicas. O relato original explicitava a existência de crianças com sérios comprometimentos de interação social recíproca, além de peculiaridades comportamentais diferentes, se comparadas ao conjunto de atitudes normais, inteligência em níveis aceitáveis e sem atrasos no desenvolvimento de linguagem. (RODRIGUES; SPENCER, 2010, p.63). 36806 forma, é importante destacar o que seja linguagem para o autista. Esta parte estará fundamentada a partir dos escritos da pesquisadora Barros (2011) que relaciona o autismo com a visão da Teoria da Enunciação, de Mikhail Bakhtin. Barros (2011) aponta que o modo como os autistas interagem nos termos da comunicação foram enquadrados na perspectiva de se considerar como linguagem ou não linguagem. Mas, se tomarmos que a linguagem é exclusivamente para comunicação, desta forma, no autista a linguagem inexiste. Para Kanner (1966, p.721) apud Barros (2011, p.228) “a linguagem que adquirem não serve, em princípio, como meio de comunicação”. Entretanto, conceber uma não linguagem ao autista é não considerá-lo como sujeito. Outra problemática seria a posição assumida pelo interlocutor diante das produções linguísticas do autista, que por vezes nega-lhe a possibilidade de subjetivação do sujeito. (BARROS, 2011). Contudo, segundo Barros (2011), apoiada na Linguística da Enunciação, existe linguagem no autista, pois, é importante perceber o autismo como um modo singular de estar na linguagem. E a partir disso, é interessante desmistificar a concepção de linguagem somente como comunicação, visto que o autista tem dificuldade com o código linguístico. O autismo, na perspectiva de que a linguagem possa ser um lugar de constituição do sujeito e espaço para subjetividades, pode ser considerado um modo particular de estar no mundo e de estar na linguagem. O autista pode se apropriar da língua mantendo-se preso a ela por meio de um discurso ecolálico. Bakhtin (2009), em sua concepção dialógica da linguagem, infere sobre a questão da autoria, quando propõe que o enunciado não pertence unicamente ao falante. Ele diz que “Aquilo de que nós falamos é apenas o conteúdo do discurso, o tema de nossas palavras” (BAKHTIN, 2009, p.150). É que a essência da enunciação de outrem tem sua expressão no discurso interior. Visto dessa forma, no autismo, encontra-se um sujeito que com suas características e peculiaridades de sua linguagem, marcada ora por ecolalia, ora por estereotipia, coloca-se como sujeito. Bakhtin deixa claro: aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso aprendido do exterior. A palavra vai à palavra. (BAHKTIN, 2009, p.153-154) Percebe-se que para Bakhtin a linguagem se constitui como prática social. Desse modo, entende-se que o autista tem possibilidades, da sua forma, de apreender a enunciação 36807 de outro sujeito, apesar da dificuldade de se estabelecer um diálogo. É uma aposta que se faz no sentido de encontrar significações no discurso da pessoa com autismo. De acordo com Barros (2011, p.231) “[...] perceber a Enunciação de um sujeito linguístico marcado pelo Autismo, torna-se possível quando identificamos a apropriação e a atualização da língua pelos sujeitos envolvidos.”. Ou seja, o autista apropriando-se da fala do outro, conseguindo se posicionar subjetivamente, não importando necessariamente a presença concreta dos pronomes eu/tu. Segundo Santos e Caixeta (2011, p.2), o desenvolvimento da criança com autismo, na perspectiva da abordagem histórico-cultural de Vygotski, considera que “o sujeito, inclusive, as crianças autistas, se constitui e desenvolve nas condições concretas de vida, a partir das relações e interações que lhes são possibilitadas nos processos mediados”. E com isso, é possível compreender que o desenvolvimento da linguagem no autismo existe e pode ser positivo, apesar de suas peculiaridades. E que a esse sujeito deve ser conferido as possibilidades de ser e estar no mundo. Dessa forma, a linguagem no autismo não só existe como lhe é permitido apropriar-se de habilidades acadêmicas. Quando o indivíduo é posto em um processo contínuo de apreensão da linguagem oral e escrita e tem possibilidades reais de estar no espaço escolar, o autista consegue se desenvolver. Deste modo, ao longo de décadas foram criados métodos, mecanismos