Esclerose múltipla: qualidade de vida relacionada à saúde no pré e

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Fabio Augusto Bronzi Guimarães
Esclerose múltipla: qualidade de vida relacionada à saúde no pré e póstransplante de células-tronco hematopoiéticas
Dissertação apresentada à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo para obtenção
do título de Mestre em Ciências.
Área de Concentração: Psicologia.
RIBEIRÃO PRETO – SP
2009
FABIO AUGUSTO BRONZI GUIMARÃES
Esclerose múltipla: qualidade de vida relacionada à saúde no pré e póstransplante de células-tronco hematopoiéticas
Dissertação apresentada à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo para obtenção
do título de Mestre em Ciências.
Área de Concentração: Psicologia.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Antônio dos
Santos
Ribeirão Preto – SP
2009
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Guimarães, Fabio Augusto Bronzi
Esclerose múltipla: qualidade de vida relacionada à saúde no pré e
pós-transplante de células-tronco hematopoiéticas Ribeirão Preto, 2009.
175 p. : il. ; 30 cm
Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP. Área de Concentração:
Psicologia
Orientador: Santos, Manoel Antônio.
1. Esclerose múltipla. 2. Qualidade de vida relacionada à saúde. 3.
Transplante de células-tronco hematopoiéticas.
Nome: Guimarães, Fabio Augusto Bronzi
Título: Esclerose múltipla: qualidade de vida relacionada à saúde no pré e pós-transplante de
células-tronco hematopoiéticas
Dissertação apresentada à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Mestre em
Ciências.
Área de Concentração: Psicologia
Aprovada em: ____/____/______
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: _____________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: _____________________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: _____________________________
Este trabalho foi subvencionado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo – FAPESP,
mediante a concessão de bolsa de
Mestrado, processo número 07/52583-9.
Aos meus pais, com muito carinho,
e à Ana Júlia que, de maneira singela,
me ajudou a finalizar este trabalho
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Manoel Antônio dos
Santos, por ter confiado no meu potencial, pela disponibilidade sempre carinhosa e,
principalmente, pelo exemplo de profissional.
À Dra. Érika Arantes de Oliveira Cardoso, pelo seu apoio contínuo na realização deste
trabalho, pela confiança em momentos importantes da vida e pela amizade nos momentos
dolorosos.
À Dra. Ana Paula Mastropietro, pelo apoio e carinho nos momentos de realização
deste trabalho.
A todos os integrantes da equipe multiprofissional da Unidade de Terapia Imunológica
e da Unidade de Transplante de Medula Óssea do HCFMRP-USP.
Aos meus familiares, minha gratidão eterna, pelo apoio incondicional. Agradeço aos
meus avós pela constante lição de humildade. Às minhas tias, pela motivação, pela confiança
e pelo amor. À minha irmã pelo carinho. E aos meus pais pela lição de honestidade, de
respeito, de perseverança, enfim, pela lição de vida. A vocês, meu carinho e admiração.
Aos meus amigos e colegas, agradeço pela paciência e compreensão nos momentos de
ausência.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão
da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa.
Por fim, agradeço a cada um dos participantes deste estudo que, nesse momento tão
difícil de suas vidas, estiveram comigo durante algum tempo, me oferecendo muito mais que
relatos, mas sinceras lições de perseverança.
Liberdade - essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
Cecília Meireles
RESUMO
Guimarães, F.A.B. (2009). Esclerose múltipla: qualidade de vida relacionada à saúde no pré e
pós-transplante de células-tronco hematopoiéticas. Dissertação de Mestrado, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Pacientes com Esclerose Múltipla (EM), em decorrência da enfermidade ou dos tratamentos
realizados, em geral, enfrentam uma depreciação na qualidade e na expectativa de suas vidas.
Nesse contexto, a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é um importante indicador
do impacto causado pela doença, bem como pelos tratamentos realizados. O objetivo principal
deste trabalho foi avaliar a QVRS de pacientes com esclerose múltipla submetidos ao
transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas (TCTH). Trata-se de um estudo
caracterizado como uma pesquisa clínica, descritiva e exploratória, com recorte longitudinal e
enfoque metodológico quanti-qualitativo. A amostra foi composta por 34 pacientes da
Unidade de Transplante de Medula Óssea do HCFMRP-USP, dos quais 18 (52,9%) eram do
sexo feminino, 21 (61,8%) conviviam com companheiro(a) e 14 (41%) dos participantes
possuíam 12 ou mais anos de estudo. Em média, os participantes tinham 40,59±9,01 anos,
com amplitude de variação de 19 a 55 anos e o tempo médio de doença de 7,38±2,39, com
variação de 4 a 13 anos. Dos participantes, 38,2% possuíam renda familiar acima de cinco
salários mínimos e 82,3% deles se diziam inativos no momento da avaliação pré-TMO. Para a
coleta de dados, utilizaram-se um roteiro de entrevista semiestruturado e o Questionário
Genérico de Avaliação de Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (SF-36). A coleta foi
realizada em três momentos distintos do tratamento: antes do transplante (pré-TCTH), cerca
de 30 dias após a realização do procedimento (pós-TCTH imediato) e um ano após o
procedimento (pós-TCTH tardio). As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas
na íntegra. O método de análise temática de conteúdo foi utilizado com o objetivo de
identificar as concepções, crenças, valores, motivações e atitudes dos participantes. O SF-36
foi aplicado individualmente, em situação face a face, cotado e analisado de acordo com as
recomendações específicas dessa técnica. Inicialmente, foi feita análise estatística descritiva e,
em seguida, para a comparação dos resultados nos três momentos, foi utilizado o teste não
paramétrico de Friedman. Foi adotado como nível de significância 0,05. Os resultados
revelaram que a doença é fator desencadeador de diversas modificações na vida dos pacientes
com EM, sendo que as dificuldades de desempenhar atividades de vida diária e as limitações
decorrentes das perdas progressivas são as mais percebidas. Notou-se que esses pacientes
chegaram ao transplante referindo cansaço após sucessivas tentativas mal-sucedidas de
tratamento e mostraram esperança de que o TCTH possa ser a solução definitiva para seus
problemas. Os resultados do SF-36 apontam que, antes da realização do TCTH e
imediatamente depois, os domínios que apresentaram os menores valores, quando
comparados aos demais, foram a Capacidade Funcional e o Aspectos Físicos. Esse dado
denota que a capacidade de os pacientes realizarem atividades do seu dia a dia encontrava-se
prejudicada nesses dois momentos da avaliação. Não foram observadas diferenças
estatisticamente significantes entre os resultados desses dois primeiros momentos avaliados.
No pós-TCTH tardio, houve uma diferença estatisticamente significante em todos os oito
domínios da QVRS, quando realizada a análise comparativa com os outros dois momentos do
TCTH. Concluiu-se que os pacientes com EM submetidos ao TCTH sofreram impacto
negativo em seu cotidiano após o surgimento da doença e, decorrido um ano do TCTH,
apresentaram percepção de melhora em todos os domínios da QVRS.
Palavras-chave: Qualidade de vida. Esclerose múltipla. Transplante de células-tronco.
ABSTRACT
Guimarães, F.A.B. (2009). Multiple sclerosis: health related quality of life pre and posthematopoietic stem cell transplantation. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Patients with Multiple Sclerosis (MS), due to illness or treatments, in general, face
depreciation in the quality and expectation of their lives. In this context, health related quality
of life (HRQoL) is an important indicator of the impact of the disease as well as the
treatments performed. The objective of this study was to evaluate the HRQoL of MS patients
undergoing autologous hematopoietic stem cell transplantation (HSCT). This is a descriptive,
exploratory and clinical study, with longitudinal cross-section and a quanti-qualitative
methodological approach. The sample consisted of 34 patients of the Bone Marrow
Transplant Unit HCFMRP-USP, of which 18 (52.9%) were female, 21 (61.8%) lived with a
partner and 41% had 12 or more years of study. On average, participants were 40.59 ± 9.01
years old, ranging from 19 to 55 years and with mean disease duration of 7.38 ± 2.39 years,
ranging from 4 to 13 years. Of the participants, 38.2% had a family income above five
minimum wages and 82.3% of them said they were inactive at the time of the pre-HSCT. To
collect data, we used a semi-structured interview and the Medical Outcomes Study 36 Item
Short-Form Health Survey (SF- 36). Data were collected at three separate stages of treatment:
before transplantation (pre-HSCT), about 30 days after the procedure (immediate post-HSCT)
and one year after transplantation (late post-HSCT). The interviews were recorded and later
transcribed in full. The method of thematic content analysis was used in order to identify the
concepts, beliefs, values, motivations and attitudes of the participants. The SF-36 was applied
individually and face-to-face, classified and analyzed according to the specific
recommendations of this technique. Initially, descriptive statistical analysis was performed
and then, to compare the results of the three moments, the nonparametric Friedman test was
used. The significance level of 0.05 was adopted. The results indicated that the disease is a
factor that triggered several changes in the lives of patients with MS, and the limitations and
difficulties in performing daily activities arising from progressive losses are the most noticed.
It was noted that these patients came to transplantation reporting fatigue after repeated
unsuccessful treatment attempts and hope that HSCT could be the ultimate solution to their
problems. The results of the SF-36 indicate that prior to the HSCT and immediately after, the
domains that had the lowest values, when compared to the others, were the Physical
Functioning and Role Limitations due to Physical Problems. This finding indicates that
patients' ability to perform activities of their daily life was hampered at these two moments of
assessment. There were no statistically significant differences between the results of these
first two moments evaluated. At late post-HSCT, there was a statistically significant
difference in all eight domains of HRQoL, when compared with the other two moments of the
HSCT. It was concluded that patients with MS who underwent HSCT suffered a negative
impact in their quotidian lives after the disease outbreak and, a year after the HSCT, showed
perceived improvements in all areas of HRQoL.
Keywords: Quality of life. Multiple Sclerosis. Stem cell transplant.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição numérica e percentual dos participantes com esclerose múltipla
submetidos ao transplante de células-tronco, de acordo com as características
sociodemográficas e clínicas (n=34) ................................................................... 68
Tabela 2 – Médias, desvios-padrão, medianas, valores mínimos e máximos das variáveis
do SF-36, nos momentos pré-TMO, pós-TMO1 e pós-TMO2 (n=34)................ 70
Tabela 3 – Tabela 3 - Distribuição dos escores médios e medianas para os domínios do
SF-36, nos momentos pré-TMO e pós-TMO1 (n=34)......................................... 73
Tabela 4 – Comparações das médias das variáveis do SF-36, nos momentos pós-TMO1 e
pós-TMO2 (n=34)................................................................................................ 74
Tabela 5 – Comparações dos escores obtidos para os domínios do SF-36, nos momentos
pré-TMO e pós-TMO2 (n=34)............................................................................. 75
Tabela 6 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável CF ...... 77
Tabela 7 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável AF ...... 78
Tabela 8 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável D ........ 79
Tabela 9 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável EGS.... 80
Tabela 10 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável VIT..... 82
Tabela 11 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável AS ...... 84
Tabela 12 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável AE...... 86
Tabela 13 – Efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas no escore da variável SM ..... 87
Tabela 14 – Apresenta o núcleo temático 1: Antes e diante do adoecer; suas categorias,
subcategorias e elementos.................................................................................... 90
Tabela 15 – Apresenta o núcleo temático 2: mudanças percebidas após o surgimento da
EM; suas categorias, subcategorias e elementos ................................................. 93
Tabela 16 – Apresenta o núcleo temático 3: O tratamento com TCTH; suas categorias,
subcategorias e elementos.................................................................................. 101
Tabela 17 – Apresenta o núcleo temático 4: Fontes de apoio identificadas pelos
participantes; sua categoria, subcategorias e elementos .................................... 108
Tabela 18 – Apresentação do núcleo temático 5: Vivência do TCTH; suas categorias,
subcategorias e elementos.................................................................................. 112
Tabela 19 – Apresentação do núcleo temático 6: Percepção de si próprio e das relações
com o outro no momento imediatamente após a realização do TCTH; suas
categorias, subcategorias e elementos................................................................115
Tabela 20 – Apresenta o núcleo temático 7: Fontes de apoio imediatamente após o TCTH;
categoria, subcategorias e elementos .................................................................118
Tabela 21 – Apresenta o núcleo temático 8: O tratamento pós-TCTH imediato; suas
categorias, subcategorias e elementos................................................................120
Tabela 22 – Apresenta o núcleo temático 9: Revivendo a experiência do TCTH; suas
categorias, subcategorias e elementos................................................................124
Tabela 23 – Apresenta o núcleo temático 10: Mudanças percebidas após a realização do
TCTH; suas categorias, subcategorias e elementos ...........................................127
Tabela 24 – Apresentação do núcleo temático 11: Expectativas e planos futuros; suas
categorias, subcategorias e elementos................................................................131
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
Distribuição das medianas dos escores das variáveis do SF-36, no pré-TMO,
no pós-TMO1 (imediato) e pós-TMO2 (tardio) .................................................. 72
Figura 2 –
Distribuição das medianas dos escores de CF em função das categorias de
Idade nos momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO
tardio (Pós2)......................................................................................................... 77
Figura 3 –
Distribuição das medianas dos escores de EGS em função das categorias de
Idade, nos momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO
tardio (Pós2)......................................................................................................... 81
Figura 4 –
Distribuição das medianas dos escores de VIT em função das categorias de
Renda Familiar, nos momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e
pós-TMO tardio (Pós2)........................................................................................ 83
Figura 5 –
Box plot do domínio AS em função de Estado Conjugal, em relação aos
momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO tardio
(Pós2) ................................................................................................................... 85
Figura 6 –
Box plot do domínio SM em função do Estado Conjugal, em relação aos
momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO tardio
(Pós2) ................................................................................................................... 88
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
EM
Esclerose múltipla
QVRS
Qualidade de vida relacionada à sáude
TCTH
Transplante de células-tronco hematopoiéticas
TMO
Transplante de medula óssea
UTMO
Unidade de Transplante de Medula Óssea
HCFMRP-USP
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo
SF-36
Questionário Genérico de Avaliação de Qualidade de Vida – Medical
Outcomes Study 36 Item Short-Form Health Survey
Pré-TMO
Etapa anterior à realização do transplante
Pós-TMO imediato
Etapa imediatamente posterior à realização do transplante
Pós-TMO tardio
Etapa de um ano após a realização do transplante
FAPESP
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Prof.
Professor
Dr.
Doutor
Dra.
Doutora
NEPPS
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicologia da Saúde
FFCLRP
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
DAIs
Doenças autoimunes
AR
Artrite reumatoide
LES
Lúpus eritematoso sistêmico
ES
Esclerose sistêmica
SNC
Sistema nervoso central
RNM
Ressonância magnética
LCR
Líquido cefalorraquidiano
MS
Ministério da Saúde
GATMO
Grupo de Apoio ao Transplantado de Medula Óssea
CTH
Células-tronco hematopoiéticas
QV
Qualidade de vida
OCDE
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMS
Organização Mundial de Saúde
WHOQOL
The World Health Organization Quality of Life assessment
DP
Desvio-padrão
CF
Capacidade Funcional
AF
Aspectos Físicos
D
Dor
EGS
Estado Geral de Saúde
VIT
Vitalidade
AS
Aspectos Sociais
AE
Aspectos Emocionais
SM
Saúde Mental
Pós-TMO1
Pós-TMO imediato
Pós-TMO2
Pós-TMO tardio
M
Média
Me
Mediana
Mi
Valor mínimo
Ma
Valor máximo
P
P-valor
IC
Intervalo de confiança
LI
Limite Inferior
LS
Limite Superior
NE
Nível de escolaridade
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
PREÂMBULO ....................................................................................................................xxvii
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................31
Esclerose múltipla ................................................................................................................31
Transplante de células-tronco hematopoiéticas....................................................................36
Evolução histórica do TCTH................................................................................................36
Etapas do TCTH ...................................................................................................................37
Tipos de TCTH.....................................................................................................................39
TCTH autólogo.....................................................................................................................39
Unidade de Transplante de Medula Óssea (UTMO) do HCFMRP-USP .............................42
Repercussões psicossociais da terapêutica do TCTH...........................................................43
Qualidade de Vida (QV).......................................................................................................44
Histórico do conceito de Qualidade de Vida ........................................................................44
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde..............................................................................46
Avaliação da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde........................................................47
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde na esclerose múltipla ...........................................48
Repercussões sobre a QVRS no TCTH................................................................................50
OBJETIVOS ...........................................................................................................................53
MÉTODO ................................................................................................................................55
Delineamento do estudo .......................................................................................................55
Participantes .........................................................................................................................56
Procedimento de coleta de dados..........................................................................................56
Instrumentos .........................................................................................................................57
Questionário genérico de avaliação de qualidade de vida relacionada à saúde – SF-36......57
Roteiro de entrevista semiestruturada...................................................................................58
Coleta de dados.....................................................................................................................59
Análise de dados .................................................................................................................. 60
Considerações éticas ............................................................................................................ 66
RESULTADOS ...................................................................................................................... 67
Componente Quantitativo .................................................................................................... 67
Componente Qualitativo ...................................................................................................... 89
CONCLUSÕES .................................................................................................................... 143
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 145
ANEXOS ............................................................................................................................... 163
APÊNDICES ........................................................................................................................ 165
xxvii
PREÂMBULO
Um passo adiante, um novo caminho, uma nova possibilidade e uma nova conquista.
Após situação de muita angústia por ter deixado o curso de Engenharia Química na
UNICAMP, voltei a Ribeirão Preto, frustrado, porém mais maduro e fortalecido. Decidi,
contrariando muitas opiniões, prestar vestibular para o curso de Psicologia. Com muito
esforço, consegui superar as dificuldades e fui aprovado no vestibular.
Em 2002, ingressei na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e dei início a minha trajetória no curso de
Psicologia, sedento por um contato menos racional e mais próximo e sensível com os
fenômenos próprios ao psiquismo humano. Apesar de um pouco mais velho do que os meus
colegas de turma, uma vez que cursara, anteriormente, três anos de Engenharia Química na
UNICAMP, eu tinha o mesmo sonho que a maioria deles: poder auxiliar outras pessoas. Foi
também frustrante constatar que essa possibilidade passava longe do primeiro ano do curso.
No entanto, foi exatamente no primeiro ano, mais precisamente no primeiro semestre
do curso, durante as aulas da disciplina de Neuroanatomia, que tive contato com as doenças
neurodegenerativas. O grupo de alunos do qual fazia parte deveria apresentar um seminário
com essa temática e fiquei responsável por explanar sobre esclerose múltipla. Estudei muito
para isso, afinal era meu primeiro seminário e eu queria me sair bem. Acabei entrando em
contato com pessoas com a enfermidade e passei a conhecer um pouco da realidade da doença
e de entrar em contato com a dor emocional de seus portadores. Foi um trabalho muito árduo,
porém extremamente gratificante.
No semestre seguinte, durante a realização da I Semana da Psicologia da FFCLRPUSP, assisti a uma palestra sobre Psicologia Hospitalar. Nessa ocasião, conheci a Dra. Érika
Arantes de Oliveira Cardoso que ministrou palestra sobre sua atuação, como psicóloga, da
Unidade de Transplante de Medula Óssea (UTMO) do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Senti que havia
encontrado algo que se aproximava muito do que eu almejava. Tentei entrar em contato com a
Dra. Érika, mas com a proximidade das provas e trabalhos adiei essa busca.
Fiquei bastante surpreso quando, nas aulas da disciplina Seminários de Pesquisa I, em
que os orientadores apresentam sua linha de pesquisa, a Dra. Érika, juntamente com o Prof.
Dr. Manoel Antônio dos Santos, apresentaram algumas propostas de pesquisa aos alunos.
Uma dessas propostas era uma pesquisa com pacientes com doenças autoimunes (dentre elas,
xxviii
a esclerose múltipla) submetidos à terapêutica do TMO. Gostei muito da proposta e me
prontifiquei a trabalhar nessa pesquisa.
Passei a integrar o grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicologia
da Saúde (NEPPS), coordenado pelo Prof. Dr. Manoel Antônio dos Santos, cadastrado no
diretório de Pesquisa do CNPq. Nesse grupo demos início aos estudos da metodologia, das
técnicas utilizadas na pesquisa nessa área, o que me possibilitou elaborar o projeto de
pesquisa.
Meu trabalho de iniciação científica, subvencionado pela FAPESP, teve como objetivo
avaliar a qualidade de vida de pacientes com doenças autoimunes submetidos ao transplante
de medula óssea. O contato com o participante do estudo foi bastante marcante e profícuo.
Ouvi-los, compreender suas histórias e o drama pessoal e familiar da doença foi uma tarefa
intensa e gratificante. Esse trabalho consumiu quatro anos. Ao final, após a defesa da
Monografia, muitos fatos ocorreram rapidamente: o término do curso, a formatura e a decisão
pela continuidade da pesquisa, agora em nível de mestrado.
Concomitantemente, eu e meu orientador elaboramos o artigo para publicação dos
resultados encontrados nesse primeiro estudo e o projeto de pesquisa do mestrado. Optei por
continuar a investigação da qualidade de vida dos pacientes transplantados, mas, nesse
momento, focalizaria os pacientes com esclerose múltipla. Veio, então, a seleção do mestrado
e, com a aprovação, pude dar continuidade ao trabalho, com o apoio financeiro da FAPESP
que me concedeu uma bolsa de mestrado. Essa subvenção foi fundamental para que eu
pudesse dedicar-me integralmente à condução de meu projeto de pesquisa.
Além de atuar como pesquisador, passei a auxiliar a Dra. Érika na “co-coordenação”
do grupo de pesquisa que congrega os alunos de Iniciação Científica. Passei, também, a
colaborar com as reuniões do estágio em Psicologia Hospitalar oferecido por ela e pelo Prof.
Manoel junto à Unidade de TMO e ao Centro de Psicologia Aplicada da FFCLRP.
Durante o período de mestrado, veio a confirmação de algo tão aguardado. A
conquista da minha primeira publicação. O artigo que havíamos elaborado, cerca de um ano
atrás, havia sido aceito pela Revista Latino-Americana de Enfermagem e foi publicado na
edição dos meses de setembro-outubro de 2008. Foi um acontecimento muito especial na
minha trajetória acadêmica.
Agora, cheguei ao término de mais uma etapa, culminando com a conclusão da
Dissertação de Mestrado.
xxix
Meu pai me encorajou a dar o passo, quando me apoiou a recomeçar. Descobri na
psicologia um novo caminho. As possibilidades surgiram com a ajuda do meu orientador e de
amigos especiais. E a nova conquista... ?? Bom! Essa, estou certo de que será algo para eu me
lembrar com muito entusiasmo e orgulho.
xxx
31
INTRODUÇÃO
Esclerose múltipla
A esclerose múltipla (EM) faz parte de um grupo de doenças conhecido como
autoimunes (DAIs), que apresentam amplo espectro de manifestações clínico-laboratoriais.
Em um extremo estão as doenças localizadas, associadas a lesões e autorreatividade órgãoespecífica como a diabetes insulino-dependente. No outro extremo, encontram-se as doenças
multissistêmicas, como as enfermidades reumáticas, artrite reumatoide (AR), lúpus
eritematoso sistêmico (LES), esclerose sistêmica (ES) e vasculites primárias. Essas doenças
podem afetar órgãos vitais e causar significativa morbimortalidade, sendo tratadas com antiinflamatórios, imunomoduladores ou imunossupressores inespecíficos. Em uma região
intermediária deste espectro, encontram-se outras DAIs, como a esclerose múltipla e os
pênfigos que afetam apenas um sistema orgânico, mas que devido à extensão de seu
acometimento, têm consequências semelhantes às das DAIs sistêmicas, sendo, em geral,
tratadas da mesma maneira (Voltarelli et al., 2005)1.
A EM é uma doença neurológica desmielinizante, inflamatória crônica e incapacitante.
Por desmielinização entende-se a destruição da mielina, um material gorduroso e proteináceo
que circunda parte das fibras nervosas no sistema nervoso central. A doença é caracterizada
por episódios repetidos de disfunção neurológica com remissão variável, ou seja, apresenta
evolução usualmente não linear com piora dos sintomas e acúmulo de incapacidades,
intercalados por períodos variáveis de melhora (Stokes, 2000; Mendes, Balsimelli,
Stangehaus & Tilbery, 2004; Tilbery et al., 2005). Com início agressivo, a EM caracteriza-se
por acúmulo de sequelas e um padrão de muitos surtos.
A EM foi documentada pela primeira vez em 1882 por Sir Augustus D’Este que,
aparentemente, era portador da doença (Costa, Fonteles, Praça & Andrade, 2005). Somente
em 1868 a EM foi identificada e formalmente descrita pelo eminente neurólogo francês Jean
Martin Charcot. Ele a chamou de esclerose em placas, descrevendo as áreas endurecidas
semelhantes a cicatrizes que são encontradas disseminadas pelo sistema nervoso central
(SNC) dos indivíduos que apresentam a doença (Costa et al., 2005).
1
De acordo com as normas preconizadas pela APA – American Psychological Association
32
No estágio atual do conhecimento científico, a EM é considerada uma doença
neurológica crônica de causa ainda desconhecida. A hipótese patogênica mais aceita é a de
que seja fruto da conjunção de uma determinada predisposição genética e um fator ambiental
desconhecido que, ao se apresentarem em um mesmo indivíduo, originariam uma disfunção
do sistema imunológico. Essa disfunção desencadearia a ação autolesiva dirigida
fundamentalmente contra a substância branca, com perda de mielina, o que ocasionaria um
defeito na condução dos impulsos nervosos e condicionaria o aparecimento dos sintomas
(Moreira, Felipe, Mendes & Tilbery, 2000). A predisposição genética, combinada ao fator
ambiental desconhecido, estabelece ou mantém células T autorreativas que, após um período
de latência de cerca de 10 a 20 anos, seriam ativadas por um fator sistêmico ou local (infecção
viral, puerpério, entre outros fatores). Uma vez ativadas, essas células T passam seletivamente
pela barreira hematoencefálica e, ao serem expostas novamente ao autoantígeno, iniciam uma
reação inflamatória (Moreira et al., 2000).
A EM é uma das doenças mais comuns do sistema nervoso central em adultos jovens.
Segundo Tilbery, Felipe, Baldauf e Peres (1995), admite-se uma distribuição geográfica típica
da EM, com maior incidência em países de clima frio ou temperado e menor em países de
clima tropical. Estudos apontam que a EM afeta mais frequentemente a etnia branca, o adulto
jovem (20 a 40 anos) e o sexo feminino (Leite, Andrade & Novis, 1990; Lana & Lana, 1992;
Sadovnick, 1994; Poser, 1995; Fernández & Fernández, 1997; Oliveira, Annes, Oliveira &
Gabbai, 1999; Grzesiuk, 2006).
Considerando, conforme referido anteriormente, que o organismo produz anticorpos
que atacam a camada de mielina que envolve os axônios, prolongamentos dos neurônios, há
prejuízo na condução de mensagens que controlam os movimentos. A característica mais
evidente da EM é a ocorrência do surto expresso por sintomas neurológicos transitórios,
dependentes das lesões distribuídas pelo SNC (Costa et al., 2005). Entende-se por surto a
exacerbação ou agudização dos sintomas, ou seja, a ocorrência de sintomas de disfunção
neurológica com mais de 24 horas de duração, devendo afetar diferentes partes do SNC e
estar separados por um período mínimo de um mês (Poser, Paty & Sheinberg, 1983). A
progressão da EM é analisada por meio de características clínicas e de exames de ressonância
magnética (RNM).
Alguns autores (Lublin & Reingold, 1996; Rolak, 1996) consideram quatro tipos
principais de cursos clínicos da EM, a saber:
1) A forma remitente-recorrente caracteriza-se pela ocorrência de surtos claramente
definidos, seguidos por recuperação parcial ou total dos sintomas e sinais, e separados por
33
intervalos de estabilidade clínica (remissão) de, no mínimo, 30 dias de duração sem
progressão do quadro.
2) A forma primariamente progressiva caracteriza-se desde o início por doença
progressiva, evoluindo com ocasionais estabilizações e discretos períodos de melhora.
3) A forma secundariamente progressiva caracteriza-se por um curso inicial de
recorrências e remissões, posteriormente sucedido de progressão com ou sem surtos
ocasionais, ocorrendo progressão dos déficits entre os surtos.
4) A forma benigna evolui em surtos bem individualizados, que deixam ou não
sequelas, não havendo progressão dos déficits entre os surtos.
Alguns estudos apontam para a prevalência da forma remitente-recorrente nos
pacientes brasileiros, sendo que a idade média de acometimento do primeiro surto ocorre por
volta dos 30 anos de idade (Arruda et al., 2001; Ferreira, Machado & Vilela, 2004; Fragoso &
Fiore, 2005; Grzesiuk, 2006).
Sobre a sintomatologia, pode-se dizer que a maioria dos pacientes apresenta vários
sinais e sintomas comuns à doença (Costa et al., 2005). Os sinais típicos são: atrofia ótica com
diminuição da acuidade visual, fraqueza da face e contração enérgica da mandíbula. Nos
membros ocorre tetraparesia, sendo que a marcha torna-se cada vez mais difícil. Sensações de
formigamentos, dormências ou queimações também são comuns nos membros e tronco.
Podem ocorrer, ainda, dificuldades de articulação da fala e de deglutição, alterações das
funções sensoriais relacionadas ao tato, dor e posição e perda do controle da micção com
incontinência urinária (Stokes, 2000).
Outro sintoma muito comum na EM é a fadiga, que frequentemente interfere na
capacidade funcional do paciente (Pittion-Vouyovitch et al., 2006). Segundo Pavan et al.
(2007), fadiga é um sintoma subjetivo, caracterizado por sensação de cansaço físico ou mental
profundo. Acomete de 53 a 92% dos portadores, dependendo da definição utilizada. Em
aproximadamente um terço dos pacientes a fadiga é relatada como o primeiro sintoma da
doença, podendo agravar os demais e assumir, portanto, importância fundamental para o
estado geral dos pacientes (Pavan et al., 2007).
Além das complicações físicas e corporais, as quais o portador da esclerose múltipla
está sujeito, deve-se considerar também os aspectos psicológicos envolvidos nessa doença.
Alterações de humor, como euforia, depressão e apatia nos pacientes com EM, são conhecidas
desde as primeiras descrições da doença, Charcot já as referia como parte do quadro clínico
(Mendes, Tilbery, Balsimelli, Moreira & Cruz, 2003). As alterações emocionais
34
predominantes são a ansiedade e o estresse relacionados com o curso imprevisível da doença,
bem como os sintomas de depressão que parecem ter uma base neurobiológica adicional à
reatividade emocional pelo acúmulo de sequelas, que levam à incapacidade (Pujol et al.,
2000; Lima, Haase & Lana-Peixoto, 2008).
Segundo Haase et al. (2004), a incidência de transtornos mentais, principalmente de
depressão, é alta na EM e pode até mesmo ser mais elevada do que em outras doenças
neurológicas crônicas e incapacitantes. Os resultados de internacionais indicam que até um
terço dos portadores de EM pode apresentar sintomas da depressão (Haase et al., 2004). No
contexto brasileiro, a prevalência de sintomas depressivos nos portadores de EM chega a
17,9% (Mendes et al., 2003).
Alguns estudos apontam para o fato de que os sintomas depressivos na esclerose
múltipla estariam correlacionados ao sintoma de fadiga (Kroencke et al., 2000; Bakshi et al.,
2000; Iriarte, Subira & de Castro, 2000; Flachenecker et al., 2002; Pittion-Vouyovitch et al.,
2006).
Segundo os achados de Mendes et al. (2003), no contexto brasileiro a ocorrência de
ansiedade, aparentemente relacionada à ideação suicida nos pacientes com EM, é da ordem de
35,7%. A taxa de suicídio nesses pacientes ainda não está bem determinada. Um artigo de
Kahana et al. (1971) estimou-a em 3%, enquanto, em um estudo multicêntrico realizado no
Canadá, com 3.125 pacientes, observou-se que a taxa é 7,5 vezes maior do que a da população
geral de mesma idade, com a ideação suicida presente em 28,6% dos pacientes (Feistein,
2002).
Assim, observa-se que tanto os comprometimentos físico-cognitivos quanto afetivoemocionais apresentam um impacto considerável sobre o bem-estar subjetivo, adaptação
familiar e funcionamento ocupacional dos portadores (Gainotti, 2006). Por todas as
decorrências da progressão da doença, somadas a um prognóstico desesperançoso, observa-se
a necessidade de diagnóstico e tratamento precoces (Tilbery et al., 2000). Entretanto, apesar
dos novos conhecimentos acumulados sobre a EM, ainda não foi possível que se obtivesse um
tratamento cujos resultados fossem plenamente satisfatórios. As terapêuticas estão voltadas
para atenuar o processo inflamatório que ocorre durante um surto, bem como para preveni-lo
(Costa et al., 2005).
Vários critérios para o diagnóstico foram propostos, destacando-se principalmente os
descritos por Poser et al. (1983). Esses autores, além dos critérios clínicos, estabeleceram os
exames complementares para o diagnóstico, como anormalidades nos potenciais evocados
e/ou ressonância magnética (RNM) e exame do líquido cefalorraquidiano (LCR). Evidências
35
na literatura recente são conclusivas em propor a adoção dos critérios firmados pelo Painel
Internacional para o Diagnóstico da Esclerose Múltipla por McDonald, Compston & Edan
(2001) para todos os envolvidos no atendimento de pacientes com suspeita de EM. Esses
critérios são mais sensíveis e específicos, definem a distribuição temporal e espacial da
doença, utilizando, quando necessário, resultados obtidos com RNM do encéfalo e da medula
espinhal (Academia Brasileira de Neurologia, 2005).
Embora seja incurável, há tratamento, voltado para o controle dos sintomas mais
comuns: fadigas, tremores, espasmos, dificuldades para executar atividades básicas do
cotidiano, de aprendizado e de locomoção. Até o início da década de 1990, poucos recursos
terapêuticos estavam disponíveis para o tratamento de pacientes com esclerose múltipla
(Tilbery et al., 2000). A partir de 1993, os imunomoduladores tornaram-se parte do arsenal
terapêutico no tratamento de pacientes portadores da forma remitente-recorrente da EM,
oferecendo real possibilidade de modificação do curso e da progressão da doença (Arnason &
Reder, 1994; Rudick, Cohen & Weinstock-Guttman, 1997).
Os primeiros resultados publicados com o uso do imunomodulador interferon beta 1-a
em mais de 350 pacientes demonstraram redução no número e gravidade dos surtos,
prolongando o tempo de remissão entre eles e reduzindo o número e volume de lesões à
RNM, efeitos estes que têm como objetivo retardar a progressão da doença (Rudick et al.,
1997; The IFN beta Multiple Sclerosis Study Group, 1993). Nos últimos anos, outros
imunomoduladores têm sido empregados no tratamento da EM. Os atualmente utilizados são:
o interferon beta 1-a, o interferon beta 1-b e o acetato de glatirâmer (Tilbery et al., 2000;
Lana-Peixoto, 2002).
