Introdução A Revolução do Antitruste no Brasil: O Papel da Economia John Kwoka, economista americano com linha de pesquisa na área da economia do antitruste, publicou em 1995, a primeira edição do livro “A Revolução do Antitruste: O Papel da Economia”. A idéia foi reunir artigos de economistas da área sobre casos julgados nas cortes americanas, disponibilizando para a comunidade antitruste as linhas gerais do instrumental econômico, teórico e empírico, utilizado nesses casos e o seu papel nas decisões. A seleção dos experts que contribuíram com o livro se derivou não apenas de sua reconhecida capacidade acadêmica, mas também do fato de eles terem trabalhado, seja em favor do governo, seja como consultores das partes, nos casos trazidos às cortes, o que permitiu uma análise mais plenamente informada dos caminhos trilhados pelos processos, e seus principais argumentos. O sucesso dessa primeira edição ensejou a publicação de duas outras edições, sendo que na última (1999) agregou-se como editor, o professor Lawrence White, outro economista americano com linha de pesquisa conhecida na área do antitruste1. Mas a principal motivação daquele livro não foi simplesmente reunir análises de economistas sobre um tema com evidente relevância da teoria econômica para a busca de soluções aos casos concretos. Tal como no Brasil, a centenária história de aplicação da legislação antitruste nos EUA, só recentemente começou a se utilizar dos elementos de análise da teoria econômica para embasar suas decisões. Mais precisamente, na introdução da terceira edição de 1999, Kwoka e White afirmam que “nos últimos vinte anos, teria havido uma revolução na política antitruste americana”, resultado da aplicação da teoria econômica no debate judicial dessa área. A emergência da organização industrial como campo de análise mais sistemática do economista na década de cinqüenta, após as contribuições de Joe Bain2, pode ser tida como o marco inicial desse processo. A devastadora crítica da escola de Chicago3, com decisivos questionamentos sobre a racionalidade econômica do caráter anticompetitivo de fusões de empresas e condutas de negócios, permitiu um olhar incisivo e pouco benevolente em relação à atuação dos tribunais na matéria. O surgimento da chamada “economia institucional” e 1 Kwoka, J. e White, L. (eds.) : “The Antitrust Revolution – Economics, Competition and Policy – Third Edition”. Oxford University Press, 1999. 2 Bain, J. “Barriers to New Competition”. Harvard University Press”, 1956. 3 Ver Bork, R.: “The Antitrust Paradox” (New York Basic Books). 1978 e Posner, R.:” Antitrust Law: An Economic Perspective”. Chicago. University of Chicago Press. 1976. 19 A Revolução do Antitruste no Brasil dos “custos de transação”, a partir do paper seminal de Coase4 e dos trabalhos de Williamson5 jogou novas luzes, também com profundo olhar crítico, nos procedimentos dos tribunais que aplicavam o antitruste, especialmente nos casos de integração vertical. Enfim, o revisionismo da crítica de Chicago ao final da década de oitenta e dos noventa, recuperando a racionalidade econômica da política antitruste a partir de sofisticados modelos econômicos, propostos por reconhecidos economistas do mainstream economics como Oliver Hart, Jean Tirole6 e Michael Whinston7, tornou a matéria plenamente integrada na agenda de pesquisa de vários dos principais departamentos de pesquisa em economia do mundo. Indo ainda mais longe, pode-se dizer que a economia do antitruste foi uma das precursoras de um ramo maior, totalmente novo da disciplina: a análise econômica do Direito, mais conhecido como “Direito e economia” (law and economics), que vêm se consolidando principalmente após a publicação do livro seminal de 19738, “Economic Analysis of Law”, do juiz/economista Richard Posner, um dos maiores expoentes da escola de Chicago. No Brasil, assim como nos EUA, desde a primeira legislação antitruste de 1962, apenas mais recentemente se passou a incluir uma análise econômica mais profunda na aplicação da política antitruste9. Daí, chegamos