e possibilidades a mais de se ensinar o autista. E nesse trabalho destaca-se a linguagem escrita. É observável que a escrita ganhou um valor necessário, mas ainda é vista como única relação com a linguagem. Saber ler e escrever ganha ao seu redor os muros daquilo que é imposto como certo e ideal, desconsiderando, na maioria das vezes, os sujeitos que devem se apropriar desta tecnologia. A criança com autismo, por não possuir as mesmas capacidades de aprendizagem, tem na escola um espaço de encontros, trocas, interação. Tudo isso para que, mesmo com suas dificuldades e limitações, a criança autista se desenvolva e a escola seja fator de inclusão. Para Ferreira (2011, p.22) “[...] quanto mais cedo se iniciar o caminho da inclusão, mais extensas e positivas serão as mudanças no desenvolvimento de crianças com Perturbação do Espectro do Autismo na sua inserção social”. Diante disso, a inclusão é um fator essencial no processo de desenvolvimento de qualquer criança. E por possuírem um estilo cognitivo diferente, todas as características que compõem o autismo exigem metodologia direcionada para o ensino desses sujeitos. 36808 Para Rodrigues e Spencer (2010, p. 69), o que se propõe no atendimento com autistas é favorecer resultados funcionais com intuito de melhorar a qualidade de vida. Com vistas “À redução dos traços autísticos no sentido das relações sociais, da aprendizagem e da escolarização”, motivando assim, o desenvolvimento de capacidades das áreas mais comprometidas. Sendo assim, a Educação Especial é uma das possibilidades para um tratamento terapêutico que busca a modificação de comportamento e na terapia da linguagem. Um atendimento educacional que propõe alterar o funcionamento comportamental do portador de transtornos do Espectro Autístico utiliza-se do PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado) que consiste em um teste do coeficiente de desenvolvimento do aluno autista. (RODRIGUES; SPENCER, 2010). Com base em Rodrigues e Spencer (2010), além da Educação Especial que busca o atendimento a criança com autismo, a literatura aponta ainda dois métodos muito utilizados: o método TEACCH - Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficiências Relacionadas à Comunicação e o ABA – Análise Aplicada do Comportamento. Os dois métodos “[...] estão consolidados na Psicologia behaviorista, que parte da premissa básica de que o comportamento do ser humano é controlado pelo ambiente e pelos genes”. (RODRIGUES; SPENCER, 2010, p.85). Assim, as críticas relacionadas aos dois métodos residem na concepção de uma educação mecanizada e adestradora, focada fundamentalmente na área comportamental. Estudo de caso: a criança autista e sua escrita Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizaram-se alguns percursos metodológicos que auxiliaram no levantamento das discussões, na análise e reflexão acerca do objeto em estudo, como propõe Matos (2002, p.39) de que “o prazer de conhecer a pesquisa não se trata de algo abstrato, mas requer atitudes, cuidados e procedimentos específicos, diante da realidade que se pretende investigar.” E, portanto, é preciso procedimentos que possam ajudar a construir o processo de pesquisa. Como abordagem, a base qualitativa tornou-se relevante por entender que o “fazer ciência” não segue uma receita pronta. Diante disso, Martins (2004, p.292) coloca que “É preciso esclarecer, antes de qualquer coisa, que as chamadas metodologias qualitativas privilegiam, de modo geral, da análise de microprocessos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais.”. Assim, a pesquisa desenvolveu-se no intuito de aproximar, identificar e refletir sobre a realidade investigada. Diante disso, foram realizados levantamentos de 36809 referências bibliográficas a fim de fundamentar a pesquisa teoricamente. Com isso, na visão de se fazer uma pesquisa bibliográfica, Matos (2002, p.40) diz que “Toda investigação cientifica, independentemente de sua natureza, requer uma pesquisa bibliográfica.”. Além disso, utilizou-se como procedimento, a pesquisa de campo, que, como compreende Michel (2003, p. 35) “É a pesquisa voltada, sobretudo, para a face experimental, vivenciada e observável dos fenômenos.”