O mecanismo de ação desses medicamentos na EM ainda não é bem conhecido. Sabese apenas que os imunomoduladores agem controlando mais especificamente a desregulação
presente no sistema imunológico do portador de EM (Tilbery, Mendes, Oliveira, Thomaz &
Kelian, 2006). Pôde-se observar que os imunomoduladores são capazes de modificar a
história natural da forma remitente-recorrente da EM, porém são apenas parcialmente ativos
nas formas secundariamente progressivas e ineficazes nas formas primariamente progressivas
(Tilbery et al. 2000). No Brasil, esses fármacos são disponibilizados ao portador de EM
obedecendo a critérios encontrados no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de acordo
com a Portaria SAS/MS n° 97, de 22 de março de 2001 (Ministério da Saúde, 2001).
Os avanços na terapêutica farmacobiológica das DAIs sistêmicas não impediram que
uma subpopulação de pacientes com formas progressivas dessas doenças e refratárias à
terapia convencional tivesse um mau prognóstico. A baixa qualidade e expectativa de vida
36
desses pacientes justificam o emprego de terapias bastante agressivas, como a quimioterapia,
imunoterapia e/ou radioterapia em altas doses, com ou sem transplante de células-tronco
hematopoiéticas (TCTH) (Voltarelli et al., 2005).
Transplante de células-tronco hematopoiéticas2
Por se tratar de um procedimento pouco conhecido fora da área médica, optou-se por
fornecer ao leitor não especialista uma exposição sumária e didática sobre o TCTH. Essa
explanação iniciar-se-á com um breve histórico, seguido de aspectos que caracterizam o
procedimento, tais como as etapas (fases), tipos de transplante realizados e suas repercussões
psicossociais.
Evolução histórica do TCTH
As primeiras intervenções científicas do TCTH datam de 1949 e foram realizadas em
camundongos e, posteriormente, em cães (Andryrkowski, 1994). Entretanto, os achados
obtidos foram desanimadores, pois os enxertos invariavelmente causavam complicações que
levavam os animais ao óbito (Thomas, 2000). Os primeiros experimentos com seres humanos
foram realizados na década de 1950, porém, inicialmente, não obtiveram sucesso, visto que a
maioria dos pacientes falecia antes da recuperação do enxerto (Thomas, 2000). Duas décadas
depois, os estudos conduzidos pelo Dr. E. Donall Thomas e seus colaboradores possibilitaram
a diminuição das complicações decorrentes da infusão das células-tronco, tornando-se o
TCTH um dos mais promissores tratamentos para uma série de graves enfermidades (Peres &
Santos, 2006a).
O TCTH teve sua importância reconhecida com a outorga do Prêmio Nobel de
Medicina em 1990 aos pioneiros Thomas e Murray. Nas últimas décadas, notou-se um avanço
indiscutível dessa técnica. Em 1995 já haviam sido registrados 4.500 procedimentos de TMO
2
A terminologia mais comumente utilizada, tanto na literatura como nos serviços especializados, é transplante
de medula óssea, embora o termo técnico mais preciso e apropriado para designar o procedimento seja
transplante de células-tronco hematopoiéticas. No presente estudo, optamos por utilizar essas duas terminologias
como sinônimas.
37
alogênico e 8.000 autólogos na América do Norte (International Bone Marrow
Transplantation Registry, 1997).
Na América Latina, coube ao Brasil, em 1979, o mérito do pioneirismo na realização
dessa modalidade terapêutica. O Dr. Ricardo Pasquini e sua equipe do Serviço de Transplante
de Medula Óssea do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná realizaram o
primeiro TMO do Brasil. O paciente, em questão, era portador de anemia aplásica, tendo ele
sobrevivido apenas até o sétimo dia após o procedimento (Dóro & Pasquini, 2000).
Etapas do TCTH
O TCTH consiste essencialmente na substituição de uma medula óssea deficitária por
uma saudável e eficiente (Peres & Santos, 2006a). Para melhor compreensão desse
procedimento médico, faz-se necessário descrever rapidamente as etapas que constituem o
transplante.
A etapa pré-transplante consiste na preparação pré-transplante. Essa fase do
tratamento envolve um acompanhamento ambulatorial do paciente até a internação para a
realização do procedimento. Nesse período o paciente é submetido a uma série de avaliações
realizadas pelos integrantes da equipe multidisciplinar, incluindo a avaliação psicológica. São
realizadas também reuniões informativas para orientações sobre os procedimentos,
diagnóstico, prognóstico, possíveis implicações e complicações do procedimento. Antes da
resolução de efetuar o TMO, a equipe deve estar convicta de que o paciente está preparado do
ponto de vista físico, psíquico e social para submeter-se a esse procedimento altamente
complexo e agressivo. É preciso assegurar-se de que essa é a opção dele. Essa tomada de
decisão implica estar ciente dos eventuais riscos e implicações decorrentes dessa terapêutica.
Após a preparação pré-TMO, o paciente é internado em quarto exclusivo e isolado, onde
permanecerá confinado de 30 a 40 dias (Torrano-Masetti, Oliveira & Santos, 2000; Oliveira,
Voltarelli, Santos & Mastropietro, 2005). No presente estudo, essa etapa de preparação e
internação do pacientes também será referida por meio da terminologia pré-TMO.
A segunda etapa do tratamento consiste no TMO propriamente dito e compreende
quatro eventos bastante significativos do procedimento. A aspiração e processamento das
células-tronco consistem na coleta das células-tronco provenientes da medula óssea e, em
geral, é executada cirurgicamente, por meio de punções aspirativas nos ossos posteriores da
38
bacia, na região da crista ilíaca. As células coletadas são tratadas e armazenadas em bolsa de
infusão (Foerster, 1998). O regime de condicionamento antecede a infusão das células,
sendo que a medula deficitária deve ser destruída (Sherer & Shoenfeld, 1998). Assim, iniciase o condicionamento com altas doses de agentes quimioterápicos. Esses agentes podem
desencadear vários efeitos colaterais, como náuseas, vômitos, diarreias, dores de cabeça,
dentre outros. O próximo evento é a infusão da medula que ocorre na própria unidade, por
meio do catéter, em um período máximo de seis horas (Silva, 1997). Por fim, o momento do
enxertamento da medula. Trata-se da “pega da medula”, ou seja, quando começam a
aparecer os primeiros indícios do funcionamento da medula que se manifestam por um
aumento da produção de hemácias, leucócitos e plaquetas (Peres & Santos, 2006a).
A terceira etapa é o pós-transplante, referido também por pós-TMO. Inicia-se com a
alta hospitalar que ocorre quando o enxertamento da medula é considerado seguramente
bem-sucedido e não se observam complicações do transplante (Torrano-Masetti, Oliveira &
Santos, 2000; Oliveira, Voltarelli, Santos & Mastropietro, 2005). Com a alta, inicia-se o
acompanhamento ambulatorial em que o paciente, por aproximadamente três meses, tem
retornos diários. Trata-se do pós-TMO imediato, período que compreende até 100 dias após a
infusão da medula. Nessa fase do tratamento, o paciente vivencia várias restrições decorrentes
do procedimento, como ingestão exclusiva de alimentos cozidos, beber no mínimo três litros
de água fervida por dia, usar constantemente a máscara de proteção devido à condição de
imunossupressão, evitar contato com aglomeração de pessoas ou com pessoas que possam
estar com algum quadro infeccioso, não se aproximar de animais domésticos, manter-se
distante de crianças recém-vacinadas, não manter relacionamento sexual desprotegido, dentre
outras limitações (Mastropietro, Santos & Oliveira, 2006).
Os pacientes transplantados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), nesse momento do
tratamento, geralmente ficam hospedados na casa de apoio do GATMO (Grupo de Apoio ao
Transplantado de Medula Óssea). Essa casa está localizada dentro do Campus da USP-RP,
próxima ao Hospital das Clínicas e é coordenada e mantida pelo GATMO. Esse grupo de
apoio é uma entidade beneficente, sem fins lucrativos, fundada em 1992 com o objetivo de
oferecer suporte para os pacientes submetidos ao TMO na cidade de Ribeirão Preto – SP. A
casa do GATMO acolhe pacientes de baixo poder aquisitivo, oriundos de diversos municípios
e estados brasileiros, e oferece alojamento e alimentação, entre outras modalidades de apoio
social, durante o processo de recuperação dos pacientes (Oliveira, Santos & Mastropietro,
2005).
39
Após o período de 100 dias, a maioria dos pacientes pode voltar para casa, sendo
seguidos em retornos mais espaçados, em média de dois em dois meses (pós-TMO
intermediário). Com a melhora gradual da condição orgânica do paciente e o
restabelecimento do sistema autoimune, esses retornos ambulatoriais tornam-se ainda mais
espaçados, em geral, uma vez por ano (pós-TMO tardio) (Oliveira, Voltarelli, Santos &
Mastropietro, 2005).
Tipos de TCTH
Existem atualmente diferentes tipos de TCTH, cujo principal diferenciador é a
procedência da medula. Desse modo, o TCTH pode ser, segundo Andrykowski (1994):
Alogênico: quando a fonte da medula é de um doador, geneticamente similar. O transplante
alogênico pode ser: aparentado, quando o doador é um familiar; e não aparentado, quando
o doador geralmente é selecionado do banco de doadores de medula óssea; Singênico: quando
a doação é efetuada por um irmão gêmeo univitelino; Xenogênico: trata-se do transplante que
é realizado entre animais de espécies diferentes. Este tipo de procedimento atualmente tem
sua utilidade restrita a pesquisas; Cordão Umbilical: a fonte de extração aqui é o cordão
umbilical, tecido rico em células-tronco capazes de regenerar a medula óssea; Autólogo:
focalizado no presente estudo, caracteriza-se pelo fato de o doador ser o próprio paciente que
tem as suas células-tronco retiradas durante o processo de remissão da doença.
TCTH autólogo
Desde a década de 1970, o TCTH autólogo foi amplamente demonstrado em modelos
animais (Voltarelli, 2002). Vários centros de pesquisa e tratamento começaram a transplantar
pacientes portadores de DAIs isoladas, graves e refratárias à terapia convencional, com
células-tronco hematopoiéticas (CTH) autólogas. O primeiro caso publicado, em outubro de
1996 (Tamm, Gratwohl & Tichelli, 1996), foi o de uma síndrome CREST-like, cujo
transplante foi realizado na Basileia, Suíça, enquanto o primeiro paciente com lúpus
eritematoso sistêmico (LES) foi transplantado em Gênova em fevereiro de 1996, sendo o
40
respectivo relato de caso publicado em meados de 1997 e o seguimento atualizado em 2001
(Marmont, 2001). No Brasil, o transplante com CTH realizado no Hospital Albert Einstein, na
cidade de São Paulo, em uma paciente com crioglobulinemia, anemia hemolítica e vasculite,
em abril de 1996. Foi um dos primeiros realizados no mundo em DAI isolada, mas,
infelizmente, foi relatado apenas em um evento científico nacional (Ferreira, Ribeiro & Bacal,
1996).
Várias revisões sobre o uso de TCTH em DAIs foram publicadas nos últimos anos
(Marmont, 2000; Moore, Tyndall & Brooks, 2001; Burt, Slavin, Teive & Marmont, 2002;
Furst, 2002; Gratwohl, Passweg, Gerber & Tyndall, 2002; Bingham, Snowden & Morgan,
2002; Tyndall & Gratwohl, 2004; Gratwohl et al., 2005; Tyndall & Saccardi, 2005), inclusive
analisando a experiência brasileira, isoladamente (Voltarelli, 2002) ou combinada com a
chinesa (Voltarelli & Ouyang, 2005), pois o Brasil e a China são os principais países em
desenvolvimento com programas de TCTH para DAIs (Voltarelli et al., 2005).
A experiência internacional, que inclui centenas de pacientes transplantados para
doenças reumáticas graves e refratárias à terapia convencional, revelou o potencial dessa
terapia para induzir remissão prolongada na maioria desses indivíduos (Gratwohl et al., 2005;
de Kleer et al., 2006; van Laar & Tyndall, 2006). A toxicidade e a mortalidade do
procedimento ainda é significativa, principalmente para pacientes com LES e Esclerose
Sistêmica (ES), afetados por disfunções importantes de órgãos vitais, como os pulmões e os
rins. Ainda assim, esses resultados são encorajadores, dado o mau prognóstico da maioria dos
pacientes transplantados (Voltarelli et al., 2005).
A experiência nacional fortaleceu-se em outubro de 2000 quando foi realizado um
workshop internacional em Ribeirão Preto, SP, com a presença de especialistas em TMO dos
EUA, de países da Europa e dos principais grupos do Brasil, ao lado de especialistas em DAI.
Decidiu-se, a partir desse evento, iniciar um projeto-piloto de TCTH para DAI, cooperativo
de âmbito nacional, coordenado pelo Centro de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão
Preto e pela UTMO do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Os transplantes foram iniciados
em junho de 2001 (Voltarelli et al., 2005).
Desde a instalação desse projeto, o estudo multicêntrico brasileiro alcançou resultados
significativos nessa área, tendo realizado um dos primeiros transplantes do mundo para DAI
isolada (Ferreira et al., 1996), o primeiro transplante do mundo para Arterite de Takayasu
(Voltarelli et al., 2004) e desenvolvendo o primeiro protocolo mundial de TCTH para diabetes
mellitus tipo I (Voltarelli et al., 2004).
41
O TCTH autólogo apresenta-se nesse cenário como possível tratamento para a EM
(Saccardi et al., 2005; van Laar & Tyndall, 2006). Foi inicialmente proposto como terapêutica
para essa doença nos anos de 1990 (Fassas et al., 1997). Internacionalmente, vários estudos
têm sido publicados relatando casos de portadores de EM tratados com TCTH autólogo
(Fassas et al., 2000; Mancardi et al., 2001; Fassas et al., 2002; Carreras et al., 2003; Nash et
al., 2003; Tyndall et al., 2005; Saccardi et al., 2005; Burt et al., 2005; van Laar & Tyndall,
2006). Os pacientes com EM constituem-se o maior grupo de pacientes com doenças
autoimunes que foram tratados com TCTH até o momento (Burt et al., 2005). Estudos
clínicos foram conduzidos em pacientes com EM na forma progressiva primária e secundária,
sendo que o primeiro e maior grupo de transplantes foi realizado em 85 portadores, e os
resultados foram regisrados no EBMT – European Group for Blood and Marrow
Transplantation (Tyndall et al., 2005). Nesse primeiro ensaio clínico, foi observada sobrevida
livre de progressão em 74% dos pacientes com doença secundária ou primária; 21%
obtiveram melhora neurológica e cerca de 6% dos pacientes faleceram devido a fatores
tóxicos (Tyndall et al., 2005). No referido estudo, as lesões inflamatórias agudas do tecido
nervoso, detectadas utilizando-se a RMN, foram significativamente reduzidas, demonstrando
a eficácia do TCTH no tratamento da EM. Entretanto, foi observado que a depreciação da
função neuronal pode continuar naqueles casos em que a doença se encontrava em fase
avançada (Tyndall et al., 2005). Em outro estudo, mais recente (Burt et al., 2009), 21
portadores de EM, submetidos à terapêutica do TCTH, foram avaliados em um período de
quatro anos após o procedimento. Os autores observaram que 17 pacientes (81%) obtiveram
melhora na capacidade de deambulação e todos os 21 pacientes estavam livres da progressão
da doença, após o período de quatro anos.
No Brasil, alguns centros vêm realizando o TCTH autólogo para EM. Os resultados
obtidos por esses centros foram recentemente publicados (Hamerschlak et al., 2009) e
demonstraram que, dos 41 portadores de EM avaliados, 63,2% apresentaram disfunção
neurológica estabilizada ou melhorada, seis meses após o TCTH.
Dentre esses centros que vêm realizando a terapêutica do TCTH para o tratamento de
EM, no país, o principal deles é a Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(HCFMRP-USP). Esse centro se destaca como referência nacional porque tem realizado mais
sistematicamente TCTH em EM, no contexto Sistema Unificado de Saúde (SUS).
42
Unidade de Transplante de Medula Óssea (UTMO) do HCFMRP-USP
As atividades da Unidade de Transplante de Medula Óssea do HCFMRP tiveram
início em setembro de 1992, com a constituição de uma equipe multiprofissional. Inicialmente
eram realizados transplantes alogênicos e autólogos exclusivamente para doenças
hematológicas. Atualmente, com os progressos alcançados na área, houve um desdobramento,
com os transplantes alogênicos indicados para doenças hematológicas e os autólogos
indicados para doenças imunológicas.
Com o passar dos anos, a Unidade aumentou seu número de transplantes e diminuiu
seu índice de mortalidade, que chegou a 100% em 1993. Até dezembro de 2008, a Unidade
havia realizado 357 transplantes, incluindo o transplante autólogo e alogênico. Durante esse
período de atividades, dos 264 pacientes submetidos ao transplante alogênico, 54% foram a
óbito. O transplante autólogo para doenças autoimunes teve início em 2001, sendo realizados,
até dezembro de 2008, 93 transplantes. No período de março de 2006 a dezembro de 2008,
dos 57 transplantados, apenas dois pacientes evoluíram a óbito.
Com relação à população transplantada, a UTMO-HCFMRP-USP é constituída
atualmente por seis leitos. Destes, dois estão localizados na Unidade de Terapia Imunológica,
no quarto andar do HCFMRP e são destinados ao transplante autólogo para doenças
autoimunes, dentre elas, a esclerose múltipla. Considerando-se o período médio de internação
de 30 dias por paciente, estima-se que dois transplantes autólogos sejam realizados
mensalmente.
É essencial salientar que, durante todo o período de tratamento, o paciente é
acompanhado por uma equipe multiprofissional nas diversas etapas já descritas. Atualmente, a
UTMO do HCFMRP conta com uma equipe multiprofissional composta por: médicos,
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, assistente social, psicóloga, terapeuta
ocupacional, fisioterapeuta, nutricionista e odontóloga. Essa equipe oferece atendimento para
o paciente, doador e familiares durante todo o tratamento (Mastropietro, 2007).
Não obstante os esforços empreendidos e os avanços acumulados em décadas de
trabalho, cumpre assinalar que o TCTH não se afigura como um método plenamente
resolutivo. Trata-se, na realidade, de um procedimento agressivo e de alto risco, que pode
tanto recuperar a vida do paciente quanto conduzi-lo ao óbito. Esse paradoxo ocorre
basicamente porque a imunossupressão induzida pelo regime de condicionamento pré-TMO
torna o paciente temporariamente vulnerável às complicações que acarretam riscos não apenas
43
à sua integridade física, como também à própria vida (Peres & Santos, 2006b).
Consequentemente, o TCTH muitas vezes é visto como um procedimento ambivalente, ao
mesmo tempo salvador e ameaçador (Contel et al., 2000). Além dessa ambivalência, diversas
dificuldades, conflitos e até mesmo alterações psicológicas e psiquiátricas podem acometer o
paciente submetido à terapêutica.
Repercussões psicossociais da terapêutica do TCTH
As repercussões psicológicas da terapêutica foi tema de muitos estudos em diferentes
contextos (Lesko, 1990; Grant et al., 1992; Backer, Marcellus, Zaborta, Rolland & Jodrey,
1994; Bressi, Capra, Brambilla & Deliliers, 1995; Neitzert et al., 1998; Almeida, Loureiro &
Voltarelli, 1998; Oliveira, Torrano-Masetti & Santos, 1999; Contel et al., 2000; TorranoMasetti, Oliveira & Santos, 2000; Mastropietro, Cardoso-Oliveira & Santos, 2004; Oliveira,
Voltarelli, Santos & Mastropietro, 2005; Mastropietro, Santos & Oliveira, 2006; CardosoOliveira, Santos, Mastropietro & Voltarelli, 2007).
As primeiras dificuldades antecedem o transplante propriamente dito. São os
momentos da decisão de realização do TMO – realizar ou não tal procedimento? Esse
questionamento aparece principalmente em virtude das peculiaridades dessa terapêutica, vista
como um tratamento-salvador e ao mesmo tempo um tratamento-ameaçador (Campos, Bach
& Alvares, 2003). Porém, essa possibilidade de salvação muitas vezes é considerada como o
único meio de se alcançar a cura e é essa esperança que impulsiona a resolução pelo TMO
(Prows & McCain, 1997).
De acordo com Andrykowski (1994), o TMO é um procedimento agressivo que
submete o paciente a inúmeros estressores físicos e psicológicos: mudanças bruscas e rápidas
no quadro de saúde do paciente, prolongada hospitalização, frequentes procedimentos
invasivos, efeitos colaterais do tratamento, extrema dependência da equipe de profissionais,
infecções e possibilidade de morte. Desse modo, muitas são as alterações psicológicas e
psiquiátricas que os pacientes podem apresentar. Dentre elas: transtornos alimentares, de
ajustamento e adaptação, estados de ansiedade, transtornos de humor, irritabilidade, perda da
motivação, medo de morrer, desorientação, sentimento de tédio, dificuldade de concentração,
dificuldade em estruturar e manter suas atividades diárias.
44
No momento pós-TMO, os pacientes deparam-se com a necessidade de enfrentar as
limitações físicas, a dor, a sensação de distorção da autoimagem corporal e as consequências
físicas dos efeitos colaterais dos tratamentos: queda de cabelo, escurecimento da pele,
emagrecimento ou edema (Lesko, 1990). Essa realidade pode resultar, como na internação
hospitalar, em importantes alterações psicológicas e psiquiátricas, tais como: ansiedade,
depressão, fadiga, irritabilidade, desorientação, perda do controle, medo de morrer e perda da
motivação (Neitzert et al., 1998; Keogh et al., 1998). Em linhas gerais, alguns estudos
indicam que o apoio de amigos e familiares, os recursos adaptativos prévios e as estratégias
de enfrentamento adotadas pelo paciente frente à doença e ao tratamento são alguns dos mais
importantes preditores psicossociais da reabilitação pós-TMO (Contel et al., 2000).
Em decorrência desses fatores, tem-se notado um aumento do interesse dos
profissionais de saúde pelo estudo da qualidade de vida (QV) dos pacientes submetidos ao
TMO (Cardoso-Oliveira, Mastropietro, Santos, Voltarelli, no prelo 2009). Como um dos
objetivos do presente estudo é exatamente avaliar a QV dos pacientes portadores de uma
doença crônica como a esclerose múltipla, tratados pela terapêutica em questão, faz-se
necessário explanar um pouco sobre esse construto teórico.
Qualidade de Vida (QV)
Pode-se dizer que ainda não existe uma definição uniforme do conceito de qualidade
de vida, sendo que as publicações nessa área do conhecimento vêm aumentando de forma
notável nas últimas décadas. Sendo assim, nota-se uma necessidade de um entendimento mais
aprofundado desse construto teórico.
Histórico do conceito de Qualidade de Vida
A QV é um termo emprestado da sociologia, filosofia e política dos anos de 1960 e
1970, momento histórico em que os estudiosos começaram a demonstrar interesse pelo
conceito de qualidade de vida (Alberecht & Fitzpatrick, 1994). Nessas décadas, o conceito de
qualidade de vida estava embasado em concepções puramente sociológicas, destacando os
45
aspectos objetivos do nível de vida, tais como número de carros, eletrodomésticos, entre
outros indicadores. Entretanto, um estudo da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1973) concluiu que não existia correlação entre
indicadores objetivos de QV e a satisfação com a qualidade de vida na população.
No final da década de 1970, alguns estudos (Larson, 1978; Palmore & Luikart, 1972;
Wilkening & McGranahan, 1978) demonstraram que as condições objetivas de vida apenas
tangenciavam a experiência subjetiva de melhor qualidade de vida. Mediante um estudo
epidemiológico realizado pelas Nações Unidas em 1990, foi demonstrado que a qualidade de
vida para um determinado nível de pobreza, estabelecido pelas Nações Unidas, transcende os
indicadores objetivos.
Diante das limitações que a abordagem sociológica apresentava, houve uma mudança
na concepção de QV, passando a liderar esse campo a perspectiva psicossocial. Com isso, os
aspectos subjetivos passaram a constituir o principal aspecto da QV.
A década de 1980 se caracterizou por um progressivo desenvolvimento da busca de
indicadores subjetivos de qualidade de vida. Buscava-se criar um consenso sobre as áreas que
constituem esse fenômeno. Na Conferência de Consenso sobre os componentes da qualidade
QV dos estudos clínicos, realizada em Londres em 1986, desenvolveu-se uma concepção que
destaca as seguintes dimensões: física, cognitiva, afetiva, social e econômica (Walker &
Asscher, 1987; Walker & Posser, 1987).
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1994) realizou uma tentativa de consenso
internacional, tanto do conceito como de suas dimensões e evoluções, definindo QV como a
percepção pessoal que um indivíduo elabora acerca de sua situação de vida, dentro de um
contexto cultural em que está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, valores e
interesses. Trata-se de um conceito extenso que incorpora uma série de dimensões
completamente relacionadas entre si, como saúde física, estado psicológico, relações sociais,
nível de independência e crenças religiosas. Esse conceito expressa que QV não é equivalente
a “estado de saúde”, “estilo de vida”, “satisfação com a vida”, “estado mental” ou “bemestar”, mas sim um construto multidimensional que incorpora a percepção do indivíduo sobre
esses e outros aspectos de sua vida.
O grupo de especialistas em Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde
(WHOQOL, 1995) delineou três características consensuais do construto: subjetividade,
bipolaridade e multidimensionalidade.
46
•
Subjetividade: a estimativa que uma pessoa tem acerca de sua QV não é pura, pois há
condições externas, presentes no meio e nas condições de vida e trabalho que
influenciam a qualidade de vida das mesmas.
•
Bipolaridade: o construto possui dimensões positivas, como desempenho de papéis
sociais, mobilidade, autonomia, e negativas, como dor, fadiga, dependência,
enfatizando as percepções dos indivíduos acerca dessas dimensões.
•
Multidimensionalidade: inclui pelo menos três dimensões: a física, a psicológica e a
social, sempre na direção da subjetividade, ou seja, importa saber como os indivíduos
percebem seu estado físico, seu estado cognitivo e afetivo e suas relações interpessoais
e os papéis sociais que desempenham em suas vidas.
A multidimensionalidade, do ponto de vista da saúde, pode ser compreendida em duas
vertentes: uma que não está diretamente relacionada à saúde, ou seja, os fatores não médicos,
constituídos pela família, amizades, crenças religiosas, trabalho e outras circunstâncias da
vida; e outra, que está diretamente relacionada com a saúde e que consiste no que se
denomina “qualidade de vida relacionada à saúde” (QVRS).
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde
Também não existe uma definição universal de QVRS. Com isso, na literatura médica
são utilizados os termos “saúde”, “status funcional” e “qualidade de vida relacionada à saúde”
como conceitos sinônimos (Patrick & Bergner, 1990). No entanto, esses autores apontam que
tais conceitos, apesar de inter-relacionados, não são idênticos.
Patrik e Erickson (1987) interpretaram o conceito de QV em relação à saúde como um
contínuo dentro da escala de bem-estar, que cobre aspectos como satisfação, percepção da
saúde geral, bem-estar psicológico, bem-estar físico e limitações decorrentes da própria
doença até a morte. Para esses autores, a qualidade de vida relacionada à saúde seria medida
por uma escala global na qual o zero representaria a morte e o um representaria o estado de
saúde e total bem-estar.
No campo da saúde mental, Bech (1992) define o conceito de QVRS como o bemestar subjetivo do paciente dentro do contexto de sua doença, acidente ou tratamento.
47
Essencialmente, salienta a valorização subjetiva global de seu próprio perfil de saúde, no qual,
frequentemente, é referido como “bem-estar subjetivo”.
Bullinger et al. (1993) definem QVRS como uma valorização subjetiva do paciente,
centrada no impacto do estado de saúde percebido sobre o potencial que ele tem de alcançar
uma vida subjetivamente satisfatória. Assim, esses autores definem QVRS como um conceito
amplo que inclui uma ampla variedade de condições (família, estado de saúde e as
intervenções médicas) que podem afetar as percepções do sujeito, seus sentimentos e seu
funcionamento cotidiano.
Auquier, Simeone e Mendizabal (1997) definem QVRS como o valor atribuído à vida,
ponderado pelas deteriorações funcionais, as percepções e condições sociais que são
induzidas pela doença, agravos, tratamento e a organização política e econômica do sistema
assistencial.
No presente estudo, será utilizado o conceito de QVRS, mais especificamente, será
adotada a definição segundo a qual QVRS é entendida como o Estado de Saúde Percebido
(Perceived Health Status) que se refere à percepção de uma pessoa, portadora ou não de uma
doença, em relação ao seu estado de saúde. O Estado de Saúde Percebido se interessa por todo
um conjunto de dados que vão além de sintomas físicos (Fayers & Machini, 2007). Nessa
vertente, a percepção do indivíduo sobre os aspectos psicossociais é tão relevante quanto a
dos aspectos funcionais (Ashing-Giwa, 2005).
Avaliação da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde
A QVRS pode ser medida de forma objetiva por meio de instrumentos cujas
propriedades de reprodutibilidade, validade e suscetibilidade a alterações sejam satisfatórias e
por meio de entrevistas que fornecem dados subjetivos, nas quais se pode verificar o que é
valorizado por cada pessoa em relação a aspectos de sua história de vida, suas características
de personalidade e a sua situação atual (Kovács, Andrade Jr. & Sgorlon, 1998).
De forma análoga, para avaliação da QVRS, é fundamental a utilização de
instrumentos adequados que sejam econômicos e de fácil aplicação, além de quantificáveis,
contemplando os aspectos subjetivos da vida do paciente, como suas expectativas, percepções
e emoções; também é relevante que esses instrumentos mensurem a repercussão da doença e
não a incapacidade (Mendes et al., 2004). A escala ideal deve ter sensibilidade e ser de fácil
48
reprodução. É fundamental que, por melhor que seja o instrumento de avaliação da QVRS, ele
esteja adaptado às condições culturais e seja validado para o idioma do país no qual será
utilizado.
Há uma diversidade de instrumentos utilizados na avaliação da QVRS. De acordo com
Ciconelli (2003), os genéricos são aqueles desenvolvidos com a finalidade de refletir o
impacto de uma doença sobre a vida de pacientes em uma ampla variedade de população.
Esses instrumentos caracterizam-se por abordar o perfil de saúde, tentar englobar todos os
aspectos importantes relacionados à saúde e refletir o impacto de uma doença sobre o
indivíduo. Têm como vantagem a possibilidade de utilização em qualquer população e a
avaliação do estado de saúde geral e do impacto da doença e das intervenções realizadas em
diferentes aspectos da QVRS. A principal desvantagem se encontra no fato de que os
instrumentos genéricos não são sensíveis na detecção de aspectos particulares e específicos da
QVRS de pacientes acometidos por uma determinada doença.
Dentre instrumentos genéricos, pode-se citar o Questionário Genérico de Avaliação de
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde - Medical Outcomes Study 36 Item Short-Form
Health Survey (SF- 36), um dos mais utilizados no contexto da saúde em todo o mundo.
Para Mendes et al. (2004), a avaliação do construto QVRS permite analisar o impacto
de uma doença, bem como dos tratamentos propostos, sob a perspectiva do doente. Nesse
contexto, a QVRS constitui um importante indicador do impacto causado por uma doença
autoimune crônica como a esclerose múltipla, por afetar enormemente o bem-estar dos
pacientes (Miller & Dishon, 2006).
Qualidade de Vida Relacionada à Saúde na esclerose múltipla
Pouquíssimos estudos publicados trazem a avaliação de uma medida como QVRS nos
portadores de EM. O estudo de McCabe, Stokes & Mcdonald (2009) investigou o impacto de
diferentes estratégias de enfrentamento na QVRS de pacientes com EM. Esses autores
compararam os resultados de QVRS de 382 portadores de EM com os de um grupo controle
constituído por 291 pessoas sem doenças crônicas neurológicas, durante um período de dois
anos em que foram submetidos a um programa de intervenção. Antes da intervenção, as
pessoas com EM apresentaram domínios de independência, aspectos sociais, espeirituais
prejudicados e QVRS geral mais prejudicados quando comparados aos do outro grupo. Após
49
a intervenção, apresentaram melhoras na QVRS geral e nos domínios sociais e emocionais.
Outro estudo (Goretti et al., 2009) com 104 portadores de EM observou que a depressão tem
impacto negativo em todos os domínios da QVRS e a ansiedade nos domínios mentais.
Outro estudo internacional (Alshubaili, Ohaeri, Awadalla & Mabrouk, 2008)
comparou os índices de QVRS de pacientes com EM divididos em dois grupos: aqueles
diagnosticados com a forma remitente-recorrente (EMRR) e os diagnosticados com a forma
progressiva primária (EMPP) com os dados da população geral. Observaram que os dois
grupos de pacientes apresentaram os domínios da QVRS mais prejudicados do que os do
grupo controle. A comparação entre os grupos de pacientes mostrou diferenças significantes
para todos os domínios, sendo o grupo EMRR com melhores resultados do que o grupo
EMPP. Além disso, os autores apontaram para o impacto negativo da depressão nos domínios
de QVRS dos pacientes com EM.
Drulovic et al. (2007) também investigaram a influência de fatores como a deficiência
na capacidade física e depressão na QVRS de 156 pacientes com EM na Sérvia. Esses autores
observaram uma correlação estatisticamente significante entre a capacidade de deambulação e
os domínios Capcidade Funcional, Aspectos Físicos e Aspectos Sociais do SF-36.
Verificaram, ainda, um impacto negativo da depressão em todos os domínios da QVRS dos
pacientes.
Outro artigo apresenta a comparação do desempenho obtido pelos pacientes em
relação à população normativa que mostrou resultados consistentes com um impacto geral
negativo causado pela doença em todos os domínios avaliados (Solari, 2005). Sintomas que
acompanham a doença, como a fadiga, disfunção sexual e esfincteriana, déficit cognitivo e
comorbidades como a depressão, podem interferir significativamente na QVRS em portadores
de EM (Janssens et al., 2003; Amato et al., 2001; Nortvedt et al., 2000).
