A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS

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A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM
DIREITOS VIOLADOS PÓS CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
1
Rosilene Marques Sobrinho de França
2
Maria D'Alva Macedo Ferreira
Resumo
O artigo analisa a efetivação dos direitos humanos de
crianças e adolescentes em situação de violação de direitos,
pós-Constituição Brasileira de 1988. Nesse sentido, faz uma
abordagem acerca da efetivação dos direitos humanos no
contexto do sistema capitalista com ênfase nas ações de
proteção especial a crianças e adolescentes executadas no
âmbito da política de assistência social o que permite fazer
um contraponto entre os direitos legitimados no
ordenamento jurídico brasileiro e a efetivação desses
direitos.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Infância e Adolescência
Abstract
The article analyzes the realization of human rights of
children and adolescents in situations of violation of post1988 Brazilian Constitution. In this sense, is a theoretical
approach about the realization of human rights in the context
of the capitalist system with emphasis on the actions of
special protection to children and adolescents carried out
under the social assistance policy, which allows you to make
a comparison between the legitimate rights in land Brazilian
legal and effectuation of these rights.
Keywords: Human Rights, Childhood and Adolescence.
1
Mestre. Universidade Federal do Piauí - [email protected]
2
Doutora. Universidade Federal do Piauí – UFPI. [email protected]
1 INTRODUÇÃO
O trabalho traz algumas aproximações analíticas sobre os direitos humanos de
crianças e adolescentes legitimados na ordem jurídica brasileira pela Constituição Federal
de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o que permite fazer um contraponto
entre o processo de legitimação e a concretização desses direitos na ordem material.
Tomando como referência as situações de risco pessoal e social, bem como as violações
de direitos vivenciadas por crianças e adolescentes em decorrência de trabalho infantil,
situação de rua/mendicância, abuso e exploração sexual, violência intra e extra familiar,
uso de substâncias psicoativas, enquanto expressões das multifaces da questão social
gerada pelas desigualdades sociais e contradições do sistema capitalista, o artigo analisa
o papel das políticas públicas no enfrentamento dessas situações.
O presente artigo está dividido em duas partes. A primeira contém análise dos
delineamentos da efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no
contexto do sistema capitalista, e a segunda aborda a os desafios da efetivação dos
direitos humanos de crianças e adolescentes pós Constituição Brasileira de 1988,
trazendo algumas reflexões sobre as disposições jurídico legais, bem como uma breve
reflexão acerca da proteção especial a crianças e adolescentes realizada no âmbito da
política de assistência social pelo Centro de Referência Especializado da Assistência
Social enquanto unidade pública que desenvolve ações de proteção especial e indivíduos
e famílias que tiveram os seus direitos violados em decorrência de violência, abandono,
maus tratos, discriminação, negligência e violências.
2 O DESAFIO DE LEGITIMAR E CONCRETIZAR OS DIREITOS HUMANOS DE
CRIANÇAS E ADOLESENTES NO CONTEXTO DO SISTEMA CAPITALISTA
Os estudos de Ariès (1981) demonstram que, na Idade Média, não havia um
sentimento de infância como entendemos hoje, visto que o trabalho fazia parte do
processo de educação e a inserção da criança expressava-se na adoção dos mesmos
padrões de comportamento do mundo adulto.
A defesa das peculiaridades da criança enquanto ser em desenvolvimento, de
acordo com Ariès (1981), passou a ser disseminada com a constituição do modelo de
família burguês no século XVIII, sendo que, em conformidade com Machado (2003),
pode-se destacar como marco importante da evolução da concepção contemporânea de
direitos humanos da criança e do adolescente a Declaração Universal dos Direitos da
Criança, que apresenta uma concepção de criança considerada como sujeito de direitos
em virtude do reconhecimento de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Em conformidade com os ensinamentos de Cavalcante (1988), a concepção
de adolescência, assim como a de infância, é uma construção histórica, significando a
passagem da infância para uma outra fase de vida diferente da adulta, permeada por
descobertas relacionadas ao corpo, a si mesmo e aos outros, consistindo em uma fase
oportuna para a construção da personalidade e de projetos de vida.
