31 VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL/CONSUMIDOR AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0006370-05.2014.8.19.0000 AGRAVANTE: CÂNDIDA CRISTINA BITTENCOURT CARDOSO TERRA AGRAVADA: UNIMED RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE JANEIRO RELATOR: DES. ANA MARIA PEREIRA DE OLIVEIRA Agravo de instrumento contra decisão que, em ação proposta pela Agravante, indeferiu a tutela antecipada, por ela pretendida no sentido de que a Agravada autorizasse o tratamento de quimioterapia conforme prescrição médica, concluindo pela falta de prova inequívoca das alegações inaugurais. Prestadora de serviço que nega o tratamento solicitado ao argumento de que a medicação prescrita não encontra amparo na literatura, não se tratando de primeira linha de tratamento, e que não havia indicação, em sua bula, para a terapêutica em questão. Paciente que comprova ser o fármaco recomendado por profissional médico especialista em razão de sua condição clínica, e que a não utilização do mesmo poderia implicar em não remissão ou mesmo progressão da doença, com agravamento de seu delicado estado de saúde. Prescrição de medicamento e orientação terapêutica são atos que integram a soberania da atuação do médico que assiste o doente. Previsão contratual de cobertura para o tratamento quimioterápico. Recusa injustificada de cobertura. Existência de prova inequívoca e de verossimilhança nas alegações da Agravante. Ausência de irreversibilidade da decisão agravada. Provimento do agravo de instrumento. VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento Nº 0006370-05.2014.8.19.0000, em que é Agravante CÂNDIDA CRISTINA BITTENCOURT CARDOSO TERRA, e Agravada UNIMED RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE JANEIRO. ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compõem a Vigésima Sexta Câmara Cível/Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em dar provimento ao agravo de instrumento. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação proposta pela Agravante, indeferiu a tutela antecipada, concluindo pela falta de prova inequívoca das alegações autorais, deixando de determinar que a ora ANA MARIA PEREIRA DE OLIVEIRA:000013772 Assinado em 27/03/2014 19:12:40 Local: GAB. DES(A). ANA MARIA PEREIRA DE OLIVEIRA 2 Agravada autorize o tratamento quimioterápico prescrito pela médica que acompanha a recorrente. Sustenta a Agravante, em resumo: que é dependente do plano de saúde da Agravada, no qual seu marido é o titular; que por conta de ter sido diagnosticada com câncer de pâncreas com metástase hepática, desde agosto de 2011, submete-se a sessões semanais de quimioterapia; que o tratamento quimioterápico para o câncer está previsto em contrato; que, diante da evolução da doença, a médica oncologista que a acompanha solicitou tratamento quimioterápico com Gemcitabina 100mg/m2 D1, D8 e D15 associado a Paclitaxel 70mg/m2 D1, D8 e D15 a cada quatro semanas; que o pedido foi negado porque não encontrava amparo na literatura, não se tratando de primeira linha de tratamento para a mencionada doença e que não há previsão na bula para tratamento desta patologia. Em decisão à fl. 21, foi deferido o efeito suspensivo, determinando que a Agravada autorizasse o tratamento solicitado, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, sendo dispensadas as informações. A Agravada, apesar de regularmente intimada, deixou de apresentar contrarrazões, consoante certidão de fl. 27. É o Relatório. O agravo de instrumento merece prosperar. A relação jurídica existente entre as partes é de consumo, e, como tal, a ela se aplica a disciplina da Lei 8.078/90, o que impõe a preservação do equilíbrio entre as partes contratantes, respeitada a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Em primeiro lugar, cumpre assinalar que o objetivo do contrato de plano de saúde é assegurar ao consumidor a plenitude de sua saúde e integridade física e que a orientação terapêutica a ser utilizada só pode ser avaliada pelo médico que assiste o doente, pois é ele quem, através do contato direto com o paciente, tem