um estudo sobre criatividade e indisciplina na escola

Propaganda
UM ESTUDO SOBRE CRIATIVIDADE E INDISCIPLINA NA ESCOLA
GARCIA*, Joe - UTP
[email protected]
TORRES**, Renato - UTP
[email protected]
ALBERTI***, Amanda - UTP
[email protected]
Resumo
Este trabalho apresenta um estudo teórico que relaciona criatividade e indisciplina na escola,
tendo por foco o contexto das aulas de Arte, na Educação Básica. Os estudos sobre
indisciplina escolar têm se afirmado no contexto e literatura educacionais, particularmente nas
últimas duas décadas, e passam a atrair novas leituras teóricas. Aqui exploramos uma
tendência teórica recente, interessada em analisar as possíveis relações entre as expressões de
indisciplina e a criatividade humana. Inicialmente o texto apresenta alguns argumentos sobre
a importância de se investigar a indisciplina nas aulas de Arte, tendo por horizonte a
Educação Básica. Também na parte introdutória consideramos um conjunto de possíveis
sentidos da gênese da indisciplina naquele contexto educacional. Em seguida o texto explora
algumas considerações sobre criatividade, destacando alguns elementos derivados de
pesquisas recentes. Então, é analisado um grupo de diferentes sentidos atribuídos às
expressões de indisciplina nas aulas de Arte, com base nos dados obtidos de duas entrevistas
realizadas com professores que atuam no Ensino Fundamental e Ensino Médio. Na parte de
considerações finais, o texto trata de discutir algumas questões surgidas da análise das
entrevistas, buscando sintetizar as reflexões teóricas desenvolvidas ao longo deste estudo,
desenhado para ser uma investigação qualitativa e exploratória. Entre os resultados teóricos
desdobrados deste estudo, destacamos a percepção de que a indisciplina na escola é capaz de
apresentar uma dimensão criativa, no sentido de poder representar visões e solicitar
transformação nas práticas pedagógicas e relações sociais na escola. Argumentamos que a
indisciplina, portanto, precisa ser investigada e analisada não somente como ruptura de
contextos de ensino-aprendizagem, mas também como leitura da escola, e processo capaz de
mobilizar transformações positivas nas práticas pedagógicas.
Palavras-chaves: Educação, Práticas Pedagógicas, Indisciplina Escolar, Criatividade.
Introdução
Este trabalho apresenta um estudo teórico que relaciona criatividade e indisciplina na
escola. Os estudos sobre indisciplina escolar vêm avançando no campo da pesquisa
educacional, e têm recorrido a diferentes referenciais teóricos para leitura epistemológica e
investigação. As pesquisas sobre indisciplina escolar, particularmente nas últimas duas
*
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná.
Professor do Curso de Artes Visuais e Mestrando em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná.
***
Acadêmica do Curso de Artes Visuais da Universidade Tuiuti do Paraná.
**
729
décadas, longe de revelar visões de consenso, indicam que esse é um fenômeno plural e
solicita diferentes leituras interpretativas, tal como procuramos apresentar neste trabalho.
Nas literatura educacional as expressões de indisciplina escolar têm sido relacionadas
a diversas causas e entre suas implicações estaria a possibilidade de transformar as relações e
a qualidade do processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Também é plural a
distribuição geográfica da indisciplina nas escolas ao redor do planeta, pois, sua ocorrência
tem sido registrada em diversos países (ESTRELA, 2002).
Este trabalho apresenta uma análise de como a indisciplina escolar, um embaraço
indesejável aos educadores, pode ser pensada, sob certa perspectiva, enquanto expressão de
criatividade, e como fonte de estímulo para transformações nas práticas pedagógicas.
Argumentamos que a indisciplina, em certos contextos, pode ser criativa e produtiva. Nesse
sentido, exploramos o argumento de que determinados atos ou comportamentos que
desestabilizam regras e esquemas na escola, e mais particularmente na sala de aula, seriam
também capazes de impulsionar os professores a rever suas práticas pedagógicas. Assim, por
exemplo, eventos de indisciplina poderiam indicar a necessidade de avançar a elaboração das
aulas, ou de revisar o currículo ou da qualidade das relações humanas na escola. A
indisciplina poderia estar solicitando um currículo capaz de envolver mais intensamente os
alunos no contexto das aulas e no ambiente mais amplo da escola. As expressões de
indisciplina, portanto, poderiam significar não somente uma forma de crítica, mas um convite
à reflexão e à revisão do que se está praticando nas escolas enquanto educação.
