UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAMARA MARIA VIEIRA A INFLUÊNCIA DA SELIC NAS DECISÕES ESTRATÉGICAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS FLORIANÓPOLIS, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS DISCIPLINA: MONOGRAFIA - CNM 5420 PROJETO DE MONOGRAFIA PARA EXECUÇÃO NO SEMESTRE 2013.1 A INFLUÊNCIA DA TAXA SELIC NAS DECISÕES ESTRATÉGICAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS Monografia apresentada ao curso de Ciências conômicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito obrigatório à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Prof. Dr. Roberto Meurer FLORIANÓPOLIS, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS SAMARA MARIA VIEIRA A INFLUÊNCIA DA TAXA SELIC NAS DECISÕES ESTRATÉGICAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito obrigatório à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas. Data da aprovação: 15 / 07 / 2013 A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 8,5 à aluna Samara Vieira na disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho. Banca Examinadora: __________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Roberto Meurer _________________________________________ Professor: Helberte João França de Almeida _______________________________________ Professor: Francis Carlos Petterini Lourenço AGRADECIMENTOS À minha família, pois sem o apoio e a confiança necessária não teria atingido meus objetivos durante esta longa jornada. Ao meu pai Flory, minha inspiração de homem justo e batalhador. À minha tia, e ao mesmo tempo mãe, Iraci, pela tarefa de me educar e me amar como filha, nunca deixando que nada me faltasse nestes anos para minha formação. Ao meu Prof. Orientador, Roberto Meurer, por todo tempo alocado comigo e por dividir uma fração de seu vasto conhecimento me dando conselhos para que este trabalho fosse realizado. A todos outros professores que marcaram imensamente minha formação intelectual durante a graduação. Aos amigos da faculdade que viraram minha segunda família, os quais levarei para o resto da vida, que fizeram este período ser maravilhoso mesmo diante de todas as dificuldades. Por último e não menos importante, à Deus por ter colocado pessoas tão especiais no meu caminho e me proteger em qualquer lugar do mundo. “Capital as such is not evil; it is its wrong use that is evil. Capital in some form or other will always be needed.” Mahatma Gandhi RESUMO O presente estudo trata sobre a importância da Selic nas estratégias das instituições financeiras brasileiras, com foco no período de 1996-2010. Serão analisados os fatores macroeconômicos que determinaram a trajetória da taxa básica de juros neste período mencionado, assim como as respostas por parte das mencionadas instituições na alocação dos seus ativos em busca do melhor resultado do trade-off entre rentabilidade e risco para suas carteiras. Em uma análise com base nos dados coletados dos 10 maiores bancos poderemos analisar as diferenças entre o período de alta taxa real de juros e posteriormente, baixa taxa real, assim como a influência das políticas governamentais nos bancos públicos, grandes influenciadores do sistema financeiro brasileiro. Por fim, os desafios destas instituições ao gerir suas carteiras num momento de pressão para redução dos spreads e concomitantemente taxa Selic baixa e desaceleração da economia. Palavras chave: Instituições Financeiras, Taxa Selic, Taxa de juros, Bancos ABSTRACT The present study has the intention to analyze the Selic rate in the strategies of Brazilian financial institutions, focusing on the period from 1996-2010. Along this, there will be analysed the macroeconomic causes that defined the basic interest rate path through these mentioned years, as well as the reactions from the financial institutions in allocating it’s assets. Aiming to get a better performance, they purchase the best options within the trade-off between profitability and risk to their portfolios. Analysing the data collected from the 10 biggest Brazilian banks we wil be able to disguise the differences within the high real interest rates period, and afterwards the low real interest rates, as well as the government’s political power on the public banks, big influencers in the Brazilian financial system. Finally, the challenges faced by these institutions in managing their portfolio in a new scenario of pressure for spreads reduction and concurrently low Selic tax and the economy’s slowing down. Key-words: Financial Institutions, Selic tax, Interest rates, Banks. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................9 1.1 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................. 