Fazendo uma abordagem histórica, observa-se nos trabalhos de Ariès e Duby
(1991) que, durante a Idade Média não se tinha certeza da idade das pessoas, visto que,
de modo geral, não havia registro da natalidade e que a construção social da
adolescência
na
família
moderna
é
fruto
de
uma
série
de
transformações
socioeconômicas que a civilização ocidental sofreu ao longo dos séculos XVIII e XIX.
Nessa perspectiva, a adolescência construída no Ocidente é caracterizada por
ser uma fase que se apresenta de forma bastante fluída e indeterminada, considerando
os conflitos a ela associados e os elementos que estão presentes no processo de
inserção do adolescente no adulto, de modo que a compreensão de adolescência como
uma construção histórico-social implica pensá-la como um conceito em constante
transformação e necessariamente plural (CAVALCANTE, 1988).
Por outro lado, assim como a infância e a adolescência, a legitimação e
reconhecimento dos direitos humanos é algo também historicamente construído. Nesse
sentido, existe uma dinâmica relacional entre reconhecimento/inclusão de direitos na
ordem jurídica dos Estados e sua materialização na ordem social.
Analisando o processo de evolução da legitimação e reconhecimento de
direitos no contexto do sistema capitalista, percebe-se que os direitos que fundaram as
bases do Estado liberal têm o seu núcleo central nos direitos do indivíduo à liberdade, à
propriedade e à segurança. Nesse contexto o Estado se limita à garantia dos direitos
individuais por meio da lei, que, em conformidade com Berlin (1981), são os direitos de
liberdade negativa e visam a não intervenção do Estado na esfera dos direitos individuais.
Na verdade, trazendo alguns aspectos da formação do Estado Moderno podese perceber que a organização do Estado de Direito, é, de fato, um garantidor das
condições jurídicas para o desenvolvimento do sistema capitalista. Neste sentido, a
contribuição dos contratualistas Montesquieu (1979) e Rousseau (1978) cujos
fundamentos foram
importantes
para
os conteúdos
constitucionais
que foram
historicamente formatando o ordenamento jurídico dos Estados como legitimadores de
uma ordem capitalista liberal, que ao tempo que legitima um aparato estatal e um modelo
de Estado, também regula as relações deste com a sociedade civil, preconizando a
garantia de direitos, que, paradoxalmente, exigem justiça social no sentido de sua
efetivação.
A legitimação e efetivação de direitos humanos apontam para o desafio de sua
concretização em uma ordem capitalista cujos enfoques liberais permaneceram até a
primeira guerra mundial, quando as idéias keynesianas baseadas na intervenção do
Estado na economia passaram a ser implementadas. Neste contexto, percebe-se o
surgimento da luta pelas conquistas dos direitos sociais e a implementação do Welfare
State modelo em que há um envolvimento e uma abordagem pública da questão social3,
exigindo a intervenção dos poderes políticos na regulação das condições de vida e
trabalho, com vistas à criação de mecanismos de intervenção por meio da disposição de
legislações trabalhistas, além de outras ações protetivas que caracterizam a política social
nas sociedades industrializadas e de democracia liberal. Nesse contexto, Rosanvallon
3
Na definição dada por Castel (1998), a questão social constitui-se em um
conjunto de expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe
trabalhadora relacionando-se com a divisão da sociedade, enquanto expressão
das desigualdades sociais da sociedade capitalista.
(1981), aponta as fragilidades do Estado-providencia, mas também defende formas de
complementá-lo.
Por outro lado, a defesa do liberalismo reaparece no neoliberalismo, segundo o
qual a propriedade privada e a liberdade apresentam-se como elementos basilares,
contexto em que Hayek (1990) refuta, veementemente, a intervenção do governo na
economia. Assim, o pensamento neoliberal, disseminado a partir de 1980, preconizava,
não somente a saída do Estado das atividades produtivas, mas também um processo de
privatização e de desregulamentação de direitos historicamente construídos.