Na próxima seção refletimos sobre a presença e implicações da indisciplina nas aulas
de Arte. Mais adiante exploramos conceitualmente a noção de criatividade. Ao final
apresentamos algumas considerações buscando sintetizar algumas reflexões desenvolvidas ao
longo do trabalho.
Os Sentidos da Indisciplina nas Aulas de Arte
No campo dos estudos sobre indisciplina escolar não encontramos sustentação para a
idéia de que as expressões de indisciplina possam estar restritas a determinadas matérias. Ao
contrário, as expressões de indisciplina não encontram limites nas fronteiras epistemológicas
das matérias escolares. De fato, a indisciplina parece um elemento transversal as matérias
escolares. Assim, também no contexto das aulas de Arte, na Educação Básica, poderemos
encontrar expressões de indisciplina.
Qual o sentido da indisciplina nas aulas de Arte? O ensino de Arte, na educação
escolar formal, vem se transformando há décadas. Até muito recentemente o ensino de Arte
podia estar a cargo de professores de formações distantes daquela área. Isso implicava não
730
somente um certo esvaziamento no trabalho de conteúdos específicos, mas no próprio papel
formativo a ser exercido pela Arte no currículo da Educação Básica. Também poderíamos
ponderar sobre possíveis impressões causadas nos alunos por aulas onde experimentam um tal
esvaziamento. Talvez uma possível aura de "aula livre", de espaço lúdico dentro da grade
semanal, de tempo e oportunidade para experiências orientadas de "bagunça pedagógica"? É
necessário, entretanto, observar que certas práticas pedagógicas do ensino da Arte refletem a
idéia de livre expressão1 - decorrente de teorias que desejam valorizar o potencial criativo de
cada indivíduo -, passam a ser interpretadas como atividades sem objetivos. Assim, o estigma
de "aula livre" pode estar relacionado com o próprio percurso histórico do ensino de Arte no
Brasil. Mas, também deve ser considerado o modo como os alunos percebem esse clima nas
aulas, e reagem a ele.
Nas aulas de Artes o ensino de Arte precisa engajar os alunos em formas criativas de
aprendizagem, tal como deve ocorrer também no contexto das demais matérias escolares. Mas
poderíamos destacar a importância dos alunos encontrarem estímulos e espaço para criação
nas aulas de Arte. Tais aulas devem ser experiências de inquietude criativa, onde possam
aprender em contato estrito com a experiência de ruptura, seja no modo como enxergam o
mundo de formas, cores e texturas ao seu redor, por exemplo, ou como desejam retratá-lo ou
mesmo reinventá-lo.
Um breve exemplo destas rupturas seriam as conquistas dos artistas modernistas no
Brasil a partir da semana de 22. Naquela ocasião os artistas se rebelaram contra os padrões
Neoclássicos e iniciaram, a contra gosto dos acadêmicos da época, uma nova forma de
produzir a arte brasileira. Segundo Fusari e Ferraz (1993), a arte brasileira passou, na ocasião,
a assumir uma postura mais expressiva e mais próxima da realidade local, opondo-se aos
padrões clássicos europeus. O surgimento da Arte Moderna, no Brasil, irá a cada ano
conquistar mais os jovens artistas e culminará na criação da 1a. Bienal de São Paulo em 1951.
Segundo Justino (1995, p. 13): "É a internacionalização do artista brasileiro".
Toda esta busca por ruptura passa então a influenciar os artistas de vários estados
brasileiros. No Paraná, o confronto de jovens artistas com a Bienal, leva ao início de uma
série de discussões a respeito de Arte, que acarretará no surgimento do Movimento
Renovação, contando com artistas que buscam um novo rumo para a arte local. Diante desta
postura paranaense frente à Arte, acontecerá em 1957 durante o XIV Salão Paranaense de
1
A livre expressão é uma teoria do ensino de Arte que prioriza a descoberta artística através da
valorização da expressividade. Os principais divulgadores desta linha de pensamento foram Carl
Götze, Frans Cizec e Marion Richardson.
731
Belas Artes, uma manifestação dos artistas em prol do reconhecimento da produção moderna
local. Esta nova forma de produzir arte resultou em protesto, discussões e até a elaboração de
um manifesto para defender esta nova posição dos artistas (JUSTINO, 1995, p. 15). Diante
desse exemplo podemos perceber que os alunos de Arte têm a possibilidade de entrar em
contato com uma noção de ruptura que pode, ao causar espanto e repúdio em um momento,
causar orgulho e avanço em outro.
