Produção de medicamentos biológicos cresce substancialmente no

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Produção de medicamentos biológicos cresce substancialmente no mundo
Mas, segundo especialistas, muitos médicos ainda desconhecem esse produto que revolucionou o
tratamento de várias patologias, como doenças autoimunes e câncer.
Em 1982 foi registrado o primeiro medicamento biológico no mundo, a insulina humana produzida
em cultura de células da bactéria Escherichia coli. Segundo Valdair Pinto, os produtos farmacêuticos
biológicos, diferentemente dos sintéticos, são obtidos a partir de tecidos vivos. Para o consultor em
medicina farmacêutica, a tecnologia de DNA recombinante permitiu o avanço nessa área,
revolucionando a medicina. O especialista apresentou detalhes sobre esses medicamentos durante o
seminário “Biológicos na Prática Médica – Soluções e Desafios”, promovido pela Associação Médica
Brasileira (AMB) em parceria com a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa).
O evento aconteceu na noite de ontem (19) no hotel Windsor Excelsior, em Copacabana (RJ).
Os medicamentos biológicos, segundo Valdair, compõem um grupo heterogêneo que engloba
hormônios, citocinas, como interferons e interleucinas, heparinas, trombolíticos, anticorpos
monoclonais, entre outros. “Esses produtos revolucionaram a medicina e tornaram-se especialmente
importantes para o tratamento de doenças autoimunes, como artrite reumatóide, e na oncologia”,
considerou o consultor na apresentação.
Atualmente, os medicamentos biológicos representam 18% de todos os produtos farmacêuticos
produzidos e comercializados, porém como estão em crescimento acentuado, acredita-se que no
futuro serão uma classe ainda mais importante. Entre os produtos biológicos, os anticorpos
monoclonais lideram a lista dos mais produzidos mundialmente.
Com relação às características estruturais desse grupo, Valdair lembrou que são macromoléculas de
alta complexidade. “Muitas vezes elas são incompletamente caracterizadas e não é possível garantir
que todas as moléculas são iguais”, afirmou. Alguns desses produtos possuem ainda um nível maior
de complexidade em função de outros processos necessários para sua estrutura final, por exemplo, a
glicosilação. Durante esse fenômeno, açúcares são incorporados às proteínas. Dessa forma, a
própria natureza complexa das moléculas e os demais processos aos quais são submetidos, como a
glicosilação, fazem com que haja muita heterogeneidade entre os medicamentos biológicos.
Tomando a heparina como exemplo, o consultor explicou que não se pode falar em uma heparina,
mas sim em uma massa molecular.
Outra etapa do processo de produção dos medicamentos biológicos fundamental e que acaba
contribuindo também para a heterogeneidade desses produtos é a purificação. Segundo Valdair,
“sempre fica no produto final um grau de impureza que é importante para sua caracterização”. Com
isso, cópias de um determinado produto biológico nunca são idênticas ao medicamento inovador,
também em função do grau de impureza. Esse último desempenha ainda um papel importante na
imunogenicidade – propriedade de um agente infeccioso ou de uma macromolécula de iniciar uma
reação imune. De acordo com Valdair, a maioria dos medicamentos biológicos é considerada
imunogênica.
Enquanto os medicamentos sintéticos apresentam normalmente uma patente única, produtos
biológicos frequentemente têm patentes múltiplas. Isso ocorre porque os processos de produção
desses medicamentos também são patenteados.
Biossimilares
Os biossimilares, segundo Valdair, são cópias autorizadas dos produtos biológicos. Para sua
regulamentação, são necessários muitos estudos que os qualifiquem. “O conceito de genérico não se
aplica aos produtos biológicos. Genéricos são cópias autorizadas de produtos sintéticos, enquanto
biossimilares são cópias autorizadas dos produtos biológicos”, ressaltou o especialista no evento.
