PÔSTER INFOEDUCAÇÃO E CULTURA QUILOMBOLA: DIÁLOGO ENTRE SUJEITOS E SABERES Edison Luís dos Santos, Ivete Pieruccini Resumo Estudo de caráter etnográfico tendo em vista descrição de elementos do processo de apropriação social de informação em culturas quilombolas, a partir da implantação de Programa de Infoeducação na Escolinha Jambeiro (Cambury, Ubatuba-SP), entendido como indispensável ao uso e produção de novos conhecimentos pela comunidade local. Palavras-chave: Infoeducação. Mediação cultural. Quilombolas. Dispositivos dialógicos. Abstract: Study the process of social appropriation of information in quilombolas communities and implementation of the Programme Infoeducation in Residents Association of Cambury Quilombo (Ubatuba-SP). We seek to meet the demand for cognitive skills in the production and use of Dialogic Devices and strengthen the role of cultural mediation in subjects knowing. Key words: Infoeducation. Cultural mediation. Quilombolas. Dialogic devices. 2. Introdução Políticas culturais que visam ampliar o acesso à cultura, disponibilizando livros e outros dispositivos em nome da “inclusão social”, têm são pouco eficazes no combate ao analfabetismo em geral: atualmente, vivemos processo de apartheid cultural sem precedentes, caracterizado pela marginalização em relação aos bens culturais e inaptidão para a busca significativa de informação, Tais lacunas inibem a apropriação do saber: um número significativo de brasileiros não sabe ou não aprendeu a se informar, outros tantos apresentam pouca proficiência em leitura, não compreendem o que leem, têm dificuldade em interpretar textos e de posicionar-se criticamente frente ao que leem; são obstáculos à formação de sujeitos autônomos e críticos que necessitam apropriar-se do conhecimento a fim de exercer a cidadania plena e construir novos saberes. O modelo ovos códigos e valores socioculturais: “nos novos tempos, informar-se e informar mudaram de natureza e de estatuto socioculturaconvencional de ensino no Brasil tem sido a mais pródiga fábrica de medíocres em informação. Dados à estampa, são baixos os índices de rendimento e as deficiências de aprendizado, traduzidos em apatia social e total “perda de interesse”. A falta de aptidão cognitiva é o maior obstáculo para que as pessoas possam apropriar-se de novos conhecimentos. O universo abundante de informações, facilitado pelo maior acesso a instrumentos, ferramentas e novas tecnologias, não implica a apropriação automática de nl. Já não são mais atos simples, aprendidos GT31041 apenas informalmente no cotidiano. Antes, são atos cognitivos cada vez mais complexos, implicando saberes e fazeres que necessitam ser aprendidos de modo sistemático, orgânico e contínuo, como condição de participação afirmativa na vida cultural de nosso tempo”. (PERROTTI, 2008: 7). Diante deste cenário desafiador, como diagnosticar e avaliar o impacto de políticas públicas em comunidades tradicionais quilombolas, onde o acesso aos dispositivos de informação e comunicação é escasso, sobretudo nos rincões onde não há escolas, nem bibliotecas, nem hospitais? E qual deve ser o papel dos dispositivos dialógicos nos processos de apropriação social da informação e na construção de novos saberes? De que modo tais dispositivos podem ampliar, significativamente, a “inteligência coletiva” e o protagonismo cultural dos sujeitos do saber? A relevância social deste projeto de pesquisa consiste em apresentar estudo etnográfico sobre o processo de apropriação social do conhecimento, por meio de diálogo entre conceitos: mediação cultural, ordem informacional dialógica, infoeducação e uso significativo de dispositivos dialógicos de informação e comunicação. Uma proposta alternativa aos modelos convencionais edificados sob o paradigma vertical da ordem informacional monológica. Aqui, valorizar-se-á a pesquisa colaborativa como artesanato (CALLON, 2004: 64-79) e a busca por modelos de ação voluntária e coletiva que possam ser traduzidos em políticas públicas permanentes, a fim de responder às necessidades e desejos simbólicos dos próprios sujeitos do saber. A missão maiúscula consiste na implantação de Programa de Infoeducação na Escolinha Jambeiro, localizada na comunidade de remanescentes quilombolas de Cambury, Ubatuba-SP. Objetivo geral Estudo do processo de apropriação social da informação na comunidade quilombola do Cambury, Ubatuba. Objetivos específicos Estudar o processo de apropriação social da informação em comunidades quilombolas por meio de pesquisa etnográfica colaborativa; Produzir programa de infoeducação em permanente diálogo com quilombolas e implementá-lo na Escolinha Jambeiro, no Quilombo de Cambury; Experimentar novas formas de uso significativo e alternativo de dispositivos dialógicos de informação e comunicação que favoreçam o empoderamento e o protagonismo sociocultural dos sujeitos do saber; Propor adoção de políticas públicas pautadas na pedagogia cultural da infoeducação como alternativa de uso e apropriação social do conhecimento. 