Portanto, se a aprendizagem de Arte deve exercer um papel formativo, no contexto das
aulas deve haver possibilidade para contestação e ruptura. Mas isso deve significar espaço
para indisciplina? Há diversas mensagens que podem ser criativamente expressas através de
eventos de indisciplina na escola. A indisciplina dos alunos pode sugerir, por exemplo, que
determinadas práticas pedagógicas devam ser repensadas, redesenhadas. Algumas formas de
indisciplina, particularmente quando articulam todo o grupo de alunos, podem estar falando
aos educadores sobre a qualidade de experiência os alunos estão encontrando nas aulas. A
indisciplina, então, talvez seja necessária, ao menos quando nada mais é capaz de sinalizar a
qualidade do processo de ensino-aprendizagem.
As expressões de indisciplina não parecem ocorrer como fatos isolados, mas
conectados a questões e contexto da escola. Nessa perspectiva, a gênese da indisciplina nas
aulas de Arte poderia ser relacionada ao contraste entre as expectativas dos alunos em relação
ao que esperam encontrar na escola e as experiências efetivas de aprendizagem que ali são
desenhadas e efetivamente possibilitadas. Assim, quando certas expectativas dos alunos, em
relação ao professor, a matéria ou à aula em si, são frustradas, tem-se aí uma possível fonte de
indisciplina. E esse cenário é algo a ser considerado pelos professores.
As expectativas dos alunos têm sido destacadas nos processos da gênese da
indisciplina (AMADO, 2001, FRELLER, 2001). Então, quando os alunos experimentam
monotonia recorrente na sala de aula, por exemplo, suas expressões de indisciplina poderiam
representar um desejo de mudança. Embora não possamos afirmar que as expressões de
indisciplina possam veicular mensagens não ambíguas, podemos considerar a possibilidade
daquelas comunicarem sentidos. Assim, os educadores deveriam estar atentos a tais sentidos,
quando desejam intervir nos contextos de indisciplina. Afinal, a reconfiguração da disciplina
em sala de aula, no caso acima, precisaria romper com a experiência que origina indisciplina.
No contexto do ensino de Arte é interessante considerar as expectativas de disciplina
cultivada entre os professores. Aqui, a expectativa de disciplina não se pode confundir com o
desejo por alunos apáticos. Em contextos onde se almeja estimular a criatividade, a
inventividade e um espírito de ruptura, por exemplo, a expectativa deve ser por alunos que
732
reflitam, que argumentem, e que participem das aulas. A produção dos alunos pode resultar
justamente destas reflexões.
Nesse sentido, as aulas de Arte devem proporcionar oportunidades para que os alunos
explorem argumentos, assumam posições, e inventem perguntas e respostas. Nessa
perspectiva, a sala de aula, sem deixar de ser um espaço de aprendizagem, é lugar também de
inquietude, de criatividade e movimento. Entretanto, há também na escola a expectativa de
civilidade, e portanto que ali se considere um conjunto de esquemas de ordem social. Assim, é
talvez no encontro entre a necessária liberdade para aprender e criar, e as expectativas de
civilidade, que surgem divergências e conflitos na escola, incluindo as expressões de
indisciplina.
Explorando a Noção de Criatividade
A noção de criatividade é plural. Na literatura que retrata os estudos sobre criatividade
não encontramos um conceito único, ou uma visão de consenso entre os teóricos, quanto ao
sentido do termo criatividade. Essa diversidade parece refletir a diversidade de visões teóricas
que tem sido propostas para pensar o conceito de criatividade. Assim, de forma a explorar o
conceito de criatividade, destacamos, a seguir, um conjunto de aspectos derivados de algumas
dessas visões.
O que é criatividade? Em um estudo recente, Alencar (2003), com base em Sternberg e
Lubart (1996), escreve que, de um modo geral, as soluções mais criativas seriam o resultado
da capacidade de redefinir um dado problema. Aquela mesma autora, a partir de
Csikszentmihalyi (1999), define criatividade como "um ato, idéia ou produto que modifica um
domínio existente ou transforma esse em um novo" (ALENCAR, 2003, p. 6).
Um outro aspecto a considerar, refere-se ao que estaria implicado no ato criativo.
Segundo Zorzal e Basso (2001), com base em Alencar (2001), embora a diversidade de visões
conceituais, tal como anunciada acima, é possível apontar aspectos gerais que sugerem a
criatividade como sendo "um processo humano que possibilita a emergência de um produto
novo ou inovador, por uma idéia ou invenção original ou pela reelaboração e aperfeiçoamento
de produtos ou idéias já existentes".