No contexto brasileiro, um estudo comparou a QVRS em portadores de EM com a de
uma população saudável e confirmou a hipótese de que os portadores apresentam prejuízo na
QVRS nos domínios físicos e psicossociais, em relação à população saudável (Morales et al.,
2007). Esse estudo comprovou que os pacientes com EM percebem o impacto da doença em
suas vidas. Os autores salientam que o impacto negativo percebido poderia ser consequência
de vários fatores, dentre eles a incapacidade causada pela doença. Os 23 participantes desse
estudo foram divididos em dois grupos: um, constituído por participantes que não
apresentavam incapacidade à marcha, e outro, constituído por aqueles que manifestavam
incapacidade ambulatorial. Os resultados foram comparados com um grupo controle. Os
autores constataram que o grupo de pacientes com maior comprometimento ambulatorial
50
apresentou piores escores em todos os domínios da QVRS, quando comparado aos resultados
do grupo controle e também quando comparado aos resultados do outro grupo de pacientes.
Em suma, os autores concluíram que os portadores de EM apresentam um importante impacto
negativo em todas as dimensões da QVRS, com maior comprometimento nos domínios de
função física.
Nesse contexto em que os estudos salientam o impacto negativo percebido pelo
portador da EM, faz-se necessário retomar o fato de que o TCTH constitui um tratamento
também de efeitos impactantes. Os pacientes submetidos a essa terapêutica, além das
possíveis complicações do tratamento em si, sofrem uma série de restrições como a própria
ruptura do seu cotidiano. A QVRS permite avaliar não só o impacto de uma doença crônica
como também o impacto de um procedimento como o TCTH.
Repercussões sobre a QVRS no TCTH
Alguns estudos mostram a avaliação do impacto do TCTH na QVRS de pacientes
portadores de doenças hematológicas. Haberman et al. (1993) realizaram um estudo com 125
adultos, em um período de seis a 18 meses pós-TMO, utilizando para a coleta de dados uma
entrevista, com o objetivo de examinar a QV desses pacientes. Os autores notaram que o
estresse psicológico e as demandas de recuperação em longo prazo foram identificados pelos
pacientes em oito dimensões: ter família e relacionamentos (apoio social), bem-estar físico,
mental e espiritual, ser independente, ser capaz de trabalhar e obter sucesso financeiro, ter
uma alta motivação para viver, estar vivo, satisfeito e realizado com a vida, ser normal. Nesse
mesmo estudo, os participantes foram solicitados a identificar como o TMO havia afetado sua
QV. Os fatores negativos referidos foram: numerosos efeitos colaterais, preocupação quanto à
infertilidade, medo de recidiva, limitações no trabalho e nas atividades recreativas. Fatores
apontados como positivos incluiam: proporcionar uma segunda chance, ter oportunidade de
aperfeiçoar sua qualidade de vida e aumentar espiritualmente a motivação pela vida.
Em um estudo prospectivo, McQuellon et al. (1998) acompanharam 74 pacientes do
pré-TMO até um ano pós-TMO. Foram utilizados para a coleta de dados o SF-36 e roteiro de
entrevista em quatro momentos: pré-TMO, durante a internação, 100 dias e um ano pós-TMO.
Durante a internação os pacientes apresentaram os piores índices gerais de QVRS, havendo
uma melhora sucessiva entre 100 dias e um ano; durante o primeiro ano 70% ainda
51
vivenciavam baixos índices de vitalidade. As comorbidades psicológicas estavam presentes
em 20% dos pacientes com um ano pós-TMO, sendo a depressão associada aos piores índices
de QVRS.
Heinonen et al. (2001) realizaram um estudo transversal com 109 pacientes no pósTMO, sendo que um dos instrumentos utilizados foi o SF-36. Dentre os resultados
encontrados pode-se destacar uma tendência do bem-estar físico e emocional melhorarem
após um ano de TMO. Até três anos pós-TMO, adultos mais jovens tendem a apresentar
piores índices de QVRS.
Outros estudos discutem o potencial comprometimento de um procedimento tal como
o TMO na QVRS e salientam a importância do seguimento em longo prazo no sentido do
entendimento dos vários momentos da evolução do paciente associados à QVRS (Hjermstda e
cols., 1999; Souza, Durães & Vigorito, 2002; Souza, 2003; Hjermstda et al., 2004; ConnerSpady et al., 2005). Esses autores demonstram que pacientes submetidos ao TMO sofrem
significante impacto em todas as dimensões analisadas, como consequência do tratamento
agressivo realizado.
Broers, Kaptein, Le Cessie, Fibbe & Hengeveld (2000) acompanharam 125 pacientes
em estudo longitudinal, avaliando a QVRS nos momentos: um mês, seis meses, um ano e três
anos pós-TCTH. Os resultados mostraram que, três anos paós a realização do TCTH, 25% dos
pacientes ainda apresentavam sérias limitações na capacidade funcional. Nesse mesmo
momento, 90% dos participantes consideraram a QVRS de boa a excelente. Os autores
apontaram que as mudanças na qualidade de vida puderam ser explicadas inteiramente pelas
limitações na capacidade funcional. Salientam a necessidade de intervenção psicoterapêutica a
pequeno grupo destes pacientes. Prieto et al. (1997), avaliaram 117 sobreviventes ao TCTH e
também observaram que, três anos após o procedimento, os pacientes apresentaram melhora
na QVRS.
Sherman, Cooke e Grant (2005), observaram que os sobreviventes ao TCTH, realizado
para o tratamento de doenças oncológicas, sofrem complicações físicas, psicológicas e sociais
no período pós-transplante. As autoras salientam que o grupo de apoio oferecido a esses
pacientes possibilitou identificar questões importantes que podem fundamentar as
intervenções para promover a melhora na QVRS dos sobreviventes ao TCTH.
Um estudo de Claessens, Beerendonk e Schattenberg (2006) apontou o impacto do
TCTH na QVRS de pacientes com leucemia. Os autores apontam que, após o diagnóstico,
dois terços dos pacientes avaliados relataram diminuição na energia, 34% relataram percepção
de rebaixamento na atividade intelectual, 41% se diziam limitados nas atividades do dia a dia,
52
53% notaram mudança de humor, 59% observaram piora no relacionamento sexual e 75%
perceberam piora nos relacionamentos sociais. Após o TCTH, segundo os autores, houve
declínio de 44% nos aspectos avaliados da QVRS desses pacientes. Por outro lado,
averiguaram que, após um ano de transplante, os aspectos de funcionalidade avaliados pela
QVRS retomaram valores semelhantes aos apresentados na etapa pré-transplante.
De forma análoga, os dados encontrados por Guimarães, Santos e Oliveira (2008)
mostram que as doenças autoimunes são responsáveis por uma piora acentuada na QVRS dos
pacientes que vão para o transplante. Nesse estudo, foi realizada a comparação dos resultados
nas etapas pré e pós-TMO imediato da avaliação de 19 pacientes submetidos ao TCTH, o que
indicou uma percepção de melhora dos pacientes no que se refere ao domínio Capacidade
Funcional da QVRS avaliado pela escala SF-36. Entretanto, o estudo apontou a necessidade
de dar seguimento ao levantamento dos dados.
A escassez de trabalhos relatados na literatura internacional se refere à investigação do
impacto dessa terapêutica inovadora nos portadores de EM, e o fato de o presente estudo se
inserir no contexto em que o Brasil mostra-se pioneiro na aplicação desse procedimento
justifica a proposta de contribuir com a ampliação desse conhecimento. Para tanto, buscou-se
focalizar a avaliação dos resultados, obtidos na Unidade de TMO do HCFMRP que integra a
rede de serviços que vêm realizando e investigando a aplicabilidade dessa terapêutica no
mundo.
A continuidade do estudo anterior (Guimarães et. al., 2008) visa a ampliar o
conhecimento dessa área inovadora de pesquisa, bem como fornecer elementos capazes de
subsidiar o aprimoramento dos serviços oferecidos não somente aos participantes examinados,
mas também a outros pacientes que vivenciam uma condição semelhante.
53
OBJETIVOS
O objetivo geral deste estudo foi avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de
pacientes portadores de esclerose múltipla submetidos ao transplante de células-tronco
hematopoiéticas em três momentos distintos: na admissão do paciente, na ocasião da alta
hospitalar (cerca de 30 dias após a infusão da medula óssea) e cerca de um ano após a
realização do procedimento.
Os objetivos específicos consistiram em:
a) Descrever as características sociodemográficas e clínicas dos participantes;
b) Investigar o impacto da terapêutica do TCTH nos índices de qualidade de vida
relacionada à saúde dos portadores de esclerose múltipla, comparando-os nos três
momentos do tratamento;
c) Estudar a associação das variáveis sociodemográficas e clínicas com os índices de
QVRS dos portadores de esclerose múltipla;
d) Identificar, qualitativamente, os significados atribuídos ao TCTH, as atitudes
demonstradas e as dificuldades enfrentadas pelos portadores de EM no conviver
com a doença e o tratamento;
e) Caracterizar a qualidade dos relacionamentos familiares e de outras interações que
possam atuar como fontes de apoio social após o transplante;
f) Conhecer as expectativas e projetos de futuro elaborados pelos pacientes em
tratamento.
54
55
MÉTODO
Delineamento do estudo
Este estudo pode ser caracterizado como uma pesquisa clínica, descritiva e
exploratória, com recorte longitudinal. Trata-se de um estudo do impacto da intervenção
médica sobre a QVRS do portador de EM. O estudo longitudinal pressupõe a avaliação do
paciente em diferentes momentos, sendo escolhidos na presente investigação: o pré-TMO, o
pós-TMO imediato (saída da enfermaria) e o pós-TMO tardio (cerca de um ano após o
procedimento). Esses marcos históricos foram escolhidos por constituírem momentos bem
demilitados e característicos do tratamento. Considera-se que o intervalo estabelecido de 12
meses é suficiente para que mudanças significativas na condição clínica possam reverter em
melhoria nos índices de QVRS.
Segundo Miller e Crabtree (1999), na pesquisa clínica há a necessidade da integração
de métodos qualitativos e quantitativos, o chamado método misto, segundo Tashakkari e
Teddlie (1998), que exige do pesquisador um pensamento multimetodológico para a
compreensão das questões referentes ao fenômeno estudado.
O modelo quantitativo evidencia-se por formular hipóteses prévias e técnicas de
verificação sistemática, na busca de explicações causais para os fenômenos estudados
(Landim, Lourinho, Lira & Santos, 2006). Esse método tenta conhecer e controlar variáveis,
eliminando os fatores de confusão, preocupa-se com a validade e a confiabilidade, a fim de
produzir generalizações teóricas (Deslandes & Assis, 2002). No contexto da saúde, esse
modelo é frequentemente relacionado às pesquisas epidemiológicas, deixando para as
disciplinas da área de humanas as preocupações com os fatores subjetivos implícitos
(Deslandes & Assis, 2002).
No contexto da metodologia qualitativa aplicada à saúde, emprega-se a concepção
trazida das Ciências Humanas, segundo as quais não se busca estudar o fenômeno em si, mas
entender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas. Torna-se
indispensável, assim, saber o que os fenômenos da doença e da vida em geral representam
para elas (Turato, 2005).
A realização metodológica da proposta é conduzida no sentido de integrar as
vantagens do método quantitativo com as do qualitativo. Essa integração se deu por meio da
56
triangulação dos dados. Por triangulação, entende-se o trabalho de articular teorias, estratégias
e técnicas, bem como estabelecer ligações entre os dados obtidos pelos instrumentos
utilizados (Landim e cols., 2006).
Participantes
A amostra foi composta por 34 pacientes portadores de EM, de ambos os sexos,
submetidos ao TCTH autólogo na UTMO do HCFMRP-USP, no período de maio de 2003 a
maio de 2008. Além desses 34 participantes, outros seis pacientes foram submetidos à
terapêutica do TCTH nesse período de cinco anos, sendo que dois deles consentiram em
participar do estudo, mas desistiram no momento da terceira avaliação (pós-TMO tardio);
outros dois pacientes aceitaram participar, mas foram a óbito antes da segunda avaliação (no
pós-TMO imediato) e ainda outros dois pacientes se recusaram a participar do estudo.
Portanto, um total de 40 pacientes foram transplantados no período a que se refere o estudo.
Desse modo, a amostra investigada representa 85% da população de estudo.
Os critérios de inclusão foram: ter diagnóstico de EM; idade mínima de 18 anos; estar
em atendimento no ambulatório pré e pós-TMO da UTMO no momento da avaliação;
apresentar condições e disponibilidade para colaborar voluntariamente com a pesquisa; ter
participado da avaliação nas três etapas propostas pelo estudo e estar preservado do ponto de
vista das habilidades cognitivas. Foram excluídos os pacientes que não participaram das três
etapas de avaliação e aqueles que foram a óbito, no decorrer do estudo.
Procedimento de coleta de dados
Para alcançar os objetivos propostos, os dados foram coletados por meio de entrevistas
com os participantes e com a aplicação do Questionário Genérico de Avaliação de Qualidade
de Vida Relacionada à Saúde - SF-36.
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Instrumentos
Questionário genérico de avaliação de qualidade de vida relacionada à saúde – SF-36
O SF-36 (Anexo A) é um instrumento de avaliação genérica de saúde,
multidimensional, originalmente criado na língua inglesa (Ware Jr. & Sherbourne, 1992), de
fácil administração e compreensão. Ciconelli et al. (1999) desenvolveram uma versão para a
língua portuguesa, após processo de tradução e adaptação cultural, e confirmaram suas
propriedades de medida (reprodutibilidade e validade).
É constituído por 36 questões que abrangem oito componentes (dimensões). Segundo
Ware (1994), esses componentes podem ser classificados em dois componentes maiores:
Componente Físico: abrange os seguintes componentes:
•
Capacidade Funcional: avalia tanto a presença quanto as limitações relacionadas às
atividades físicas, como vestir-se, tomar banho, entre outros (avaliado por 10 itens).
•
Aspectos Físicos: avaliam as limitações físicas e o quanto elas dificultam a realização
do trabalho e atividades diárias (avaliado por 4 itens).
•
Dor: avalia a extensão e interferência das dores físicas nas atividades de vida diária
(avaliado por 2 itens).
•
Estado Geral de Saúde: avalia a motivação pessoal na vida do paciente (avaliado por 5
itens).
Componente Mental: abrange os seguintes componentes:
•
Aspectos Sociais: avaliam a frequência da interferência nas atividades sociais devido a
problemas físicos ou emocionais (avaliado por 2 itens).
•
Vitalidade: avalia os sentimentos de cansaço e exaustão e sua persistência durante o
tempo (avaliado por 4 itens).
•
Aspectos Emocionais: avaliam as limitações, como para trabalhar ou desempenhar
outras atividades devido a problemas emocionais (avaliado por 3 itens).
•
Saúde Mental: avalia os sentimentos de ansiedade, depressão, alterações do
comportamento, descontrole emocional e sua persistência durante o tempo (avaliado
por 5 itens).
58
A esses 35 itens soma-se mais uma questão (um item), comparativa entre a saúde atual
e a de um ano atrás.
Segundo Ciconelli et al. (1999), os resultados de cada dimensão variam de 0 a 100.
Nesse contíuo o zero corresponde ao pior estado de saúde e 100 ao melhor estado de saúde.
Para esses autores, tal instrumento é um parâmetro reprodutível e válido para ser utilizado na
avaliação da QVRS de pacientes brasileiros portadores de doenças crônicas. A consistência
interna foi verificada de acordo com alfa de Cronbach, que excedeu 0,90 para todos os
domínios. Além disso, é um instrumento largamente utilizado, o que permite a comparação
com os resultados derivados de outros estudos. Nortvedt (1999) mostrou que o SF-36 fornece
uma medida confiável nos estudos de QVRS em portadores de EM. Morales (2005) verificou
as propriedades psicométricas do SF-36 para portadores brasileiros de EM, tendo observado
consistência interna com alfa de Cronbach com valolres entre 0,67 e 0,92, nos oito domínios.
Para Ware Jr. e Sherbourne (1992), o SF-36 é um instrumento que se propõe a detectar
diferenças relevantes no estado de saúde e mudanças na saúde ocorridas ao longo do tempo.
Como uma escala de avaliação do estado percebido, oferece uma estimativa da satisfação
subjetiva em diferentes domínios que compreendem a QVRS do indivíduo.
O SF-36 tem sido empregado no contexto do TCTH, tanto em estudos nacionais
(Mastropietro, 2003; Oliveira, 2004; Lima, 2000), como internacionais (Hann et al., 1997,
Sutherland et al., 1997).
Roteiro de entrevista semiestruturada
Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada (Anexos B e C), elaborado a
partir da experiência prática do pesquisador e das contribuições da literatura, com a finalidade
de caracterizar os participantes quanto ao perfil sociodemográfico e clínico, identificar as
alterações físicas, corporais, bem como mudanças nos relacionamentos sociais após o
surgimento da doença autoimune. Essa identificação é importante, pois o SF-36 não permite
especificar e qualificar essas mudanças. Aliado a isso, o questionário limita-se a avaliar o
período de 30 dias anterior à aplicação.
Além disso, a entrevista permitiu conhecer os significados atribuídos e as expectativas
com relação ao TCTH, a tomada de decisão, as dificuldades esperadas (pré-TMO) e de fato
encontradas (pós-TMO), assim como as expectativas e os projetos futuros. De acordo com
59
Triviños (1992), a entrevista semiestruturada é um dos principais meios de que dispõe o
investigador para a coleta de dados, uma vez que valoriza a presença consciente e atuante do
pesquisador e oferece a possibilidade de o informante alcançar liberdade e espontaneidade em
seus relatos.
Segundo Gil (1999), a utilização de entrevistas em estudos ou pesquisas em geral tem
como vantagem a possibilidade de obtenção de dados referentes aos mais diversos aspectos da
vida em sociedade. É uma técnica eficiente para a obtenção de dados em profundidade acerca
do comportamento humano, e os dados obtidos são passíveis de serem quantificados e
classificados.
Outros estudos (Bleger, 1993; Ocampo et al., 1995) também apontam que a entrevista,
apesar de insuficiente se isoladamente, é imprescindível como instrumento de investigação
psicológica, sobretudo quando acompanhada de outros instrumentos complementares.
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada em três momentos distintos: pré-TMO (no momento da
internação do paciente), pós-TMO imediato (cerca de 30 dias após o transplante) e pós-TMO
tardio (cerca de um ano após a realização do transplante). O instrumento foi aplicado
individualmente, na Enfermaria (pré-TMO) e no Ambulatório da UTMO (pós-TMO), em
situação face a face. A avaliação durou, em média, 20 minutos. A duração máxima foi de 30
minutos, e a mínima, de oito minutos.
A aplicação dos instrumentos ocorreu em um ambiente preservado, em sala reservada,
resguardando-se os princípios de conforto e privacidade. A técnica analítica escolhida é
simples e de rápida aplicação. As entrevistas foram gravadas em áudio com o consentimento
dos participantes. Foi seguido um roteiro semiestruturado, previamente estabelecido para
atender aos objetivos do presente estudo. Foi oferecida a possibilidade de atendimento
psicológico focal de apoio, quando o participante demandou. Essa retaguarda foi
disponibilizada pelo setor de Psicologia do serviço que assessorou o processo de coleta de
dados.
60
Análise de dados
As entrevistas foram transcritas na íntegra, e os dados obtidos foram analisados
utilizando-se uma abordagem qualitativa que visou a identificar as concepções, crenças,
valores, motivações e atitudes dos sujeitos. Foi utilizada como método a análise de conteúdo
temática (Triviños, 1992; Minayo, 1994). Segundo Triviños (1992) e Bogdan & Biklen
(1991), são três as etapas do processo da análise de conteúdo: pré-análise (organização do
material e sistematização das ideias); descrição analítica (categorização dos dados em
unidades de registros) e interpretação referencial (tratamento dos dados e interpretações).
O material das entrevistas foi organizado e sistematizado em núcleos temáticos
considerados os mais significativos. Desse modo, foram atribuídos os seguintes títulos aos
núcleos temáticos identificados:
Pré-TMO
Núcleo temático 1: Antes e diante do adoecer
Categorias: Vida pré-adoecimento
Diagnóstico de EM
Subcategorias: A doença como um fator exclusivamente limitante
Um oportunidade de se refletir sobre a própria vida
O impacto do diagnóstico
A negação
O medo
A aceitação.
Núcleo temático 2: Mudanças percebidas após o surgimento da EM
Categorias: Mudanças negativas na vida do paciente
Mudanças positivas na vida do paciente
Subcategorias: Mudanças físicas e corporais
Mudanças nos relacionamentos
Mudanças no jeito de ser
Perdas
Limitações
Dependência
Sentimento de menos valia
Mudanças de valores.
61
Núcleo temático 3: O tratamento com TCTH
Categorias: Motivos que levaram à tomada de decisão pela realização do TCTH
Dificuldades esperadas no decorrer do TCTH
Expectativas em relação ao TCTH
Subcategorias: Decisão impulsionada pelo insucesso de outras terapêuticas
Decisão impulsionada pela progressão da doença
Quimioterapia
Isolamento
Expectativa de que não haverá dificuldades
Estancamento da progressão da EM
Melhoras nos aspectos físicos e corporais
Esperança de cura
Retomada da vida anterior à doença
Núcleo temático 4: Fontes de apoio identificadas pelos participantes
Categorias: Rede social
Subcategorias: Apoio Familiar
Outras fontes de apoio social
Apoio Psicológico
Espiritualidade
Pós-TMO imediato
Núcleo temático 5: Vivência do TCTH
Categorias: Percepção imediata dos resultados
Sentimentos
Possibilidade de dar um novo sentido para a vida
Subcategorias: Conotação Positiva
Conotação Negativa
Medo
Esperança
Renascimento
62
Núcleo temático 6: Percepção de si próprio e das relações com o outro no momento
imediatamente após a realização do TCTH
Categorias: Percepção de proximidade de si próprio
Percepção de proximidade do outro
Subcategorias: Possibilidade de autorreflexão
Percepção de mudança positiva no jeito de ser
Percepção de mudança no jeito de ser frente aos próprios limites
Percepção de proximidade do outro para com o participante
Percepção de proximidade do participante para com o outro
Núcleo temático 7: Fontes de suporte imediatamente após o TCTH
Categorias: Rede Social
Subcategorias: Apoio Familiar
Outras fontes de apoio
Espiritualidade
Núcleo temático 8: O tratamento pós-TCTH imediato
Categorias: Dificuldades encontradas
Expectativas e Planos Futuros
Subcategorias: Quimioterapia
Complicações do tratamento
Perda do apetite
Viver de forma tranquila
Retomar uma atividade profissional
Possibilidade de auxiliar o outro
Retomar a vida social e sexual
Pós-TMO tardio
Núcleo temático 9: Revivendo a experiência do TCTH
Categorias: Percepção dos resultados
Dificuldades provenientes do tratamento
Subcategorias: Conotação Positiva
Conotação Negativa
63
Quimioterapia
Infecções oportunistas
Condição de confinamento
Núcleo temático 10: Mudanças percebidas após a realização do TCTH
Categorias: Mudanças positivas na vida do paciente
Mudanças negativas na vida do paciente
Subcategorias: Mudanças físicas e corporais
Mudanças nos relacionamentos
Mudanças no jeito de ser
Núcleo temático 11: Expectativas e planos futuros
Categorias: Expectativas e planos futuros
Subcategorias: Retomar a atividade profissional
Desejo de concretizar sonhos
Os dados de identificação dos participantes também foram obtidos por meio das
entrevistas. Buscou-se caracterizar a amostra de pacientes em termos das covariáveis. Para
melhor compreensão, faz-se necessário explanar que as variáveis deste estudo foram: sexo
(feminino ou masculino), faixa etária (menor ou igual a 25 anos; de 26 a 35; de 36 a 45 e
acima de 46 anos), estado conjugal (sem companheiro ou com companheiro), escolaridade
(de um a quatro anos; de cinco a 11 ou acima de 12 anos de estudo), situação ocupacional
(inativo ou em atividade), renda familiar (menor que três salários mínimos; de três a cinco
ou acima de cinco salários mínimos), religião (praticante ou não praticante), tempo de
doença (até cinco anos; de seis a sete, de oito a dez ou acima de 11 anos de doença).
As demais variáveis correspondem aos oito domínios do SF-36 (Aspectos Emocionais,
Saúde Mental, Vitalidade, Aspectos Sociais, Dor, Aspectos Físicos, Estado Geral de Saúde e
Capacidade Funcional). Para uma melhor compreensão dos dados, faz-se necessário uma
breve explanação a respeito de cada uma dessas variáveis, ou seja, dos domínios do SF-36.
O domínio Capacidade Funcional se propõe a avaliar as seguintes questões: devido à
sua saúde, teve dificuldade para fazer atividades vigorosas (que exigem muito esforço, tais
como correr, levantar objetos pesados, participar em esportes árduos), atividades moderadas
(mover uma mesa, passar aspirador de pó, jogar bola, varrer casa), levantar ou carregar
mantimentos, subir vários lances de escada, subir um lance de escada, curvar-se, ajoelhar-se
64
ou dobrar-se, andar mais de um quilômetro, andar vários quarteirões, andar um quarteirão,
tomar banho ou vestir-se.
O domínio Aspectos Físicos tem por objetivo mensurar: diminuição da quantidade de
tempo que dedicava ao trabalho e a outras atividades, se realiza menos tarefas do que gostaria,
se esteve limitado para o trabalho e outras atividades, se teve dificuldade de fazer seu trabalho
necessitando de esforços extras. Mede, portanto, o comprometimento do indivíduo em realizar
atividades como consequência de algum problema físico.
O domínio Dor se propõe a mensurar a quantidade de dor no corpo que teve e o
quanto a dor interferiu no trabalho, incluindo fora e dentro de casa. Esse é o único domínio
inverso da SF-36, ou seja, mensura na realidade a ausência de dor.
O domínio Estado Geral de Saúde tem como finalidade aferir como o sujeito
qualifica sua saúde de excelente a muito ruim, o quanto costuma adoecer um pouco mais
facilmente do que as outras pessoas, o sentimento de ser tão saudável quanto qualquer pessoa
que conhece, a sensação de que a saúde vai piorar, o quanto a saúde é excelente.
O domínio Vitalidade se propõe a mensurar: o quanto de tempo tem se sentido cheio
de vigor, cheio de vontade e cheio de força; quanto tempo tem se sentido com muita energia;
quanto tempo tem se sentido esgotado e quanto tempo tem se sentido cansado.
O domínio Aspectos Sociais busca mensurar: de que maneira a saúde física ou os
problemas emocionais interferiram nas atividades sociais normais, em relação à família, aos
vizinhos, amigos ou em grupos; quanto do tempo a saúde física ou os problemas emocionais
interferiram nas atividades sociais como: visitar amigos, parentes, entre outras.
O domínio Aspectos Emocionais se propõe a mensurar: a diminuição da quantidade
de tempo que dedicava ao trabalho e a outras atividades, se realiza menos tarefas do que
gostaria, se não trabalhou ou não fez qualquer atividade com tanto cuidado como geralmente
faria; portanto, mede o comprometimento do indivíduo em realizar atividades como
consequência de algum problema emocional (estar deprimido ou ansioso).
O domínio Saúde Mental se propõe a mensurar quanto tempo tem se sentido uma
pessoa muito nervosa, quanto tempo tem se sentido tão deprimido que nada pode animá-lo,
quanto tempo tem se sentido calmo ou tranquilo, quanto tempo tem se sentido desanimado e
abatido e quanto tempo tem se sentido uma pessoa feliz.
A cotação dos dados obtidos com a aplicação da técnica analítica foi realizada por dois
juízes, psicólogos com experiência em avaliação psicológica, sendo um deles o próprio
pesquisador. Os dois avaliadores apuraram os resultados e classificaram os protocolos da
técnica de forma independente. Os juízes trabalharam segundo as recomendações específicas
65
oferecidas pela literatura relativa para o instrumento, considerando que o questionário foi
escolhido por ser padronizado e validado para a população brasileira.
Com os protocolos cotados, os dados foram lançados em um banco de dados do
programa Excel for Windows® versão 2007. Inicialmente foram realizadas análises descritivas
a fim de apresentar a amostra. Em seguida, para alcançar os demais objetivos do estudo,
foram realizados testes estatísticos a fim de evidenciar diferenças entre os resultados obtidos
nos momentos pré-TMO, pós-TMO imediato e pós-TMO tardio para verificar o efeito do
tempo pós-TMO na QVRS.
Com o intuito de verificar o efeito do tempo de transplante nos domínios de QVRS foi
utilizado o teste não paramétrico de Friedman (Conover, 1988), para comparação de três
grupos dependentes. Para verificar a diferença entre os resultados desses três tempos, foi
utilizado o teste de comparações múltiplas baseado nas somas de postos de Friedman
(Conover, 1988). Os testes foram realizados por meio do software SAS® 9.0, utilizando a
PROC GLM (Ipe, 1987).
Para verificar se as covariáveis têm efeito nas respostas dos domínios, foi utilizado o
modelo de regressão linear com efeitos mistos (efeitos aleatórios e fixos). Os modelos lineares
de efeitos mistos são utilizados na análise de dados em que as respostas estão agrupadas (mais
de uma medida para um mesmo indivíduo) e a suposição de independência entre as
observações em um mesmo grupo não é adequada (Schall, 1991). Esses modelos têm como
pressuposto que seus resíduos têm distribuição normal, com média zero e variância σ2. Nas
situações em que tal pressuposto não foi observado, transformações na variável resposta
foram utilizadas. Este procedimento foi realizado por meio do software SAS® 9.0, utilizando a
PROC MIXED.
Para as covariáveis que apresentaram efeito no escore do domínio, buscou-se verificar
se houve diferença estatisticamente significante entre as categorias de cada covariável. Para
tanto, foi utilizado o método não paramétrico de Kruskal-Wallis.
Para verificar as possíveis correlações entre os domínios do SF-36 nos três momentos
de avaliação, foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Pearson. Utilizou-se a classificação
proposta pelo British Medical Journal3 acerca dos valores-limite para o Coeficiente de
Correlação de Pearson. Segundo tal classificação, considera-se uma correlação forte os
valores do coeficiente que se encontram no intervalo entre 0,60 e 0,79; correlação moderada:
3
http://www.bmj.com/collections/statsbk/11.shtml
66
valores do Coeficiente entre 0,40 e 0,59; correlação fraca, entre 0,20 e 0,39; correlação
ausente ou muito fraca, entre 0,00 e 0,19.
O nível de significância adotado foi de 0,05. Os resultados foram expressos em tabelas
e figuras. Os gráficos foram construídos com o auxílio do software R.
Considerações éticas
Na condução do estudo, foram obedecidos todos os procedimentos éticos
preconizados, desde a inclusão dos participantes. Em primeiro lugar, adotou-se como
princípio básico o respeito aos voluntários e à instituição, de acordo com as normas definidas
pelo Conselho Nacional de Saúde, na Resolução nº196/96 sobre pesquisa envolvendo seres
humanos (Brasil, Ministério da Saúde, 1996). Como parte dos pré-requisitos para a submissão
do projeto, foram colhidas as assinaturas do Coordenador da UTMO, do Chefe do
Departamento, de Clínica Médica e do Superintendente do Hospital das Clínicas, afirmando
estarem cientes e de acordo com a coleta dos dados. Em seguida o projeto foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto-USP, obtendo aprovação (processo HCRP nº5808/2007) (Anexo D).
A todos os participantes foram entregues duas vias do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido-TCLE (Apêndice A), fornecendo-lhes informações sobre os objetivos,
procedimento, riscos e benefícios do estudo e o compromisso com o sigilo. Somente foram
incluídos no estudo aqueles participantes que assinaram o TCLE. A cada participante foi
entregue uma cópia do TCLE.
A participação foi absolutamente voluntária. Os pacientes foram esclarecidos que a
não disponibilidade em participar do estudo não implicaria em nenhum tipo de prejuízo ao seu
atendimento, tendo, inclusive a liberdade de retirar o consentimento a qualquer momento no
transcorrer da pesquisa sem risco ou qualquer prejuízo ao seu atendimento ou
constrangimento pessoal. Foram assegurados a não identificação dos participantes e o sigilo
das informações fornecidas. Foi oferecida a possibilidade de atendimento psicológico focal de
apoio, caso o participante demandasse. Esse suporte foi disponibilizado pelo setor de
Psicologia do serviço que acompanhou a coleta de dados.
67
RESULTADOS
Componente Quantitativo
Serão apresentados primeiramente os resultados de caracterização da amostra deste
estudo, obtidos por meio das entrevistas. Em seguida, serão apresentados os resultados
obtidos na avaliação da QVRS dos 34 participantes por meio do SF-36. Por fim, serão
expostos os resultados da entrevistas pré-TMO, pós-TMO imediato e pós-TMO tardio, nessa
ordem. Utilizar-se-ão trechos das entrevistas no sentido de ilustrar os resultados obtidos. No
entanto, é necessário salientar que, nesse detalhamento, tomou-se o cuidado de manter o sigilo
sobre a identidade de cada paciente participante do estudo e para tanto cada um deles foi
referido por um nome fictício.
Os primeiros resultados correspondem, portanto, aos dados de sexo, idade, estado
conjugal, tempo de escolaridade, situação ocupacional, renda familiar, religião, tempo de
doença e forma clínica da doença que compreendem os aspectos escolhidos para caracterizar
os participantes que constituem a amostra deste estudo. para melhor visualização desses
dados, a Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e clínicas dos indivíduos que
participaram do estudo.
68
Tabela 1 - Distribuição numérica e percentual dos participantes com
esclerose múltipla submetidos ao transplante de célulastronco, de acordo com as características sociodemográficas e
clínicas (n=34)
Variáveis
sociodemográficas
clínicas
Sexo
Feminino
Masculino
Faixa etária (anos)
≤25
26 a 35
36 a 45
≥46
Estado conjugal
Sem companheiro(a)
Com companheiro(a)
Escolaridade (anos)
1a4
5 a 11
≥12
Situação ocupacional
Inativo(a)
Ativo(a)
Renda familiar (salários minimos)
<3
3a5
>5
Religião
Praticante
Não praticante
Tempo de doença (anos)
≤5
6a7
8 a 10
≥11
Forma clínica da EM
EMRR
EMPP
EMPS
e
n
%
18
16
52,9
47,1
2
7
16
9
5,9
20,6
47,1
26,4
13
21
38,2
61,8
5
15
14
14,7
44,1
41,2
28
6
82,3
17,7
7
14
13
20,6
41,2
38,2
23
11
67,7
32,4
8
13
8
5
23,5
38,3
23,5
14,7
7
5
22
20,6
14,7
64,7
As formas clínicas da Em: EMRR-Esclerose Múltipla Remitente-Recorrente, EMPP-Esclerose Múltipla
Progressiva Primária, EMPS-Esclerose Múltipla Progressiva Secundária
Observa-se, na Tabela 1, que dentre os 34 participantes, 18 (52,9%) eram do sexo
feminino; 61,8% da amostra possuía companheiro(a); em relação ao nível de escolaridade,
chama atenção o fato de que 41% dos participantes possuíam 12 ou mais anos de estudo. A
média de idade foi de 40,59±9,01 anos com amplitude de variação de 19 a 55 anos, sendo que
a faixa etária predominante foi de 36 a 45 anos (47,1%). Já com relação ao tempo de doença,
observou-se a média de 7,38±2,39 anos com valor mínimo de quatro anos e máximo de 13
anos, sendo que a faixa de seis a sete anos predominou na amostra (38,3%). A forma
69
Esclerose Múltipla Progressiva Secundária foi o tipo clínico da EM prevalente nessa amostra
(64,7%).