10 1. 2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 11 1.2.1 Objetivo Geral .................................................................................................................11 1.2.2 Objetivos Específicos .....................................................................................................11 1.3 METODOLOGIA............................................................................................................. 12 2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................13 2.1. SISTEMA FINANCEIRO ............................................................................................. 13 2.1.2 ESTRUTURA DE ATIVOS E PASSIVOS DOS BANCOS .........................................14 2.1.3 PREFERÊNCIA PELA RENTABILIDADE DOS BANCOS........................................16 2.1.3 ASSIMETRIA DE INFORMAÇÃO: SELEÇÃO ADVERSA E RISCO MORAL .....17 2.2. O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ................................................................... 20 2.2.1 A SELIC ..........................................................................................................................22 3. CONTEXTO MACROECONÔMICO......................................................................24 3.1 BREVE HISTÓRICO ..................................................................................................... 24 3.1.1 ABERTURA ECONÔMICA E INÍCIO DO PLANO REAL .........................................25 3.2 O GOVERNO FHC.......................................................................................................... 27 3.2.1 SISTEMA BANCÁRIO NOS ANOS 90 ........................................................................31 3.3 O GOVERNO LULA ....................................................................................................... 36 3.3.1 SISTEMA BANCÁRIO NO GOVERNO LULA ...........................................................40 4. ANÁLISE DO RESULTADO DOS BANCOS.................................................................44 4.1 Seleção da amostra ........................................................................................................... 44 4.2 Cenário de alta taxa de juros: 1996-2003 ....................................................................... 44 4.4 Cenário de baixa taxa de juros: 2004-2011 .................................................................... 48 4.5 O Spread Bancário ........................................................................................................... 50 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................53 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................54 APÊNDICE .................................................................................................................................57 9 1. INTRODUÇÃO Desde a estruturação do Plano Real em 1994, a taxa básica de juros tem sido uma das diretrizes fundamentais para o cumprimento das metas macroeconômicas brasileiras. Isto porque se comprovou que ela interfere diretamente na taxa de inflação, que foi e ainda é alvo de metas anuais rigorosas, depois do passado traumático de hiperinflação que os brasileiros sofreram nos anos 80 e início da década de 1990. As altas taxas de juros praticadas a partir de 1994, com objetivo de estabilizar a inflação e atrair capitais externos para controlar a balança comercial, deixaram algumas consequências negativas na economia brasileira no final da década mencionada, como a estagnação do crédito e o aumento significativo da dívida interna, que tem sua base na SELIC. (LOPES, J.C; ROSSETTI, J. P. 1998) Dado este breve contexto, para ser realizada uma análise do sistema bancário contemporâneo e suas estratégias, primeiramente será feita uma revisão da teoria acerca do funcionamento de um sistema financeiro, fatores microeconômicos como o modo com que os ativos e passivos são administrados pelos bancos e o que influencia na tomada de decisão dos mesmos, além de observar o ambiente institucional no qual os bancos brasileiros estão inseridos. A segunda parte do trabalho compreende uma abordagem histórica das duas últimas décadas, de modo que entenderemos o ambiente macroeconômico e suas alterações ao longo deste período que compreende o governo FHC e Lula, como políticas monetárias, fiscais, mudanças sociais, tendo uma seção reservada em que se discorre sobre o reflexo destas alterações no sistema bancário brasileiro, como estas instituições se reestruturaram nos cenários i) pós-inflacionário, ii) durante alta taxa de juros e iii) baixa taxa de juros. Na terceira seção será feita uma análise dos dados coletados do Banco Central, e através de gráficos, veremos de que forma as mudanças na taxa básica de juros se refletem nas estratégias das instituições financeiras. Verificaremos que sua relação com a taxa praticada pelo mercado não é de forma direta, mas que afeta profundamente o modo como esta instituição medirá o trade-off entre rentabilidade e liquidez. Estas últimas variáveis alteram, respectivamente, na proporção do risco que o banco está disposto a correr e qual o volume de crédito que irá ofertar. 