A criação da Organização das Nações Unidas (ONU), após a Segunda Guerra
Mundial, representa marco importante na defesa da universalização dos direitos
humanos, de forma a proporcionar uma melhor definição de quais são os sujeitos titulares
desses direitos, considerando que a pessoa humana passou a ser vista a partir de suas
especificidades: criança, adolescente, jovem idoso, mulher, negro, homossexual, dentre
outros (PIOVESAN, 2006).
Na realidade brasileira, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) garantem os direitos humanos dos segmentos infanto juvenis, à
vida, liberdade, igualdade, saúde, educação, convivência familiar e comunitária, dentre
outros, entretanto, cotidianamente nos deparamos com situações de vulnerabilidade
social de crianças e adolescentes em decorrência de situações de pobreza e ausência de
pertencimento, bem como de risco pessoal e social e de violações de direitos, tais como
mendicância, situação de rua, violência intra e extra-familiar, abuso e exploração sexual,
que são alvo das políticas públicas, especialmente, a de assistência social, mediante o
desenvolvimento de ações de proteção especial a estes segmentos, que, em
conformidade com Passetti (1995), são violentados, considerando a negação a seus
direitos constitucionalmente garantidos.
3 A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM DIREITOS VIOLADOS PÓS CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
Em conformidade com Comparato (2003), direitos humanos são os direitos
fundamentais da pessoa humana, enunciados historicamente a partir do progressivo
reconhecimento, pelas legislações nacionais e normas internacionais, da inerente
dignidade de todo indivíduo, independentemente de raça, sexo, idade ou nacionalidade.
Entretanto, independentemente de ter sua matriz filosófica baseada em aspectos
históricos ou naturais, os direitos humanos podem ser percebidos e afirmados a partir de
um contexto histórico.
De modo que a história dos direitos humanos está estreitamente vinculada aos
mecanismos de limitação pela lei à autonomia estatal. Exemplo disso são os marcos de
internacionalização dos Direitos Humanos que se constituem em limitações aos poderes
do Estado, de forma a assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,
daí o ser caráter de universalidade.
No Brasil, os direitos humanos de crianças e adolescentes inseridos no bojo da
Constituição Federal de 1988 refletem os princípios da doutrina da proteção integral, o
que demonstra a sintonia do Estado brasileiro com a legislação dos direitos humanos de
âmbito internacional no que se refere a essa matéria (MACHADO, 2003).
O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 define os direitos humanos
fundamentais de crianças e adolescentes e a sua forma de efetivação dispondo que é
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 2008).
No que se refere aos mecanismos de efetivação de direitos contidos no
Estatuto da Criança e do Adolescente, a política de atendimento para o segmento infantojuvenil remete à construção de novas estratégias que dêem visibilidade a crianças e
adolescentes enquanto sujeitos de direitos considerando uma concepção ampla de
cidadania.
Esses mecanismos de efetivação de direitos são materializados por meio de
um aparato institucional no âmbito das políticas públicas, contexto em que em
conformidade com Yazek (2004) a política de assistência social ganha especial
relevância, especialmente no que se refere à execução de ações voltadas para indivíduos
e famílias em situação de vulnerabilidade social, situação de risco e de violação de
direitos.
É importante ressaltar que, com a implantação do Sistema Único da
Assistência Social (SUAS), os serviços socioassistenciais passaram a ser regidos por um
conjunto de regulações a nível nacional, cujas ações interventivas têm como foco a
matricialidade sociofamiliar e a inserção de indivíduos e famílias no conjunto das políticas
públicas, no sentido da superação das situações de risco e de violações de direitos ora
vivenciadas (BRASIL, 2005).
Nesse contexto, para identificar e atender às situações de risco pessoal e
social e de violação de direitos de crianças e adolescentes, em decorrência de trabalho
infantil, situação de rua/mendicância, violência intra e extra familiar, uso de substâncias
psicoativas, abuso e exploração sexual e acompanhamento a adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, foram criados, a partir de
2005, o Centro de Referência da Assistência Social (CREAS), unidade pública da política
de Assistência Social.