ao objetivo primordial dessa coletânea de artigos que se pretende constituir o análogo (quase homônimo) do livro de Kwoka e White: uma história da introdução de uma análise econômica mais sofisticada do antitruste no Brasil e sua crescente e decisiva influência sobre importantes casos concretos julgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE. Inspirado também naquele, os trinta e dois (32) autores colaboradores desse volume são economistas doutores ou mestres, com currículos reconhecidos 4 Coase, R.: “The Nature of the Firm”. Economica, 4 Novembro, 1937. Ver Williamson, O.: “Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust Implications”. New York Free Press. 1975 e “The Economic Institutions of Capitalism”. New York Free Press. 1985. 6 Ver Hart, O. e Tirole, J.: “Vertical Integration and Market Foreclosure”. Brookings Papers on Economic Activity: Microeconomics. 1990. 7 Ver Whinston. M.: “Tying, Foreclosure and Exclusion”. American Economic Review. September, 1990. 8 Ver Posner, R. “Economic Analysis of Law”. Fifth Edition. Aspen Law & Business . 1998. Publicado primeiramente em 1973. 9 Já a área de “Law and Economics” ainda pode se considerar um tanto órfã no país, com poucas exceções. Uma recente série de artigos de jornal, do Prof. Jairo Saddi, da USP/SP constitui instrutiva exceção, de textos, no Brasil, combinando análise jurídica competente com um bem informado uso de instrumental econômico. 5 20 Introdução na área antitruste e que, em sua maior parte, trabalharam nos casos concretos, seja como conselheiros e/ou assessores no CADE, seja como consultores. Um aspecto diferenciador do presente livro em relação ao de Kwoka e White, foi o fato de aqui haver artigos com visões opostas sobre os mesmos casos com o objetivo de apresentar, com base na boa teoria econômica, perspectivas diferentes sobre o mesmo objeto, o que reafirma o entendimento de que, assim como em outras matérias, não há uma fórmula rígida e pré-concebida para o antitruste. Tal como nos EUA, a orientação da política antitruste brasileira flutuou entre vertentes mais populistas voltadas à chamada “defesa da economia popular”, menos preocupada com questões de eficiência, e as vertentes mais próximas à concepção mais moderna de “defesa da concorrência” 10. Também aqui se reproduziu, no campo doutrinário, a mesma discussão havida nos EUA entre adeptos da escola estruturalista e da chamada “escola das eficiências”11. No início da década de noventa, surge a primeira tese de doutorado. na área de economia do antitruste no Brasil, escrita por Elizabeth Farina na USP12 e, em 1996, surge outra importante tese na área, escrita por Lúcia Salgado no IEI/ UFRJ, transformada posteriormente em livro13 e, ainda, as dissertações de Cleveland Prates na FGV/SP em 199714 e Ruy Santacruz no IEI/UFRJ, em 199815, todos esse autores presentes com artigos nesse volume. Além de teses, economistas da área de organização industrial do país passam a se “reconverter” a um estudo mais específico de economia antitruste, como no caso do professor Mário Possas, também presente nesse livro. Paralelamente a esse crescente interesse acadêmico, a nova legislação de 1994 (a lei 8.884/94), conferiu muito mais poderes à autarquia, especialmente para a análise e julgamento de atos de concentração econômica. Em 1996, se processa uma grande troca de guarda no Conselho do CADE, o que coincidiu com o surgimento de casos polêmicos como a compra da Siderúrgica Paíns pelo Grupo Gerdau que começaram a jogar os holofotes da mídia de forma mais intensa sobre o órgão. Em particular, se tornava cada vez mais forte a percepção de que era crucial aprofundar o papel da análise econômica na aplicação da legislação 10 Ver Oliveira, G.: “Concorrência - Panorama no Brasil e no Mundo”. Editora Saraiva, 2001. Ver Lande, R.: “The Rise and (comming) Fall of Efficiency as the Ruler of Antitrust”. Antitrust Bulletin, 33 (1988). 12 Ver Farina, E.Q. “Política Antitruste: A experiência Brasileira”. USP, São Paulo, 1990. 