10 1.1 JUSTIFICATIVA A taxa de juros sempre foi tema fundamental das Ciências Econômicas, pois afeta direta e profundamente a vida dos cidadãos e instituições nacionais e internacionais. Ela é uma das questões principais do planejamento econômico de um governo, uma vez que está atrelada intrinsecamente à política monetária, cambial e fiscal de um país. Em 1993 começou a ser executado o Plano Real, para conter a inflação e atrair recursos externos, e isto implicou numa taxa básica altíssima, na casa dos 20% a.a. e por muitos anos foi a maior taxa de juros mundial. Com o passar das décadas a estrutura monetária do país se estabilizou e tal fato foi possibilitando uma redução gradativa da SELIC sem causar danos à economia. (FEBRABAN) Hoje, porém, o cenário internacional turbulento que vivemos desde a crise de 2008 ainda não se estabilizou, e atualmente são refletidos pela crise na zona do euro, estagnação da economia norte-americana e desaceleração do crescimento das economias emergentes como Brasil e China. Para absorver esta crise o governo tomou uma série de medidas anticíclicas em 2012, assim como fez no final de 2009, e uma das medidas foi diminuir a taxa SELIC com o intuito de reduzir a taxa final do consumidor de modo a estimular o consumo das famílias e retomar o crescimento do PIB. No mencionado ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu em março a taxa de 9,75% a.a para 9%, com objetivo de baixar ainda mais até o final do ano. Esta queda sem resultar em inflação só está sendo possível porque a economia está num ambiente estagnado, então seria hora de aproveitar para colocar esta taxa em níveis mundiais equivalentes. (Valor Econômico, 28/03/2012) No entanto, no momento após esta decisão, uma discussão começou a ser formada quando a diminuição da taxa básica de juros não foi acompanhada pelos bancos comerciais na concessão de novos créditos. Esta resistência não foi bem vista pelo governo, que além de realizar várias reuniões com a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) para discutir sobre o assunto, resolveu reduzir as taxas dos bancos públicos “a fórceps”, para pressionar as instituições privadas a fazerem o mesmo. Neste contexto surge a necessidade de se fazer um estudo da situação do mercado creditício por vários ângulos, indo além da informação da mídia tradicional ou de fontes de conhecimento que são restritas sobre o assunto. É isto que pretendo mostrar ao longo do trabalho. 11 1. 2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Este trabalho tem como objetivo analisar o impacto da taxa básica de juros na tomada de decisão das instituições bancárias e financeiras brasileiras, de que forma ela atua direta e indiretamente no planejamento estratégico destas empresas e quais as outras variáveis financeiras e macroeconômicas analisadas em conjunto com a SELIC. 1.2.2 Objetivos Específicos a) Descrever a estrutura patrimonial das instituições financeiras, analisar a preferência pela rentabilidade dos bancos e como teoricamente suas decisões são tomadas e descrever o Sistema Financeiro Nacional e a Selic. b) Analisar as mudanças macroeconômicas ocorridas no Brasil durante o período de 1994 a 2010. c) Analisar o histórico da taxa básica de juros SELIC e das taxas de juros praticadas pelo mercado bancário no período indicado no item anterior, bem como o volume de crédito ofertado ao longo do tempo e as formas de alocação de ativos das instituições financeiras; d) Definir se há correlação entre a taxa SELIC e o volume de recursos destinado pelos 10 maiores bancos brasileiros para tesouraria e operações de crédito, e analisar conjuntamente os efeitos das informações do item c) na economia atual. 