3. Referencial teórico-metodológico A busca do diálogo foi a principal motivação deste exercício etnográfico. Um diálogo nas veredas entre o conhecimento científico e os saberes tradicionais quilombolas. Neste trabalho de campo, optamos por percorrer as trilhas da investigação social interpretativa, cujo enfoque se caracteriza pelo GT31042 uso da abordagem qualitativa em contraposição ao esquema positivista e quantitativista de pesquisa que fragmenta a realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente. Conforme argumenta F. Erickson, “o objeto da investigação social interpretativa é a ação, não a conduta”. (WITTROCK, 1989: 214). Segundo esta perspectiva, o trabalho de cunho investigativo que realizamos em campo constitui apenas um retrato metonímico e circunstancial de uma realidade social mais ampla e complexa. Não sendo possível desvelar toda a trama de significados por meio de um exercício etnográfico, adotou-se aqui uma estratégia de aproximação progressiva do local, por meio de duas visitas intercaladas em datas próximas, durante o mês de junho e julho de 2011. Nas duas ocasiões, enfrentamos desafios e temores ao ingressar no campo. Diante das dificuldades para considerar os diversos componentes do contexto social mais amplo (história, geografia, cultura, educação e sociedade), entendidos como extralocais, nosso intuito foi estabelecer possíveis relações na construção da cadeia de significados; interpretar a cultura quilombola por meio da aproximação gradativa ao significado e anotar qual a compreensão que os participantes têm dos acontecimentos. Não bastaria a simples imersão no cotidiano de outra cultura (tornar-se meramente nativo) para chegar a compreendê-la: “a experiência cotidiana não é sistemática, e até que a cultura apareça retratada coerentemente no texto etnográfico, um longo caminho há que ser percorrido” (CALDEIRA, 1988: 137), na medida em que o trabalho etnográfico envolve observação e participação de longo prazo no terreno. Enquanto elemento de identidade, a perspectiva adotada por este ensaio etnográfico é a de que a relação com a terra faz parte do ser quilombola e fundamenta-se numa concepção de educação cultural, encarnada na dinâmica da vida: conhecer as sementes e os tempos de plantar e de colher, os ciclos da chuva e as formas de aproveitamento de água, a cultura de certas plantas e animais típicos etc. Neste caso, “cada quilombo É um caso”. Esta é a orientação principal da busca empreendida para desvelar os significados deste microcosmo social, objeto de investigação interpretativa, reflexão e observação em trabalho de campo, que resultou na elaboração deste “exercício etnográfico”. 4. Abordagem metodológica A estratégia combinada de pesquisa etnográfica e pesquisa colaborativa busca estudar dimensões significativas de dispositivos de informação e comunicação, adequadas à realidade sociocultural, ambiental e econômica da comunidade quilombola de Cambury: entorno, expressões culturais, participação, deficiências, desafios etc. O passo importante será a implantação de Programa de Infoeducação com dispositivos dialógicos de informação e comunicação (DDIC), construídos em processo colaborativo. O êxito do Programa de Infoeducação dependerá do diálogo e das negociações junto aos quilombolas, bem como das mudanças e sugestões dos atores sociais que se apropriarão dos DDICs. Pretende liberar as iniciativas coletivas, dando maior espaço aos sujeitos do saber, a fim de suscitar reações de todo tipo, engajamento, resistência, crítica, diálogo e negociação. Os principais momentos a serem contemplados pela abordagem metodológica são os seguintes: GT31043 a) Pesquisa etnográfica para reconhecimento e estudo do processo de apropriação social do conhecimento na comunidade quilombola de Cambury; b) Estudo de dispositivos dialógicos de informação e comunicação adequados ao contexto local de mediação cultural; c) Estudo dos saberes tradicionais quilombolas e suas dimensões significativas; d) Desenho, construção e implementação de Programa de Infoeducação na Escolinha Jambeiro, Quilombo de Cambury, Ubatuba-SP (ver mapa). 