13 Ver Salgado, L.H.: A Economia Política da Ação Antitruste”. Editora singular. 1997. 14 Ver Prates, C. “Controle Preventivo de Atos de Concentração: A Experiência Brasileira em 1994/1996”. Dissertação de Mestrado-FGV/SP. 15 Ver Santacruz, R. : “Prevenção Antitruste no Brasil”. Dissertação de Doutorado IEI/UFRJ, 1998. 11 21 A Revolução do Antitruste no Brasil antitruste. Dessa forma, inaugurou-se, naquele ano, a prática de reservar algumas vagas do Conselho a economistas mestres ou doutores, com reconhecida competência para a apropriada aplicação da teoria econômica nos importantes casos de concentração em estoque e ainda por vir. Assim, em 1996, passaram a integrar o Conselho dois doutores, Gesner Oliveira da FGV/SP e Lúcia Salgado do IPEA e UERJ/RJ, essa última, como já destacado, especialista da própria área. Mais tarde, outros economistas importantes seguiriam essa tradição, passando a compor o Conselho. Arthur Barrionuevo da FGV/SP, Ruy Santacruz da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda - SEAE/MF-, Afonso Arinos de Mello Franco da FGV/RJ, Thompson Andrade do IPEA e UERJ/RJ e Cleveland Prates da SEAE/MF estão nessa condição, sendo todos esses, colaboradores do presente volume. A estrutura desse livro é composta por três módulos. No primeiro módulo, iniciamos por quatro casos de atos de concentração horizontal, divididos em oito artigos. Depois passamos para o segundo módulo com o exame de relações verticais em oito artigos, tanto em atos de integração vertical como em condutas potencialmente anticompetitivas, como acordos de exclusividade e venda casada. O terceiro módulo é composto de três artigos sobre dois casos de cartéis, dois no setor siderúrgico e um em licitação de plataformas de petróleo. No primeiro módulo, começamos apresentando dois artigos sobre o que acreditamos constituir o marco inicial de inserção de uma análise econômica mais sofisticada no CADE, que foi o caso da compra da Kolynos pela Colgate, no segmento de higiene bucal, relatado pela então conselheira Lúcia Salgado, e julgado pelo Conselho em 1996. Tendo trabalhado nesse caso como assessor, pude testemunhar, sem me dar conta da transformação que ora se procedia no paradigma de análise antitruste no Brasil, a perplexidade de parte do meio jurídico atuante na área com a complexidade e profundidade da análise econômica realizada. O que era um adereço subsidiário, que se duvidava pudesse desenhar o formato das decisões nessa área, passava a se tornar essencial no país. A boa teoria econômica vinha para ficar na defesa da concorrência. A “revolução” apenas se iniciava. Um dos principais reflexos dessa mudança de rumos na aplicação da economia do antitruste no Brasil, introduzido pelo caso Kolynos/Colgate, foi a participação de economistas pareceristas, conhecidos na academia, tanto a favor como contra a aprovação do ato, o que já naturalmente exigiu, sem dúvida, maior detalhamento e sofisticação da análise. Lúcia Salgado, no artigo (1º) que abre o livro, apresenta o contexto no qual se inseriu o caso, inclusive destacando o papel pioneiro deste último no que diz respeito à introdução da análise econômica no CADE. O primeiro conceito trabalhado com detalhe foi o de mercado relevante, o que por si só, já marcava 22 Introdução destacada diferença em relação à forma com que aquele era analisado no Conselho, com insuficiente diferenciação da noção mais popular de “mercado” consagrado no mundo dos negócios. Um dos principais aspectos destacados é o da influência da marca como barreira à entrada. Nesse sentido, tendo em vista que o diagnóstico de que essa era a barreira mais relevante no mercado relevante mais negativamente afetado (de creme dental) pela operação, decidiu-se, ao invés de se adotar uma solução simplista de desconstituir a transação, o que equivaleria a negar a operação e obrigar sua reversão, atacar o cerne da questão, dando três opções à empresa: 1) suspender, temporariamente, a marca Kolynos de creme dental de forma a abrir espaço para outras marcas concorrentes; 2) licenciar, temporariamente, a