A noção de criatividade se relaciona à emergência do novo, algo socialmente
valorizado. Entretanto, a sociedade, apesar de valorizar a criatividade, nem sempre está aberta
às pessoas criativas, que talvez não seja estimulado. O indivíduo criativo apresentaria traços
de personalidade e características nem sempre compatíveis com as expectativas de educadores
733
e outros agentes de socialização (ALENCAR, 1995). Nesse sentido, o indivíduo criativo
poderia encontrar resistência social na escola.
Há uma visão necessária para se compreender a criatividade. Ela precisa ser
compreendida como produzido não somente por um indivíduo isoladamente. Entre as
diferentes abordagens de criatividade encontramos a noção de que embora o destaque dado ao
papel do indivíduo no processo criativo - sendo ele visto como o sujeito a produzir novas
visões, soluções e configurações -, há também que se considerar o papel do contexto social,
cultural e histórico, que resiste ou fomenta a produção criativa. De fato, a criatividade deveria
ser vista como um processo onde interagem sujeito e sociedade (ALENCAR, 2003). Assim, a
indisciplina talvez sinalize que na escola não somente encontramos indivíduos criativos, no
sentido de capazes de produzir novas visões em relação ao que está lá sendo exercido como
Educação. É preciso considerar que o ambiente escolar, afinal, talvez ofereça condições
favoráveis ao desenvolvimento da indisciplina como criatividade.
Indisciplina e Criatividade nas Aulas de Arte
A indisciplina é plural. Na escola ela assume diferentes expressões e sentidos, e pode
refletir diferentes finalidades e intencionalidades.
As expressões de indisciplina podem
assumir diferentes formas e linguagens, e comunicar distintas mensagens. Em sala de aula,
por exemplo, a indisciplina pode ser pensada como sinônimo de inquietude, ruptura, ousadia e
inconvencionalidade. A indisciplina produz alteração de ritmos, convida a imaginação ao não
repouso, e a divergir da linearidade que as práticas de ensino podem assumir.
Mas a
indisciplina também é desejo de mudança, de superação de limites.
Existem diferentes motivos para criar. Em alguns casos a criação surge da necessidade
da resolução de um problema; em outros,
da necessidade de apresentar novos padrões
estéticos. E temos ainda a possibilidade de se criar algo para oferecer uma distração, um
entretenimento. Da mesma forma, as implicações da indisciplina são plurais. Embora as
expressões de indisciplina possam representar uma contestação de determinada ordem ou
esquema social vigente na escola, também podem expressar um desejo de mudança, de uma
transformação necessária nas relações humanas ou no currículo.
Na escola, a indisciplina pode ser um apelo ao novo, uma solicitação de mudança. É
nesse sentido que afirmamos que a indisciplina, em sala de aula, pode assumir uma função
criativa. Mas essa afirmação deve ser contextualizada, pois não significa que todo ato de
indisciplina seja, em si mesmo, um ato criativo, ou que necessariamente represente uma visão
do novo. Neste trabalho argumentamos quanto à possibilidade de que as expressões de
734
indisciplina solicitem transformações criativas no currículo, nas aulas ou nas relações que ali
se estabelecem, por exemplo.
As expressões de indisciplina podem apresentar implicações bastante criativas para
pensar e transformar processos educacionais. Mas toda expressão de indisciplina está
relacionada a uma visão ou solicitação criativa? Com base em estudos que analisam relatos de
professores sobre a indisciplina na escola, presentes na literatura educacional (AMADO,
2001; D'ANTOLA, 1989; XAVIER, 2002), ou mesmo com base nos relatos que temos ouvido
ao entrevistar professores, afirmamos que os atos de indisciplina dos alunos não são
necessariamente expressões de criatividade. Isto é, os alunos podem ser sujeitos bastante
criativos, mas isso não implica que seus atos de indisciplina sejam, sempre, e
intencionalmente criativos. Entretanto, argumentamos que as expressões de indisciplina
podem ser capazes de implicar reflexão pedagógica, transformações no currículo,
modificações nas práticas didáticas dos professores. Tais mudanças podem ser bastante
criativas, e mesmo inovadoras; e é nesse sentido que argumentamos que a indisciplina
apresenta implicações criativas na escola.