. A pesquisa de campo, neste caso, se classifica como um estudo de caso, que segundo Triviños (1995, p.13) trata-se de “[...] uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente.”. Além de que o estudo de caso é uma prática simples, que oferece a possibilidade de redução de custos, apresentando como limitação a impossibilidade de generalização de seus dados. (GIL, 1987 apud MATOS, 2004). As características do caso foram tiradas a partir da observação participante e da entrevista com o sujeito que mais tem contato com a questão da escrita, a professora. E para análise dos dados partiu-se de uma abordagem discursiva (BAKHTIN, 2009), partindo também de uma concepção histórico-cultural (VYGOTSKI, 1991), assumindo assim que a língua é um produto cultural e social. A abordagem discursiva parte da concepção de linguagem provenientes dos estudos de Bakhtin (2009), pois segundo (FANTI, 2003, p.96) “A teoria dialógica do discurso tem-se mostrado rica no desenvolvimento de várias noções que se referem ao estudo da linguagem”. Assim, a concepção de linguagem vista a partir da visão bakhtiniana é pautada no “dialogismo”3 e não se limita à língua ou à linguagem, pois considera o “discurso4” como seu objeto de estudo. Mediante essas colocações, para a compreensão melhor da relação da criança autista com a escrita, serão apresentados através de episódios, momentos significativos de aprendizagem da escrita para criança, além de situações que revelam a posição do sujeito em relação à linguagem como um todo. Visto que, a escrita nesse estudo, não é um produto final, mas, um instrumento complexo que possibilitará ao autista, a partir de sua aprendizagem, um melhor desenvolvimento cognitivo e social. Sendo assim, para apresentação dos resultados, construíram-se episódios de observação associando-os com as respostas dadas pela professora Ainda que a rubrica “dialogismo” seja a que melhor “resuma” a teoria bakhtiniana, sua definição não se configura com facilidade. Referir-se a dialogismo é pressupor um “princípio”, uma “propriedade polivalente”, que constitui as noções desenvolvidas e se instaura como uma constante comunicação com o outro, cujo processo não comporta observações estanques. (FANTI, 2003, p. 97). 4 Bakhtin o define como “a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da lingüística” (BAKHTIN, 1997 [1929], p. 181). Mostra, assim, que o interesse da sua teoria é por análises efetuadas a partir de relações dialógicas, no plano do discurso, e não por análises lingüísticas, no “sentido rigoroso do termo”, no plano da língua. (FANTI, 2003, p. 97). 3 36810 por meio de entrevista, e assim, utilizando letras que identificam os sujeitos nos diálogos transcritos. Portanto, adotaram-se as seguintes letras e seus significados: PM: Professora Maria (pseudônimo), P: Pesquisadora, C: Caio (pseudônimo) e L: linha. Episódio 1: 26 de maio de 2015 Estamos em uma atividade a qual Caio teve que escrever seus dois nomes (os nomes reais do sujeito da pesquisa) de maneira livre em seu caderno de desenho. Pergunto a ele: (L1): P: Sabe escrever seu nome? (L2): C: Meu nome. (L3): Ele começa a escrever o nome. (L4): P: Quais letras têm no seu nome? (L5): C: C, A, I, O. (Ele vai apontando e dizendo) (L6): P: Muito bem! (L7): P: Tem mais outro nome? (L8): C: Sim. (L9): P: Escreva para mim. (L10): Ele escreve o segundo nome. (L11) PM: Tia, ele só não consegue escrever retinho, alinhado. Na prática pedagógica da professora Maria, há um uso constante com os materiais montessorianos, linha metodológica adotada pela escola de Caio, que auxiliam esse processo de apropriação da escrita do nome. Esses materiais, como a caixa de areia, letras em forma de lixa, são utilizados cotidianamente para que Caio e sua turma possam memorizar as letras, os encontros vocálicos e os numerais. É dessa forma que os alunos passam a escrever convencionalmente. Além, do uso diário de atividades que pressupõe repetição, com a utilização de modelos de escrita, como atividades como as letras pontilhadas. Para maior aprofundamento sobre a escrita da criança investigada, pergunta-se a professora Maria: A criança escreve? Ele escreve tudo. (Professora Maria). Continua-se: O que escreve? Escreve vogais, numerais, o nome dele, permutações. Ele escreve tudo que eu proponho a ele. Então, tudo que