No contexto do SUAS, o CREAS é definida como um equipamento público de
Média Complexidade voltado para a oferta de atendimento especializado e continuado às
pessoas/famílias que sofrem violações de direitos, por meio de atendimento individual e
em grupo por equipe multiprofissional visando a inclusão das pessoas atendidas nos
serviços das diversas políticas públicas, bem como orientação jurídica que favoreça o
acesso ao Sistema de Justiça (BRASIL, 2005).
O estudo mostrou que o cumprimento das ações institucionais do CREAS
depende do fortalecimento e integração entre as redes setoriais de atendimento e apoio à
família
e
a indivíduos
numa
perspectiva de
prevenção
e
enfrentamento
de
vulnerabilidades (geração de emprego e renda, acesso a educação, saúde e habitação) e
combate a preconceitos e estigmas social e historicamente construídos. Sem isso, a
proteção social imediata e atendimento interdisciplinar com base na matricialidade
sociofamiliar, não são capazes de efetivar direitos.
O atendimento/acompanhamento especializado multidisciplinar realizado pelo
CREAS visando potencializar a capacidade protetiva da família e favorecer a reparação
da violação a partir de uma atuação junto ao núcleo familiar/território/comunidade, mostra
que a efetivação de direitos humanos infanto juvenis necessita da intersetorialidade com
as políticas púbicas e de uma estreita e consistente articulação com o Poder Judiciário,
Ministério Público, Defensoria Pública, Delegacias e Varas Especializadas, Conselhos
Tutelares e Conselhos de Direitos. Portanto, a efetivação de crianças e adolescentes,
percebidos em sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, requer considerar,
com bem destaca Ferreira (2001), as condições existenciais, bem como as
vulnerabilidades e os riscos sociais que a sociedade lhes impõe, e ainda o teor das
políticas públicas a serem implementadas, tendo por base o contexto social em que estas
estão inseridas.
4 CONCLUSÃO
É perceptível que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente significaram um avanço em relação à conquista e legitimação de direitos
humanos, de modo que podem ser destacados avanços significativos em relação à
formalização de um arcabouço legal que possibilitou a inclusão de novos elementos no
contexto do desenvolvimento de ações voltadas para a infância e juventude no Brasil. Por
outro lado, é possível também observar a necessidade de implementação de políticas
públicas para crianças, adolescentes e suas famílias que sejam capazes de realmente
efetivar esses direitos formalmente garantidos em lei.
Pode-se verificar que a atuação da política de assistência social no âmbito da
proteção social a crianças e adolescentes com o fim de identificar e atender às situações
de risco social e de violações de direitos remete a uma compreensão de que as situações
de pobreza e risco social, sofridas pela população infanto juvenil são resultados de
múltiplas determinações, cujo enfrentamento requer o desenvolvimento de ações
coletivas, organização de redes de serviços e intersetorialidade das políticas sociais,
visando à concretização e efetivação dos direitos humanos garantidos em uma ordem
legal.
Nessa perspectiva, observa-se, entretanto, que apesar da inclusão dos direitos
humanos infanto juvenis no ordenamento jurídico brasileiro, ainda permanece o desafio
de sua concretização, tendo em vista que efetivar direitos humanos de crianças e
adolescentes demanda mudanças significativas no âmbito das políticas públicas e no
papel exercido pelo Estado frente às necessidades que esses segmentos sociais
apresentam.
Nesse sentido, Passetti (1994, p. 48), enfatiza que a “democracia em
construção parece ser a regra através da qual a elite política da sociedade brasileira se
perpetua, modernizando as práticas intervencionistas tradicionais”, o que se coaduna com
os elementos ora analisados, considerando que, apesar dos avanços já obtidos, ainda
não foram desenvolvidos mecanismos e ações que venham a proporcionar a efetiva
concretização dos direitos humaos infanto juvenis legitimados no ordenamento jurídico
brasileiro, de forma a promover o desenvolvimento harmônico de crianças e adolescentes,
com liberdade, dignidade e autonomia.
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