A seguir, tendo em vista explorar o argumento acima, analisamos duas entrevistas
realizadas com professores de Arte, a propósito dos motivos da indisciplina em suas aulas. A
intenção das entrevistas foi buscar de um modo exploratório, através da perspectiva daqueles
professores, algumas visões sobre as expressões da indisciplina, e seus possíveis significados
no contexto das aulas de Arte. Analisamos um pequeno conjunto de questões específicas, e
sob uma perspectiva qualitativa e de síntese.
Uma das entrevistas foi realizada em um colégio público estadual, em Curitiba. Na
ocasião conversamos com uma professora de Arte, que atuava no magistério há 15 anos,
lecionando para turmas de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Quando perguntamos àquela
professora se os alunos que contestam as aulas ou a metodologia de ensino, poderiam ser
considerados 'indisciplinados', ela assim declarou: "Depende da situação. Se existirem
argumentos, não, pois o aluno pode estar desenvolvendo seu senso crítico, muitas vezes
mostrando ao professor novos pontos de vista".
Também perguntamos àquela mesma professora se a indisciplina poderia ser
considerada como algo apenas 'negativo' em sala de aula. A essa questão ela respondeu: "Em
primeiro lugar, a escola não tem estrutura para lidar com a indisciplina. Acredito que [a
indisciplina] está ligada com o vazio do ser humano. Parece que os alunos pedem socorro e
atenção com atos de indisciplina. Mas não acho que ela seja sempre negativa. O aluno que
pensa, forma opiniões, contesta, é o aluno que todo professor de Arte gostaria de ter".
735
Ainda na entrevista, perguntamos a ela qual seria o motivo da indisciplina,
particularmente nas aulas de Arte. Ela respondeu: "A aula de Arte é a única que dá ao aluno a
oportunidade de expressar suas idéias, usar sua criatividade e a possibilidade de criar algo. E,
muitas vezes, um aluno ou outro se expressa sendo indisciplinado. O que o professor tem que
cuidar é para não confundir liberdade para se expressar, ser criativo e criar, com baderna - o
que é bem difícil e exige do professor conhecimento".
Tendo em perspectiva as respostas acima é interessante observar não somente o
entendimento de que a indisciplina pode ser pensada como uma expressão de criatividade,
mas particularmente a noção de que há um possível processo de desenvolvimento cognitivo
em curso, expresso pela indisciplina, ou, que há um vazio - cognitivo ou mesmo existencial sendo expresso pela indisciplina. Embora a brevidade com que exploramos este argumento,
nos parece que a perspectiva apresentada pela professora entrevistada solicita uma agenda
própria de investigação sobre as relações entre indisciplina e criatividade.
A segunda entrevista envolveu também um professor de um colégio estadual, da rede
pública, em Curitiba. Esse professor, na ocasião (2006), já atuava no magistério há 5 anos,
tendo lecionado para turmas de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Quando perguntado se
achava que alunos que contestam as aulas podem ser considerados indisciplinados, ele
respondeu: "Não. Os alunos têm direito de dar sua opinião, contestar o que achar que não está
certo. Alunos apáticos em Arte não funciona". Ao ser questionado se a indisciplina é apenas
negativa, ele respondeu: "Não. Aluno criativo não é aquele que não reage às propostas feitas
pelo professor, e sim que questiona, critica, expõe novas idéias".
A pesquisa realizada teve um caráter qualitativo e exploratório. Assim, limitamos o
número de entrevistas. Entretanto, conforme sugerem os dados obtidos, as visões dos
professores nos fornecem elementos importantes para serem analisados. As respostas
fornecidas pelos professores apresentam uma perspectiva bastante interessante sobre os
modos como as expressões de indisciplina podem ser lidas pelos sujeitos na escola, e qual
leitura sobre a escola a indisciplina poderia estar sugerindo.
A indisciplina escolar, partindo da perspectiva acima, poderia ser pensada, para além
de uma conotação negativa, como um exercício de pensar diferente, onde se deve explorar o
novo, ainda que isso signifique contestar a ordem vigente. Mas a indisciplina também
representam perspectivas. Assim, as expressões de indisciplina deveriam nos fazer pensar
sobre, afinal, o que vêem os indisciplinados, e o que isso pode nos dizer sobre as práticas
pedagógicas e a intenção de educar exercidas nas escolas. A indisciplina, afinal, é uma outra
leitura da escola, um outro olhar sobre o que temos praticado como educação.
736
Considerações Finais
Neste trabalho exploramos relações entre indisciplina escolar e criatividade humana.