Outros resultados a serem destacados: 38,2% dos participantes possuem renda familiar
acima de cinco salários mínimos; 23 participantes (67,7%) se consideram religiosos e
praticantes. Já, no que se refere à situação ocupacional, 82,3% se diziam inativos no momento
da avaliação pré-TMO, sendo que todos esses 28 participantes haviam se aposentado em
consequência das limitações impostas pela doença.
Os resultados gerais da avaliação da QVRS, obtidos por meio da aplicação do SF-36
aos participantes que constituíram a amostra deste estudo, são apresentados.
Efeito da variável tempo de transplante nos domínios de QVRS
As médias, medianas, desvios-padrão, valores máximo e mínimo de cada uma das
variáveis do SF-36 obtidas nos momentos pré-TMO, pós-TMO imediato (pós-TMO1) e pósTMO tardio (pós-TMO2) são apresentados na Tabela 2.
70
Tabela 2 - Médias, desvios-padrão, medianas, valores mínimos e máximos das variáveis do SF-36, nos momentos pré-TMO, pós-TMO1 e pós-TMO2 (n=34)
Pré-TMO
Pós-TMO1
Pós-TMO2
Domínio
M
DP
Me
Mi
Ma
M
DP
Me
Mi
Ma
M
DP
Me
Mi
Ma
Capacidade Funcional
22,35
25,11
12,5
0
90
29,71
28,44
20
0
100
50,15
29,81
60
5
100
Aspectos Físicos
15,44
25,39
0
0
100
19,85
30,01
0
0
100
39,71
33,78
25
0
100
Dor
64,18
28,62
60,5
20
100
69,68
28,89
74
22
100
83,97
24,13
100
10
100
Estado Geral de Saúde
66,65
20,97
67
35
100
68,88
18,3
67
42
100
85,97
16,78
97
50
100
Vitalidade
56,32
22,34
52,5
20
100
57,94
18,14
55
25
95
71,91
17,97
75
25
100
Aspectos Sociais
50,9
29,85
50
0
100
48,97
32,57
50
0
100
71,69
24,1
75
12,5
100
Aspectos Emocionais
44,1
42,42
33,3
0
100
45,09
44,85
33,3
0
100
65,67
40,61
83,3
0
100
Saúde Mental
66,71
24,65
76
8
100
72,18
15,89
75
40
100
79,65
19,07
84
20
100
Pré-TMO=momento pré-transplante, Pós-TMO1=momento pós-transplante imediato, Pós-TMO2=momento pós-transplante tardio, M=média, DP=desvio-padrão,
Me=mediana, Mi=valor mínimo, Ma=valor máximo.
71
A Tabela 2 mostra um panorama geral dos dados obtidos no presente estudo. É
possível notar que, antes da realização do procedimento e imediatamente depois, os domínios
que obtiveram os menores escores médios, quando comparados aos demais domínios, foram
os domínios CF-Capacidade Funcional (22,35±25,11, no pré-TMO; 29,71±28,44, no pósTMO1) e AF-Aspectos Físicos (15,44±25,39, no pré-TMO; 19,85±30,01, no pós-TMO1).
Esse dado denota que tanto a capacidade dos pacientes realizarem atividades do seu dia a dia
quanto a dedicação às suas atividades de trabalho ou a outras atividades encontravam-se
prejudicadas nos diferentes momentos da avaliação. Na avaliação de um ano após a realização
do transplante, as médias dos escores desses mesmos componentes aparecem aumentadas.
Deve-se ressaltar que o SF-36, em todas as suas questões, solicita ao avaliado a sua
apreciação em relação aos domínios de sua QVRS, no período que compreende as últimas
quatro semanas. Dessa forma, a aplicação do SF-36 no momento do pós-TMO imediato
compreende, provavelmente, o período de quatro semanas de internação do paciente. Esse
fato justificaria os baixos escores médios obtidos em alguns dos domínios como Aspectos
Físicos, Aspectos Emocionais e Aspectos Sociais.
As comparações entre medianas dos escores podem oferecer melhores esclarecimentos
do que as comparações entre as médias, uma vez que, em alguns domínios como, por
exemplo, Capacidade Funcional e Aspectos Físicos, os desvios-padrão aparecem elevados
(próximos ou até mesmo acima dos valores das médias). Desse modo, pode-se notar que as
medianas do escores de todos os domínios nos momentos pré-TMO e pós-TMO são bastante
semelhantes. Nos domínios Aspectos Físicos, Estado Geral de Saúde, Aspectos Sociais e
Aspectos Emocionais, as medianas se igualam. No que se refere à comparação dos valores de
mediana no momento do pós-TMO2, em relação aos dois momentos anteriores, percebe-se
diferenças em todos eles.
A comparação entre as medianas das variáveis do SF-36, nos três momentos do
tratamento que foram avaliados, também pode ser visualizada graficamente na Figura 1.
72
SF- 36
90
Pré-TMO
Pós-TMO1
80
Pós-TMO2
Mediana dos escores
10 0
70
60
50
40
30
20
10
0
CF
AF
D
EGS
VIT
AS
Domínios da QVRS
AE
SM
CF: Capacidade Funcional
AF: Aspectos Físicos
AD: Dor
EGS: Estado Geral de
Saúde
VIT: Vitalidade
AS: Aspectos Sociais
AE: Aspectos Emocionais
SM: Saúde Mental
Figura 1: Distribuição das medianas dos escores das variáveis do SF-36, no pré-TMO, no pós-TMO1
(imediato) e pós-TMO2 (tardio)
Por meio da Figura 1, pode-se perceber que existem diferenças entre as medianas dos
escores obtidos no momento pós-transplante tardio (pós-TMO2) em comparação com as dos
momentos pré-transplante e pós-transplante imediato (pós-TMO1). Nota-se, também, que o
domínio Saúde Mental se destaca como aquele que apresenta melhores resultados, sugerindo
que esse aspecto encontra-se preservado nos participantes.
Para verificar se as diferenças que foram observadas por meio da Figura 1 confirmam
a hipótese de que o tempo pós-transplante tem efeito positivo na QVRS dos pacientes com
EM, foi realizado o teste não paramétrico de Friedman e, para verificar a diferença entre os
resultados desses três tempos, foi utilizado o teste de comparações múltiplas baseado nas
somas de postos de Friedman.
Dessa maneira, foram comparados os dados dos momentos pré-TMO X pós-TMO1;
pré-TMO X pós-TMO2 e pós-TMO1 X pós-TMO2.
Pré-TMO x Pós-TMO1
Na Tabela 3, encontram-se sistematizados os resultados das comparações das medidas de
QVRS do SF-36 nos momentos pré-transplante (pré-TMO) e pós-transplante imediato (pós-TMO1).
73
Tabela 3 - Distribuição dos escores médios e medianas para os domínios do SF-36, nos momentos préTMO e pós-TMO1 (n=34)
Pré-TMO
Domínio
Pós-TMO1
p-valor
Média
DP
Mediana
Média
DP
Mediana
Capacidade
Funcional
22,35
25,11
12,5
29,71
28,44
20
0,09
Aspectos
Físicos
15,44
25,39
0
19,85
30,01
0
0,76
Dor
64,18
28,62
60,5
69,68
28,89
74
0,50
Estado Geral
de Saúde
66,65
20,97
67
68,88
18,3
67
0,12
Vitalidade
56,32
22,34
52,5
57,94
18,14
55
0,28
Aspectos
Sociais
50,9
29,85
50
48,97
32,57
50
0,99
Aspectos
Emocionais
44,1
42,42
33,3
45,09
44,85
33,3
0,86
Saude Mental
66,71
24,65
76
72,18
15,89
75
0,48
Teste não paramétrico de Friedman
De acordo com a análise estatística apresentada na Tabela 3, não houve alteração
estatisticamente significativa em nenhuma das variáveis de QVRS avaliadas pelo SF-36.
Esses resultados demonstram que os valores dos domínios no pós-TMO1 foram muito
próximos aos dos valores observados no pré-TMO e sugerem que não houve percepção de
melhora dos pacientes, do ponto de vista estatístico.
Pode-se notar, ainda, que os domínios Capacidade Funcional, Aspectos Físicos e
Aspectos Emocionais foram os que apresentaram as piores medidas de escores nos dois
momentos. Esse resultado sugere que a capacidade de os pacientes realizarem atividades e/ou
tarefas do seu cotidiano estariam prejudicadas nesses dois momentos de avaliação. De forma
análoga, a dedicação para com essas atividades estaria prejudicada por algum problema
emocional, como sentir-se deprimido ou ansioso.
O domínio Saúde Mental foi o melhor apreciado, tanto no momento pré-TMO como
no pós-TMO imediato (66,71±24,65; 72,18±15,89, respectivamente). Esse resultado é
74
sugestivo de que, a despeito da gravidade do quadro clínico apresentado e suas possíveis
repercussões emocionais, os sujeitos avaliaram sua Saúde Mental como o aspecto mais
satisfatório de sua QVRS.
Pós-TMO1 x Pós-TMO2
A Tabela 4 apresenta as comparações das medidas dos escores dos domínios do SF-36,
nos momentos imediatamente após o transplante e um ano após o procedimento, por meio do
teste de comparações múltiplas baseado nas somas de postos de Friedman.
Tabela 4 - Comparações das médias das variáveis do SF-36, nos momentos pós-TMO1 e pós-TMO2
(n=34)
Pós-TMO1
Domínio
Pós-TMO2
p-valor
Média
DP
Mediana
Média
DP
Mediana
Capacidade
Funcional
29,71
28,44
20
50,15
29,81
60
<0,01*
Aspectos
Físicos
19,85
30,01
0
39,71
33,78
25
<0,01*
Dor
69,68
28,89
74
83,97
24,13
100
<0,01*
Estado Geral
de Saúde
68,88
18,3
67
85,97
16,78
97
<0,01*
Vitalidade
57,94
18,14
55
71,91
17,97
75
<0,01*
Aspectos
Sociais
48,97
32,57
50
71,69
24,1
75
<0,01*
Aspectos
Emocionais
45,09
44,85
33,3
65,67
40,61
83,3
0,01*
Saude Mental
72,18
15,89
75
79,65
19,07
84
<0,01*
*Teste não paramétrico de Friedman; p≤0,05
75
Os resultados sistematizados na Tabela 4 mostram que houve diferença
estatisticamente significante nas medidas do escores dos oito domínios da QVRS avaliados
pelo SF-36, quando realizada a análise comparativa desses dois momentos do tratamento.
Esses dados sugerem que os domínios da QVRS dos participantes se encontravam melhores
um ano após a realização do procedimento, quando comparados aos resultados de um mês
após o transplante.
Pré-TMO x Pós-TMO2
A Tabela 5 apresenta os resultados da regressão linear realizada para verificar
possíveis diferenças entre os dados das variáveis de QVRS do SF-36 nos momentos prétransplante e um ano após a realização do procedimento.
Tabela 5 - Comparações dos escores obtidos para os domínios do SF-36, nos momentos pré-TMO e
pós-TMO2 (n=34)
Pré-TMO
Domínio
Pós-TMO2
p-valor
Média
DP
Mediana
Média
DP
Mediana
Capacidade
Funcional
22,35
25,11
12,5
50,15
29,81
60
<0,01*
Aspectos
Físicos
15,44
25,39
0
39,71
33,78
25
<0,01*
Dor
64,18
28,62
60,5
83,97
24,13
100
<0,01*
Estado Geral
de Saúde
66,65
20,97
67
85,97
16,78
97
<0,01*
Vitalidade
56,32
22,34
52,5
71,91
17,97
75
<0,01*
Aspectos
Sociais
50,9
29,85
50
71,69
24,1
75
<0,01*
Aspectos
Emocionais
44,1
42,42
33,3
65,67
40,61
83,3
0,01*
Saude Mental
66,71
24,65
76
79,65
19,07
84
<0,01*
* Teste não paramétrico de Friedman; p≤0,05
76
Novamente, os resultados apresentados mostram que, comparando os dados obtidos na
avaliação pré-TMO com os obtidos na avaliação pós-TMO tardio, houve diferença
estatisticamente significante para todos os domínios do SF-36 analisados.
Portanto, de forma geral, os resultados obtidos por meio da avaliação com o SF-36
mostraram que houve uma diferença estatisticamente significante nos oito domínios que
compreendem a QVRS avaliada por esse instrumento, quando se comparam os momentos prétransplante e um ano após a realização do procedimento, bem como na comparação entre os
momentos imeditamente após o transplante (30 dias depois) e pós-TMO tardio (um ano
depois). Esses resultados apontam que o tempo pós-transplante tem efeito positivo na
percepção de melhora da QVRS dos pacientes com EM submetidos a essa terapêutica.
Estudo do efeito das variáveis sociodemográficas e clínicas nos escores dos domínios do
SF-36
Como parte dos objetivos deste estudo, foi observado o efeito das variáveis
sociodemográficas (idade, sexo, estado conjugal, escolaridade, religião, situação ocupacional,
renda familiar) e as variáveis clínicas (tempo de doença e forma clínica da EM) nos escores
das variáveis clínicas do SF-36 (Capacidade Funcional, Aspectos Físicos, Dor, Estado Geral
de Saúde, Vitalidade, Aspectos Sociais, Aspectos Emocionais e Saúde Mental). Estes efeitos
foram observados, a partir do modelo de regressão linear com efeitos mistos, sendo que esta
metodologia foi mencionada anteriormente.
Para uma melhor compreensão desses dados, optou-se por destacar as variáveis de
QVRS e verificar a presença de efeitos de outras variáveis, e estudá-las mais detalhadamente.
Variável Capacidade Funcional
Como elucidado anteriomente, a variável CF do SF-36 se propõe a avaliar a
capacidade de o indivíduo realizar as atividades de seu cotidiano. Elegendo a variável CF e ao
estudar as comparações entre as variáveis sociodemográficas, notou-se que apenas a variável
idade tem efeito no escore de CF. A Tabela 6 apresenta esses resultados.
77
Tabela 6 - Efeito das variáveis sociodemográficas
e clínicas no escore da variável CF
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,72
Idade
<0,01*
Escolaridade
0,54
Religião
0,06
Renda familiar
0,54
Sexo
0,50
Situação ocupacional
0,39
Tempo de diagnóstico
0,65
Forma da EM
0,06
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
A única covariável que mostrou ter efeito no escore de CF, além da variável Tempo de
Transplante, foi Idade. A Figura 2 ilustra a distribuição dos valores de medianas nas
categorias de Idade em relação às três etapas do transplante.
Line Plot da Mediana ( CF )
100
IDADE
Até 25 anos
26 a 35 anos
36 a 45 anos
46 ou mais anos
90
Mediana de CF
80
70
60
50
40
30
20
10
Pré
Pós1
Tempo
Pós2
Figura 2: Distribuição das medianas dos escores de CF em função das categorias de Idade nos
momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO tardio (Pós2)
78
Pode-se perceber, por meio da Figura 2, que o grupo de pacientes que se encontra na
faixa etária ≥46 anos obteve menores medianas de escores no domínio CF, quando
comparado aos demais grupos de faixas etárias. Foi aplicado o teste estatístico não
paramétrico Kruskal-Wallis para verificar evidências de diferenças entre as faixas etárias em
relação às três etapas do tratamento. No entanto, nenhuma diferença estatisticamente
significante foi encontrada. É interessante notar que os indivíduos que compuseram a faixa
etária ≤25 anos apresentaram medianas de escores mais elevadas para esse domínio.
Entretanto, há de se ressaltar que essa faixa etária foi constituída de apenas dois participantes,
o que requer cautela na análise dessa categoria.
Variável Aspectos Físicos
O domínio AF tem por objetivo mensurar: diminuição da quantidade de tempo que o
indivíduo dedicava ao trabalho e a outras atividades, se realizava menos tarefas do que
gostaria, se esteve limitado para o trabalho e outras atividades, se teve dificuldade de fazer seu
trabalho necessitando de esforços extras. Mede, portanto, o comprometimento do indivíduo
em realizar atividades como consequência de algum problema físico. Pôde-se perceber, pela
Tabela 7, que não houve evidências estatisticamente significantes de que as covariáveis
analisadas neste estudo, além da covariável tempo de transplante, tenham efeito sobre os
escores dos participantes no domínio AE.
Tabela 7 - Efeito das variáveis sociodemográficas
e clínicas no escore da variável AF
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,36
Idade
0,67
Escolaridade
0,76
Religião
0,30
Renda familiar
0,09
Sexo
0,14
Situação ocupacional
0,41
Tempo de diagnóstico
0,36
Forma da EM
0,26
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
79
Pode-se observar, na Tabela 7, que os valores de p obtidos por meio do modelo de
regressão linear não evidenciaram efeito das covariáveis sociodemográficas e clínicas no
escore do domínio AF. Constatou-se que apenas a variável clínica Tempo de transplante
apresentou efeito na variância da medida da variável AF.
Variável Dor
O domínio D busca mensurar a quantidade de dor no corpo que o indivíduo apresentou
e o quanto a dor interferiu no trabalho, incluindo fora e dentro de casa. Esse é o único
domínio inverso da SF-36, ou seja, mensura na realidade a ausência de dor.
A Tabela 8 mostra o efeito das covariáveis eleitas neste estudo na variável D.
Tabela 8 - Efeito das variáveis sociodemográficas
e clínicas no escore da variável D
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,70
Idade
0,73
Escolaridade
0,62
Religião
0,33
Renda familiar
0,37
Sexo
0,65
Situação ocupacional
0,92
Tempo de diagnóstico
0,74
Forma da EM
0,43
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
Pôde-se perceber, pela Tabela 8, que, com exceção da covariável tempo de transplante,
não houve evidências estatisticamente significantes de que as covariáveis analisadas neste
estudo tenham efeito sobre os escores dos participantes no domínio D.
80
Variável Estado Geral de Saúde
Como elucidado anteriormente, o domínio EGS se propõe a aferir como o sujeito
qualifica sua saúde de excelente a muito ruim, se considera que costuma adoecer um pouco
mais facilmente do que as outras pessoas, ou se considera ser tão saudável quanto qualquer
pessoa que conhece ou, ainda, se tem a sensação de que sua saúde vai piorar.
A Tabela 9 mostra o efeito das covariáveis nos escores do domínio EGS.
Tabela 9 - Efeito das variáveis sociodemográficas
e clínicas no escore da variável EGS
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,68
Idade
0,03*
Escolaridade
0,03*
Religião
0,41
Renda familiar
<0,01*
Sexo
0,47
Situação ocupacional
0,17
Tempo de diagnóstico
0,77
Forma da EM
0,40
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
Além da variável tempo de transplante, outras variáveis mostraram ter efeito nos
escores de EGS. Verificou-se que Idade, Escolaridade e Renda Familiar têm efeito
estatisticamente significante sobre a variável EGS. A Figura 3 ilustra a distribuição das
medianas dos escores de EGS em função das categorias de Idade nas três etapas avaliadas do
transplante.
81
Line Plot da Mediana ( EGS )
IDADE
Até 25 anos
26 a 35 anos
36 a 45 anos
46 ou mais anos
100
Mediana de EGS
90
80
70
60
50
40
Pré
Pós1
Tempo
Pós2
Figura 3: Distribuição das medianas dos escores de EGS em função das categorias de Idade, nos
momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO tardio (Pós2)
Nota-se, por meio da Figura 3, que na faixa etária ≥46 anos, no momento pós-TMO
tardio, encontram-se os menores valores de mediana no domínio EGS, quando comparada às
demais categorias da covariável idade. Esse resultado sugere que os portadores de EM,
submetidos ao TCTH e com idade mais avançada, percebem seu EGS menos preservado do
que os pacientes mais jovens.
Assim como no estudo da variável CF, em relação à variável EGS, foi aplicado o teste
estatístico não paramétrico Kruskal-Wallis para verificar evidências de diferenças entre as
faixas etárias em relação às três etapas do tratamento. Nenhuma diferença estatisticamente
significante foi encontrada entre as categorias.
Variável Vitalidade
O domínio VIT se propõe a mensurar: o quanto de tempo o indivíduo tem se sentido
com vigor, vontade e força; quanto tempo tem se sentido com muita energia; quanto tempo
tem se sentido esgotado e quanto tempo tem se sentido cansado.
82
A Tabela 10 mostra o efeito das covariáveis na variável VIT.
Tabela 10 - Efeito das variáveis sociodemográficas e
clínicas no escore da variável VIT
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,09
Idade
0,95
Escolaridade
0,14
Religião
0,56
Renda familiar
0,04*
Sexo
0,79
Situação ocupacional
0,24
Tempo de diagnóstico
0,72
Forma da EM
0,39
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
Por meio da Tabela 10, pode-se observar que a covariável Renda Familiar mostrou ter
efeito sobre os escores da variável VIT, além da variável Tempo de Transplante. A Figura 4
mostra as medianas dos escores obtidos na variável VIT, nas três categorias para a covariável
Renda Familiar, em relação aos três momentos do transplante.
83
Line Plot da Mediana ( VIT )
90
RENDA FAMILIAR
Até 3 salários mínimos
De 3 a 5 salários mínimos
Acima de 5 salários mínimos
Mediana de VIT
80
70
60
50
40
Pré
Pós1
Tempo
Pós2
Figura 4: Distribuição das medianas dos escores de VIT em função das categorias de Renda Familiar
nos momentos pré-TMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós1) e pós-TMO tardio (Pós2)
Nota-se, por meio da Figura 4, que as medianas dos escores de VIT na categoria >5
salários mínimos apresenta valores maiores nos tempos pré-TMO e pós-TMO1 em relação às
outras duas categorias (<3 salários mínimos e de 3 a 5 salários mínimos).
Assim como no estudo da variável EGS, em relação à variável VIT, foi aplicado o
teste estatístico não paramétrico Kruskal-Wallis para verificar evidências de diferenças entre
as categorias da covariável Renda Familiar, em relação às três etapas do tratamento. Nenhuma
diferença estatisticamente significante foi encontrada entre as categorias.
Variável Aspectos Sociais
O domínio AS se propõe a mensurar: de que maneira a saúde física ou os problemas
emocionais interferiram nas atividades sociais normais, em relação à família, aos vizinhos,
amigos ou em grupos; quanto do tempo a saúde física ou os problemas emocionais
interferiram nas atividades sociais como: visitar amigos, parentes, entre outras.
A Tabela 11 mostra se as covariáveis têm efeito nos escores do domínio AS.
84
Tabela 11 - Efeito das variáveis sociodemográficas e
clínicas no escore da variável AS
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,03*
Idade
0,55
Escolaridade
0,04*
Religião
0,14
Renda familiar
0,01*
Sexo
0,40
Situação ocupacional
0,79
Tempo de diagnóstico
0,42
Forma da EM
0,12
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
Algumas das variáveis sociodemográficas e clínicas demostraram ter efeito nos
escores de AS. Verificou-se que Estado Conjugal, Escolaridade e Renda Familiar têm efeito
estatisticamente significante sobre a variável AS, além da variável Tempo de Transplante.
No que se refere à variável Estado Conjugal em relação ao domínio AS, podem ser
notadas diferenças por meio do gráfico plotado (Figura 5) com os valores de mínimo, 1º
quartil, mediana, 3º quartil e máximo dos subgrupos Com companheiro(a) e Sem
companheiro(a).
A Figura 5 mostra a distribuição das medidas obtidas na amostra (n=34) para o
domínio Aspectos Sociais entre os subgrupos Com companheiro(a) e Sem companheiro(a),
nos três momentos do TCTH.
85
Figura 5. Box plot do domínio AS em função de Estado Conjugal, em relação aos momentos pré-TMO
(Pré), pós-TMO imediato (Pós 1) e pós-TMO tardio (Pós 2)
Pode-se perceber, pela Figura 5, que, para o domínio Aspectos Sociais, os valores
obtidos pelos participantes que constituíram o subgrupo Com companheiro(a) apresentaram
escores praticamente semelhantes aos obtidos pelos participantes que compõem o subgrupo
Sem companheiro(a) no momento do pré-transplante. Por outro lado, nas duas avaliações
seguintes, as medidas do subgrupo Com companheiro(a) apresentaram escores mais elevados
do que as do subgrupo Sem companheiro(a). No entanto, a diferença observada entre os
escores desses dois subgrupos não se mostrou estatisticamente significante.
Variável Aspectos Emocionais
O domínio Aspectos Emocionais se propõe a avaliar o comprometimento apresentado
pelo indivíduo em realizar seu trabalho ou outras atividades em consequência de algum
problema emocional como, por exemplo, sentir-se deprimido ou ansioso. Pôde-se perceber,
86
pela Tabela 12, que não houve evidências estatisticamente significantes de que as covariáveis
analisadas neste estudo, além da covariável tempo de transplante, tenham efeito sobre os
escores dos participantes no domínio AE.
Tabela 12 - Efeito das variáveis sociodemográficas e
clínicas no escore da variável AE
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,82
Idade
0,57
Escolaridade
0,58
Religião
0,29
Renda familiar
0,45
Sexo
0,47
Situação ocupacional
0,86
Tempo de diagnóstico
0,30
Forma da EM
0,42
Tempo de transplante
*p≤0,05
0,01*
Pode-se observar, na Tabela 12, que os valores de p obtidos por meio do modelo de
regressão linear não evidenciaram efeito das covariáveis sociodemográficas e clínicas no
escore do domínio AE. Constatou-se que apenas a variável clínica Tempo de Transplante
apresentou efeito (diferença estatisticamente significante em relação ao escore da variável
AE).
Variável Saúde Mental
O domínio SM se propõe a mensurar por quanto tempo o indivíduo tem se sentido
uma pessoa muito nervosa, quanto tempo tem se sentido tão deprimido que nada pode animálo, quanto tempo tem se sentido calmo ou tranquilo, quanto tempo tem se sentido desanimado
e abatido e quanto tempo tem se sentido uma pessoa feliz.
87
A Tabela 13 apresenta os resultados obtidos por meio do modelo de regressão linear
para verificar se as variáveis sociodemográficas e clínicas têm efeito nos escores do domínio
SM.
Tabela 13 - Efeito das variáveis sociodemográficas e
clínicas no escore da variável SM
Variável
Estado conjugal
P-valor
0,07
Idade
0,20
Escolaridade
0,07
Religião
0,99
Renda familiar
0,02*
Sexo
0,76
Situação ocupacional
0,25
Tempo de diagnóstico
0,21
Forma da EM
0,32
Tempo de transplante
*p≤0,05
<0,01*
Nota-se, pela Tabela 13, que além da variável Tempo de Transplante, somente a
variável Renda Familiar tem efeito sobre o escore do domínio SM.
Outro resultado interessante de se notar é apresentado na Figura 6 que mostra a
distribuição dos valores de mínimo, 1º quartil, mediana, 3º quartil e máximo dos subgrupos
Com companheiro(a) e Sem companheiro(a) obtidos na variável Saúde Mental, nos três
momentos do transplante.
88
Figura 6. Box plot do domínio SM em função do Estado Conjugal, em relação aos momentos préTMO (Pré), pós-TMO imediato (Pós 1) e pós-TMO tardio (Pós 2)
Por meio da Figura 6, pode-se notar claramente uma diferença entre a distribuição das
medidas dos escores obtidos pelo subgrupo dos Com companheiro(a) (mais elevados) e as
obtidas pelo subgrupo dos Sem companheiro(a) (mais rebaixados), nos três momentos de
avaliação. No entanto, a análise estatística não evidenciou diferenças significantes entre as
duas categorias no domínio SM.
Dessa maneira, a distribuição das medidas da amostra, observada nas Figuras 5 e 6,
sugere que os pacientes que fazem parte do subgrupo Com companheiro(a) apresentaram os
domínios Aspectos Sociais e Saúde Mental mais preservados do que os pacientes do subgrupo
Sem companheiro(a), principalmente no período de um ano após o transplante. Embora não
tenham evidenciado diferenças estatisticamente significantes entre os dois subgrupos nos
domínios, os resultados sugerem que o apoio familiar, principalmente do cônjuge, constitui
um fator importante no enfrentamento dos problemas emocionais e na continuidade da rotina
social, possivelmente afetados pela própria condição imposta pela doença.
89
Estudo das relações entre as variáveis do SF-36 entre si
Foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Pearson no intuito de verificar as possíveis
correlações entre as variáveis do SF-36, nos três momentos do transplante que foram avaliados.
As correlações entre as medidas do SF-36 obtidas no pré-TMO e pós-TMO imediato variaram de
0,02 (entre os domínios Capacidade Funcional do pré-TMO e Vitalidade do pós-TMO imediato) a
0,75 (entre Capacidade Funcional do pré-TMO e pós-TMO imediato). As correlações entre as
medidas obtidas no pré-TMO e pós-TMO tardio variaram de 0,00 (entre os domínios Estado
Geral de Saúde do pós-TMO tardio e Aspectos Físicos e Aspectos Sociais do pré-TMO) a 0,70
(entre as medidas do domínio Capacidade Funcional desses dois momentos). As correlações entre
as medidas obtidas no pós-TMO imediato e pós-TMO tardio variaram de 0,00 (entre os domínios
Capacidade Funcional do pós-TMO imediato e Saúde Mental do pós-TMO tardio) a 0,77 (entre as
medidas do domínio Aspectos Físicos desses dois momentos).
Foram observadas correlações fortes entre os variáveis Aspectos Físicos e Aspectos
Emocionais, ambas no momento pré-TMO; Vitalidade e Saúde Mental também no momento
pré-TMO. Outra correlação forte ocorreu na variável Capacidade Funcional entre os
momentos pré-TMO e pós-TMO imediato (pós-TMO1) e entre os momentos pré-TMO e pósTMO tardio (pós-TMO2) (0,75 e 0,70, respectivamente).
Outras correlações fortes foram observadas entre os domínios do SF-36 no momento do
pós-TMO tardio. A variável Capacidade Funcional mostrou-se fortemente correlacionada à variável
Estado Geral de Saúde (0,68); assim como a variável Aspectos Sociais esteve correlacionada às
variáveis Estado Geral de Saúde (0,70) e Vitalidade (0,65). Por fim, também nesse momento do
pós-TMO2, observou-se a correlação entre as variáveis Vitalidade e Saúde Mental (0,61).
Componente Qualitativo
Entrevistas
A análise das entrevistas permitiu conhecer o perfil sociodemográfico dos
participantes (sexo, idade, estado conjugal, escolaridade, situação ocupacional, renda familiar
e religião). As Tabelas 14 a 24 apresentam os núcleos temáticos, suas respectivas categorias e
subcategorias provenientes da análise das entrevistas dos participantes nos momentos pré,
pós-transplante imediato e pós-transplante tardio. Cada núcleo temático será apresentado em
uma tabela separada para facilitar a compreensão dos dados.
90
Pré-TMO
Na análise das entrevistas do momento pré-TMO, podem ser identificados os seguintes
núcleos temáticos: Antes e diante do adoecer; mudanças percebidas após o surgimento da EM
e a vivência do TCTH.
A Tabela 14 mostra o núcleo temático 1 que se refere à descrição de como era a vida
dos participantes antes do surgimento da EM e como foi vivenciada a notícia do diagnóstico.
Tabela 14 - Apresenta o núcleo temático 1: Antes e diante do adoecer, além de suas categorias,
subcategorias e elementos
Categorias
Subcategorias
Elementos
A doença como um fator Era mais ativo
Me atirava
exclusivamente limitante
Vida pré-adoecimento
Apresenta como os pacientes
vivenciaram o surgimento de uma
doença tão limitante quanto a EM.
A percepção de que a doença veio
interromper uma vida ativa e
produtiva.
Um oportunidade de se refletir Trabalhava o quanto podia
Esquecia o primordial
sobre a própria vida
Alguns pacientes percebem o
surgimento da doença também como
um fator que possibilitou refletir
sobre a vida anterior ao diagnóstico.
A doença veio para parar
Vivia em função do
trabalho
Não tinha vida
O impacto do diagnóstico
No estado que está!
Foi um choque!
A comunicação do diagnóstico é
sentida como um fator inesperado,
capaz de interromper a continuidade
da vida normal.
A negação
Diagnóstico de EM
Apresenta
os
diferentes
sentimentos vivenciados pelos
participantes
diante
do
diagnóstico de EM.
Já não pode fazer
Há um movimento depressivo de
negar a existência da doença.
O medo
O sentimento de medo surge diante
do prognóstico e das possibilidades
terapêuticas.
A aceitação
A percepção de que é possível se
adaptar à dura realidade que a doença
impõe a sua vida.
Não aceitei a doença
Brigava com ela
Não me causou nada
Não foi fácil
Não sabia o que tinha
Não tinha cura
Tô acostumando
Tem que ir adaptando
91
Em relação à vida pré-adoecimento, de um modo geral, os participantes se referiram
à sua vida antes do aparecimento da enfermidade como mais ativa, com menos limitações do
que a atual. Os antecedentes do adoecer indicam cotidiano descrito como normal. A doença,
portanto, é percebida como fator limitante de uma vida outrora bastante produtiva. As falas,
a seguir, foram retiradas de algumas entrevistas, com o objetivo de ilustrar essa categoria.
Eu era, ah... bem mais ativo, bem mais... ah... que me atirava as coisas, porque com
esclerose você não se atira nas coisas, sabe? (Rafael, 44)
É uma vida assim, que você saía, você tá entendendo? Saía, se divertia, dançava né?
Entendeu? E de repente você já não pode fazer nada disso... Agora eu tô... sabe eu tô... tô
acostumando... tô acostumando... porque a gente tem que ir adaptando... (Augusto, 40)
Apesar desse fator limitante, no discurso dos pacientes, aparece também uma
possibilidade de reflexão sobre o modo agitado e atribulado de se viver a vida antes do
aparecimento da doença. Alguns participantes expressam a sensação de que a doença surge
para desacelerar um ritmo de vida frenético, no sentido de interromper a rotina intensamente
focada na atividade profissional.
...me levantava, ia pro trabalho, no trabalho, ficava lá até tudo que podia ficar, que
esse trabalho inclusive não dava sossego nem de madrugada, e quantas e quantas
vezes foram telefonemas na madrugada, perguntando, será que eu posso fazer isso?A
minha cabeça tava ligada quase que 24 horas no trabalho e esquecendo o primordial,
que é quem tá do lado. (Robson, 43)
Parece que a doença veio para me parar, porque eu vivia em função do meu trabalho;
dormia no meu trabalho e acordava no meu trabalho, não tinha vida! (Humberto, 43)
A criação de tal fantasia, talvez, esteja relacionada à necessidade de entendimento dos fatores
que teriam favorecido o surgimento da doença em um momento caracterizado pela produtividade,
bem como possibilitar um contato com a aceitação da realidade desencadeada a partir do diagnóstico.