melhores condições de determinar o efeito clínico e a eficácia de cada tratamento, considerando as peculiaridades do caso concreto. No presente caso, a Agravante comprovou, através de declaração médica especializada (fls. 20/21, índice 00019 do Anexo 1), que a 26ª Câmara Cível/Consumidor – Agravo de Instrumento Processo nº 0006370-05.2014.8.19.0000 32 3 realização da quimioterapia com os medicamentos Gemcitabina 100mg/m2 D1, D8 e D15 associado a Paclitaxel 70mg/m2 D1, D8 e D15 se mostrava imprescindível para seu tratamento, conforme se vê: “...Ficou 6 meses com doença controlada. Evoluiu com progressão de doença hepática e local, fez 6 ciclos de tratamento com Folfirinox até 08/01/2014. Evoluiu com dor abdominal importante e aumento do CA 19.9. Foi solicitada ressonância de abdome que mostrou progressão de doença hepática e local. Solicito tratamento com gemcitabina 100 mg/m2 D1, D8 e D15 associado a paclitaxel 70 mg/m2- D1, D8 e D15 a cada 4 semanas. A escolha do esquema acima se baseia no estudo fase 3 publicação na edição do NEJM de 31/10/2013, página 1691, que mostrou superioridade do esquema de gemcitabina + nabpaclitaxel X gemcitabina isolada em termos de sobrevida global e sobrevida livre de progressão, além de taxa de resposta (23% para o esquema combinado X 7% para gemcitabina isolada). Lembramos que a medicação nab-paclitaxel não se encontra disponível no Brasil, sendo substituída por paclitaxel. A paciente encontra-se sintomática de recidiva local, portanto necessita de um tratamento com melhor taxa de resposta, é jovem e mantém um bom OS apesar da doença. Só fez gemcitabina na adjuvância.” Constando, ainda, no índice 00049 do Anexo 1, outro relatório médico no qual consta: “...A formulação do paclitaxel ligada a albumina (nabpaclitaxel) não encontra-se disponível no Brasil para utilização, porém temos disponível o paclitaxel, que é da mesma classe e encontra-se disponível no Brasil, aprovado pela ANVISA para tratamento de câncer de diversos sítios. Portanto tratam-se de drogas reconhecidamente ativas contra o câncer de pâncreas. A paciente possui ótimo estado geral. Porém vem piorando progressivamente a dor abdominal,. Necessitando de doses crescentes de analgésicos potentes para controlar parcialmente a dor. Os esquemas de quimioterapia para tratamento paliativo do câncer de pâncreas têm seu principal benefício no controle dos sintomas da doença e melhora da qualidade de vida do paciente. A paciente em questão necessita iniciar o tratamento com urgência, para garantir sua qualidade de vida e contribuir para o controle de sua dor abdominal.” Desse modo, havendo a cobertura contratual para o tratamento da doença em questão, com a realização de quimioterapia (índice 00037 e 00044 do Anexo 1), mostra-se indevida a negativa da Agravada em autorizar a terapêutica prescrita pela médica oncologista que acompanha a Agravante. Importante nesse ponto ressaltar que não há, na recusa apresentada pela Agravada, às fls. 14 (índice 00026 do Anexo 1), qualquer 26ª Câmara Cível/Consumidor – Agravo de Instrumento Processo nº 0006370-05.2014.8.19.0000 33 4 menção de que o tratamento solicitado seria experimental, conforme conclusão do Magistrado de primeira instância. Assim, em sede de cognição sumária e privilegiando os avanços da medicina, não se afigura razoável o indeferimento da tutela antecipada na forma requerida, não sendo plausível, tendo em vista a doença que acomete a Agravante e o que consta dos relatos médicos, a espera pelo término da demanda. Outrossim, não existe possibilidade de irreversibilidade da decisão agravada, tendo em vista que, em caso de sua revogação, poderá a Agravada proceder à cobrança dos valores referentes à medicação fornecida. Diante do exposto, dá-se provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão de primeira instância, deferir a antecipação de tutela jurisdicional, confirmando-se a decisão de fl. 21. Rio de Janeiro, 27 de março de 2014. DES. ANA MARIA PEREIRA DE OLIVEIRA Relatora 26ª Câmara Cível/Consumidor – Agravo de Instrumento Processo nº 0006370-05.2014.8.19.0000 34