Existem muitas legislações no mundo que regulamentam a produção de biossimilares, mas, segundo
Valdair, a maioria surgiu a partir da legislação européia. Entre as diferentes regulamentações há
muitas diferenças, porém existem também alguns elementos em comum. O consultor destacou, por
exemplo, que tanto a legislação européia quanto a norte-americana da Food and Drugs
Administration (FDA) e a brasileira da ANVISA determinam que o conceito de genérico não pode ser
aplicado para produtos biológicos. Além disso, todas as legislações exigem um dossiê extenso da
manufatura e qualidade, estudos pré-clínicos, estudos clínicos, estudos de imunogenicidade e plano
de gerenciamento de risco. Especialmente no caso dos estudos clínicos, Valdair destacou que esses
devem ter sensibilidade para detectar diferenças quando se avalia a similaridade entre um produto
biológico inovador e um biossimilar. “É preciso lembrar que a ausência de diferenças significativas
entre os produtos não significa que eles são equivalentes”, defendeu.
A produção do medicamento biológico
Durante o desenvolvimento de um produto biológico, utiliza-se a tecnologia de DNA recombinante,
mas segundo a engenheira química Leda Castilho, pesquisadora da COPPE/UFRJ, é fundamental
também escolher uma linhagem de células hospedeiras adequadas e estabelecer as condições de
cultivo e de purificação ideais.
Sobre a escolha da cultura de células, a especialista lembrou que podem ser usados organismos
procariontes, como a E. coli, e também células eucariontes, como as de mamíferos. Como a maioria
dos medicamentos biológicos produzidos atualmente é muito complexa, as células de mamíferos têm
sido mais usadas, pois são capazes de secretar as proteínas e de desempenhar os fenômenos
pós-tradução, por exemplo, a glicosilação.
Uma das principais preocupações durante o desenvolvimento, segundo Leda, diz respeito à fase de
purificação. “Esses processos impactam muito os custos porque há muita perda do produto. Por isso,
é preciso buscar reduzir ao máximo essas perdas durante o desenvolvimento”, disse.
Segundo ela, “o desafio é chegar ao produto final utilizando um processo que seja técnica e
economicamente viável”.
Hoje em dia, várias patentes de medicamentos biológicos estão expirando e, por isso, ela lembrou
que a questão de maior eficiência e menor custo está ainda mais presente. “Produtos complexos
exigem processos de produção também complexos. O desenvolvimento tanto de biológicos quanto de
biossimilares é longo e dispendioso, mas a maior pressão por tecnologias melhores e de menor custo
tornará certamente os produtos mais acessíveis no futuro”, defendeu a especialista.
O uso de medicamentos biológicos na medicina
O cardiologista Denílson Albuquerque, do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ),
destacou que muitos médicos ainda tratam os medicamentos biológicos como genéricos. “Boa parte
dos cardiologistas não conhece os medicamentos biológicos disponíveis para a cardiologia e
desconhece as diferenças farmacológicas e imunogênicas desses produtos”, alertou durante
apresentação.
O médico lembrou que as heparinas e os fibrinolíticos são exemplos de medicamentos biológicos.
Segundo ele, é preciso ter muita cautela no momento da prescrição, pois estudos mostram que essas
drogas não têm um efeito de classe, ou seja, as heparinas de baixo peso molecular, por exemplo,
diferem entre elas.
Em cardiologia, os medicamentos biológicos podem ser usados, por exemplo, no tratamento da
síndrome coronariana aguda e no infarto do miocárdio.
O nefrologista Helio Tedesco Silva Junior, da UNIFESP, mostrou como os medicamentos biológicos
têm sido usados na nefrologia. Eles têm sido estudados, por exemplo, nas lesões renais agudas e já
são usados em pacientes com doença renal crônica, anemia, glomerulopatias e após o transplante
renal.
Entre os medicamentos usados estão os agentes estimulantes da eritropoiese, as imunoglobulinas
antitimócitos/ linfócitos e os anticorpos monoclonais antiCD3. Recentemente, foi aprovada a proteína
de fusão antiCTLA4 , que será o primeiro tratamento biológico usado em nefrologia de forma crônica.
Segundo Helio, ela é indicada para a prevenção da rejeição aguda e implicará em uma mudança de
paradigma. Para o médico, “será preciso pensar na logística, que deverá incluir unidades de infusão
para biológicos de uso crônico, apresentações para administração e estratégias para investigar a
aderência do paciente ao tratamento”.
Segundo a engenheira química Leda Castilho, estima-se que em 2016 cerca de dez dos 20
medicamentos mais vendidos no mundo serão biológicos.
Também participaram do evento Jorge Raimundo, representante da Interfarma, e Florentino
Cardoso, representante da AMB.
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)
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