Outra categoria que tem relevância neste estudo é a que se refere ao diagnóstico. Isso
decorre do fato de que a notícia da presença de qualquer doença crônica pode causar forte
impacto para o paciente. O diagnóstico da EM, para os participantes deste estudo, foi
recordado como um momento difícil de suas vidas. Alguns mencionaram a sensação de
choque como a mais prevalente.
E quando meu médico, meu cirurgião, conversando com a minha esposa falou: bom,
nesse estado que está, eu já não tenho condições de liberar uma alta pra ele, chegou
até mesmo a cogitar o fator da minha aposentadoria, foi um choque. (Robson, 43)
92
No relato de outros participantes, sobressaíram a negação da própria doença e uma
tendência à desconsideração dos sintomas, em seus pródomos.
Eu tive muito dissabor porque no começo eu não aceitei a doença. Eu brigava com ela
e desconsiderava os sintomas. (Humberto, 43)
Por outro lado, apenas um participante relatou que o diagnóstico não lhe causou
impacto; aparentemente, ele não demonstrou qualquer reação. Na verdade, o fato de ter
relatado que não teria sentido nada já pode ser considerado uma reação à notícia da doença.
Essa negação pode ser entendida como uma defesa necessária naquele momento, no intuito
de proteger o indivíduo de uma possível desestruturação psíquica.
Eu fiz a ressonância, ele colheu o líquido, da espinha, e levou na mesma hora pra
fazer o exame também, e acusou esclerose múltipla... (e o que você sentiu quando ele
te contou o que era a doença?)... eu não senti nada. (Gabriel, 38)
O sentimento de medo surge diante do prognóstico desfavorável e da impossibilidade
de cura.
Assim, pra mim isso não foi fácil... não sabia o que tinha e daí de repente, fico
sabendo que eu tinha um problema que... que na época não tinha cura, só controle
né? (Amélia,32 anos)
O inevitável fato de ter de conviver com as limitações e mudanças progressivas
advindas da EM, bem como se submeter aos tratamentos necessários, como as sessões de
fisioterapia e medicações com efeitos colaterais dolorosos, exige adaptação a essa nova
realidade. Tais fatores contribuem, após anos de convivência com a dor e o sofrimento, com o
processo de aceitação da doença.
Agora eu tô... sabe eu tô... tô acostumando... tô acostumando... porque a gente tem
que ir adaptando... (Augusto, 40)
Para melhor contextualização, faz-se necessário explanar a respeito dessas limitações e
mudanças decorrentes do aparecimento da EM. A Tabela 15 elucida o núcleo temático 2:
mudanças percebidas após o surgimento da EM, que se refere ao conjunto de mudanças,
percebidas pelos participantes como negativas e/ou positivas, após o aparecimento da doença.
93
Tabela 15 - Apresenta o núcleo temático 2: Mudanças percebidas após o surgimento da EM, suas
categorias, subcategorias e elementos
Categorias
Subcategorias
Elementos
Mudanças físicas e corporais
Mais difícil pra andar
Mudando bastante
Deixei de fazer
Andava muito
Muda demais
Tenho dificuldade total
Minha vida mudou tudo
Mudou muito
Muda tudo
O principal é o andar
Incontinência urinária
Incontinência fecal
Não poder ficar de pé
Dificuldade pra falar
Desequilíbrio
A visão piorou
Diz respeito à percepção do paciente de
alterações
no
seu
corpo
como
consequência da progressão da EM.
Mudanças negativas na vida
do paciente
Refere-se às mudanças que os
participantes relataram ter notado
ao longo da vivência com a
doença e que são conotadas como
mudanças negativas.
Mudanças nos relacionamentos
Refere-se à percepção de que
relacionamentos,
em
geral,
modificaram a partir do surgimento
EM.
A
doença
favoreceu
distanciamento.
os
se
da
o
Mudanças no jeito de ser
Refere-se à percepção de que a doença foi
instrumento de mudanças no jeito de ser
do próprio participante, em relação às
suas atitudes e comportamentos.
Perdas
Sensação de que a doença trouxe uma
série de perdas.
Limitações
Está relacionada à percepção de que a
doença é causadora de limitações.
Todo mundo te vê como
coitadinha
Fico recolhida
Não quero me chegá muito
nas pessoas
Vão ficá com preconceito
A gente fica muito só
Ficaram me mimando e
não gosto disso
Me tratam com pena
Procurei isolar
Ignoro
Era calmo, tranquilo
Me irrito mais fácil
Mais irritado
Mais ansioso
Mais chato
Difícil dar um sorriso
Mais esquentado
Mais afobado
Perda de força
Perdia um movimento
Tive que pará
Uma perda de equilíbrio
Fui perdendo muita coisa
Não consigo me vestir
Tem que ter alguém para
dar apoio
Tive muitas perdas
Jogava futebol
Eu dirigia
Limitação
na
minha
atividade
Me vi presa
Não conseguir pegar nada
94
Tentava fazer mas caía
Não tenho ido mais
Meu
mundo
vai
diminuindo
Dependência
Forte e indesejável sentimento de
depender do outro, em decorrência das
perdas e limitações em consequência da
progressão da doença.
Sentimento de menos valia
Forte sentimento de desvalorização de si
mesmo.
Mudanças nos relacionamentos
Diz respeito à percepção de que os
relacionamentos,
em
geral,
se
modificaram de forma positiva a partir do
surgimento da EM. A doença favoreceu a
aproximação.
Mudanças no jeito de ser
Mudanças positivas na vida
do paciente
Refere-se à percepção de que a doença foi
instrumento de mudanças positivas no
jeito de ser, em relação as suas atitudes e
comportamentos.
Refere-se às mudanças que os
participantes relataram ter notado
ao longo da vivência com a
doença e que são conotadas como
positivas.
Mudanças de valores
Percepção de uma nova forma de se sentir
e pensar a vida, a partir de uma
reavaliação dos próprios valores e
crenças.
Tenho uma dependência
muito grande
Dependências de pequenas
coisas
Dependências de grandes
coisas
Preciso de alguém pra me
ajudar
Dar trabalho para os outros
Pessoas ficarem presas
Não é vida
Não valho mais
Eu valia
Unir um pouco mais
Se não fosse a doença...
A família começou a
chegá mais próxima
Acho que uniu mais, todos
nós
Eu me aproximei e eles
também
Muito menos medo
Hoje eu sou segura
Me preocupava muito
Passei a regulá isso mais
Eu não aceitava
Mudou muito
Tô mais calma
Eu era nervosa
Tô muito tranquila
Era agressivo
Tive que me acalmar
Sou mais forte do que era
Eu me dei mais valor
Doença como forma de
crescimento
Tô aprendendo a lidar
Aprender um pouquinho
Vou me adaptando
Aprendi a dar valor
Aprendi
Tive que fazer uma
releitura
Não foi perda de tempo
Eu aprendi muito
95
O núcleo temático 2 explicita as categorias mudanças positivas e negativas na vida
do participante após a descoberta da EM. Todos os participantes demonstraram ter notado
algum tipo de mudança em consequência da doença. Dentre as mudanças que receberam uma
conotação negativa, destacou-se a percepção de mudanças físicas e corporais.
Tá cada vez mais difícil pra andar, pra fazer o serviço de casa... Então tá mudando
bastante. (Clarissa, 36)
Eu deixei de fazê muita coisa que eu fazia. Eu andava muito e chegou uma hora que
eu não dava conta de andá e de fazê muita coisa em casa, de fazê serviço em casa.
(Marcela, 48)
Vou te falá... muda demais, né? Muda em... eu consigo andá só com a bengala e
encostado na parede e a parte direita eu tenho dificuldade total, né? Braço e perna,
né? A doença acaba com tudo, né? Cê trabalhava... minha vida mudou tudo, acabou
com tudo... pra falá a verdade. Tá bom... a gente tem que tê tudo por Deus, mas muda
tudo. Talvez até segurou a gente, né? Em todo sentido mudou muito. (Osvaldo, 51)
Eu sempre parei pra pensá nas modificações que iam ocorrer na minha vida. E elas
vêm chegando gradativamente, ã... aos poucos, tá? Mas mudanças bastante
importantes, que eu noto... se eu fizesse um filminho dessa minha evolução, eu noto a
evolução... a evolução... dá pra observar a evolução da doença, tá? A mudança
física... é... a mudança física principal é o andar... outras mudanças físicas... de vez
em quando você tem incontinência urinária, também incontinência fecal, isso ocorre,
mas o pesado mesmo é o andar, o caminhar, o poder ficar de pé, o equilíbrio. Esse é o
principal. (Álvaro, 50)
Eu tenho dificuldade pra falá, um pouco, pra caminhá, muita, desequilíbrio, horrível,
a visão piorou um pouco e acho que é isso. Mais pra caminhá que é o que mais
incomoda. (Lícia, 32)
Outra subcategoria foi a que se refere às mudanças nos relacionamentos que foram
percebidas por alguns participantes de forma negativa, em que a doença constituiu-se um fator
favorecedor do distanciamento de familiares e amigos.
Mudou porque de repente, todo mundo te olha e te vê como coitadinha e isso é muito
chato porque eu não sou coitadinha. Simplesmente eu só tenho esclerose múltipla que
me judia bastante, tá? (Soraya,43)
Eu fico mais recolhida assim, não quero me chegá muito nas pessoas, achando que
vão ficá com preconceito, sei lá, fugi, mas é tudo da minha cabeça. Além de eu me
escondê mais, acho que não! Tenho vergonha de caminhá e tal, mas faz parte do “se
esconder”. (Lícia, 32)
Não sabia o que era... Até eles entendê o que é a doença... a gente fica muito só né?
Não tinha aquela participação deles... (Augusto, 40)
96
É, notei assim, a minha família ficou muito me mimando e eu não gosto que fiquem me
mimando. (risos) isso é verdade. Nossa, aí todo mundo fica aí ó “ai, como que você
tá, ai não faz isso não” e eu não gosto que fica me mimando. O meu marido ele ficou
revoltado, muito revoltado, que eu que tive que consolar ele. (Raquel, 40)
Hoje eles me tratam com mais pena né? Com mais carinho, mas aquele carinho que
eu sei que é pena. Mas... (emociona-se) (Natália, 41)
Alguns da família assim, uns que não entendem assim, que não têm muita informação,
não... eu... como se diz, se não me fez bem eu procurei isolar. Ignoro, deixo... (Amélia,
32)
Outras mudanças foram relatadas pelos participantes e referem-se às alterações nas
suas atitudes e comportamentos. Desse modo, a subcategoria mudanças no jeito de ser
apresenta as principais modificações que foram percebidas como negativas, a partir do
surgimento da EM. Os trechos a seguir ilustram essa subcategoria.
Eu era uma pessoa muito calma, tranquila. Eu acho que eu fiquei mais... me irrito
mais fácil, sabe? Eu tenho uns lapsos, coisa que eu não era... era extremamente calmo
e assimilava bem as pessoas e a partir daí eu fiquei mais à flor da pele, mas nada
também exagerado, né? (Roberval, 54)
Ã... então ã... eu me vejo às vezes realmente mais irritado, mais ansioso, mais chato,
mais impertinente, justamente por não poder tá fazendo isso sozinho. (Álvaro, 50)
E tem momentos que... quando eu acordo, é... já não bem comigo, então tudo já é mais
difícil pra mim. Difícil eu andar, difícil eu falar, difícil eu responder, difícil eu dar um
sorriso. (Saulo, 38)
A gente acaba ficando mais afobado, né? A doença acabou puxando pra trás, né?
Segurando o passo. Tô mais esquentado, mais afobado sim. (Osvaldo, 51)
De acordo com o relato dos participantes, o aparecimento de uma doença debilitante
como a EM trouxe uma série de perdas. A princípio, o relato focaliza as perdas associadas ao
físico e corporal como, por exemplo, a perda dos movimentos, a perda do equilíbrio e a perda
da tonicidade. No entanto, outras perdas ocorrem em consequência das primeiras e perpassam
desde o ato de vestir-se ou dirigir até a impossibilidade total de continuidade da atividade
profissional.
E agora mais atualmente tem uma perda de força na mão direita. (Marcela, 48)
Então perdia um movimento de algum membro e de repente perdia o outro, aí seis
meses e tava tudo bem de novo. Mas aí melhorava um pouco, passava um tempo
97
retornava as mesmas coisas, iguaizinhos tudo de novo. E eu tava cansada de ir em
médico pra procurá o que é que eu tinha. (Soraya, 43)
Marcou muito pra mim (...) quando, por motivo de equilíbrio, eu tive que pará de
operá. Eu sempre gostei de operá e de repente eu não tive... eu tive que me fazê pará
de operá, porque seria um risco ã... eu ter uma perda de equilíbrio num ato cirúrgico,
tá? Então, isso marcou muito, tá? (Álvaro, 50)
E fui perdendo muita coisa, eu não consigo me vesti sozinha, eu não consigo ir ao
banheiro sozinha, levantá... tem... tem sempre que tê alguém pra me dá apoio, mas eu
dirijo carro, comprei o carro com automático. (Silvana, 42)
Então eu tive muitas perdas, tenho muitas sequelas ainda, mas não são tão visíveis,
como em outras pessoas. (Michele, 37)
Perda de equilíbrio. Eu jogava futebol depois passei a jogá tênis, aí depois não
jogava mais. É... eu dirigia e faz uns dois anos que não dirijo mais que a perna não
obedece. Preciso de apoio, né? Pra me levantá eu uso mais as mãos do que as pernas,
né? Então eu perdi a força nas pernas. Mas o que é mais é o equilíbrio, né?
(Roberval, 54)
A constante depreciação dos aspectos físicos e corporais somada às prováveis perdas
resultam em uma sensação muito frequente entre os participantes: a sensação de limitação.
Por meio dos relatos nota-se que essa percepção de limitação não diz respeito apenas à
limitação na atividade física. A doença parece ter o significado de fator limitante das relações
e do próprio mundo do participante.
A única mudança que eu sinto, corporal, é uma limitação na minha atividade física.
Só isso! Porque eu tenho o equilíbrio muito afetado. O labirinto ficou muito afetado.
(Domingos, 52)
Eu era de saí, de ir no banco, no supermercado, sabe? De dá conta da minha casa. E
de repente eu me vi presa de tudo isso. Você ficá presa e não consegui pegá um copo
d’água? Não consegui pegá nada pra você? Eu até tentava fazê, mas caía pro chão.
(Soraya, 43)
Se vou a uma festa, por exemplo, tenho que ficá perto do banheiro. Entendeu? Então
são coisas que fui me acostumando, me adaptando. No estádio de futebol, por
exemplo, eu já não tenho ido mais, entendeu? O meu mundo vai diminuindo um
pouquinho, né? (Roberval, 54)
Com a presença das limitações no cotidiano do portador de EM, surge também outro
sentimento que foi relatado pelos participantes e que é percebido como um fator negativo em
suas vidas. Trata-se da dependência para com outras pessoas. Abrange desde aspectos
aparentemente simples como pegar um copo d’água até aspectos mais angustiantes como a
98
sensação de que está preso ao outro. De modo geral, as perdas e a consequente dependência
física surgem como um aspecto gerador de muita angústia, aliada a sentimentos de frustração,
raiva e desmotivação.
Hoje, por causa dessa parte física, eu tenho uma dependência muito grande de tudo,
né? Dependência de pequenas coisas como pegá uma copo d’água, dependência de
grandes coisas como ajudá no banho, tá? (Álvaro, 50)
Mesmo sentada eu não me equilibro. Eu tenho que tê um apoio, então isso dificulta
bastante coisa, mas eu consigo comê sozinha, me alimentá sozinha. Eu tomo banho
sozinha, eu só preciso de alguém pra me ajudá... (Silvana, 42)
O que mais me incomoda é a possibilidade de dá trabalho pros outros. Isso me
incomoda muito. E as pessoas ficarem presas no meu problema. Isso me deixa muito
chateado. (Roberval, 54)
Eu cresci com... com independência, autonomia... eu estudei, eu batalhei pra isso e
agora acabou! Pra mim não é vida sem ter uma independência! Que eu não tenho.
(Lícia, 32)
Vale ressaltar, ainda, um aspecto bastante relevante para as pessoas com uma
enfermidade como a esclerose múltipla. A perda dos movimentos dos membros podem acabar
levando a admitir o recurso da cadeira de rodas. Esse é um momento de conflito intenso, uma
vez que aceitar a cadeira é ter de aceitar a própria fragilidade, a própria impotência e o
consequente estado de dependência.
Sou um cadeirante há seis anos. A cadeira tem um lado bom porque você fica
protegido, não cai! Mas ela também tem um lado muito ruim porque você perde a
oportunidade dos movimentos! E aí vem o fato de você ter que depender do outro... e
é uma sensação constante de que você tá incomodando o outro. E eu não quero isso
pra mim, é ruim isso, sentir isso. (Humberto, 43)
...no começo foi difícil, mas depois que eu aceitei a cadeira, isso demorou dois meses
só, então a gente vai pra todo lugar, comigo na cadeira, não deixo de participa de
nada, só quando não tem jeito mesmo, que não tenho.... pra subí escadas, essas
coisas... (Silvana, 42)
Outra subcategoria foi representada por apenas um relato e se refere ao sentimento de
menos valia. Com o surgimento da doença, o participante se declara uma pessoa sem valor
algum e se emociona bastante com isso.
...eu já não valho mais... eu valia (emocionado). (Igor, 55)
99
Outras três subcategorias expressam a percepção de mudanças positivas, a partir do
surgimento da EM. A primeira delas refere-se à percepção de mudanças nos
relacionamentos. Nesse caso, existe a conotação de que a doença favoreceu a
(re)aproximação de familiares e amigos.
A família começou a se unir um pouco mais, tá? Começou a ficá mais atenta às
minhas coisas, tá? É... dessa forma até eu acho... bom, benéfico, porque é uma coisa
que... se não fosse a doença, talvez se eu tivesse que chamá a atenção por algum
motivo, tá? Em função da própria doença, a família começou a chegá mais próxima e
tal... (Álvaro, 50)
Nossa senhora! A minha filha! Nossa! Eu acho que a família toda. Meu filho. Nossa!
A minha família inteira! Demais! A mudança maior que eu tive foi com meu pai.
Então eu aprecio muito isso, hoje. O carinho, tudo que ele pode fazê, ela faz, hoje já
tá bom assim, mas eu acho que uniu mais, todos nós... muito mais. (Raila, )
Ah, eu me aproximei e eles também, no geral. (Michele, 37)
A segunda subcategoria que se refere à percepção positiva de mudanças, a partir do
surgimento da doença, é a de mudanças no jeito de ser, ou seja, a percepção de que houve
alterações positivas nas atitudes e comportamentos dos participantes.
Me ajudou a encará a vida com muito mais facilidade, com muito menos medo. Eu
tinha medo de tudo, hoje eu não tenho medo de nada. Hoje eu sou segura. Eu era uma
pessoa que não ia ali porque eu podia passá mal, eu podia tropessá. Agora, eu tenho
minhas dificuldades então tenho que me adaptá pra resolvê melhor os meus
problemas. (Soraya, 43)
Eu era uma pessoa que me preocupava muito com que os outros poderiam pensar,
sabe? Nessa fase aí eu comecei a ficá muito no extremo, a tomá medidas extremistas,
mas aí eu passei a regulá isso mais. Eu tinha medo de tudo. (Soraya, 43)
Antes eu não aceitava... hoje eu aceito bem minha condição. Hoje, não, de uns quatro
anos pra cá... Mudou muito. Eu tô mais calma. Antes eu era nervosa, sabe, mas agora
não. Tô muito tranquila. (Clarissa, 36)
Eu era muito agressivo. Eu tive que me acalmar. (Domingos, 52)
Eu sou muito mais forte do que eu era. Porque foi uma experiência que me deixou eu
crescer muito mais do que eu era, eu me dei mais valor. (Raquel, 40)
Como pôde ser observado nos trechos extraídos das entrevistas, apresentados
anteriormente, para esses pacientes a doença é vista como o fator causador de diversas
modificações em suas vidas. Surgem, então, as dificuldades em atividades simples do
100
cotidiano, as dores, as limitações, a desistência da atividade profissional por não conseguir
exercê-la mais, ou ainda, a aposentadoria precoce, o desânimo e a frustrante dependência de
outras pessoas no auxílio do dia a dia. Por outro lado, deve-se apontar que, em alguns casos, a
doença traz a oportunidade de reflexão sobre a vida, de reavaliação de crenças e valores e de
uma percepção mais apurada da própria condição do ser humano. Em suma, muda-se a forma
de encarar a vida.
Eu tenho encarado a doença como uma forma de crescimento... o meu marido também
me apoia demais... ele também acha que não é sacrifício nenhum, se a gente tá junto
passando por isso é porque... é pra nós dois mesmo, então é um jeito legal. (Silvana,
42)
Eu tô aprendendo a lidá com as minhas limitações, né? Não posso nem falá... porque
cada dia eu tenho que aprendê um pouquinho porque cada dia evolui um pouquinho a
doença. Que nem eu te falei anteriormente, dirigir era uma coisa automática e que
não faço mais há mais de dois anos, então eu vou me adaptando, né? (Roberval, 54)
(...) Eu aprendi dar valor mais... é... dar valor mais no ser humano. Dar valor mais às
coisas mais importantes como você pode abraçar um amigo... Sabe? Aprendi que não
devemos correr atrás do supérfluo. Aprendi, que devemos pedir sim a Deus, somente o
necessário pra sobreviver. Pra quê cê quer o supérfluo se o necessário já... já é o
suficiente pra você, né? (Saulo, 38)
Com isso, eu tive que fazer uma releitura. Eu tive que fazer uma releitura. (Domingos,
52)
É... então, é isso que eu tô dizendo, né? Não quero o sofrimento que eu tive pros
outro. Faço torcida pro ceis descobri mais coisa nova, mais desoberta, pra ninguém
sofrê igual a gente. Que nem, cê vê... eu contei pro cê das pranta, dos retireiro, tudo
aí... é o que eu quis mostrá pro cê que não foi uma perda de tempo. Eu aprendi muito.
(Osvaldo, 51)
Diante de tantas dificuldades enfrentadas no longo itinerário terapêutico, os
participantes chegam ao transplante com histórico de submissão a outras terapêuticas que não
produziram o efeito desejado. Aliado a isso, o prognóstico desfavorável e a constante
depreciação da qualidade de vida podem levar os pacientes à atitude heroica de se
submeterem à complexa terapêutica do TCTH. A Tabela 16 mostra o núcleo temático que
refere-se ao conjunto de aspectos psicológicos que estão diretamente relacionados com
TCTH, a saber: a tomada de decisão para submeter-se a essa terapêutica, as dificuldades que
acreditam que poderão encontrar e as expectativas acerca dos resultados do tratamento.
101
Tabela 16 - Apresenta o núcleo temático 3: O tratamento com TCTH; suas categorias,
subcategorias e elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Decisão
impulsionada
pelo Tentarmos fazer tudo o
que existia
insucesso de outras terapêuticas
Motivos que levaram à tomada de
decisão pela realização do TCTH
Refere-se à tomada de decisão pela
realização dessa terapêutica inovadora.
Está relacionada à percepção do
participante de que a decisão pelo
tratamento esteve relacionada ao fato de
as terapêuticas convencionais não
promoverem a melhora desejada.
Decisão
impulsionada
progressão da doença
pela Foi ver a luz no fim do
Refere-se ao fato de a tomada de
decisão ter sido fortalecida pelo desejo
de se interromper a progressão da EM.
Quimioterapia
Está relacionada à ideia de a
quimioterapia seria a maior dificuldade
que o participante encontraria durante o
tratamento.
Dificuldades
esperadas
decorrer do TCTH
Tomei um monte de
remédio
Nada barrou a doença
Única maneira de estagna
Tomei muito interferon
Não deu resultados
Não tem outra alternativa
túnel
É uma chance de parar
Oportunidade de acabar
com aquilo
Promessa de parar a
doença
Estacione o problema
Quimioterapia
Todos falam que é
horrível
Vai ser a quimioterapia
Ficar nesse quarto
no Isolamento
O fato de que o tratamento obriga a Nao vou poder respirar
Refere-se às dificuldades que os
participantes relataram que poderiam
encontrar durante o tratamento.
permanência em regime de isolamento
total na enfermaria hospitalar, durante
um período médio de 30 dias.
Expectativa de que não haverá
dificuldades
Trata-se da
tratamento
dificuldades.
percepção de
transcorreria
um ar fresco
Ficar aqui dentro
Quero sair daqui!
Ficar internada aqui
Nenhuma dificuldade
que o
sem
Estancamento da progressão da O tratamento domine
meu
sistema
EM
imunológico.
Expectativas em relação ao TCTH Refere-se à expectativa de que o TCTH Não significa cura
cumpra com a meta de que a doença não
Diz respeito ao conjunto de expectativas
em relação aos resultados do TCTH.
continuará progredindo.
Interrupção
da
progressão da esclerose
Estabilizar a doença
Melhoras nos aspectos físicos e Recapturar meu estado
físico
corporais
Está relacionada à expectativa de que
ocorrerão melhoras significativas na
condição física e motora do participante.
Tem muita coisa pra
fazer
Ficar um pouco mais ágil
Espero melhoras
Voltar a andar
Melhorar a parte física
102
Esperança de cura
Está relacionada à expectativa de que o
TCTH irá promover a cura do
participante.
Vai ser a cura
Uma nova vida
Posso sonhar
Ficar curada
Retomada da vida anterior à Quero minha vida de
volta
doença
Os participantes demonstraram o desejo
de que possam retomar a vida ativa que
possuíam antes do surgimento da EM.
Eu queria o antes
Queria trabalhar
Fazer uma recuperação
legal
Ainda tem chão
Coisas que sinto falta (de
fazer)
Os resultados evidenciam que todos os participantes do estudo chegaram ao
transplante após um tempo de diagnóstico de EM bastante extenso: de cinco a 11 anos de
doença. Nesse sentindo, haviam se submetido a diversos tratamentos. Alguns participantes
relataram a presença de efeitos colaterais, tais como enjoo, dores de cabeça, mal-estar físico e
fadiga após a aplicação do interferon. Em 75% dos casos, as terapêuticas serviram como
tratamento paliativo durante certo tempo. Em outros casos (25%), nenhum tratamento surtiu o
efeito desejado. De tal forma, notou-se que, quando esses pacientes submetem-se ao
transplante já haviam vivenciado sucessivas vezes nos tratamentos convencionais, o que pode
resultar em sentimento de frustração, além de dúvidas e incertezas em relação à nova
terapêutica. No entanto, o conteúdo manifesto das falas não deixa transparecer abertamente o
ceticismo.
A decisão foi de... nós tentarmos aí com a neurologia fazê tudo o que existia de
medicamento, né? Tomei um monte de remédio, mas nada barrou a doença. Aí a gente
veio tentando as alternativas. Aí falaram que a única maneira de estagná, mesmo com
os riscos que tem, e mesmo com a possibilidade de não acontecer nada. Então foi uma
coisa bem pensada, bem refletida. (Roberval, 54)
Eu já comecei a fazê as entrevistas e em nenhum momento eu pensei... ainda quando
fiz a consulta, tava aquela senhora que depois faleceu... nenhum momento eu pensei:
“pode sê comigo também”; “tem que dá resultado comigo porque já deu certo pra
outra pessoa”, então... mesmo tanto o Seu R. aí... na quimioterapia, procuro não
pensar... eu tracei um plano... eu vou tentá o que for melhor, se não acontecê nada
pelo menos eu tentei, porque isso é o mais moderno, o que tá em ponta de linha, eu
tomei muito interferon, muito betaferon também não me deu grandes resultados...
(Silvana, 42)
103
Eu fui até a doutora D. Aí, na hora que ela falou como é que era, explicou... já decidi
na hora de que ia fazê. Aí o meu filho, minha filha, o pai dela, todos já resolvemos...
não tive nenhum pingo de dúvida até hoje. Eu acho que é o que tem que sê feito. Não
tem outra alternativa. (Cláudia, 54)
O participante Roberval procura apoiar-se em um discurso racional (“foi uma coisa
bem pensada”) para lidar com a incerteza do desfecho do TCTH. Insere essa terapêutica no
final da linha das diversas “alternativas” malogradas, isto é, o TCTH é claramente percebido
como o último recurso para modificar seu quadro. Na fala de Silvana, paira uma tentativa de
silenciamento em relação à possibilidade de pensar/cogitar o insucesso do novo tratamento
(“procuro não pensar nisso”). Nas entrelinhas, seu discurso parece enunciar o temor da morte.
As várias tentativas mal-sucedidas de tratamento suscitam “cansaço”, que por sua negação
contribui para fortalecer a decisão pelo TCTH.
Outro argumento muito utilizado pelos participantes, como fatores que os auxiliaram
no processo de decisão pela terapêutica do TCTH foi o desejo de interromper a progressão
da EM. Essa percepção aparece de modo recorrente no relato dos participantes.
(O transplante) foi vê a luz no fim do túnel. Foi assim... vou fazê e vou melhorá,
porque eu fazia tratamento e nada adiantava... continuava piorando um pouquinho a
cada dia, aí quando eu vi que tava agendado, aí vou fazê e tá tudo certo. Vou fazê!
(Lícia, 32)
Ah, é uma chance, né? De parar pelo menos, com tanta coisa, eu tava em crise todo
mês, aí assim que eu tive oportunidade de acabar com aquilo eu vim rápido, não tive
dúvida. (Paula, 30 anos)
Vim pra cá, pra Ribeirão, comecei a conversá e realmente a gente viu que era um
caminho promissor. Entre tudo que eu andei por aí, quer dizê, esse é o que me
pareceu mais científico ã... com a promessa, maior promessa de melhora. Promessa
de pelo menos melhorá... pelo menos pará a evolução da doença. Se melhorá, ótimo.
Eu acho que o melhorar, depois é... é realmente um trabalho que depende muito de
mim, tá? (Álvaro, 50)
O transplante pra mim é uma esperança, né?! Não de cura, mas que pelo menos
estacione o problema (Clarissa, 36)
Com a decisão tomada, surgem também as expectativas, em relação ao período de
internação, e as possíveis dificuldades provenientes do tratamento. No que se refere a
eventuais dificuldades, 75% dos participantes apontaram a quimioterapia como o fator mais
preocupante do tratamento.
104
A dificuldade é... é diferente pra cada um... é... todo mundo fala da quimioterapia, eu
não tô passando bem do estômago, mas eu tô sabendo administrá, não vomitei nem
uma veiz ainda e todo mundo que cê vê que faz a quimioterapia, todo mundo fala que
é horrível. (Silvana, 42)
Eu acredito que minha maior dificuldade vai ser a quimioterapia porque... eu tenho
recebido as duas primeiras e tenho tido muito ânsia de vômito, né? (Saulo, 38)
Eu acho que a dificuldade maior que eu vou ter eu acho que é a dificuldade que
qualquer pessoa vai ter com a quimioterapia. E... aí o que você tem que fazê? Tem
que tomá, né? Então eu tenho a minha acompanhante (enfermeira particular) pra me
ajudar a vomitá, a tudo e depois tem o meu marido que fica à noite me ajudando. Tem
que ser feito, não tem? Pronto. (Marcela, 48)
A quimioterapia, porque é doses muito fortes, mas eu não tenho medo disso...
(Adriana, 38)
Outra dificuldade relatada pelos participantes, como esperada durante o tratamento,
está relacionada ao isolamento protetor na enfermaria. A necessidade de se manterem, por
cerca de 30 dias, dentro da unidade hospitalar, em absoluto isolamento, foi vista como um
aspecto difícil e desafiante por cerca de 17% dos participantes.
Sinceramente? Acho que o mais difícil pra mim vai ser ficar aqui nesse quarto sem
poder ver um dia que não seja por essa janela aí... não vou poder respirar um ar
fresco. Tudo que eu fizer vai ser aqui dentro... eu não tô acostumado com isso, então
acho que vai ser barra! (Rafael, 44)
Nossa! Eu não vou conseguir ficar aqui dentro, não. Pelo amor de Deus! Eu quero
sair logo daqui... o pior com certeza vai ser isso mesmo... ficar aqui dentro desse
quarto! (Josiane, 23)
Com certeza, ficar internada aqui durante esse período todo vai ser o mais difícil pra
mim. (Francisca, 41)
As falas revelam uma dificuldade de estar acompanhado de si mesmo. Rafael também
revelou que é usuário de maconha, e o isolamento iria mantê-lo afastado da droga. Portanto, a
necessidade de confinamento tinha esse significado adicional para ele.
Apenas um participante apontou a expectativa de que não vivenciaria qualquer
dificuldade durante o período do tratamento.
Eu não vejo nenhuma dificuldade. Nenhuma dificuldade! O único problema é que esse
tratamento vai me deixar careca, se isso não me deixar de mau humor, tudo bem!
(Domingos, 52)
105
Na fala de Domingos nota-se uma tentativa de minimizar a importância dos efeitos
adversos da terapêutica.
Em relação às expectativas com a realização do TCTH, destaca-se a possibilidade de
interromper a progressão da doença.
Eu tenho uma expectativa muito boa com o tratamento. Eu espero ter entendido ele, e
espero que ele atinja os objetivos a que ele se propõe, de dominar o meu sistema
imunológico pra ele não se revoltar contra mim. Só isso! (Domingos, 52)
Mas eu já tenho na minha cabeça que o transplante não significa cura, vou falar pra
você falar pra todo mundo, o transplante por enquanto não significa cura. No meu
caso, ele tem uma interrupção da progressão da esclerose. Sou sabedor que, desde o
ano passado, quando começou a conversa dessa possibilidade de fazer o transplante,
que faria isso, sabendo que eu não ia deixar de ser, como eu digo, brinco com o
pessoal, não ia deixar de ser um esclerosado (riso). (Robson, 43)
Estabilizá a doença. Melhorá um pouquinho pra andá seria bom também, mas se não
dé jeito não tem problema. Estabilizando a doença eu já tô feliz. Acho que o resto a
gente dá um jeito. (Mila, 28)
Domingos contrói em sua fala uma metáfora para a doença, na qual ela é vista como
uma “revolta” do seu sistema imunológico que se rebela contra seu próprio organismo. Sua
expectativa em relação ao TCTH é frear esse processo de autodestruição. Já Robson manifesta
em seu relato ter uma consciência clara dos limites do tratamento, ao dizer que, mesmo
obtendo o resultado desejado não deixaria de ter a doença. Esse participante recorre a um
chiste na tentativa de atenuar o contato com o sofrimento de se perceber como alguém que
não irá adquirir domínio total sobre a doença, mesmo que o TCTH seja bem-sucedido.