marca Kolynos de creme dental, desconcentrando o poder dessa última; 3) desfazer o negócio. A empresa, no final, optou pela primeira alternativa, o que levou à suspensão da marca Kolynos em cremes dentais por quatro anos, o que resultou na substituição pela “Sorriso”. Dessa forma, não apenas a análise econômica introduzida, mas também uma decisão consistente com essa análise, fizeram desse ato de concentração, a “pedra fundamental” da revolução antitruste brasileira. O segundo artigo (2º) dessa coletânea16 foi elaborado por um dos pareceristas do caso Kolynos/Colgate, o Professor Luiz Guilherme Schymura da FGV/RJ17. O principal objetivo do artigo é identificar a existência e o papel das barreiras à entrada no segmento de creme dental no sentido de tornar o ato de concentração entre Kolynos e Colgate passível ou não de aprovação pelo CADE. A complexidade da definição e análise dos mercados relevantes no antitruste é ilustrada no terceiro caso (3º), que é a aquisição da Frumtost pela Allergan no segmento de medicamentos oftalmológicos. Esse artigo foi escrito por mim, César Mattos, tendo em vista ter assessorado o Conselheiro Mércio Feltsky, nesse processo. O relatório do caso pode ser entendido como o resultado de um amadurecimento de casos passados no setor de medicamentos no CADE, procurando enquadrar a delimitação de mercados dentro da análise usual da substitubilidade de produtos e elasticidade-preço cruzada da demanda. A principal conclusão é de que os mercados relevantes de medicamentos não podem ser, sem quaisquer adaptações, identificados com classes terapêuticas, sob pena de se estar perdendo elementos essenciais da análise. O texto revela como a aplicação de conceitos econômicos aparentemente triviais pode conter inúmeras nuances específicas a um setor e que devem ser observadas no caso a caso. 16 Reproduzido de Schymura,L.G: “Barreiras à Entrada: O Caso do setor de Creme Dental Brasileiro”. Revista Brasileira de Economia 51(4), 15, autorizado pelo editor da Revista. 17 Talvez, seguindo a tradição da defesa da concorrência, o professor Schymura hoje encontrase presidindo uma das principais agências de regulação econômica brasileiras, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. 23 A Revolução do Antitruste no Brasil O artigo de Gesner Oliveira, Ernesto Guedes e Frederico Valladares aplica, no quarto (4º) artigo, metodologia econométrica para a delimitação de mercados geográficos relevantes na petroquímica no contexto do ato de concentração da Braskem18. Cabe realçar a forma direta de mostrar como os conceitos fundamentais de teste de causalidade e cointegração da econometria podem ser utilizados para dimensionar a abrangência do mercado relevante geográfico da análise antitruste. Chegou-se à conclusão que os movimentos nos preços das resinas termoplásticas importadas explicam boa parte da variação dos preços desse produto praticados pelos produtores nacionais, o qual usualmente atenua as preocupações com a concorrência. Os quatro artigos seguintes apresentam as várias dimensões do conhecido caso da fusão entre a Brahma e a Antárctica, que resultou na AMBEV. Tendo sido um caso muito polêmico, com ampla exposição na mídia, um Conselho que votou dividido e um elevado volume de recursos envolvido na operação, o caso AMBEV naturalmente requeria um espaço mais amplo. Elizabeth Farina, da USP, e Paulo Furquim de Azevedo, da FGV-SP, responsáveis pelo quinto artigo (5º) do livro, relativizam os potenciais efeitos anticompetitivos da fusão, com base na dinâmica da rivalidade entre as empresas. Os autores argumentam que aquela “certamente amplia sua capacidade estratégica em relação a concorrentes atuais e potenciais”, mas que essa conseqüência não seria “necessariamente negativa do ponto de vista competitivo”. Além de analisar a racionalidade econômica por trás da decisão do CADE, os autores avaliam o que aconteceu com o mercado brasileiro de cerveja pós-concentração, mostrando que as preocupações concorrenciais dos órgãos antitruste (CADE, SEAE e SDE) em relação a