é proposto em sala de aula ele escreve. (Professora Maria). Para a professora, Caio escreve tudo que lhe é posto em sala de aula. Contudo, mediante as observações feitas, o que se tem colocado para criança não se trata de uma escrita com autonomia, mas uma escrita que segue constantemente modelos pré-estabelecidos, 36811 suscitando a cópia. O que a criança escreve não se caracteriza como enunciados completos, mas se caracteriza na reprodução de letras e frases soltas. No entanto, é importante colocar em evidência qual seria, então, a real funcionalidade da escrita para Caio? A escrita, na perspectiva de uma abordagem histórico-cultural, é responsável pelo surgimento de uma estrutura específica de comportamento. Segundo Silva e Costa (2012, p.56), baseados na teoria de Vigotski, consideram que “por meio da escrita surgem novas formas de o homem controlar suas próprias ações e seu pensamento”. Dessa forma, a escrita tem papel importante, assim como os demais sistemas de signos para o funcionamento simbólico da criança, não podendo reduzir a escrita a códigos como mera transcrição da fala. Outro importante processo para aquisição da escrita é a realização gráfica do próprio nome. Referente a isto perguntou-se: A criança escreve e/ou identifica seu próprio nome? sim. A gente trabalha por partes. Ele aprendeu o primeiro nome e quando vi que ele aprendeu eu comecei a ensinar o segundo nome. E ele não teve dificuldades em escrever o nome e identificá-lo. A dificuldade dele é de escrever dentro da pauta. (Professora Maria). A importância da escrita do nome é relevante devido sua carga significativa e identitária que possui. Percebe-se que quando Caio escreve seu nome, de alguma forma ele se identifica, reconhece e entende que aquela escrita tem a ver com a sua personalidade, com o seu eu. Durante os momentos de observação vê-se que no reconhecimento de seu nome, o menino Caio marca seu território, define sua individualidade, na medida que identifica seus objetos, como sua mochila, lancheira, lápis de cor, a chamadinha que a professora faz, dessa forma, a escrita de seu nome vai ganhando forma, ganhando sentido. Diante disso, fica o questionamento: Depois de seus primeiros registros escritos a criança apresentou avanços? De que forma? sim. Quando ele chegou pra mim ele não respeitava limites nenhum. Começava dentro da pauta, quando eu via ele já tava lá em cima e lá embaixo da folha. Aos poucos mostrando pra ele que através desses erros, ele consegue acertar. Então, é uma correção constante com ele. Ele aprendendo a escrever mudou muito, porque agora ele possui uma concentração maior. E essa parte é onde eu percebo que ele tem mais dedicação, é quando ele está fazendo atividade de escrever. Porque ele se volta só para a atividade. E detalhe, se uma criança leva de 10 a 15 minutos, ele é uma criança que termina em 5 minutos. Ele consegue fazer uma associação muito rápida. (Professora Maria). 36812 Percebe-se que existe uma grande preocupação, por parte da professora e da escola, com a forma e não o conteúdo do texto. A linha, a margem, a parte estética da escrita é o que fica mais em evidência. Ante a isso, qual o lugar do sentido da escrita? Para Smolka (2012, p. 60) “Não se trata apenas de ‘ensinar’ (no sentido de transmitir) a escrita, mas de usar, fazer funcionar a escrita como interação e interlocução na sala de aula, experenciando a linguagem nas suas várias possibilidades.”. Portanto, o sentido da escrita estaria nos movimentos de interações sociais, na perspectiva de que a linguagem possui perspectivas de criação e transformação como conhecimento humano. Episódio 2: 02 de junho de 2015 Caio estava bem agitado nesta semana. Ele passou um fim de semana doente e não foi à aula na segunda. Não demonstrou nenhum interesse pelas atividades, com isso Caio ficou bem perto da auxiliar durante a aula. Contudo, depois da hora do lanche começou a balbuciar, falar palavras soltas e durante o relaxamento não parou de mexer as mãos em nenhum momento. Até que a auxiliar o chamou e deu um papel em branco, pediu que ele pegasse seu estojo e logo começou a desenhar. Foi assim que ele se tranquilizou. Figura 1 - Desenho de Caio Fonte: A autora. Vendo Caio se entreter desenhando iniciei uma conversa: (L1): P: Nossa, que desenho bonito! (Ele deu um sorriso) (L2): (...) silêncio. (L3): P: Quem são essas pessoas que você desenhou? (L4): C: Mamãe, papai e eu. (Ele foi apontado da esquerda para a direita) (L5): P: Você gosta de desenhar a mamãe e o papai? (L6): C: Mamãe e papai. 