Outro destaque diz respeito à expectativa de que ocorrerão melhoras significativas
na condição física e corporal do participante, principalmente na capacidade de deambulação.
Eu quero recapturar o meu estado de disponibilidade física, de saúde e enfrentar os
meus planos e os meus projetos que eu tive que engavetar. Eu engavetei vários
projetos de trabalhos, iniciativas que eu tive que engavetar em função da doença. Tem
muita coisa para fazer ainda, na área da construção civil, na área da indústria. Não
estou podendo fazer nada. (Domingos, 52)
Eu queria pelo menos nessa parte e na parte de controle... ficá um pouco mais ágil
pra pode controlá melhor a bexiga... ã... e podê chegá mais rápido ao banheiro e
pode solucioná essas coisas mais dipressa e pelo que eu ouço falar, nessa parte eles
têm melhorado, então tô com muita esperança nisso. (Silvana, 42)
Mas só que eu não queria piorá mais do que isso, né? Eu acho que se eu ficá direto
numa cama, isso eu acho que eu não aguento... eu procuro nem pensá, mas acho que
106
é uma questão assim que seria muito difícil porque eu tê que vivê em cima duma cama
sem podê movimentá? Então eu espero... melhoras. (Silvana, 42)
Eu espero que eu consiga melhorar a minha parte física porque fica muito difícil tudo
a vida da gente. Queria voltar a andar como antes e não ter mais a fadiga também
porque ela acaba comigo... (Ronaldo, 38)
Embora muitos desse pacientes demonstrem conhecimento de que o procedimento não
é uma promessa de cura, e sim uma tentativa de interrupção do progresso da doença, e se
mostrem satisfeitos se alcançarem esse objetivo, fica implícito (e algumas vezes explícito) nos
seus discursos a esperança de que esse tratamento inovador vai sanar suas doenças.
Sei que a ideia é pará a doença, mas aí a fisioterapia vai começá a fazê efeito e aí eu
vou melhorando. Quem sabe esse tratamento não vai ser a cura pra esclerose? Essa é
a minha ideia. (Lícia, 32)
Quero ter um vida... uma vida... mais... uma nova vida!Uma qualidade de vida
melhor! Se meu cabelo vai voltar a crescê ou não aí é o destino que vai dizer. Se eu
vou ficar barrigudo ou não, é... é o tempo que vai dizer, mas eu sei dizer... eu sei dizer
uma coisa pra você, serei feliz ao lado da minha família. Eu acho que... é o mínimo
que você possa fazer. Ser feliz ao lado da sua família. O resto é resto! É um
complemento só! É tudo isso que eu vejo no meu conceito. (Saulo, 38)
Agora eu posso sonhá! Já pensou? Se eu ficá boa, quem sabe eu voltá a andá, quem
sabe eu não posso cursá uma faculdade de direito? Quem sabe eu não posso fazê um
curso de nutrição que eu também acho um máximo. (Raila, 45)
Sucesso! (risos) Sucesso! (e o que significa sucesso?) Ah! Ficá curada, né? Claro!
(Adriana, 38)
É nesse contexto de expectativas, que os participantes veem no TCTH a possibilidade
de poderem reconquistar a vida que desfrutavam antes do surgimento da doença e
retomar os planos que ficaram pelo caminho.
Eu quero a minha vida de volta! Só isso! Eu queria o antes! Eu queria tá trabalhando
agora e tá esperando o final de semana! Eu queria trabalhar de segunda, terça,
quarta. Eu queria ter o meu dinheiro! O meu ir e vir! Não saio de casa porque não
uso o andador, porque usar o andador, pra mim, é admitir que eu tô doente. Não
quero! Então, a minha expectativa é ficar boa como antes. Quer dizer, o transplante
não vai trazê isso... já me disseram. (Lícia, 32)
Meus planos vai ser fazer uma recuperação legal, fazer direitinho, e olha, a minha
intenção, os meus planos é de montar mais um salão. Se Deus quiser. E crescer mais
profissionalmente, que eu já cresci comigo mesma, né? Pessoalmente e o profissional.
Que eu sou nova, ainda tem chão. (Raquel, 40 anos)
107
Coisas assim... bem básica... é eu tá com força total pra eu ir na cidade e andá à toa,
que era uma coisa que eu gosto muito, mas por enquanto não tô fazendo ainda e nem
é hora de fazê ainda. É uma das coisas que eu sinto falta. Só também, porque o resto
tenho feito tudo. Eu ia pra roça e não conseguia ir na casa do meu irmão que é
pertíssimo, não dá nem 600 metros, por causa da diferença do terreno e não dá pra
andá e tudo e não tinha força pra andá e isso foi uma coisa que eu deixei de fazê, mas
eu tenho impressão que daqui um tempo eu vou conseguir. Então, assim, são
coisinhas, bobinhas, mas você vai vendo que... que você consegue, pra mim é o
máximo. (Marcela, 48)
Lícia revela, em sua fala, a percepção de que teve sua vida sequestrada pela doença.
Seu depoimento tem o valor de um desabafo. É um grito indignado contra a condição
limitante que a doença engendra. Sente que sua liberdade foi suprimida e não aceita sua
condição de doente, manifestando o desejo de recuperar seu estado de saúde anterior à EM.
Com isso, parece ir de encontro aos objetivos do TCTH, que ela reconhece, ainda que apenas
do ponto de vista racional.
Raquel almeja cumprir rigorosamente o tratamento e acalenta planos de retornar ao
trabalho e expandir suas conquistas profissionais, já que considera que, do ponto de vista
pessoal, já amadureceu bastante. Marcela, à semelhança de Lícia, deseja recuperar sua
liberdade de movimentos, ter rigor físico e disposição para caminhar, visitar a casa do irmão e
andar pela cidade. Considera que, dentro de algum tempo, iria conseguir obter esses
benefícios.
Diante das diversas mudanças no cotidiano, percebidas como negativas, e das
possíveis dificuldades provenientes do tratamento, há necessidade de se averiguar não
somente o suporte atribuído às ciências médicas, mas também as fontes de apoio social e
psicológico que podem contribuir no enfrentamento das dificuldades provenientes da doença e
do TCTH. Esses aspectos que contribuem com os participantes no enfrentamento das
dificuldades advindas da EM e também das possíveis dificuldades provenientes do complexo
tratamento do TCTH estão sistematizados na Tabela 17.
108
Tabela 17 – Apresenta o núcleo temático 4: Fontes de apoio identificadas pelos participantes; suas
categorias, subcategorias e elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Apoio Familiar
(os
familiares)
mais
atentos às minhas coisas
Fizeram de tudo por mim
Devo a eles
Me apoiaram
Fica mais fácil enfrentá
Tá aqui
Me ajudou
Tá passando comigo
Trata-se do apoio de pais, companheiros e
filhos, percebido como a principal fonte
de suporte pelos participantes deste
estudo no enfrentamento da doença e de
suas complicações.
Outras fontes de apoio social
O apoio de médicos, amigos e
associações de portadores é percebido
como fonte importante de suporte social.
Rede Social
Refere-se à rede social da qual os
participantes percebem as possíveis
fontes de apoio para o enfrentamento
da doença, suas consequências e
também do complexo tratamento do
TCTH.
Apoio psicológico
O apoio do profissional da saúde mental é
bem recebido e percebido como essencial
na compreensão e enfrentamento desse
momento na vida do participante.
Espiritualidade
A espiritualidade aparece como recurso
importante utilizado na compreensão da
doença, das consequentes mudanças por
ela promovidas, bem como no
enfrentamento
das
dificuldades
vivenciadas durante o processo do TCTH.
Os verdadeiros amigos
ficaram
Me ajudando
Temos um espaço de
troca muito importante
Vai se aproximando uns
dos outros
Ajudando um ao outro
Estão torcendo por mim
Se preocupam comigo
Aprendi
Comecei a pensar sobre a
vida
Procurado vivê minha
vida
Vou precisar da ajuda
Sou
necessitada
de
conversar
Passei a acreditar mais
Comecei a frequentar
Eu não tinha tido força
Estou pedindo a Deus
Força pra suportar
Ajuda da espiritualidade
Tenho em fé em Deus
Tudo vai passar
Vai se resolver
Deus tá me dando força
Entrega na mão de Deus
Deus olha a gente
Diante das inúmeras perdas decorrentes da EM, pode-se notar que, no enfrentamento
dessas situações difíceis, os participantes encontram no âmbito familiar importante fonte de
apoio.
109
Começaram a ficá mais atentos às minhas coisas, tá? É... dessa forma até eu acho...
bom, benéfico, porque é uma coisa que... se não fosse a doença, talvez se eu tivesse
que chamá a atenção por algum motivo, tá? (Álvaro, 50)
Meu pai e minha mãe, eles sempre fizeram de tudo por mim... Se eu tô vencendo mais
uma etapa, eu devo grande parte disso pra eles. (Fernando, 32)
Meu marido e meus pais me apoiaram desde o momento que decidi pelo transplante.
Não foi fácil. É lógico que a decisão final era minha, mas quando você tem o apoio
dos seus, fica mais fácil você enfrentá, né? (Silvana, 42)
O J. (companheiro), só dele tá aqui e conversando comigo, sabe? Ontem, por
exemplo, eu tava triste, sabe? Não é bem, triste, mas eu tava com medo, mas hoje eu
já tô legal. O J. me ajuda demais da conta. Ele tá passando comigo por tudo, ele se
anulou pra podê tá comigo, sabe? (Raila, 45)
Outra fonte de suporte social relatada, mas com menor frequência (cerca de 12% dos
participantes a consideraram), foi a que se refere ao apoio de amigos e de associações de
portadores de EM.
Por um lado foi ruim, sabe? Muitos amigos se distanciaram. Mas por outro foi muito
bom, porque os verdadeiros amigos ficaram e estão aí, me ajudando até hoje...
(Humberto, 43)
Na associação, nós temos um espaço de troca que é muito importante. No começo era
difícil estar lá, mas com o tempo a gente vai se aproximando dos outros, você vai
percebendo que não é só com você que tá acontecendo e aí a gente vai se ajudando
um ao outro. (Soraya, 43)
Meus amigos estão todos torcendo por mim. Fizeram uma despedida pra mim, quando
vim pra cá e estão sempre mandando mensagens pelo Orkut. Me ajuda saber que têm
pessoas lá que se preocupam comigo. (Mila, 28)
A
fala
de
Soraya
revela
sensibilidade
ao
fator
terapêutico
denominado
“universalidade”. A fala de Humberto mostra o sentimento de tristeza suscitado pelo
afastamento dos amigos.
Outros recursos essenciais no enfrentamento da doença e do tratamento referem-se ao
suporte emocional. Destaca-se a necessidade do apoio do profissional de saúde mental,
antes e durante o tratamento.
E a minha terapeuta ela falou pra mim assim: “eu vou te ensiná a morrê!”, quando
ela falou isso pra mim, eu tive um choque, não tive vontade de nem voltá mais, mas
depois já na terceira sessão, ela já tinha mudado todo o conceito sobre a minha
pessoa, mas eu aprendi com ela a morrê. Eu achei... que eu tinha... que eu tenho
ainda, não consegui perdê o medo da morte, mas não só a minha. Eu tenho medo de
110
perdê quem eu amo. E isso me angustiava demais. Aí depois disso comecei a pensá,
sobre a vida, sobre o que a gente tem que fazê, sobre o que a gente tem que ser. Eu
descobri assim, que a gente tem que fazer tudo como se a gente fosse... amanhã...
podê acordá... Não deixá nada pra trás, nada sem resolvê... mágoa, não parte
financeira, essas coisas, mas, assim, quanto a relacionamentos, esses encontros que a
gente tem com pessoas dessa vida que às vezes fica uma arestinha precisando apará e
trabalhá e melhorá e lapidá e eu tenho procurado vivê a minha vida assim. (Silvana,
42)
Vou precisar muito da ajuda de vocês aqui, nunca fiz terapia, mas estou disposta e
acho que vai me ajudar muito, porque sou muito necessitada de conversar com
alguém... (Mila, 28)
Eu sou muito ansioso. Com certeza vou precisar da ajuda de vocês da psicologia.
(Humberto, 43)
Os participantes, em sua maioria, relataram também que têm em sua espiritualidade
um recurso importante para a compreensão e o enfrentamento das dificuldades impostas
pela doença e para superação dos desafios vivenciados durante o transplante. A religiosidade
constitui-se, nesse contexto, o recurso de suporte emocional mais utilizado para o
enfrentamento dos aspectos dificultosos do adoecer e dos tratamentos.
Eu passei a acreditar, eu já acreditava muito em Deus, mas eu passei a acreditar
muito mais, porque a força, a disposição, essa força de vencer, essa coisa de
acreditar, aumentou. (Raquel, 40 anos)
Bem, assim, é que antes, assim, eu falava assim, sou católica, mas não era praticante.
(...) Eu falava que eu tinha fé, que isso que aquilo, mas eu não tava praticando. Eu
comecei a frequentar, e foi muito bom pra mim. Então acho que se eu não tivesse
começado, na fase que eu comecei, eu acho que eu não tinha tido força. (Amélia, 32)
Mas tô pedindo a Deus, que a... que me ajude e que eu tenha força pra suportar, tá? E
como vou suportá-la? Da mesma maneira que eu tô aqui... superpositivo, é...
consciente desse tratamento, e que... é... e além da ajuda deles, dos médicos e das
enfermeiras, eu tô batalhando muito e ajuda da espiritualidade, né? E tenho fé em
Deus que tudo vai passar e... vai se resolver. (Saulo, 38)
Deus me deu força pra enfrentá. Eu tô passando por um momento difícil, mas eu tô
aqui. Deus tá me dando força pra enfrentá a vida. (Soraya, 43)
A gente entrega na mão de Deus, né? Porque Deus realmente olha a gente e
encaminha pra melhor coisa. Então eu acho que eu tenho muita força nesse sentido.
(Cláudio, 51)
Raquel e Amélia referem que, após o diagnóstico, fortaleceram seu contato com a
dimensão do sagrado e que sua espiritualidade revigora suas forças para enfrentar o
111
tratamento. Saulo procura manter uma expectativa positiva em relação ao tratamento. Soraya
e Cláudio manifestam confiança de que receberão a força de Deus para se fortalecerem diante
do tratamento.
Pós-TMO imediato
Na análise das entrevistas do momento pós-transplante imediato, podem ser
identificados os seguintes núcleos temáticos: Vivência do TCTH; Percepção de si próprio e
das relações com o outro no momento imediatamente após a realização do TCTH; Fontes de
suporte imediatamente após o TCTH e O tratamento pós-TCTH imediato. A Tabela 18 traz o
primeiro dentre esses núcleos temáticos que se refere à vivência dos participantes ao se
submeterem ao TCTH. Destacaram-se as percepções de resultados, positivos e negativos, bem
como sentimentos de medo e esperança durante o processo.
112
Tabela 18 - Apresentação do núcleo temático 5: Vivência do TCTH; suas categorias, subcategorias e
elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Conotação Positiva
Mais forte
Antes não tinha força
Consigo ficar em pé
Tinha vários limites
Consegui andar sozinha
Já senti diferença
ConoRtação Negativa
Não me sinto bem
Tô muito fraca
Pouquinho pior
Difícil de ver melhora
Sentindo muita dor
Não me programei pra
isso
Medo
A gente sempre fica
(com medo)
Você não sabe o que
vai acontecer
Fiquei com medo
Não tinha imunidade
Eu passei mal mesmo
de medo
Psicologicamente frágil
Percepção imediata dos resultados
Refere-se à percepção dos participantes
em relação aos resultados do TCTH, no
primeiro mês após a realização do
procedimento.
Sentimento de medo em relação ao
estado de imunidade “zero” e também
em relação à possibilidade da “pega” da
medula não ocorrer.
Sentimentos
Afetos que acompanharam a experiência
do TCTH, durante a internação e logo
após a alta hospitalar.
Esperança
Sentimento e expectativa de que o seu
estado de saúde vai melhorar no futuro.
Renascimento
Possibilidade de dar um novo
sentido para a vida
O procedimento do TCTH foi percebido
por três participantes como oportunidade
de uma nova vida.
O TCH representa um novo começo,
uma renovação da vida, um
renascimento existencial; e traz
expectativas de que irão passar por
estágios
de
desenvolvimento
e
crescimento pessoal, tal como uma
criança recém-nascida.
Devagar eu chego lá
Aprendendo a andar
Vou andar melhor
Vai mudar bastante
Vai melhorar
Já é lucro
Vivendo de novo
Aprendendo a viver de
novo
Reeducar
Renasceu
Cada dia é um dia novo
Não vou mais passar
por nada disso
Vivendo essa nova vida
Eu renasci
Em um primeiro momento, pode-se notar que a análise das entrevistas do pós-TMO
imediato apontou para um grande envolvimento dos participantes no que se refere as suas
próprias expectativas com o resultado do procedimento. Nesse sentindo, cerca de 60% deles
demonstraram uma percepção de melhora. Alguns relatos ilustram essa percepção.
113
Fisicamente eu me sinto mais forte. Mais forte... depois do transplante e cada dia... a
cada dia um pouquinho mais forte, né? (Saulo, 38)
Eu tenho notado aqui nas pernas... Antes eu não tinha força, eu caía. Agora, não!
Agora não! Eu consigo ficar em pé! E a coluna também, a tendência era dobrá a
coluna e agora não. Só quando tô muito cansada ou tá muito quente. (Soraya, 43)
Uma mudança radical! (...) Eu tinha vários limites! E agora eu não tenho mais.
(Marcela, 48)
Ontem eu consegui andar sozinha! Foi só um pouco e bem devagarinho... mas eu
consegui... sem ninguém me apoiando... (Francisca, 41)
Outros participantes (cerca de 9%) se mostraram totalmente frustrados com os resultados
iniciais do tratamento, apesar do conhecimento das diversas implicações do pós-procedimento.
Não tô me sentindo muito bem, não. As perna tão muito fraca. Quer dizê, um
poquinho pior do que tava. (Osvaldo, 51)
Tá difícil de ver melhora, né? Porque eu tenho sentido muita dor nas pernas, mas...
então... É um tratamento que eu achei que não fosse tão longo assim, né? Eu não me
programei pra isso. (Silvana, 42)
Além de toda expectativa de melhora gerada pelo novo tratamento, três participantes
relataram que essa expectativa veio acompanhada do sentimento de medo.
Ah, se eu te falar que eu não fiquei com medo, é mentira, a gente sempre fica, né.
Ainda mais que você não sabe o que vai acontecer direito, mas aí os médicos me
explicaram tudinho, cada etapa e eu encarei, né. (Fernando, 32 anos)
Só teve um dia que eu fiquei com medo. Porque teve dias que eles falaram que tava
zerado, que não tinha imunidade! Falei: “Meu Deus!”, só Deus mesmo, porque você
não tem nenhuma imunidade! Mas eu passei mal mesmo de medo, porque eu fiz todos
os exames e não tinha nada!. (Sílvia, 45)
Olha, é como andar de montanha-russa, você fica com medo... Na hora de tirar as
células é tranquilo, mas a quimioterapia brava, que você fica praticamente morto e
tem que esperar as células pegar, aí você fica pensando “E se não pegar?”, “E se...”,
você fica psicologicamente frágil. Depois que pegou também, você fica pensando
“Quando eu vou sair daqui?”, “Quando que eu vou poder ir pra casa?” (Rafael, 44)
Há, ainda, cerca de 22% dos participantes que se mostraram mais cautelosos em
relação aos resultados do tratamento. Se por um lado, não demonstraram uma percepção de
melhora imediata, por outro, se colocaram de forma esperançosa e positiva de que as
mudanças ocorrerão no seu devido tempo.
114
Eu estou que nem criança quando tá aprendendo a andar... porque uma criança
quando tá aprendendo a andar se percebe que tem alguém atrás, não cai? Então eu tô
assim...eu até evito olhar pra trás... tem que ser devagar... devagar eu chego lá! Não
adianta me dar pressão... porque dar pressão é pior... (Francisca, 41)
Ah, eu acho que eu vou andar melhor... nem que seja um pouco melhor, mas já é
lucro. E parar a progressão que é o mais importante!. (Natália, 41)
Acho que vai mudar bastante coisa, porque eu já senti diferença no caminhar, no meu
equilíbrio, até no escrever, porque minha letra tava horrível. O caminhar melhorou
bastante, só dançar que ainda não tô conseguindo, eu adoro dança, dá pra se mexer um
pouquinho, dançar mesmo, não, mas acho que vai melhorar. Acho até que eu tô me
recuperando rápido... isso é bom porque mesmo antes do transplante eu sempre me virei
sozinha, então é bom porque eu posso continuar me virando sozinha. (Raquel, 40)
A experiência do TCTH, para alguns pacientes, teve o significado de uma nova
chance, oferta de uma nova vida. Essa vivência parece ser favorecida pelo fato de que o
tratamento se reveste de uma conotação simbólica de renascimento. Esse simbolismo começa
com os quimioterápicos utilizados que realmente destroem a medula antiga. Há uma carga de
destrutividade implícita no procedimento médico que almeja aniquilar uma parte vital do
organismo do paciente para substituí-la por um órgão saudável. Com a infusão, as célulastronco (células-mãe) dão origem a uma linhagem de células que irão compor a nova medula.
Com ela surge a possibilidade de regenerar o sistema imunológico comprometido, o que o
aparece representado nos discursos dos participantes como oportunidade de uma nova vida.
Outro fato relevante é que o paciente submetido ao transplante recebe (e por vezes
demanda) alguns dos cuidados conferidos a um bebê recém-nascido. Cabe lembrar, por
exemplo, que esse “recém-renascido” perdeu todas as suas defesas, tendo de ser protegido em
um quarto com total isolamento, onde receberá todos os cuidados de alimentação, higiene e
medicamentos; até que seu organismo readquira condições de sobreviver sem a dependência
extrema de cuidados do outro. Os trechos selecionados das entrevistas pós-TMO imediato
apresentam unidades de significado que contribuem para ilustrar essas vivências.
Como é gostoso você está vivendo de novo, como eu estou aqui aprendendo a viver de novo,
aprendendo a caminhar de novo, aprendendo tudo, né? Tudo, porque tudo na sua vida você
tem que se reeducar, com relação aos seus alimentos, com relação a suas atitudes, e cabe a
mim agora, cabe a eu ter paciência e saber os momentos sem querer as coisas da noite
para o dia, mas eu tô muito calmo, eu tenho pedido muita paciência pra que eu tenha calma
pra saber o momento, a hora... Quando uma criança nasce, tem a hora dela começar a
aprender a andar, né? O momento dela começá a falá. Assim, sou eu com 38 anos de idade
que renasceu de novo pra uma nova vida. (Saulo, 38)
É saber que cada dia é um dia novo. Saber que o “progressiva” não vai mais acontecer
comigo. Ter que aprender a conciliar aquele ruim, que não vai acontecer mais, passar uma
115
borracha em cima e saber que não vou mais passar por nada disso, não vou mais travar as
pernas, sentir dormência nas mãos. A gente sabe que isso tá quietinho, que não vai piorar
mais. E você quer saber do novo, né? Então, você dá importância para o novo e esquece o
que ficou para trás (...) Tô contente com algumas coisas porque eu estou vivendo essa vida
nova de ser um homem agora parado, esperando uma liberação maior, para poder
executar algo a mais. (Robson, 43)
Eu tenho que preocupar comigo. Me desculpem, mas eu acho que esse momento é um
momento meu. É o momento que eu tô vivendo. É o momento em que eu renasci.
Sabe? Então eu acho que eu tenho que me dá esse direito. (Humberto, 43)
A Tabela 19 mostra as categorias, subcategorias e elementos do núcleo temático:
percepção de si próprio e das relações com o outro no momento imediatamente após a
realização do TCTH que se refere ao conjunto de mudanças, percebidas como positivas, nas
relações com outras pessoas, especialmente familiares e consigo mesmo (autorreflexão) no
momento imediatamente após a realização do procedimento.
Tabela 19 - Apresentação do núcleo temático 6: Percepção de si próprio e das relações com o outro no
momento imediatamente após a realização do TCTH; suas categorias, subcategorias e elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Possibilidade de autorreflexão
Reflexão da vida
Certo/errado
Retrospectiva
Dar mais valor
Refere-se à possibilidade de refletir
sobre a vida e sobre seus prórpios
valores.
Percepção de proximidade de si Percepção de mudança positiva Pensando bastante
Mais calma
próprio
no jeito de ser
Refere-se à percepção de si mesmo, após
a realização do transplante.
Percepção de sentir-se mais calmo e
tolerante.
Mais tolerante
Ficar relaxado
Percepção de mudança no jeito Não adianta forçar
de ser frente aos próprios limites Saber dos meus limites
Percepção de que se necessita de calma
frente aos limites ainda existentes.
Nunca
limites
forçar
meus
Percepção de proximidade do Mais querido
Pessoas gostam
outro para com o participante
Percepção de proximidade do
outro
Refere-se à percepção positiva de que o
outro está mais próximo.
Refere-se à percepção de que após o
transplante
outras
pessoas
se
achegaram e demonstraram seus
sentimentos de bem querer para com os
participantes.
gente
Percepção de proximidade do Me aproximei deles
participante para com o outro
Refere-se à percepção de que
participante buscou uma aproximação
com o outro após a realização do
transplante.
da
116
Por meio da Tabela 19, observa-se que as percepções trazidas no momento
imediatamente após a realização do TCTH se resumem a percepções positivas, tanto no que
diz respeito a si próprio (como os participantes estavam se vendo naquele momento) como às
relações interpessoais. Compreende-se esse resultado como uma reação esperada diante da
qual o transplantado encontra-se submetido. Decorridos apenas 30 dias do procedimento, é o
momento que marca a saída da enfermaria, ou seja, o paciente já não necessita do isolamento
protetor. Esse é um evento carregado de simbolismos, pois funciona como um divisor de
águas, na medida em que sinaliza que “o pior já passou”. O risco iminente de vida que
acompanha a fase de aplasia da medula, em decorrência da imunossupressão, encontra-se
diminuído. É claro que a retomada da vida cotidiana ainda está para acontecer, mas o paciente
já recupera parte de sua autonomia perdida e pode, sobretudo, deixar de viver confinado a um
leito hospitalar. É compreensível que a atenção do paciente, nesse estágio, esteja voltada para
os aspectos positivos de sua vida, já que se sentem sobreviventes. Isso repercute na forma de
uma visão esperançosa e em mudanças favoráveis na sua autoavaliação.
Pôde-se notar que as mudanças mais aguardadas são as que envolvem os aspectos
físicos e corporais, pois são estes os que mais incomodam os pacientes em sua dependência de
outras pessoas e também os motivaram a buscar um novo tratamento. Por outro lado, surge a
percepção de outras mudanças que envolvem os relacionamentos com familiares, ou mesmo
uma nova reflexão sobre seus valores, suas próprias atitudes frente à vida e também sobre
seus próprios limites.
O participante Saulo, por exemplo, adotou esse período pós-TCTH como um momento
de “balanço” de sua vida e de reflexão sobre seus valores, no sentido de resgatar uma vida
menos voltada aos bens materiais.
É uma forma de você fazê uma reflexão da sua vida, né? Tudo que cê fez de certo,
tudo que cê fez de errado e você colocá, né? Essa retrospectiva, essa reflexão é bom
pra você começá a dá maiores valores pra outras coisas, não mais bem materiais,
coisas supérfluas, e sim dar mais valor à vida, sabe? (Saulo, 38)
Outros participantes relataram uma percepção de si como pessoas mais calmas e
tolerantes.
Eu tô pensando bastante, tô tentando ser uma pessoa mais calma, porque antes eu já
explodia e só pensava depois, agora tô procurando pensar antes de falar, ser mais
tolerante. (Cláudio, 51)
117
Percebo que eu estou mais calmo... procuro ficar relaxado... porque a gente não vale
nada... a gente tem que prestar atenção na vida... estamos aqui de passagem... temos
que viver a vida... tô tranquilo... tô dando graças a Deus... e vou vivendo a vida.
(Ronaldo, 50)
Pelas falas anteriores, nota-se que tanto Cláudio quanto Ronaldo buscaram extrair do
adoecer uma oportunidade de encontrar um apaziguamento interno frente às turbulentas
passagens vivenciadas no cotidiano. Isso os conduz a uma ressignificação do valor conferido
ao viver, propiciada pela conscientização de que a vida é um bem limitado e finito.
Outra subcategoria a ser destacada é a percepção de que o transplante não eliminou as
limitações acarretadas pela doença. A manutenção das restrições existentes inicialmente
frustam as expectativas que haviam sido acalentadas, mas possibilitam o reencontro com a
realidade dura, porém verdadeira, de que ainda não se consegue realizar uma caminhada, por
exemplo.
Eu gostaria de estar melhor, tá? Mas eu sei que sou uma criança... eu vou calmo,
tranquilo sabendo que desde aquela época que eu comecei a pesquisar sobre
esclerose, juntamente com os médicos daqui, é uma coisa que existe uma fadiga
dentro disso, que não adianta forçar, e eu ainda sou um bebê teimoso, forço algumas
vezes... porque eu preciso... se eu caminhei um metro hoje, quando eu estiver
tranquilo, relaxado, descansado, no outro dia eu posso caminhar um metro e meio. E
esse caminhar não é somente ir pra frente...eu posso ir um metro e voltar um metro...
E eu tenho que garantir isso... E saber dos meus limites... nunca forçar meu limites.
(Robson, 43)
A fala de Robson traduz a possibilidade de reajustamento das expectativas iniciais que
haviam sido frustradas. Esse participante reconhece o valor pedagógico das atribulações que
vivenciava após o transplante. Aprendeu que ainda tem muito o que aprender em relação a si
mesmo (“saber dos meus limites”), o que sugere mudança positiva no seu processo de
convívio com suas limitações.
No momento imediatamente após o transplante, outra categoria a ser mencionada é a
que se refere à percepção de maior proximidade de outras pessoas, em especial, os familiares.
A gente se sente mais querido, percebe o quanto as pessoas gostam da gente.
(Cláudio, 51)
Eu me aproximei deles (familiares), com o transplante. (Michele, 37)
Se por um lado, a fala proferida por Cláudio demonstra a percepção de que houve
aproximação por parte de outras pessoas, o depoimento da participante Michele mostra a
118
percepção de que ela mesma buscou se aproximar de seus entes queridos, após a realização do
TCTH. Esses relatos possibilitam redimensionar os aspectos que se referem ao suporte
psicossocial recebido no momento logo após a realização do transplante, sistematizado na
Tabela 20.
Tabela 20 – Apresenta o núcleo temático 7: Fontes de suporte imediatamente após o TCTH; suas
categorias, subcategorias e elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Apoio Familiar
Estava do meu lado
Fizeram de tudo por
mim
Ia correndo me ver
Me ajudou
Trata-se do apoio de familiares e
companheiros,
percebido
como
importante fonte de suporte pelos
participantes.
Rede Social
Outras fontes de apoio
Refere-se às fontes de suporte social mais
percebidas pelos participantes no
enfrentamento da fase pós-TCTH
imediato.
O apoio da equipe de profissionais
percebido como importante fonte de
apoio.
Espiritualidade
A religiosidade aparece como recurso
importante no enfrentamento das
dificuldades
experimentadas
no
processo do TCTH.
Os enfermeiros
trataram superbem
Ter fé em Deus
Nunca
perder
esperança
Acreditar em Deus
Estar bem com você
me
a
A categoria rede social também foi encontrada no relato dos participantes no momento
do pós-TMO imediato. No entanto, em relação ao momento anterior do procedimento, não
foram observados relatos a respeito do apoio de amigos ou, ainda, de apoio psicológico. No
momento do pós-TMO imediato, para os participantes, a família constituíu fonte de apoio
fundamental para ajudá-los a superar as dificuldades do seu dia a dia, após a realização do
tratamento.
Minha esposa estava do meu lado, os enfermeiros, tudo... tudo gente... me trataram
superbem... entendeu? Aí tudo foi excelentemente bem e eu passei por esse momento
mais difícil. E foi tudo tranquilo, entendeu? Aí correu tudo bem. (Ronaldo, 50)
Meu pai e minha mãe, eles sempre fizeram de tudo por mim... Se eu tô vencendo mais
uma etapa eu devo grande parte disso pra eles. Meu irmão esteve muito presente,
porque ele morava aqui, fazendo faculdade. Mas sempre que eu piorava, ou precisava
de alguma coisa ele ia correndo me ver. E um amigo, que é como um irmão por tudo o
que ele me ajudou. (Fernando, 32)
119
Os relatos de Ronaldo e Fernando mostram a relevância conferida pelos participantes e
o apoio de familiares e da equipe nesse momento do tratamento.
A religiosidade também aparece nesse momento como fonte de apoio, no entanto, em
menor destaque, quando comparada ao momento pré-TMO.
Ah, ter o apoio da minha família, meu marido e minha família, ter fé em Deus e nunca
perder a esperança. (Natália, 41)
Acho que em primeiro lugar é acreditar em Deus, eu acredito muito e confio bastante,
me entrego a Ele. E depois é você estar bem com você, com a vida, com a família.
(Raquel, 40)
No relato de Natália e Raquel fica externado que, além do apoio familiar e de amigos,
a fé em Deus é também considerada importante nesse momento do pós-transplante imediato.
Para elas, a confiança na entidade divina parece lhes conferir forças para enfrentar as
dificuldades do tratamento e os medos (de fracasso do tratamento, ou até mesmo da morte)
que as acompanham, de modo que possam fortalecer o sentimento de esperança.
O núcleo temático 8 refere-se às dificuldades encontradas pelos participantes no
decorrer do percurso terapêutico, bem como as expectativas e planos futuros. Os resultados
encontram-se sistematizados na Tabela 21.
120
Tabela 21 – Apresenta o núcleo temático 8: O tratamento pós-TCTH imediato; suas categorias,
subcategorias e elementos
Categoria
Dificuldades encontradas
Refere-se às dificuldades realmente
encontradas pelos participantes durante o
tratamento com TCTH.
Subcategorias
Elementos
Quimioterapia
Foi a quimioterpia
Perdi o controle
Refere-se à percepção de que a
quimioterapia foi a etapa mais
desafiadora do tratamento e que causou
maiores dificuldades decorrentes dos
seus efeitos adversos.
Complicações do tratamento
Refere-se à percepção de que as
complicações clínicas do TCTH
constituíram as principais dificuldades
do tratamento.
Perda do apetite
Refere-se à percepção de que a perda
de apetite foi a maior dificuldade
enfrentada durante o tratamento.
Viver de forma tranquila
Refere-se à possibilidade de continuar a
vida de forma tranquila e sem as
complicações características da doença.