este ato não se materializaram. Mário Possas do IE/UFRJ realiza, no sexto artigo do livro (6º), interessante exercício de avaliação dos ganhos de eficiência da fusão da AMBEV, com base no clássico artigo de Williamson que apresenta os trade-offs de natureza estática típicos envolvidos em atos de concentração horizontais. A conclusão geral é de que o efeito líquido do ato de concentração em termos de eficiência, sob vários cenários, é positivo. Esse artigo ilustra quantitativamente a aplicação da regra da razão na análise de atos de concentração. Edgard Pereira (Unicamp), Eleni Lagroteria e João Paulo Leal da Edgard Pereira Associados já caminham na direção oposta. A partir de cálculos que inferem elasticidades-cruzadas entre produtos das requerentes elevadas, mas elasticidadescruzadas entre preços das requerentes e preços de terceiros altas, os autores, no 18 Esse ato envolve primordialmente uma concentração horizontal, mas conta também com elementos de integração vertical. 24 Introdução sétimo artigo (7º) do livro, sugerem que o ato de concentração traria substancial perigo de dano à concorrência. Ademais, a maior variedade de marcas comandada por uma única empresa e maior controle dos pontos de distribuição e venda, pósconcentração, também reforçariam aquela tendência. Enfim, Rubens Cysne da FGV/RJ, João Victor Issler da FGV/RJ, Ricardo Wyllie da FGV/RJ e Marcelo Resende do IEI/UFRJ19, no oitavo artigo (8º) do livro, realizam um exercício econométrico, a partir do método de “orçamentação em dois estágios” de Deaton e Muellbauer (1980), estimando os sistemas de demanda por cerveja para vários casos possíveis de interdependência estratégica oligopolística entre os agentes envolvidos. Esse artigo é o mais árido do volume, demandando maior conhecimento técnico do leitor para seu pleno entendimento. No entanto, ilustra de forma rigorosa, o quanto a ferramenta econométrica pode ser útil na análise antitruste, o que é uma tendência cada vez mais presente na jurisprudência internacional20. Para várias hipóteses de variações conjecturais, os autores mostram que, “as perdas de bem-estar advindas do poder de mercado são não desprezíveis”, “ressaltando a importância da proposição de políticas cuidadosas para a defesa da concorrência”. O segundo módulo se inicia com o artigo de Jorge Fagundes, da Possas & Associados, que analisa os contratos de fornecimento da Copesul com empresas de segunda geração na petroquímica sob o ponto de vista de seus impactos sobre a concorrência. Esse caso, junto com o próximo, constituem os primeiros exemplos de incorporação mais sistemática da “teoria dos custos de transação” no CADE. A essa altura, as análises do Conselho ainda careciam desse instrumental, especialmente quando se tratava de relações verticais. Os efeitos da assimetria de informação com Moral Hazard e os custos de transação associados são amplamente discutidos. Esse é o nono artigo (9º) do livro. Nessa mesma linha, Paulo Furquim de Azevedo, da FGV-SP, apresenta o décimo artigo (10º) sobre a aplicação da economia dos custos de transação na dinâmica do setor citrícola paulista e suas implicações concorrenciais. Assimetria de informações e presença de especificidade de ativos na relação entre citricultores e industriais de suco permeiam o pano de fundo dessa análise. Esse caso lança dúvidas sobre a razoabilidade da posição do CADE de determinar, através de um Compromisso de Cessação de Práticas, a extinção do chamado “contrato-padrão”, 19 Reproduzido de Cysne, R.P, Issler, J.V. Resende, M. e Wyllie, R. PESQUISA e PLANEJAMENTO ECONÔMICO, IPEA. Volume 31 - número 2 - Agosto 2001, tendo sido autorizado pelo editor da Revista. 