5. Resultados / Discussão Para entender as complexas relações sociais da cultura tradicional de Cambury (especialmente a quilombola/caiçara) foi preciso afastar-se – “des-conhecer” – dos conhecimentos acumulados até aqui e reconhecer uma realidade complexa, composta pela mestiçagem, pela diferença e pela variedade cultural. Em nossa travessia por esta trama de significados, esses foram os principais elementos constitutivos do universo polifônico e cultural de Cambury, que nos fala das justas aspirações a uma vida mais digna e o desejo de ascensão é também uma forma de protesto e expressão de certos direitos elementares. Para a busca de significados, escolhemos o espaço das fronteiras, das mediações... Mas, em Cambury, “onde” poderiam ocorrer essas mediações? A suspeita inicial recaiu sobre a cotidianidade familiar, na medida em que se constitui um dos poucos lugares onde o indivíduo se confronta com o outro e onde também manifesta suas ânsias e frustrações. Em Cambury, onde todo mundo é parente de todo mundo, o exercício etnográfico consistiu basicamente em situar-se no contexto dessa cotidianidade familiar, em busca de significados. Assim, foi possível observar, neste exercício etnográfico, quão difícil é a vida para esta cultura marginal (lateral) que luta para manter-se viva diante das pressões do mercado imobiliário, da indústria cultural e do turismo; o sentimento de logro diante das sobredeterminações arbitrárias do poder público, enfim, a sensação de impotência causada pelos avanços técnico-científicos da sociedade capitalista. A sociedade não pode simplesmente desdenhar os valores culturais das comunidades tradicionais, tampouco manter-se completamente indiferente a elas. Há uma interferência mútua de uma sobre a outra. Vivemos os paradoxos da sociedade pós-moderna, paralisada pelo excesso de informação, sem sentido: uma sociedade globalizada que “no seu bojo transporta a miséria, a marginalização e a exclusão da grande maioria da população mundial” (SANTOS, 2002: 53), e outros processos ocultos que se traduzem pelo esfumaçamento dos parâmetros de tempo e espaço: a negação aos direitos de existência, de permanência e preservação da memória, principalmente quanto às particularidades socioculturais das populações tradicionais: o respeito, a proteção e a promoção da diversidade de suas expressões culturais. GT31044 6. Conclusão A falta de aptidão cognitiva é o maior obstáculo para que as pessoas possam apropriar-se de novos conhecimentos. O universo abundante de informações, facilitado pelo maior acesso a instrumentos, ferramentas e novas tecnologias informacionais, não implica a apropriação automática de novos códigos e valores socioculturais: “nos novos tempos, informar-se e informar mudaram de natureza e de estatuto sociocultural. Já não são mais atos simples, aprendidos apenas informalmente no cotidiano. Antes, são atos cognitivos cada vez mais complexos, implicando saberes e fazeres que necessitam ser aprendidos de modo sistemático, orgânico e contínuo, como condição de participação afirmativa na vida cultural de nosso tempo”. (PERROTTI, 2008: 7). Sem a aprendizagem dos novos saberes informacionais, os remanescentes de quilombos de todo o país terão ainda maior dificuldades de dar um salto para o futuro: o veto cognitivo impedeas de integrar-se à cultura, assimilar, processar e produzir novos saberes na algaravia informacional da aldeia global: “Ensinar a buscar informação, a pesquisar, a desenvolver o espírito e a autonomia investigativos são aspectos centrais incluídos nos programas de educação para a informação. [...] Sem tais competências e atitudes o sujeito não consegue apropriar-se das informações necessárias à construção do conhecimento, nem desenvolver atitudes de interesse em conhecer, mesmo se exposto aos diferentes produtos culturais. [...] Sem estruturas socioculturais que lhe dê apoio, sem saber buscar informação, a maioria dos sujeitos perde-se nas tramas do conhecimento, sem condições de apropriar-se nem da memória, nem dos saberes de seu tempo. Está incapacitado, portanto, para inventar e projetar o futuro”. (PIERUCCINI, 2004: 11) O Programa de Infoeducação, ao contemplar o diálogo com a comunidade local, não deixará em aberto as relações com o amplo universo de signos em circulação. Tal processo colocaria a apropriação cultural em risco, confinando os sujeitos à própria memória. A aposta maiúscula deste projeto de pesquisa será a criação de um Programa de Infoeducação Quilombola na Escolinha Jambeiro, em Cambury (Ubatuba-SP), numa perspectiva de diálogo entre sujeitos e saberes, para que possam reinventar o cotidiano e “ampliar a esfera do ser”. Perspectivas: Apostamos na criação de dispositivos dialógicos de informação e comunicação que superem o mero processo de assimilação de informações, a fim de reverter o quadro de apatia sociocultural: um novo modo de pensar e agir, com formas de experimentação do saber que fomentem a iniciativa, a criatividade, a autonomia, a dúvida e a independência intelectual dos sujeitos para que sejam protagonistas de sua própria história… 7. 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