Analisamos alguns elementos teóricos encontrados na literatura especializada, bem como
consideramos algumas visões obtidas a partir de um pequeno conjunto de entrevistas
realizadas com professores, e um aluno, sobre suas experiências com indisciplina nas aulas de
Arte.
No centro deste trabalho está o argumento de que a indisciplina pode implicar
transformações criativas nos processos educacionais. Além disso, alegamos que a indisciplina
é capaz de mobilizar esforços de transformação na escola. Assim, exploramos a noção de que
a indisciplina pode ser lida positivamente, na medida em que é capaz de solicitar reflexão,
atitudes e soluções criativas na escola.
Entre as questões tratadas neste trabalho, há uma que desejamos destacar, nas
reflexões finais deste texto. A indisciplina, afinal, consegue sugerir aos professores um pensar
e agir diferentes? Neste artigo argumentamos que sim. Diante da indisciplina muitos
professores são instigados a produzir transformações bastante criativas em suas práticas
pedagógicas. Mas temos clareza de que todo esse processo de criação nem sempre acontece
de forma prazerosa, e que tais mudanças podem resultar de um processo um tanto angustiante.
Além disso, os professores não investem em tais mudanças sem um processo de muita
reflexão sobre as experiências de indisciplina. Assim, a indisciplina pode ser pensada como
expressão criativa no sentido de possibilitar visões, reflexões e transformações sobre práticas
pedagógicas (e seus elementos articuladores), ou mesmo quanto ao modo como os professores
percebem os alunos.
Através das entrevistas realizadas com os professores, nos parece que a indisciplina na
escola poderia ser pensada como um convite à reflexão. Um convite aos professores para
voltarem a refletir sobre suas aulas, pensando, talvez, em criar maiores oportunidades de
participação dos alunos, para que estes possam expor suas expectativas e opiniões a respeito
dos conteúdos e das próprias aulas, bem, como da própria matéria. Mas a indisciplina não
sugere apenas reflexão, no sentido de um exercício de um pensar segundo alguma
racionalidade. Talvez fosse produtivo pensar as expressões de indisciplina como desconfiança
das racionalidades e formas de controle e regulação que tem informado o currículo escolar.
Em seu papel pedagógico, a Arte não deseja apenas nos ajudar a pensar diferente. Ela solicita
ousadia de transformar as visões que alimentam nossos modos de pensamento. Assim, na
escola, o ensino da Arte deveria estar atento à indisciplina, e às formas de contestação que ela
pode representar. As expressões de indisciplina, afinal, são capazes de desenhar outros
737
imagens, iluminar outras perspectivas, produzir outras texturas diferentes daquelas que o
currículo deseja oficializar. E isso é importante o suficiente para deixar de ser percebido
porque tem associado a rupturas denominadas de indisciplina.
A indisciplina nas aulas de Arte, afinal, parece ser algo não somente incidental, mas
significativo dependendo de como será percebida e contextualmente interpretada. Assim, no
futuro, talvez seja necessário aos professores desenvolverem maior sensibilidade as
expressões de indisciplina em sala de aula.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, E. Contribuições teóricas recentes ao estudo da criatividade. Psicologia: teoria
e prática, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 1-8, 2003.
ALENCAR, E. Criatividade e a educação do superdotado. Petrópolis: Vozes, 2001.
ALENCAR, E. Criatividade. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.
AMADO, J. Interacção pedagógica e indisciplina na aula. Porto: ASA, 2001.
D'ANTOLA, A. (Org.). Disciplina na escola. São Paulo: E.P.U., 1989.
ESTRELA, M. T. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. Porto: Porto:
2002.
FRELLER, C. Histórias de indisciplina escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
FUSARI, M.; FERRAZ, M. A arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1993.
JUSTINO, M. J. 50 anos do Salão Paranaense de Belas Artes. Curitiba: MAC, 1995.
SAKAMOTO, C. Criatividade: uma visão integradora. Psicologia: teoria e prática, São
Paulo, v. 2, n. 1, p. 50-58, 2000.
CSIKSZENTMIHALYI, M. Creativity. New York: HarperCollins, 1996.
STERNBERG, R.; LUBART, T. Investing in creativity. American Psychologist, New York,
n. 51, p. 677-688, 1996.
ZORZAL, M.; BASSO, I. Por uma ontologia da criatividade. In: REUNIÃO ANUAL DA
ANPED, 24, 2001, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPED, 2001. p.
XAVIER, M. L. (Org.). Disciplina escolar: enfrentamentos e reflexões. Mediação: Porto
Alegre, 2002.
Download