36813 Vendo o desenho de Caio percebe-se traços conscientes. O desenho demonstra a afetividade do menino para com seus pais. Por meio do desenho ele consegue expressar seu sentimento. No entanto, a professora Maria percebe os desenhos de Caio de outra forma, como veremos em sua reposta à pergunta: A criança gosta de desenhar? não tem muita preferência em desenhar. Aí ele qualquer rabisco já terminou. Então, as atividades que eu proponho a ele e para as outras crianças, que não é diferente, ele faz muito rápido e de qualquer jeito. Então, não tem que deixar por ele mesmo e mostrar pra ele que a gente não quer desse jeito, pra que ele faça colorido e que respeite as margens também. (Professora Maria). A partir das observações, acredita-se que Caio não faz as atividades de qualquer jeito, mas que o tempo de concentração destinado às atividades de desenho é menor do que o tempo destinado para as outras atividades. Para ele, os rabiscos nas atividades são suficientemente bons e na maioria das vezes possuem significados. Vemos que a fala da professora sugere uma concepção, a de que o desenho deva ter uma forma “perfeita”. E essa concepção está intimamente ligada as suas concepções de linguagem, como coloca Galvão (1992) de que o que se espera da criança é que ela faça representações fieis à forma que este tem na realidade, com utilização da maior quantidade de elementos e pela “correta” utilização das cores e respeito ao limite da margem. A compreensão que se tem é que assim como a escrita, a concepção de desenho também está em torno do objetivismo abstrato, o qual se dá grande importância à padronização da forma e do conteúdo. Assim, esse olhar que se volta a “perfeição”, revela uma cobrança daquilo que é “feio” ou “bonito” e comumente é reduzido à reprodução de modelos aceito pelo meio escolar. (GALVÃO, 1992). Dessa forma, não se tem levado em consideração o desenvolvimento do desenho infantil como uma manifestação gráfica que possui significados para a criança. Vigotski (2008, p.133) diz que “assim como no brinquedo, também no desenho o significado surge, inicialmente, como um simbolismo de primeira ordem”. Quando vemos o desenho de Caio (figura 1) podemos perceber que não se trata de qualquer rabisco, mas a demonstração de certo grau de abstração. Assim, foi questionado à professora se a criança nomeia o que desenha. Ela diz: “Não. Ele fala, mas tu não consegues identificar aquilo que ele fala dentro do desenho, porque são rabiscos, são coisas soltas, não são traços.” (Professora Maria). Quanto a isso Galvão (1992, p. 56) diz: 36814 as crianças que rabiscam são as maiores prejudicadas: o rabisco é visto como sinônimo de atraso, coisa feia e sem sentido; no melhor das vezes, como manifestação sem importância, fase passageira. Costuma ser grande a frustração do professor ante as crianças que "não sabem desenhar", que "só rabiscam". Vemos que surge uma contradição, uma vez que Caio nomeia o que desenha, demonstrando que o seu desenho possui significado para ele. Nas observações feitas durante a pesquisa, vê-se que quando a professora diz que Caio não tem muita preferência em desenhar e que só rabisca, é porque não são dadas a ele oportunidades diárias de se expressar por meio do desenho. Diante disso, Silva e Costa (2012, p.58) ressaltam: o interessante é observar que o desenho, paulatinamente, torna-se linguagem escrita real, já que as crianças tendem a passar da escrita pictórica para uma escrita ideográfica. Aquilo que se fala vai sendo registrado graficamente e a criança, criativamente, precisa escrever, por meio do desenho, o que está pensando/falando. Assim, foi através do desenho de sua família que Caio escreveu o que estava pensando e/ou sentindo. Podemos considerar, portanto, que de acordo com o seu desenvolvimento, Caio, saindo do registro do desenho partirá para a escrita convencional. Como nos mostra Mello (2009, p.25) que propõe: [...] se quisermos que as crianças se apropriem efetivamente da escrita – não de forma mecânica, mas como um linguagem de expressão e de conhecimento do mundo – precisamos garantir que elas se utilizem profundamente do faz-de-conta e do desenho livre, vividos ambos como forma de expressão e de atribuição pessoal de significado àquilo que a criança vai conhecendo no mundo da cultura e da natureza. Portanto, a escrita não pode estar limitada a aprendizagem de técnicas, mas é preciso perceber que ela pode e deve ter sentido para a criança. Silva; Gaiatos; Reveles (2012) evidencia que a fase de alfabetização e da aprendizagem propriamente dita da escrita é um dos momentos mais desafiantes para o autista. Os mesmos autores no que diz respeito à fase inicial da escrita ainda colocam que: “Nós, adultos, sabemos da importância de reconhecer os símbolos gráficos, mas as crianças com autismo não tem a menor ideia do que representam.” (SILVA; GAIATOS; REVELES, 2012, p.124). É preciso assim, dar um sentido a aprendizagem para que a criança autista entenda que cada signo há uma representação. E esse sentido vale não só para a criança com transtorno autístico, mas para todas as crianças em processo de aquisição da linguagem escrita. 36815 Considerações Finais Este estudo teve como objetivo compreender como o autista se apropria da linguagem escrita e como este processo incide em seu desenvolvimento cognitivo e social em uma escola privada de São Luís. É importante destacar que a presente pesquisa aconteceu em meio a uma sala de aula regular. Portanto, o a criança autista estava sendo analisada a partir de um contexto “normal” do espaço escolar. Assim, o espaço educacional está imerso em um ensino comum e não um ensino voltado especificamente ao autismo. Vimos à importância da linguagem escrita para o desenvolvimento de qualquer pessoa. Sendo que, dominar o sistema de signos confere novos instrumentos de pensamento, visto que a linguagem escrita, segundo Luria (1986), muito se dá de maneira diferenciada da linguagem oral, pois, é resultado de uma aprendizagem especial, que começa com o domínio consciente de todos os meios de expressão escrita. Dessa forma, é preciso pensar que o processo do ensino e da aprendizagem da leitura e escrita não são meramente técnicas, mas sim práticas culturais. E para o autista não poderia ser diferente, pois quando inserido no meio social escolar, tem oportunidades reais em estar em um meio que facilita, em formas de diálogo, as interações entre os sujeitos. Pode-se perceber que o ensino da escola campo está centrado no objetivismo abstrato, que como se viu em Bakhtin (2009) trata-se de um ensino voltado para o uso de normas, regras, a partir de uma visão micro para o macro. Dessa forma, a criança ao invés de aprender a produzir enunciados, só conseguiu reproduzir letras e números, constatando-se práticas de ensino tradicionais e sem um trabalho específico para o autista. Além de um ensino centralizado na concepção do objetivismo abstrato, voltado principalmente ao método de Maria Montessori, que segundo Vygotski (1991) o método da médica italiana considera somente a precisão e a beleza das letras que suas crianças desenham ao invés do conteúdo de suas escritas. O que não possibilita o desenvolvimento potencial do sujeito autista. Esse estudo, logo, possibilitou levantar questões que não se esgotam nesta abordagem, mas se desdobram em novos momentos de pesquisa. É um tema complexo que tem envolvido muito mais as áreas da saúde. Contudo, a pedagogia também pode e tem um fator importante no tratamento de indivíduos autistas. REFERÊNCIAS 36816 BAKHTIN, M. M. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 13. Ed. São Paulo: Hucitec, 2009. BARROS, I. B. R.. Autismo e linguagem: discussões à luz da teoria da enunciação. Distúrbios da Comunicação, v. 23, p. 227-232, 2011. BRITTO, L. P. L. Educação Infantil e cultura escrita. In: FARIA, Ana Lúcia G.; MELLO, Suely Amaral. (orgs). Linguagens infantis: outras formas de leitura. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. CID-10 – Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas – Organização Mundial da Saúde, trad. Dorgival Caetano, Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/classicos_da_filosofia/convite.pdf. 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