Retomar
uma
profissional
Expectativas e Planos Futuros
Refere-se às expectativa e planos futuros
almejados pelos participantes nesse
momento em que saem da parte inicial
do tratamento como sobreviventes.
Muita complicação
Infecção hospitalar
CTI
Perdi a fome
Dava enjoo
Viver a vida
Levar minha vida
atividade Não quero ficar numa
Refere-se aos planos de retomar a vida
laboral ou dar início a uma nova
atividade profissional.
Possibilidade de auxiliar o outro
Refere-se à possibilidade de iniciarem
alguma atividade em que poderão
prestar auxílio ao próximo.
Retomar a vida social e sexual
Refere-se ao desejo, explícito ou
implícito, de retomar uma importante
área da vida sentida pelo participante
como importante: a vida íntima.
cama
Tenho potencial para
muita coisa
Voltar a trabalhar
Ajudar os outros
Ajudar instituições
Ajudar
muito
pessoas
Ajudar o próximo
as
Ficou pela metade
Ficou aquela falta
Querendo fazer as
coisas
Arrumar uma namorada
Quero passear
Quero uma vida boa
Com relação à categoria dificuldades encontradas durante o tratamento, os
pacientes, em sua maioria, apontaram a quimioterapia e suas consequências como
possivelmente a maior dificuldade enfrentada durante o procedimento. Esse achado ratifica o
resultado obtido anteriormente que mostrou que a quimioterapia era a dificuldade mais
esperada pelos participantes.
121
Ah, foi a quimio, né? Vê que eu fiquei como uma geléia, eu perdi completamente o
controle das pernas, dependente dos outros, usando fralda, coisa que eu nunca usei,
isso foi muito chato... (Natália, 41)
Foi a quimioterapia. Mas eu imaginei muito pior do que foi. Assim é... eu achei que
fosse passar muito mais mal do que eu passei. Tanto que eu trouxe roupas que não me
serviam porque eu falei: “vou perder uns 10 quilos, né”? Não perdi um! (risos).
(Sílvia, 45).
Sílvia, em seu relato, mostra que para ela a quimioterapia foi a maior dificuldade
encontrada. No entanto, ela expressa que essa etapa foi mais tranquila do que imaginava. Por
outro lado, para Natália, tal procedimento realmente lhe trouxe grandes dificuldades que
foram solucionadas com a ajuda de pessoas significativas de sua rede pessoal. Apesar da
quimioterapia ter sido o fator dificultador mais relatado, três participantes tiveram outras
complicações provenientes do TCTH (infecções oportunistas em decorrência da diminuição
da imunidade) e relataram que essas é que foram dificultadoras do processo.
Muita complicação, né? O pós-operatório foi complicação. Infecção hospitalar,
infecção renal, pulmonar, né? Teve bastante complicação. Já sabia disso... que podia
dá, né? Deu todas que podia... eu tive. Fiquei em coma e cheguei a ir pro CTI duas
vezes... cheguei a ficar aqui no hospital três meses e meio... ã... mas tá bom... já... já...
já era previsto que podia acontecer isso. (Álvaro, 50)
Nossa! Tive uma infecção séria na parte urinária. Que dor horrível. Mas trataram e
depois de um tempo fiquei bem outra vez... (Paula, 30)
O relato de Álvaro explicita várias das possíveis complicações clínicas decorrentes do
tratamento agressivo do TCTH. Paula, em seu relato, também expõe sobre a intensidade das
dores causadas pela infecção.
Além desses aspectos, um outro elemento dificultador foi referido: a perda de apetite
apareceu no relato de dois participantes. Outros efeitos adversos do tratamento como alopecia
e fadiga não são enfatizados nos discursos dos participantes, à exceção da perda de apetite.
Minha maior dificuldade foi que eu perdi a fome... perdi a fome... não sentia aquele
hábito pra comer... daquela comida de hospital... dava enjoo... às vezes eu pedia a
comida, mas não comia de jeito algum mesmo... parava por ali mesmo. (Fátima, 41)
O mais difícil foi a quimio como eu havia falado. Foi mesmo a falta de vontade pra
comer. Eu não tinha vontade nenhuma, mas tive que comer porque senão não saía
daqui, né? (Adriana, 38)
122
Com relação à categoria expectativas e planos futuros, os 34 pacientes demonstraram
esperar melhoras, agora que já haviam passado pelo procedimento. Os relatos de alguns
pacientes demonstraram que o simples vislumbrar da possibilidade de poderem voltar a viver
com tranquilidade, ou seja, sem as complicações da EM, já se constitui em uma grande
vitória.
Poder viver a vida, né?. (Paula, 30)
Meus planos agora é chegar em casa, renovar minha carteira de motorista no final de
ano e...sei lá... levar minha vida tranquilo... saudável... sem ter que passar por nada...
(Ronaldo, 50)
Sei que a doença está aqui em algum lugar, mas eu estou muito tranquila porque eu
sei que posso voltar à minha sem aquele medo todo o dia de que vou acordar pior.
Não tem mais isso! (Mila, 28)
O relato de Paula mostra um aspecto muito presente no discurso dos participantes, que
é a interrupção do viver a partir da progressividade da doença. “Poder viver a vida” denota
que o “viver” não estava ocorrendo e que o TCTH traz a possibilidade de continuidade da
trajetória. O relato de Ronaldo explicita ainda mais esse desejo de que possam retomar uma
vida sem a preocupação constante com as consequências e sequelas do adoecer.
Um outro desejo explicitado pelos participantes é o de retomar alguma atividade
profissional, podendo ser a mesma que exercera antes do agravamento dos sintomas da EM ou
uma nova atividade laboral.
Eu realmente não sou uma pessoa que quero ficá só numa cama, esperando gente pôr
comida na minha boca... não que eu vá tentá me matar por causa disso, mas não é...
eu acho que assim eu tenho muita coisa... eu tenho potencial pra fazê muita coisa.
(Silvana, 42)
Se eu voltar a andar realmente... eu gostaria muito de voltar pra sala de aula...
(Fátima, 41)
Poder um dia voltar a trabalhar. (Álvaro, 50)
Outro plano futuro apontado pelos participantes foi poderem ajudar o próximo.
Fiz o tratamento direito pra melhorar sempre. Penso em fazer fisioterapia pra entrar
andando na igreja no casamento do meu amigo, e ajudar os outros. Eu sou
aposentado e com o dinheiro que eu ganho de aposentadoria vou ajudar instituições,
trabalhar lá. Quero muito ajudar as pessoas. Ah, e quero fazer outra faculdade, de
psicologia, porque assim vou poder ajudar muito mais as pessoas. (Fernando, 43)
123
Meu plano... é viver pra mim, e pras outras pessoas também... assim... ajudando as
pessoas, esse é meu plano, você tá entendendo? É ajudar o próximo. (Augusto, 40)
Os relatos de Fernando e Augusto demonstram esse desejo altruísta de que, estando
novamente em boas condições físicas, poderão auxiliar outras pessoas. Esse desejo pode estar
relacionado ao sentimento de gratidão que desenvolveram e à necessidade de retribuírem o
conforto que receberam de seus cuidadores. O longo curso da condição crônica favoreceu essa
identificação com a figura do cuidador informal ou profissional. Ao vislumbrar a
possibilidade de transitar para “o outro lado” (isto é, ocupar o lugar de cuidador), os pacientes
tentam fortalecer seus sonhos e esperanças de cura.
Outro aspecto importante, embora pouco relatado pelos participantes, foi a retomada
da vida social e sexual.
É porque ficou uma coisa meio, pela metade, sabe? O lado sentimental, depois que
meu marido morreu, eu botei na minha cabeça, “ah, não preciso de ninguém mesmo
pra viver, não preciso disso”. Mas como eu já era doente quando ele morreu, ficou
aquela falta. Eu querendo fazer as coisas e não podendo fazer, querendo e não
podendo, e sempre dependendo de alguém. Então, esse negócio me bloqueia, né? Me
deixa mal. (Michele, 37)
Bom, arrumar uma namorada, daqui uns três anos morar em um apartamento e como
eu sou um cara culto, quero ir muito ao cinema, passear, teatro, voltar a compor
minhas músicas no computador. Aproveitar. A partir do momento que eu for me
liberando das restrições do tratamento, tô louco pra ir numa churrascaria, sair,
comer fora. São Paulo é bem legal, o lado cultural, eu quero uma vida boa. (Rafael,
44)
Por um lado, o relato de Rafael deixa claro o desejo de retomar uma vida social e
sexual, há muito deixada de lado em função do agravamento dos sintomas. Por outro lado, o
relato de Michele também deixa implícito esse desejo que permanecera “bloqueado”, não só
pela perda do marido, mas também pela presença da doença.
Os resultados da entrevista do momento pós-TMO imediato mostraram, portanto,
percepção positiva de pequenas mudanças físicas e corporais, acompanhadas de expectativa
de melhoras mais acentuadas.
124
Pós-TMO tardio
Na análise das entrevistas do momento pós-transplante (um ano após o procedimento),
podem ser identificados os seguintes núcleos temáticos: revivendo a experiência do TCTH;
Mudanças percebidas após a realização do TCTH e Expectativas e planos futuros. A Tabela
22 apresenta o núcleo temático 9 que se refere às reflexões sobre como os participantes
vivenciaram o TCTH, um ano após terem se submetido ao procedimento. Destacaram-se as
percepções de resultados, positivos e negativos, bem como a percepção das dificuldades
provenientes do tratamento.
Tabela 22 – Apresenta o núcleo temático 9: Revivendo a experiência do TCTH; suas categorias,
subcategorias e elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Conotação Positiva
Foi maravilhoso
Foi ótimo
Não tive mais surto
Foi bom
A qualidade de vida é
melhor
Conotação Negativa
Foi mais ou menos
Foi muito difícil
Esperava mais
A gente sempre espera
mais
Ainda não posso
Quimioterapia
Quimioterapia
Foi terrível
Passei muito mal
Percepção dos resultados
Refere-se à percepção dos participantes
em relação aos resultados do TCTH,
decorrido um ano da realização do
procedimento.
Percepção de que a quimioterapia foi a
maior dificuldade do tratamento
Dificuldades
tratamento
provenientes
do Infecções oportunistas
Referem-se às dificuldades que os
participantes lembram-se de ter passado.
Percepção de que infecções e suas
consequências constituíram a maior
dificuldade do TCTH.
Condição de confinamento
Percepção de que o confinamento foi a
maior dificuldade durante o período de
transplante.
Tive complicações
Uma infecção
Foi muito difícil
Maior dificuldade
Foi a solidão
O confinamento
Fiquei deprimido
Chorei muito
O núcleo temático apresentado na Tabela 22 mostra que o transplante, um ano após
sua realização, foi vivenciado de duas formas diferentes pelos participantes. Para 64% dos
125
participantes, o procedimento foi significado como uma experiência boa por ter estancado a
progressão debilitante da doença e por possibilitar a interrupção da necessidade de outros
tratamentos, como os interferons. Esse tratamento é realizado por EV (via endovenosa). Os
pacientes relataram que as injeções são dolorosas e acarretam diversos efeitos colaterais, tais
como enjoos, cefaleia e nos dias iniciais após a aplicação pode ser observado um aumento da
sensação de fadiga que diminue nos dias seguintes.
O transplante foi maravilhoso! Foi ótimo porque eu não tive mais surto nenhum. eu
tinha um surto atrás do outro, antes de sair de um, já estava entrando noutro. (Saulo,
38)
Nossa, o transplante foi bom porque a qualidade de vida é melhor. E outra, aquelas
vacinas eu não tomo mais! Porque chega uma época que você não tem nem mais
lugar pra tomar... doía tanto, mas agora me livrei disso. (Robson, 43)
Com certeza foi a decisão certa. Foi algo que me ajudou muito, não só com a doença
porque não tem mais as crises, ou com outros tratamentos, que não tenho mais
necessidade, mas me ajudou a ver que sou uma pessoa forte, não aquela jovem frágil
que eu pensava. (Mila, 28)
Os relatos de Saulo, de Robson e de Mila mostram que, decorridos 12 meses do
transplante, eles se lembram do procedimento como uma experiência muito boa. Para esses
participantes, o fato de não apresentarem mais os frequentes surtos e crises, bem como não
estarem se submetendo a tratamentos dolorosos e cansativos, já contribuiu para a melhora de
suas vidas. Mila vai além e empresta um significado para o tratamento de mudança na
autoestima o que resultou em uma imagem de si mesma mais fortalecida.
Por outro lado, para 12 (36%) participantes, um ano após a submissão ao tratamento, o
transplante foi lembrado como uma experiência difícil, angustiante e frustrante.
O transplante foi mais ou menos. Foi muito difícil ficar o período de internação aqui,
principalmente por causa da comida. (Sílvia, 45)
Eu realmente esperava mais, sabe? Eu estou bem, mas a gente sempre espera mais,
né? Eu queria podê fazer algumas coisas que ainda não posso... (Lícia, 32)
Esperava melhorá mais, né? Esperava andá melhor... faço fisioterapia duas vezes por
semana, eu não tive mais surto, não piorei da doença, mas eu queria tá melhor.
(Osvaldo, 51)
O relato de Sílvia demonstra que o período de internação foi sentido como uma época
bastante difícil. Lícia demonstra sua frustração, uma vez que tinha expectativa de que o
126
TCTH lhe trouxesse outros benefícios. Já o relato de Osvaldo mostra, ao mesmo tempo, o
reconhecimento de que o transplante trouxe melhora como, por exemplo, o fato de não
ocorrer mais os surtos e o desejo de se sentir melhor.
Vale ressaltar um fato interessente. O relato de uma participante a respeito da dor que
é característica da “pega” da medula. A paciente já havia sido informada de que a dor nos
ossos é sinal da pega. Todavia, durante a entrevista, ela relembrou de forma ambivalente a
vivência da etapa anterior, na qual a dor física intensa pôde ser ressignificada e transformada
em sensação de alegria e júbilo pela conquista.
A dor da pega... foi uma coisa estranha, sabe? Porque foi uma dor horrível e ao
mesmo tempo uma dor maravilhosa, sabe? (Raquel, 40)
Na categoria dificuldades encontradas no transplante, os aspectos mais difíceis
mencionados pelos pacientes foram: a quimioterapia, as infecções oportunistas e a condição
de confinamento durante o período de internação. Esses aspectos estão ilustrados nos excertos
extraídos das entrevistas.
Nossa! Aquela quimio... a gal, que eles falam, foi terrível... passei muito mal.
(Clarissa, 36)
Foi a quimio. Fiquei completamente dependendo dos outros pra tudo. Eu tive muito
fraqueza. (Natália, 41)
Eu tive complicações durante o tratamento, tá? Uma infecção que acabou me levando
pro CTI. Foi uma situação muito díficil. Com certeza a maior dificuldade que
encontrei... (Álvaro, 50)
Ah! Eu tive uma infecção na bexiga que eu nunca mais vou esquecer. Foi isso! Essa
infecção foi o mais difícil pra mim. (Paula, 30)
Eu acho que a dificuldade é diferente pra cada um, sabe? Depende da personalidade
de cada um, mas hoje, eu acho que o mais difícil foi a solidão... o confinamento. Eu
fiquei deprimido e chorei muito... mas agora já passou... (Fernando, 32)
Com certeza, o pior foi ter que ficar no quarto em isolamento. (Rafael, 44)
Ao se recordarem da experiência, decorridos 12 meses do transplante e relembrando
essa experiência, os participantes relataram também a percepção de alterações que ocorreram
nesse período. Demonstraram perceber mudanças positivas e/ou negativas no seu estado
físico, nos seus relacionamentos e no próprio jeito de ser. O conjunto de mudanças,
percebidas um ano após a realização do TCTH, se encontra sistematizado na Tabela 23.
127
Tabela 23 - Apresenta o núcleo temático 10: Mudanças percebidas após a realização do TCTH; suas
categorias, subcategorias e elementos
Categoria
Subcategorias
Elementos
Mudanças físicas e corporais
Tô ótimo
A fadiga acabou
Não tomei remédio
nenhum mais
Agora você tem tudo de
novo
Fazer coisas que antes
não fazia
Mudou muita coisa
Eu tinha surto
É tanta mudança
Diz respeito à percepção do
participante de alterações positivas no
seu corpo após a realização do TCTH.
Mudanças positivas na vida do
paciente
Refere-se às mudanças que os
participantes perceberam positivamente,
decorridos doze meses do transplante.
Mudanças nos relacionamentos
Está
relacionada
à
percepção
Mudanças físicas e corporais de
que ocorreram mudanças positivas nos
relacionamentos dos participantes, um
ano após o TCTH.
Mudanças no jeito de ser
Refere-se à percepção de que
ocorreram mudanças positivas no jeito
de ser dos participantes, em relação às
suas atitudes e comportamentos,
decorridos 12 meses da realização do
TCTH.
Refere-se às mudanças que os
participantes perceberam negativamente,
decorridos 12 meses do transplante.
Posso melhorar
Mudei muito
Não tô mais daquele
jeito
Eu explodia
Mudou muita coisa
Fui muito difícil
Falo o que penso
Refere-se à percepção do participante
de mudanças negativas no seu físico
após a realização do TCTH.
Ainda tenho
dificuldades
Prefiro não sair de casa
Queria andar melhor
Ainda tá difícil
Podia ser melhor
Mudanças nos relacionamentos
Não saio mais
Perdendo a vida social
Mudanças físicas e corporais
Mudanças negativas na vida do
paciente
Namorando
Encontrar amigos
Resgatando amigos e a
família
Diz respeito à percepção de que
ocorreram mudanças negativas na vida
social dos participantes, um ano após o
TCTH.
No núcleo temático mudanças percebidas após a realização do TCTH, destacaramse as mudanças físicas e corporais referidas pelos participantes do estudo no momento pósTMO tardio. Dessa maneira, são apontadas as seguintes mudanças percebidas: o fim da
sensação de fadiga, o fato de os surtos não ocorrerem mais e os medicamentos não serem mais
necessários.
128
Nossa, eu tô ótimo! Eu tô fazendo três vezes por semana a fisioterapia. A fadiga que
eu tinha acabou, (...) Mas fisicamente, a fadiga acabou, não é que eu não me canso
mais, mas antigamente eu precisava de três horas para recuperá. As melhoras são
lentas, né? Mas a minha fisioterapeuta, ela é o meu parâmetro, né? E ela falou que tô
fazendo coisas que eu não fazia antes. (Cláudio, 51)
Ai, mudou muita coisa, sabe? Antes, quando eu tinha surto, eu tinha que parar de
trabalhar, agora, não! Eu aguento, sabe? Como não tem os surtos mais, eu aguento...
(Raquel, 40)
A principal mudança é que você tinha tudo e agora você tem tudo de novo. Antes era
você na cadeira de rodas, depois você vai pra cama e, aos poucos, pode voltar a
andar, fazer coisas que antes não fazia. (Humberto, 43)
Pra esclerose eu não tomei remédio nenhum mais... (Marcela, 48)
É tanta mudança que eu acho que vou precisar de um tempo ainda pra digeri tudo
isso. Faz um ano apenas... (Natália, 41)
O relato de Cláudio mostra a importância conferida pelos participantes à diminuição
do efeito de um dos sintomas mais comuns da EM: a fadiga. Para ele, essa melhora permitiu
que recuperasse a disposição para realizar suas atividades físicas. O relato de Raquel também
aponta que, com o fim dos frequentes surtos, ela passou a se sentir mais forte e apta a suportar
sua rotina de trabalho. O relato de Humberto acrescenta a percepção de que pôde voltar a
realizar suas atividades como antes. Marcela também acrescenta o fato de não haver mais
necessidade de tomar medicação para a doença.
O relato de Natália demonstra que as mudanças ocorridas no período de um ano foram
tão intensas que ela necessita de um período maior para a elaboração de tudo o que vivenciou
durante o tratamento.
Se, por um lado, os participantes mostraram uma percepção positiva de melhoras
físicas, por outro, alguns discursos salientaram a frustração com relação aos resultados do
transplante.
Hoje eu já não tenho mais surtos, ainda tenho as dificuldades pra andá... em casa eu
consigo, vou no meu tempo, mas pra sair eu ainda dependo da cadeira... eu ainda
dependo dos meus filhos pra me levar nos lugares, pra fazerem as minhas coisinhas...
eu acabo preferindo não sair de casa. (Soraya, 43)
Eu queria muito podê andar melhor, mas ainda tá difícil... (breve silêncio) Podia sê
melhor! (Osvaldo, 51)
Sinceramente? Eu esperava tá um pouco melhor, principalmente das pernas. Eu faço
a minha parte, faço a fisio toda semana, mas ainda assim esperava mais. (Igor, 55)
129
Eu queria tá bem e não sinto que eu tô bem. Podia tá melhor. Esperava que os
movimentos voltassem. (Francisca, 41)
A participante Soraya admitiu a ausência de surtos, mas valorizou muito mais as
dificuldades ainda existentes. O participante Osvaldo mostra apenas a percepção de que não
ocorreram melhoras na sua capacidade de deambular. Igor e Francisca, em seus relatos,
evidenciaram a expectativa frustrada, uma vez que as melhoras não ocorreram da forma como
desejavam.
A subcategoria mudanças nos relacionamentos mostra que o distanciamento do
convívio social em consequência, principalmente, das limitações físicas impostas pela doença,
pôde ser superado pela maioria dos participantes deste estudo que parecem estar resgatando,
ou mesmo, criando novas possibilidades de envolvimento afetivo com familiares e amigos.
Eu tô namorando, sabe? Ela também fez o transplante de medula óssea. Eu tenho uma
comunidade no Orkut e nós nos conhecemos por lá... (Rafael, 44)
Eu saio, vou encontrar os amigos e tal... (Cláudio, 51)
Eu tô resgatando os amigos e a família, sabe? Eu tô indo até eles, porque eu acho
que, com a doença, a gente acaba se distanciando das pessoas... agora eu tô
resgatando... (Augusto, 40)
Eu busquei me reaproximar da minha família, principalmente da minha irmã, que eu
havia me afastado por conta de algumas divergências que tivemos. Mas não vale a
pena ficar longe assim... (Natália, 41)
Por outro lado, dois participantes relataram que o distanciamento social ainda está
presente em sua realidade. Esses apontamentos podem ser ilustrados pelos relatos extraídos
das entrevistas.
Hoje eu não saio mais de casa, acabei perdendo a vida social que eu tinha. (Soraya,
43)
Só vejo a minha família mesmo, não tenho mais aquela horinha com os amigos mais
não. Antes jogava truco com eles todo sábado, mas agora não tem mais isso, não.
(Osvaldo, 51)
Os relatos de Rafael, Cláudio e Augusto mostram a superação de alguns dos limites
impostos pela doença e a reconstrução da rede social perdida. Soraya e Osvaldo, em seus
discursos, demonstram sofrer com as perdas e consequências da doença.
130
Outra subcategoria que merece destaque é a que se refere à percepção dos
participantes de mudanças no jeito de ser. Um ano depois de sua realização, a experiência do
transplante parece surgir como oportunidade de reflexão sobre si mesmo e de reavaliação de
sua postura e atitutes assumidas frente às situações da vida. Dessa maneira, cada paciente
relatou, de forma distinta, a percepção positiva de alguma mudança no seu jeito de ser.
Faça o que você pode, né? Faça aquilo que estiver ao seu alcance... eu fiz o
transplante e agora tô fazendo tudo que posso pra melhorar, né?. (Roberval, 54)
Eu mudei muito. Meu marido fala que eu mudei muito. Eu não sei se foi por conta do
transplante... eu não tô mais daquele jeito, muito nervosa, qualquer coisinha eu
explodia, agora não. Não fujo da responsabilidade, mas não é como era antes.
(Franscisca, 41)
A minha vida mudou muita coisa. Houve uma mudança, que sempre eu fui muito
difícil de me colocá nas situações. Sempre concordei com as coisas, mas agora não,
sabe? Hoje eu falo o que eu penso, não fico falando “amém” pra tudo! (Michele, 37)
Eu acho que precisa acontecer alguma coisa na vida da gente pra gente vê que a vida
não é só trabalhá, né? Você pode trabalhá o dia todo, mas chega o final da tarde você
vai descansá, vai deitá... então eu mudei muito. (Natália, 41)
Os relatos selecionados mostram que, decorrido um ano do TCTH, os participantes
evidenciaram percepção positiva de mudanças em suas atitudes e comportamentos.
Francisca ressalta que, antes do transplante, era muito nervosa e fugia de suas
responsabilidades. Michele mostra-se satisfeita com sua postura mais assertiva diante de
situações em que antes não conseguia se colocar com firmeza. Vale ressaltar que, decorridos
12 meses da realização do TCTH, nenhum dos participantes deste estudo relatou percepção
negativa de mudanças no seu jeito de ser.
O próximo núcleo temático refere-se ao conjunto de possibilidades esperadas,
planejadas e desejadas pelos participantes para o seu futuro, no momento em que são
decorridos 12 meses do transplante. A Tabela 24 apresenta esse núcleo temático, suas
categorias, subcategorias e elementos.
131
Tabela 24 - Apresentação do núcleo temático 11: Expectativas e planos futuros; suas categorias,
subcategorias e elementos
Categoria
Expectativas e planos futuros
Refere-se às expectativas e planos
futuros dos participantes no momento do
pós-TMO tardio.
Subcategorias
Elementos
Retomar a atividade profissional
Pensando em montar
alguma coisa
Refere-se à retomada de alguma
atividade profissional, podendo ser uma
que já era realizada anteriormente ou
uma nova atividade.
Desejo de concretizar sonhos
Refere-se ao desejo de concretizar
alguns sonhos que foram postergados
(ou mesmo esquecidos) devido à falta
de perspectiva de continuidade da vida.
Penso em mudar de
cidade
Sonho em morar na
praia
Quero estudar minha
filha
Um ano após a realização do transplante, as expectativas com relação ao futuro tomam
um caráter mais realista, uma vez que os participantes se depararam com a possibilidade de
fato de retomarem algumas atividades que deixaram de realizar, inclusive a atividade
profissional, ou mesmo sonhos que não puderam concretizar. As falas mostram que o retorno
ao trabalho ou mesmo a realizaçao de projetos de cunho familiar constituem os desejos mais
presentes nos relatos dos pacientes no que se refere ao futuro.
Com certeza, minha maior expectativa é voltar a fazer cirurgia, porque alguns
atendimentos até posso fazer, mas o que sempre me deu prazer na profissão foi a
cirurgia, então eu sonho com isso sim... (Álvaro, 50)
Ai, poder fazer minhas coisas, voltar a trabalhar… antes eu não podia mesmo, mas
agora que eu tô bem, não tem desculpa. Vou colocar em prática, não sei bem o quê,
mas quero montar um negócio meu. (Clarissa, 45)
Ainda continuo aposentado, mas tô pensando em montar alguma coisa, alguma coisa
em termos de mercado de instrumentos musicais. eu não preciso tocar uma guitarra
pra saber se ela é boa, então é uma coisa que eu sei. (Rafael, 44)
Eu tenho o sonho de morar numa praia, mas por enquanto não posso fazer porque a
minha vó foi a pessoa que me deu a mão, e não vou deixá-la na mão, mas um dia não
vou tê-la mais perto de mim, aí eu penso em mudar de cidade, talvez Santos... mas
quero sair de São Paulo... (Humberto, 43)
Eu quero estudar a minha filha e ela quer engenharia... Ontem, inclusive eu estava
conversando com meu marido e tava pensando, se eu não tivesse a minha filha eu não
sei se eu teria essa força tão grande... então um objetivo que eu tenho na vida é
estudar a minha filha. (Raquel, 40)
132
Os relatos de Álvaro, Clarissa, Rafael, Humberto e Raquel ilustram o sentimento de
esperança e o desejo de retomarem a vida que a doença não permitiu que continuassem
vivendo. Com as amarras da EM rompidas, eles puderam voltar a pensar em realizar as
atividades que lhes são prazerosas e a sonhar com o futuro.
133
ARTICULAÇÃO DOS COMPONENTES QUANTITATIVO E QUALITATIVO
Para discutir os resultados encontrados neste estudo, faz-se necessário destacar
primeiramente a importância de conhecer os antecedentes de QVRS dos pacientes portadores
de EM, uma vez que que esses dados permitem compreender as repercussões psicossociais da
doença crônica na vida de uma pessoa, antes e depois de submeter-se ao TCTH. Por meio da
análise dos dados das entrevistas, pôde-se perceber que esses pacientes possuíam uma vida
estável, desempenhando suas atividades laborais e tarefas do cotidiano. Trata-se, em sua
maioria, de pessoas com nível educacional e econômico típico da classe média brasileira e que
demonstravam habilidade na superação das preocupações comuns do dia a dia e de
envolvimento afetivo com familiares e amigos. Nesse contexto, o surgimento de uma doença
com características semelhantes à EM, por ser progressivamente debilitante e sem
perspectivas de cura, além do próprio impacto do diagnóstico, mobiliza sentimentos de raiva,
negação, frustração e decepção, o que os coloca frente a frente com a própria impotência
diante de eventos adversos sobre os quais não têm domínio.
Pôde-se perceber que as principais queixas no momento do pré-transplante eram
relativas à perda da capacidade de continuarem exercendo suas rotinas com o mesmo vigor,
empenho e intensidade de antes. Nesse sentido, destaca-se a percepção de dificuldades e
limitações na realização de atividades simples do dia a dia, a percepção da impossibilidade de
continuar exercendo a atividade profissional regular e a constatação de mudanças ocorridas no
nível dos relacionamentos interpessoais. Além disso, no plano físico, a presença de dores
intensas, fadiga crônica, tremores e espasmos comprometem a locomoção e agravam as
dificuldades para executar as atividades de vida diária. Esse cortejo sintomatológico é
compatível com os estágios mais avançados da doença que caracterizam a totalidade da
amostra investigada. A EM, portanto, representa fator limitante da rotina, sendo que 28
(82,3%) participantes deste estudo se aposentaram devido às consequências da enfermidade.
A proporção de inativos encontrada neste estudo é bastante próxima à apresentada por
Morales et al. (2007). Esses autores encontraram uma proporção da ordem de 70% (entre
inativos e aposentados) dentre os pacientes com EM que constituíram a amostra de seu estudo
e 16% dentre aqueles que constituíram seu grupo controle. Esse alto índice de portadores em
estado de inatividade confirma a agressividade de uma doença debilitante e de curso
progressivo como a EM.
134
Em relação às formas clínicas da doença, pôde-se perceber, neste estudo, uma
prevalência das formas progressivas, em um total de 80,4%, sendo 64,7% dos pacientes
diagnosticados com a forma progressiva secundária (EMPS). A forma remitente-recorrente
(EMRR) aparece em 20,6% dos pacientes que constituíram a amostra. Esse resultado está em
discordância com os resultados de estudos epidemiológicos e de caracterização clínica da EM
no contexto brasileiro, que mostram uma prevalência da forma EMRR (Grzesiuk, 2006;
Fragoso et al., 2005; Ferreira et al., 2004; Arruda et al., 2001; Moreira et al., 2000). Essa
ocorrência sugere que pacientes com as formas mais severas da EM correspondem aos mais
motivados a aceitar um tratamento tão complexo e impactante como o TCTH.
Constatou-se que esses pacientes haviam se submetido a diversos tipos de tratamentos,
antes de receberem indicação para o TCTH. Conforme pontua Voltarelli et al. (2003), a não
obtenção de um resultado satisfatório a partir dessas terapêuticas convencionais torna o TCTH
autólogo a melhor opção de tratamento para esses pacientes. De certo modo, representa uma
medida heroica a ser tomada quando todas as opções terapêuticas conhecidas não surtiram
efeito, e o curso da doença se acelera de forma inexorável.
Copper & Powell. (1998) constataram que 72% dos pacientes submetidos ao TCTH
apresentavam dúvida quanto à realização do procedimento. Diferentemente dos achados
desses autores, neste estudo notou-se que os pacientes mostraram-se bastante determinados
quanto à realização do transplante, caracterizando-o sempre como um tratamento-salvador e
desconsiderando a possibilidade de tratamento-ameaçador. Isso pode decorrer do fato de
pacientes com EM já conviverem há muito tempo com a doença, terem sofrido uma
depreciação acentuada em sua QVRS em consequência da progressão da enfermidade, terem
tentado diversos tratamentos sem obter um resultado satisfatório e, principalmente, se
sentirem cansados de viver de forma tão limitada. O somatório desses fatores provavelmente
os motiva a se submeterem a um tratamento radical como o TCTH. O transplante, portanto,
acena com uma possibilidade de cura e de retomada da qualidade do seu viver já tão
comprometido, corroborando os achados de Prows e McCain (1997), Oliveira et al. (2005),
Muller, Carvalho e Canini (2008) que pontuam que essa esperança de cura impulsiona a
resolução pelo TCTH. Campos, Bach e Álvares (2003) também referem que essa tomada de
decisão é um processo difícil e ressaltam o paradoxo entre os sentimentos de medo e de
esperança diante do TCTH.
Outro ponto a ser destacado é que as principais formas de enfrentamento do
adoecimento e também das situações adversas provenientes do tratamento são o apoio
familiar e o contato com o sagrado. Grande parte (85%) dos participantes utiliza-se da sua
135
vivência com a espiritualidade como forma de tentar entender a situação pela qual estão
passando ou ainda como meio de aliviar o sofrimento. Segundo Angerami-Camon (2002),
esse apego à fé estaria relacionado à busca do sagrado em resposta à questão da finitude,
desencadeada pelo adoecimento e pelos riscos inerentes ao próprio tratamento. A fé, nesses
casos, teria o poder de bálsamo capaz de aliviar o sofrimento e dar sentido para a experiência
do adoecimento e do tratamento. Vale ressaltar, no entanto, que a fé ou a religiosidade dos
participantes foram menos percebidas como um recurso de enfrentamento nos momentos do
pós-TMO imediato e pós-TMO tardio, quando comparados ao momento do pré-TMO. Assim,
na véspera da realização de um procedimento de risco como o TCTH, o apelo a um Poder
Superior mostrou-se mais aguçado.
Durante o procedimento, os participantes estiveram sujeitos a diversos eventos
estressores, como a quimioterapia, a implantação do catéter, espera da “pega” da medula e o
medo de infecção. Neste estudo, a maioria dos participantes apontou para uma expectativa de
que a quimioterapia fosse o grande evento dificultador do tratamento. Alguns poucos
confirmaram essa expectativa. Em geral, os participantes relataram ter passado sem grandes
complicações pelo período de internação e administração dos quimioterápicos. Contrariando o
senso comum, a maioria referiu que não houve maiores dificuldades.
Na avaliação com o SF-36, no momento de saída da enfermaria, cerca de 30 dias após
o transplante, a QVRS retomou índices muito próximos aos apresentados na etapa anterior.