20 Nesse sentido, ver o caso 6 da terceira edição do livro de Kwoka e White (1999), que também ilustra como a econometria auxiliou na estimativa do dano à concorrência gerada pela fusão da Staples e Office-Depot nos EUA, levando à desconstituição do ato. 25 A Revolução do Antitruste no Brasil o que seria revelado, inclusive, pela continuação e mesmo acirramento dos conflitos entre as partes após a intervenção do Conselho. Nesse tema de aplicação da economia dos custos de transação em relações verticais, o décimo primeiro (11º) e o décimo segundo artigos (12º) de um lado, e o décimo terceiro (13º) de outro representam visões opostas sobre os potenciais efeitos anticoncorrenciais dos acordos de exclusividade da Souza Cruz com determinados pontos de venda. De um lado, Arthur Barrionuevo defende que, mais do que não gerar problemas dessa natureza, tais acordos podem ter o efeito oposto, aumentando a concorrência inter-marcas no mercado de cigarros. Ademais, o autor aponta a definição inadequada do mercado relevante geográfico em shopping-centers e aeroportos como um dos problemas fundamentais da análise procedida pela SEAE/MF. Nessa mesma linha de defesa da razoabilidade da conduta da Souza Cruz estão os economistas Otaviano Canuto da USP/SP e José Maria Silveira da UNICAMP/Campinas, apontando como causa essencial do insucesso relativo da Phillip Morris no Brasil, não uma eventual conduta anticompetitiva da Souza Cruz, mas uma estratégia de não focalização de sua estratégia de marketing no mercado brasileiro. Ao contrário, a Phillip Morris teria escolhido, deliberadamente, aproveitar as economias de escopo da sua estratégia de propaganda internacional, enquanto a Souza Cruz possui uma estratégia específica para o mercado brasileiro. Ademais, as estratégias de distribuição diferenciadas também explicariam, em lugar da alegada conduta anticompetitiva, o maior êxito relativo da Souza Cruz no mercado nacional. De outro lado, Mário Possas, Jorge Fagundes e João Pondé (IEI/UFRJ) criticam a validade dos potenciais argumentos de eficiência da conduta, alegados pela Souza Cruz, especialmente o chamado “efeito do carona” (free-rider), no qual os investimentos em propaganda da Souza Cruz nos pontos de venda seriam aproveitados por outras marcas. A conduta da Souza Cruz, segundo os autores, apenas poderia ser justificada como uma estratégia de fechamento de mercado para as marcas rivais, especialmente em vista de sua elevada participação de mercado. Ainda quanto à análise antitruste aplicada a relações verticais no Brasil, Thompson Andrade e Roberto Teixeira, respectivamente, conselheiro e assessor do CADE, apresentam o décimo quarto artigo (14º) do livro sobre as relações entre montadoras e distribuidoras de veículos. Um dos aspectos interessantes do caso é a influência da chamada “Lei Ferrari” que regula o relacionamento entre essas empresas e contém dispositivos não conducentes a um ambiente concorrencial nesse mercado. A alegada conduta de venda casada, que seria imposta pelas montadoras, obrigando as distribuidoras a adquirir veículos e peças de menor saída, se desejarem mais veículos que a quota mensal, também é um aspecto relevante dessa análise. 26 Introdução Cleveland Prates, Beatriz Soares e Rutelly Marques fazem um apanhado geral dos problemas competitivos na indústria de cimento à luz não apenas de atos de integração vertical entre concreteiras e cimenteiras, mas também de processos de condutas havidos no CADE. O artigo realiza um interessante survey do que ficou conhecido como as novas teorias de fechamento vertical pós-Chicago para embasar teoricamente sua análise, expõe os principais fatores que predispõem o setor a eventuais condutas anticoncorrenciais e realiza interessante exercício econométrico de estimação das elasticidades-preço da demanda de forma a averiguar a capacidade de exercício de poder de mercado da indústria no décimo quinto artigo (15º) do livro. O ambiente concorrencial de serviços portuários no porto de Santos é avaliado por Paulo Coutinho e André Rossi da UNB/DF no décimo sexto artigo (16º) deste volume. Os autores apontam a cobrança da Terminal Handling Charge - THC2 (ou “TRA” ou “handling out”) para custeio dos serviços de entrega de carga aos recintos alfandegados, como um reflexo do poder de mercado de agentes no porto. Mais uma vez, a questão da verticalização, agora dos operadores de terminal, é realçada como fonte