Não foi observada diferença estatisticamente significante entre as fases pré-transplante e póstransplante imediato do procedimento. Pôde-se notar, ainda, que dos domínios que
compreendem o componente mental no SF-36, nas duas primeiras etapas avaliadas, Aspectos
Emocionais aparece comprometido, ao passo que Vitalidade e Saúde Mental aparecem
preservados.
Os resultados das entrevistas corroboram a percepção subjetiva de melhora dos
Aspectos Físicos e da Capacidade Funcional dos participantes após a alta hospitalar. A maior
parte dos participantes aponta uma retomada na disposição de realizar atividades cotidianas.
Todavia, alguns estudos (Claessens et al. 2006; Hjermstad et al., 2004; Mastropietro, 2007)
com pacientes submetidos ao TCTH alogêncio apontaram piora na QV pós-transplante, sendo
que os índices avaliados retomaram valores próximos à etapa pré-TMO somente um ano após
a realização do procedimento. Em contrapartida, no presente estudo pôde-se observar que os
índices de QVRS no pós-TMO imediato foram semelhantes aos índices apresentados no préTMO. Como explicar essa aparente discrepância dos achados do presente estudo em relação à
literatura? A proximidade dos valores do pós-TMO imediato aos dos pré-TMO pode ser
136
devida à condição de chegada do paciente com EM ao TCTH, ou seja, com sua QVRS já
bastante comprometida. Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao procedimento em si,
uma vez que o TCTH autólogo é menos impactante do que o TCTH alogênico. Este último
pode proporcionar uma série de complicações como a possibilidade de desenvolvimento da
DECH (doença do enxerto contra o hospedeiro), patologia que ocorre pela rejeição da medula
ao corpo que foi infundida e que é responsável por forte impacto na QVRS dos pacientes
(Mastropietro et al., 2006, Oliveira, 2004). No TCTH autólogo não há possibilidade desse tipo
de complicação, pois o paciente é seu próprio doador.
No momento pré-TMO, o comprometimento dos Aspectos Físicos e das dificuldades
no cotidiano pode ser compreendido em função das limitações da própria enfermidade, e o
prejuízo do Aspectos Emocionais pode estar relacionado com a vivência dessas limitações
progressivas. Em relação aos demais domínios do componente mental que se mostraram
preservados nesses portadores de EM, tais resultados podem estar relacionados a um
sentimento de esperança motivado pela possibilidade de melhora anunciada pelo transplante.
Afinal, são indivíduos que até então experimentavam um progressivo declínio de funções e
limitação crescente no desempenho de tarefas e papéis sociais, resultando em acúmulo de
sequelas e vivências de perdas. Sentiam suas esperanças se esgotarem até se depararem com a
perspectiva de realizarem o TCTH.
Por outro lado, essa estabilidade relativa dos domínios do componente mental pode ser
devida a características próprias do instrumento. Um estudo sugere que o questionário SF-36
aparentemente superestima a saúde mental em portadores de EM (Vickrey, Hays, Harooni,
Myers, & Ellison, 1995). Esses achados sugerem a necessidade de melhor esclarecimento por
meio de novos estudos.
No presente estudo, os resultados das avaliações pré e pós-transplante imediato
apontaram, portanto, para um impacto negativo maior nos domínios da QVRS que estão
associados ao componente físico do que nos domínios associados ao componente mental.
Esses resultados corroboram os achados de Morales et al. (2007) e Nogueira (2006). Esses
autores verificaram que o portadores de EM percebem o impacto maior nos domínios de
função física. Além disso, mostraram que os pacientes com maior comprometimento
funcional apresentaram piores escores quando comparados aos pacientes com menor
prejuízos.
Os resultados apresentados neste estudo estão de acordo com os achados de Guimarães
et al. (2008). Na referida investigação, a comparação dos resultados dos domínios de QVRS,
avaliados pelo SF-36, em portadores de doenças autoimunes submetidos ao TCTH, também
137
mostrou não haver diferenças significantes entre os momentos pré-TMO e pós-TMO imediato
(30 dias após o procedimento). No entanto, os autores salientaram que os pacientes
demonstraram percepção de melhoras em alguns aspectos da sua QVRS, como na capacidade
de realizarem suas atividades de vida diária e diminuição da sensação de cansaço.
É fundamental salientar que o instrumento utilizado, em todas as suas questões,
solicita ao avaliado a sua apreciação em relação a determinado aspecto de sua QVRS, no
período que compreende as últimas quatro semanas. Desse modo, a aplicação do SF-36 no
momento do pós-TMO imediato compreende, provavelmente, o período de quatro semanas de
internação do paciente. Nesse estágio do tratamento, os participantes estiveram confinados ao
isolamento protetor, passaram pelos invasivos procedimentos de retirada das células-tronco,
administração dos quimioterápicos para aplasia medular, receberam a infusão da própria
medula tratada, eventos que produziram consideráveis efeitos estressores e que exigiram
intensa capacidade de adaptação, tolerância às adversidades e perseverança.
Diferentemente dos achados apresentados por Santos, Moreira e Rodrigues (2008), no
presente estudo, pôde-se observar que o tempo pós-TCTH de um ano tem efeito positivo nos
indicadores da QVRS nos participantes. Essas autoras utilizaram o questionário de avaliação
de qualidade de vida WHOQOL-Bref para avaliar a QV de 15 pacientes com doenças oncohematológicas submetidos ao TCTH e não observaram associação estatisticamente
significante entre os domínios de QV propostos por esse instrumento e a variável tempo de
TCTH (Santos et al., 2008).
No que se refere aos resultados obtidos no presente estudo, com aplicação do SF-36
um ano após o transplante, em comparação com os resultados das outras duas etapas, houve
diferença estatisticamente significante para a totalidade dos domínios da QVRS. Todos os
domínios do componente mental apareceram preservados e os domínios Dor e Estado Geral
de Saúde, do componente físico, foram os que se encontraram mais preservados. O domínio
Aspectos Físicos apareceu comprometido, mas com escores significativamente mais elevados
do que os obtidos nas etapas anteriores. Esses resultados sugerem que, decorrido um ano
desde a realização do procedimento, houve melhora na percepção dos pacientes com EM nos
domínios que compreendem sua QVRS.
Os participantes apresentaram, nessa etapa do pós-TMO tardio, os domínios do
componente mental preservados, bem como o domínio Estado Geral de Saúde. Esses
resultados parecem estar relacionados ao fato de que esses pacientes não precisam mais viver
com a constante angústia da progressividade da doença. À medida que esse estressor, tão
característico do portador de EM, é aliviado e limitado pelo tratamento do TCTH, ressurge a
138
possibilidade de se repensar em questões profissionais e familiares, bem como retomar alguns
dos sonhos e projetos que foram interrompidos. Isso mostra que os pacientes se sentem mais
animados com a possibilidade de conseguir reorganizar suas vidas e reinserir-se na sociedade.
Os resultados deste estudo também devem ser examinados de forma crítica. Como
primeira limitação do estudo, é preciso considerar que o tamanho da amostra é restrito. No
entanto, vale ressaltar que os participantes que concordaram em participar voluntariamente
deste estudo compreendem a população de portadores de EM que foram atendidos na UTMO
do HCFMRP-USP, no período determinado para a coleta, e que tiveram indicação para
receber essa modalidade de tratamento. Desse modo, com exceção de seis pacientes que
foram submetidos à terapêutica e que não compuseram a amostra, por motivos já esclarecidos,
todos os outros 34 foram acompanhados durante o período de um ano decorrente do momento
de internação, sendo avaliados em três momentos distintos. O trabalho de acompanhamento
de 34 pacientes ao longo do período de um ano, que caracteriza um estudo de recorte
longitudinal, torna esta investigação uma pesquisa original e pioneira no contexto científico
brasileiro e internacional.
Outro ponto importante a ser levado em consideração é a utilização de um instrumento
genérico de avaliação de QVRS, em especial o SF-36, que por suas características intrínsecas
não aborda vários aspectos específicos decorrentes da doença, tais como disfunções sexuais e
problemas cognitivos, que certamente impactam a QVRS dos pacientes. Por outro lado, por
ser genérico, possibilita a avaliação do impacto da EM na QVRS do portador da doença, bem
como permite comparações com a população geral ou com grupos de pacientes acometidos
por outra doença crônica e que também têm indicação para o transplante.
Um dado que deve ser considerado quando se refere à QVRS dos pacientes com EM,
especialmente em suas formas mais severas, submetidos ao TCTH, é a modificação na forma
de viver a vida. Segundo Broers et al. (2000), os pacientes recuperam a QV anterior ao
procedimento, mas não a qualidade da mesma vida, sendo comum a percepção de
modificações, tais como maior apreciação da vida e busca de relacionamentos mais próximos
e satisfatórios.
Segundo Rezende (2000), o fato de o paciente estar diante da possibilidade de morte,
aumenta o desejo de viver mais intensamente, sendo essa uma razão para se aproveitar cada
momento da existência. Já, de acordo com Barros (2002), a possibilidade de uma nova vida,
de um “renascimento” é um tema muito frequente nos relatos de pacientes que são submetidos
ao TMO, o que também pôde ser observado nesta investigação.
139
Deve-se ressaltar um último aspecto de suma importância relacionado à QVRS desses
pacientes: os planos futuros. Segundo Araújo e Arraes (1998), a presença de planos e a
retomada do projeto de vida são fortes indícios de uma qualidade de sobrevivência, na medida
em que os pacientes conseguem sair da fixação em seu presente para se projetarem no futuro
como seres de possibilidades. Como pôde ser observado, após a realização do transplante, os
participantes se percebem com perspectivas de reorganizar sua vida profissional, de retomar
seus planos futuros e de viver seus sonhos há tempos interrompidos pelo adoecimento. Esse
resultado está de acordo com os achados de Mastropietro et al. (2006) que mostraram que o
tempo pós-TMO está diretamente relacionado à construção do cotidiano dos indivíduos que
passaram pelo transplante.
Por fim, algumas reflexões devem ser pontuadas. Que tipo de cuidados esses pacientes
necessitam em função dos prejuízos causados pela EM? O que a equipe multiprofissional
precisa saber para oferecer um cuidado integral a esses pacientes? E qual o papel do psicólogo
na equipe de saúde que cuida de pacientes com EM submetidos ao TCTH?
Cabe aos profissionais da equipe de saúde mental promoverem estratégias para
fortalecer o paciente e auxiliá-lo a se adaptar às limitações provenientes da doença e aos
desafios advindos do tratamento, nas diferentes fases do TCTH. O psicólogo da UTMO
precisa atentar às necessidades do paciente que diferem a cada momento do tratamento. As
três etapas que envolvem o presente estudo, por suas especificidades, requerem intervenção
diferenciada.
No período pré-TMO, mediante atendimentos individuais, o psicólogo deve prover
meios para que o paciente enfrente manifestações de ansiedade, medo e até mesmo as
limitantes regras impostas pelo tratamento. Durante o período de internação, o isolamento
protetor atua como fator que induz reações ambivalentes, pois protege, porém limita. O
psicólogo pode colaborar para que o paciente compreenda a necessidade do isolamento
protetor e supere essa dificuldade. A ansiedade com relação à pega da medula é outro aspecto
que deve ser trabalhado nos atendimentos desse profissional. Essa ansiedade pode, muitas
vezes, estar mascarada por uma pretensa tranquilidade; nesse estado os pacientes tentam se
mostrar “fortes” perante a equipe e familiares, pois temem que, caso exponham suas
dificuldades e necessidades afetivas, isso poderia ser interpretado como sinal de “fraqueza”.
Nesse momento, também cabe ao psicólogo auxiliar os demais membros da equipe a
compreenderem as diversas limitações características da doença. É possível que os
profissionais da equipe multiprofissional não tenham acesso ao significado de um tratamento
como o TCTH para o paciente com EM. O psicólogo, inserido nessa equipe, pode ser um
140
elemento facilitador dessa comunicação, ao possibilitar o esclarecimento sobre a relevância da
escuta dos fatores emocionais mobilizados pelo evento TCTH na vida de um portador de EM.
No momento da saída da enfermaria (pós-TMO imediato), o paciente experimenta
novo sentimento de ambivalência: o desejo de sair do isolamento e a perda da proteção e da
segurança conferidas pela equipe multiprofissional. O psicólogo deve ajudar o paciente a
restaurar sua autoconfiança, recrutando estratégias de enfrentamento apropriadas para essa
nova etapa de vida. Oferecer atividades por meio de oficinas é uma estratégia que contribui
para a percepção de que o recém-transplantado já é capaz de realizar pequenas tarefas do
cotidiano.
Um ano após a realização do transplante, o paciente apresenta outras necessidades.
Surgem novas demandas, como o lidar com a perspectiva de readaptação funcional e a
possibilidade de redimensionar os relacionamentos interpessoais. Tais demandas também
denotam o paradoxo desejo versus medo. Essas novas perspectivas, ao mesmo tempo em que
reforçam o desejo pela retomada da vida anterior à doença, também assustam devido à
necessidade de reorganizar os papéis sociais, retificando a posição de total dependência, rumo
à relativa autonomia. O psicólogo poderá contribuir nessa etapa, se puder acolher essas novas
demandas e possibilitar reflexão pautada na integração entre sentir, pensar e agir. Dessa
maneira, criam-se condições para o fortalecimento da capacidade de execução das tarefas de
vida diária, de modo a estimular a progressiva independência do paciente em seu contexto
psicossocial.
Nessa direção, são necessários novos estudos que possam sistematizar um modelo de
intervenção que leva em consideração os subsídios oferecidos pela presente investigação.
Desse modo, a tomada de decisão pelo TCTH merece algumas reflexões. Pessoas sem
muitas perspectivas, que muitas vezes se sentem despedindo-se da vida, podem recorrer a
medidas extremas e desesperadas para prolongar a vida. O TCTH oferece um alento para
esses pacientes que veem seus horizontes se estreitarem gradualmente ou até mesmo que se
creem condenados à morte. Embora não ofereça a perspectiva redentora da cura, o transplante
pode alimentar a fé e devolver a esperança de viver a esses pacientes com longa história de
sofrimento, contribuindo para transformar sua existência.
Ao ser acometido por uma doença incapacitante e progressiva como a EM, o paciente
sente que perdeu o controle sobre seu próprio destino. Na medida em que o TCTH traz alívio
e restaura a confiança e esperança de ter novamente sua vida nas mãos, pode-se afirmar que o
procedimento repercute positivamente na apreciação que ele faz de sua QVRS. Embora não
traga a remissão completa da EM, o transplante representa uma trégua em meio a uma guerra
141
implacável. Nesse sentido, tem-se um efeito transformador, mesmo considerando os limites e
riscos inerentes a essa abordagem.
Essas reflexões nos levam a indagar: quem é o portador de EM? Alguém que perdeu
sua possibilidade de futuro? Um paciente destinado à morte? Ou uma pessoa cuja urgência de
viver coloca uma demanda de ordem emocional que precisa ser acolhida pela equipe
interdisciplinar?
142
143
CONCLUSÕES
Este estudo demonstrou que:
1) Dentre os 34 participantes, 52,9% eram do sexo feminino; 61,8% possuíam
companheiro(a); em relação ao nível de escolaridade, 41% dos participantes possuíam 12 ou
mais anos de estudo; a média de idade encontrada na amostra foi de 40,59±9,01 anos, sendo
que a faixa etária predominante foi de 36 a 45 anos (47,1%); 38,2% dos participantes possuem
renda familiar acima de cinco salários mínimos; 23 participantes (67,7%) se consideravam
religiosos e praticantes. No que se refere à situação ocupacional, 82,3% se diziam inativos no
momento da avaliação pré-TMO, sendo que todos esses 28 participantes haviam se
aposentado em consequência das limitações impostas pela doença.
Trata-se de um grupo de indivíduos que, até o momento do adoecimento, estava
vivendo o auge de sua produtividade e que teve a linha de continuidade de sua vida social,
ocupacional e psicológica, interceptada por uma condição crônico-degenerativa e, portanto,
incapacitante e estigmatizante.
2) Com relação ao tempo de doença, observou-se a média de 7,38±2,39 anos, sendo
que a faixa de seis a sete anos predominou na amostra (38,3%). A forma Esclerose Múltipla
Progressiva Secundária (EMPS) foi o tipo clínico da EM prevalente nessa amostra (64,7%).
Nesse trajeto do adoecer, os relatos dos participantes confirmaram o agravamento
constante no estado geral de saúde, a sofrida sequência de perdas fisicas e psicossociais, a
crescente limitação da autonomia e a consequente dependência do outro em atividades da vida
diária.
3) A tomada de decisão dos portadores de EM pela submissão ao TCTH é ancorada
pelos insucessos de outras terapêuticas anteriores e pela progressão avassaladora da doença.
As expectativas, nesse momento, englobam a possibilidade de interrupção da progressividade,
o desejo de melhoras da capacidade física (de movimentação dos membros inferiores,
coordenação motora, equilíbrio e controle esfincteriano), a esperança de cura e a retomada da
vida anterior à doença. Portanto, o TCTH é significado como a única possibilidade de vencer
a luta contra a enfermidade, além de ser talvez sua última oportunidade de reconquistar uma
vida sem amarras.
Os pacientes com EM indicados ao TCTH apresentaram um importante impacto
negativo nas dimensões da QVRS, sendo os domínios relativos às funções físicas os mais
comprometidos. No pós-TMO imediato (cerca de 30 dias após o transplante), os domínios de
144
QVRS retomam índices muito próximos dos apresentados na etapa pré-TMO, sendo que não
houve diferença estatisticamente significante para nenhum desses domínios. Um ano após o
transplante, os resultados obtidos mostraram diferenças estatisticamente significantes em
todos os domínios da QVRS do pacientes com EM, quando comparados aos resultados das
duas etapas anteriores.
4) A covariável Idade teve efeito nos escores dos domínios Capacidade Funcional e
Estado Geral de Saúde. A covariável Escolaridade teve efeito nos escores dos domínios
Estado Geral de Saúde e Aspectos Sociais; A covariável Estado Conjugal teve efeito nos
escores do domínio Aspectos Sociais; A covariável Renda Familiar teve efeito nos escores
dos domínios Estado Geral de Saúde, Aspectos Sociais, Vitalidade e Saúde Mental.
5) O apoio familiar e o contato com a dimensão do sagrado foram os recursos que
contribuíram para o enfrentamento da doença e das adversidades decorrentes do TCTH mais
identificados pelos pacientes, nos três momentos avaliados. No entanto, nos momentos pósTMO imediato e tardio, o recurso à espiritualidade foi menos mencionado do que no
momento pré-TMO.
6) Os planos futuros dos portadores de EM um ano após o TCTH estão relacionados à
retomada da atividade laboral e à possibilidade de concretizar projetos e sonhos esquecidos
pela falta de perspectiva de continuidade da vida. Os projetos mencionados foram: retornar à
vida produtiva, voltar a desempenhar os papéis sociais que tinham antes de adoecer, prover
educação dos filhos, desenvolver atividades de assistência social, mudar da cidade de origem
e começar nova vida em outro ambiente, tais como município menor ou cidade litorânea.
Concluindo, para a maioria dos participantes, deste estudo, o TCTH teve um impacto
positivo sobre a QVRS imediatamente após a realização do procedimento. Decorrido um ano,
os índices de QVRS melhoraram significativamente, o que mostra que o TCTH representou
uma possibilidade de retomada da QVRS fortemente comprometida na etapa pré-TMO.
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162
163
ANEXOS
ANEXO A
164
165
APÊNDICES
APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Meu nome é Fabio Augusto Bronzi Guimarães, sou psicólogo, aluno de pós-graduação do
Programa de Pós-graduação do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e estou realizando uma pesquisa
com os pacientes que serão submetidos ao Transplante de Medula Óssea para o tratamento de
esclerose múltipla. O orientador responsável por essa pesquisa é o Prof. Dr. Manoel Antônio dos
Santos, psicólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP), na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto.
O objetivo deste estudo é conhecer os aspectos psicológicos desses pacientes, verificando as
suas condições de qualidade de vida, com a finalidade de posteriormente auxiliá-los psicologicamente
durante esse processo.
Para realizar este trabalho precisaremos da colaboração de alguns pacientes e gostaríamos que
você fosse um deles. Para participar é necessário que você leia e concorde com o que está escrito no
seguinte Termo de Consentimento:
Termo de Consentimento:
Declaro que estou de acordo com a participação como voluntário(a) deste estudo, realizando
algumas atividades, que consistem em responder a algumas perguntas que me serão realizadas
(entrevista) e responder a um questionário. No entanto, se eu não me sentir à vontade com alguma
atividade ou questão, posso deixar de respondê-las ou realizá-las, sem que este fato traga qualquer
prejuízo ao meu acompanhamento nessa instituição.
Assim, aceito voluntariamente participar desta atividade, não tendo sofrido nenhuma forma
de pressão para isso.
Sei que os resultados deste trabalho, quaisquer que sejam, poderão ser mais tarde utilizados
para trabalhos científicos e que minha identificação será mantida sob sigilo, garantindo assim o meu
anonimato. Por isso, autorizo, ainda, que as sessões sejam gravadas para que não se deixe passar
despercebido nada do que foi conversado e que possa ser um dado importante para o estudo.
Declaro, dessa forma, estar ciente de que:
1) Minha participação é voluntária e uma recusa não implicará em prejuízos no meu
atendimento;
2) As informações que eu fornecer poderão ser utilizadas em trabalhos científicos, mas que
minha identidade será sempre preservada;
3) Inicialmente será realizada comigo uma entrevista. Nesse momento conversarei um pouco
com o pesquisador, em uma sala reservada, sobre algumas questões relativas à minha
vida, minha família, o meu adoecimento, o transplante, minhas dificuldades e
expectativas. Tais questões são importantes para que seja possível me conhecer melhor;
166
4) Além da entrevista responderei a 11 questões sobre a minha qualidade de vida. Essa
atividade (escala) é simples, de rápida execução e dispensa conhecimento prévio;
5) Sei que durante a entrevista, será necessária a utilização de um gravador, para que nada do
que eu diga seja “esquecido”;
6) A minha participação na pesquisa poderá ser dividida em duas etapas a serem concluídas
preferencialmente no mesmo dia, mas em períodos diferentes, de aproximadamente meia
hora cada, para que eu não me canse com os procedimentos a serem realizados. Desse
modo, primeiramente serei entrevistado e posteriormente responderei à escala. De
qualquer forma, caso eu queira descansar um pouco, podemos, a qualquer momento, parar
por algum tempo até que eu esteja novamente disposto a continuar;
7) Não existe nenhum risco significativo em participar deste estudo. Sei, contudo, que
algumas questões podem me trazer certo desconforto ou incômodo, em virtude dos temas
a serem abordados. Caso haja necessidade, a psicóloga da UTMO se colocará à minha
disposição para me oferecer um atendimento psicológico, em um horário a combinar,
reservado especialmente para esse fim;
8) Sou livre para desistir da participação no trabalho em qualquer momento;
9) Eventuais despesas relativas à minha participação nesta pesquisa, tais como transportes,
refeições, etc., serão pagas pelos pesquisadores;
10) Caso queira entrar em contato com o pesquisador-responsável, sei que ele poderá ser
encontrado no Bloco E da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, aqui de
Ribeirão Preto, ou no fone (16) 3602-3645, no período de 2ª à 6ª feira, das 8 às 12 ou das
14 às 17 horas.
Após ter tomado conhecimento desses fatos e aceitar participar da pesquisa, assumindo não ter
sofrido nenhuma pressão para tanto:
Eu, ____________________________________________________, aceito participar deste
estudo, ciente de que minha participação é voluntária e estou livre para em qualquer momento
desistir de colaborar com a pesquisa, sem nenhuma espécie de prejuízo.
Eu recebi uma cópia deste termo e a possibilidade de poder lê-lo.
Assinatura: __________________________________________
RG: _______________________________
Data: ____/ _____/ ________
Assinatura do pesquisador - responsável: _____________________________________
167
APÊNDICE B
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
Pré-TMO
Nome: ________________________________ Local: _________________ Data: _________
IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Endereço:
Fone:
Fone para recado:
Idade:
Data de nascimento:
E-mail:
Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )
Estado civil: solteiro ( )
casado ( )
divorciado ( )
viúvo ( )
Naturalidade (cidade e estado):
Procedência (cidade atual):
Religião:
Cor: branca ( )
Praticante: sim ( )
negra ( )
parda ( )
não ( )
amarela ( )
Ocupação atual: Exerce uma ocupação remunerada? Qual?
Quanto recebe? R$ __________reais
Nunca trabalhou ( ). Por quê?
Tem fonte própria de renda ( )
Está inativo ( ). Por quê?
Está temporariamente afastado ( ). Por quê?
Aposentado ( )
Qual a renda total da família? R$_________reais
É previdenciário? Se sim, tem recebido benefícios previdenciários? Qual?
Tem algum convênio médico ou plano de saúde? Qual?
Sobre o cônjuge e família:
Idade:
Profissão:
Filhos (sexo, idade):
Número de irmãos:
Instrução
Até que série estudou?
Ordem de nascimento:
Completa ( )
Por que não continuou a estudar? (se for o caso)
incompleta ( )
168
Condições de moradia: casa própria ( )
Quarto alugado ( )
com amigos ( )
alugada ( ) financiada ( )
com os pais ou outros membros da família ( )
Número de cômodos:
Há quantos anos reside na casa atual?
Há quantos anos reside em Ribeirão Preto (ou na cidade em que mora atualmente)?
CONCEPÇÕES SOBRE O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
O que você entende por saúde? Quando é que podemos dizer que uma pessoa tem saúde?
Por que você acha que as pessoas ficam doentes?
DIFICULDADES ENCONTRADAS NO DIA A DIA
1. Você tem notado:
•
Mudanças no dia a dia ( ) não ( ) sim
•
Mudanças no relacionamento com as outras pessoas (família, amigos) ( ) não ( )sim
•
Mudanças físicas e corporais ( ) não ( ) sim
•
Mudanças em seu jeito de ser (comportamento, atitudes) ( ) não ( ) sim
•
Mudanças em relação a sua forma de perceber a si próprio(a) ( ) não ( ) sim
•
Mudanças em relação a sua forma de perceber e lidar com seus problemas
( ) não
( ) sim
Essas mudanças foram ( ) positivas ou ( ) negativas?
2. Como foi para você a decisão de fazer o transplante de medula óssea?
3. Em relação a esse tratamento, qual a maior dificuldade que você acha que irá encontrar?
Como pretende solucioná-la?
4. Qual a sua expectativa acerca do TMO?
ATIVIDADE PROFISSIONAL
Comente um pouco sobre a sua atividade profissional: o que lhe deixa satisfeito e insatisfeito no
trabalho.
169
SUPORTE PSICOSSOCIAL
Quando você tem algum tipo de problema, a quem costuma recorrer?
Você tem buscado algum tipo de ajuda ou apoio (inclusive tratamentos alternativos...)?
Ajuda espiritual ( ). Qual?
Terapia ( ). De que tipo? Com quem?
Grupo de apoio/autoajuda ( ). Qual?
Outros. Quais?
QUALIDADE DE VIDA
1. O que você acha importante para se sentir bem, hoje?
2. Como você se sente fisicamente, hoje?
3. O que você aprecia na sua vida, hoje?
4. O que mais o incomoda?
5. Atualmente, como você se sente psicologicamente?
6. No que gostaria de receber ajuda, hoje?
7. Como espera receber ajuda?
8. Hoje, como você sente que pode ajudar?
SITUAÇÃO DA ENTREVISTA
Entrevistador:
Data:
Local:
Duração:
Observações:
170
APÊNDICE C
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
Pós-TMO
Nome: ________________________________ Local: ___________________ Data: _______
Tempo de transplante: ________________ - Pós-TMO Imediato ( )
Pós-TMO Tardio ( )
DIA A DIA
5. Você tem notado:
•
Mudanças no dia a dia ( ) não ( ) sim
•
Mudanças no relacionamento com as outras pessoas (família, amigos) ( ) não ( )sim
•
Mudanças físicas e corporais ( ) não ( ) sim
•
Mudanças em seu jeito de ser (comportamento, atitudes) ( ) não ( ) sim
•
Mudanças em relação a sua forma de perceber a si próprio(a) ( ) não ( ) sim
•
Mudanças em relação a sua forma de perceber e lidar com seus problemas
( ) não ( ) sim
Essas mudanças foram ( ) positivas ou ( ) negativas?
6. Como foi para você o transplante de medula óssea?
7. Em relação a esse tratamento, qual foi a maior dificuldade encontrada? Foi possível solucionála? Como?
QUALIDADE DE VIDA
9. O que você acha importante para se sentir bem, hoje?
10. Como você se sente fisicamente, hoje?
11. O que você aprecia na sua vida, hoje?
12. O que mais o incomoda?
13. Atualmente, como você se sente psicologicamente?
14. No que gostaria de receber ajuda, hoje?
15. Como espera receber ajuda?
16. Hoje, como você sente que pode ajudar?
171
APÊNDICE D
Questionário Genérico de Avaliação
de Qualidade de Vida – SF – 36
Nome: .....................................................................................Idade:......................
Sexo:.............Prof:...................................Grau Inst................................................
End:.........................................................................................Tel............................
Patologia..................................................................................................................
Instruções: Esta pesquisa questiona você sobre sua saúde. Estas informações nos manterão
informados sobre como você se sente e quão bem você é capaz de fazer suas atividades de vida diária.
Responda a cada questão marcando a resposta como indicado.
1. Em geral, você diria que sua saúde é :
(circule uma)
Excelente
1
Muito boa
2
Boa
3
Ruim
4
Muito ruim
5
2. Comparada há um ano atrás, como você classificaria sua saúde em geral, agora?
(circule uma)
Muito melhor agora do que há um ano atrás
1
Um pouco melhor agora do que há um ano atrás
2
Quase a mesma de um ano atrás
3
Um pouco pior agora do que há um ano atrás
4
Muito pior agora do que há um ano atrás
5
172
3. Os seguintes itens são sobre atividades que você poderia fazer atualmente durante um dia comum.
Devido a sua saúde, você tem dificuldade para fazer essas atividades? Neste caso, quanto?
Atividades
a. Atividades vigorosas, que exigem muito esforço,
tais como correr, levantar objetos pesados, participar
em esportes árduos
b. Atividades moderadas, tais como mover uma mesa
, passar aspirador de pó, jogar bola, varrer a casa
c. Levantar ou carregar mantimentos
(circule um número em cada linha)
Sim.
Sim.
Não. Não
Dificulta
Dificulta
dificulta de
muito
um pouco
modo algum
1
2
3
1
2
3
1
2
3
d. Subir vários lances de escada
1
2
3
e. Subir um lance de escada
1
2
3
f. Curvar-se, ajoelhar-se ou dobrar-se
1
2
3
g. Andar mais de 1 quilômetro
1
2
3
h. Andar vários quarteirões
1
2
3
i. Andar um quarteirão
1
2
3
j. Tomar banho ou vestir-se
1
2
3
4. Durante as últimas 4 semanas, você teve algum dos seguintes problemas com o seu trabalho ou
com alguma atividade diária regular, como consequência de sua saúde física?
(circule uma em cada linha)
Sim
1
Não
2
b. Realizou menos tarefas do que você gostaria ?
1
2
c. Esteve limitado no seu tipo trabalho ou em outras atividades?
1
2
d. Teve dificuldade de fazer seu trabalho ou outras atividades
1
2
a. Você diminuiu a quantidade de tempo que se dedicava ao seu
trabalho ou a outras atividades?
(por exemplo: necessitou de um esforço extra)?
173
5. Durante as últimas 4 semanas, você teve algum dos seguintes problemas com o seu trabalho ou
outra atividade regular diária, como consequência de algum problema emocional (como sentir-se
deprimido ou ansioso) ?
(circule uma em cada linha)
Sim
Não
1
2
b. Realizou menos tarefas do que você gostaria ?
1
2
c. Não trabalhou ou não fez qualquer das atividades com tanto
1
2
a.Você diminuiu a quantidade de tempo que se dedicava ao
seu trabalho ou a outras atividades?
cuidado como geralmente faz ?
6. Durante as últimas 4 semanas, de que maneira sua saúde física ou problemas emocionais
interferiram nas suas atividades sociais normais, em relação à família, aos vizinhos, amigos ou em
grupo?
(circule uma)
De forma nenhuma
1
Ligeiramente
2
Moderadamente
3
Bastante
4
Extremamente
5
7. Quanta dor no corpo você teve durante as últimas 4 semanas?
(circule uma)
Nenhuma
1
Muito leve
2
Leve
3
Moderada
4
Grave
5
Muito grave
6
174
8. Durante as últimas 4 semanas, quanto a dor interferiu com o seu trabalho normal (incluindo tanto o
trabalho, fora de casa e dentro de casa)?
(circule uma)
De maneira alguma
1
Um pouco
2
Moderadamente
3
Bastante
4
Extremamente
5
9. Estas questões são sobre como você se sente e como tudo tem acontecido com você durante as
últimas 4 semanas. Para cada questão, por favor, dê uma resposta que mais se aproxime da maneira
como você se sente em relação às últimas 4 semanas.
Todo
tempo
a. Quanto tempo você tem se sentido
cheio de vigor, cheio de vontade, cheio
de força?
b. Quanto tempo você tem se sentido
uma pessoa muito nervosa?
c. Quanto tempo você tem se sentido
tão deprimido que nada pode animá-lo?
d. Quanto tempo você tem se sentido
calmo ou tranquilo?
e. Quanto tempo você tem se sentido
com muita energia?
f. Quanto tempo você tem se sentido
desanimado e abatido?
g. Quanto tempo você tem se sentido
esgotado?
h. Quanto tempo você tem se sentido
uma pessoa feliz?
i. Quanto tempo você tem se sentido
cansado?
1
(circule um número para cada linha)
A maior
Uma
Alguma
Uma
parte do
boa
parte do
pequena
tempo
parte do
tempo
parte do
tempo
tempo
2
3
4
5
Nunca
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
6
175
10. Durante as últimas 4 semanas, quanto do seu tempo a sua saúde física ou problemas emocionais
interferiram com as suas atividade sociais (como visitar amigos, parentes, etc.)?
(circule uma)
Todo o tempo
1
A maior parte do tempo
2
Alguma parte do tempo
3
Um pequena parte do tempo
4
Nenhuma parte do tempo
5
11. O quanto verdadeiro ou falso é cada uma das afirmações para você?
Definitivamente
verdadeiro
a. Eu costumo adoecer um
pouco mais facilmente do que as
outras pessoas
b. Eu sou tão saudável quanto
qualquer pessoa que eu conheço
c. Eu acho que a minha saúde
vai piorar
d. Minha saúde é excelente
(circule um número em cada linha)
A maioria
Não sei
A maioria
das vezes
das vezes
verdadeiro
falsa
Definitivamente
falsa
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
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