de problemas ao livre funcionamento do mercado. A intrincada relação dos agentes econômicos que operam nos portos, muitas vezes, torna particularmente difícil a identificação das relações econômicas relevantes e, portanto, dos problemas concorrenciais existentes. Talvez um dos principais papéis de uma agência de defesa da concorrência seja coibir a ação de cartéis. Infelizmente, até pela dificuldade de coleta de provas suficientes, a autoridade antitruste brasileira ainda possui um histórico relativamente pobre de casos de cartéis condenados. Uma honrosa exceção foi o do caso da indústria de aços planos, envolvendo a CSN, a Cosipa e a Usiminas, pelo qual iniciamos o nosso terceiro e último módulo desse livro. O então conselheiro Ruy Santacruz foi o relator do processo e responsável por apresentar os aspectos econômicos do caso. Além de breve discussão sobre a prova legal, são elaboradas as condições econômicas para uma ação cartelizada na indústria siderúrgica e suas implicações para o caso em tela, que representa o décimo sétimo (17º) artigo do livro. Em relação ao mesmo caso, no décimo oitavo artigo (18º) desse volume, Silvinha Vasconcelos da Universidade do Rio Grande e Francisco Ramos do PIMES/UFPE, adaptando um paper publicado pelos próprios autores na “Brazilian Review of Econometrics” de Maio de 2002 e utilizando o trabalho de Osborne e Pitchik (1987), com base em teoria dos jogos, aplicam um teste quantitativo baseado no excesso de capacidade e no lucro por unidade de capacidade do menor grupo (a CSN) para a existência de colusão entre os agentes. Os autores chegam à conclusão de que há “evidências de que houve escolhas estratégicas de capacidade de forma a sustentar um resultado colusivo”. Este trabalho aponta um 27 A Revolução do Antitruste no Brasil caminho alternativo de evidências de cunho mais quantitativo para o cartel, o que pode ser bastante promissor como ferramenta adicional na necessária e urgente intensificação da atuação da agência antitruste neste tipo de conduta. Afonso Arinos de Mello Franco da FGV/RJ assina o décimo nono e último artigo (19º) do livro acerca da aplicação da nova “teoria dos leilões” sobre um caso de acerto de vantagens em licitação de serviços para adaptação e manutenção de plataforma de petróleo da Petrobrás, no qual atuou como conselheiro. O texto é inovador por se constituir na primeira vez que se utiliza tal instrumental para se investigar a racionalidade econômica e eventualmente anticompetitiva de um ajuste em licitações. Os concorrentes acertaram um mecanismo de transferência de recursos entre si no caso de um ou outro ganhar a licitação e o autor demonstra que o mecanismo de incentivos introduzido pelos participantes, teoricamente rivais, teria o efeito de reduzir a concorrência do certame. Um breve apêndice no final do artigo dá um recheio a mais nesse caso para o leitor interessado na formalização matemática. Enfim, são 19 artigos de aplicação da moderna teoria econômica (o mesmo número da terceira edição do “quase homônimo” americano), divididos em doze casos concretos de antitruste no Brasil. A qualidade do trabalho dos autores presentes nessa obra na academia brasileira de economia é, notoriamente, mais que reconhecida, e posso afirmar, com tranqüilidade, que tive, como organizador desse volume, a grande honra de reunir os trinta e dois mais relevantes profissionais economistas que têm se envolvido nessa área no país. Mais ainda, não é demais realçar que boa parte das principais escolas de economia do país estão representadas nesse livro, gerando uma rica pluralidade de visões sobre o tema e revelando o quanto a matéria já se aprofundou entre economistas brasileiros das mais variadas correntes. Esperamos que esse volume possa contribuir para acelerar o passo do aprofundamento da análise econômica do antitruste no Brasil de forma a gerar decisões mais sólidas, alcançando o fim último de melhoria no bem-estar, que é, afinal, ao que este tipo de política pública se propõe. César Mattos Brasília, 12 de Agosto de 2003 28