12 1.3 METODOLOGIA Segundo Bocchi (2004), método é o conjunto de etapas utilizadas para alcançar um resultado. Sendo assim, a pesquisa será descritiva, uma vez que a pesquisa descritiva observa, descreve, registra, analisa, interpreta e correlaciona fatos ou fenômenos atuais (LAKATOS; MARCONI, 2003).. Quanto à abordagem, será esta na maior parte do trabalho do tipo qualitativa, para descrever e analisar de forma aprofundada a problemática do impacto das alterações na taxa básica de juros sobre o planejamento estratégico das instituições bancárias. Quanto aos procedimentos, serão feitos através de pesquisa bibliográfica, tanto primárias, como dados dos sites governamentais, quanto secundárias, que serão livros, jornais, periódicos, relatórios, teses de mestrado e doutorado, e quaisquer outros materiais que contribuam com a pesquisa. A pesquisa será realizada através da análise crítica dos dados encontrados, de forma que se consiga demonstrar os reflexos da política monetária de juros no comportamento das instituições financeiras. Por fim, para se chegar a uma conclusão da relação entre os fatores estudados, será feita uma análise quantitativa para mensurar a relação entre as variáveis. 13 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. SISTEMA FINANCEIRO A necessidade de um sistema financeiro estruturado surge a partir do momento em que as sociedades evoluem economicamente a um ponto em que a moeda deixa de ser apenas uma unidade de conta e meio de pagamento para assumir uma nova função: a reserva de valor. De acordo com Mishkin (2000) a reserva de valor é utilizada para atender os interesses de quem possui moeda, mas não quer usá-la no momento. Mesmo tendo outros meios mais rentáveis, a moeda como meio de pagamento ainda é o ativo mais líquido que existe, não tendo nenhum custo de transação ou conversão para obtê-la, e desta forma os agentes que deixam de usá-la no presente requerem um preço futuro para compensar sua abdicação à liquidez. Do ponto de vista Keynesiano, no qual a acumulação de capital resultante no futuro depende do investimento que se faz no presente, o sistema financeiro tem papel fundamental para impulsionar o desenvolvimento do setor produtivo ao criar mecanismos que expandem esta capacidade de investimento e gerando emprego e renda. Isto torna os sistemas financeiros essenciais para a economia, ao passo que ligam agentes superavitários com os deficitários em intermediações de curto, médio e longo prazo, aumentando o bem estar social e expandindo a demanda agregada, seja por consumo ou investimento, sendo este último o mais efetivo para o desenvolvimento econômico de uma sociedade. Portanto, há uma correlação entre grau de desenvolvimento de uma nação e grau de modernização do seu sistema financeiro, visto que o aumento da produção e riqueza vai exigindo instrumentos cada vez mais sofisticados para realizar estas transações e, justamente por aumentar o dinamismo das trocas e reservas, fornece condições para aumentar o crescimento no ciclo seguinte. A função dos intermediadores neste processo é unir tais agentes da forma mais eficiente possível, e a peça chave é que os mesmos tenham confiança em deixar seu patrimônio ser administrado por estas instituições. As instituições intermediadoras também reduzem o custo de transação e risco porque, ao se especializar nestes serviços, vão criando uma economia de escala e também uma base de dados com informações destes clientes. O sistema financeiro é definido em cada país de acordo com seu nível de desenvolvimento, suas especificidades, relações entre as instituições, assim como os projetos do governo de alocação 14 de recursos. A dimensão deste sistema também dependerá do nível de déficits e superávits dos agentes da economia, e também do grau de risco que estão dispostos a assumir ao emprestar ou tomar empréstimos. Contudo, é fundamental para uma economia um mercado financeiro saudável, que transmita credibilidade e transparência em todas suas ações e diretrizes. (MISHKIN; CARVALHO, F. C.). 2.1.2 ESTRUTURA DE ATIVOS E PASSIVOS DOS BANCOS Para entender como os bancos atuam precisamos saber como é a estrutura de ativos e passivos dos mesmos, que podemos visualizar na Figura 1 a seguir. Segundo Carvalho et al. (2000), no balanço patrimonial dos bancos os Ativos consistem principalmente de empréstimos, títulos públicos e privados, reservas e patrimônio imobilizado. Figura 1 – Balancete Estilizado dos Bancos Comerciais ATIVO PASSIVO Empréstimos Reservas Bancárias Títulos públicos e privados Imobilizado Outras aplicações Passivo Monetário Total do Ativo Total do Passivo Depósitos à vista Passivo Não-Monetário Depósitos à prazo Empréstimos no exterior Redescontos e empréstimos Outras fontes Fonte: Carvalho et al. (2000, pg. 13) Reservas: Os bancos devem separar parte de seus ativos como reservas, seja por que o Bacen obriga os mesmos a manter reservas compulsórias, seja porque a própria instituição entende que deve manter uma quantia líquida para honrar com suas obrigações. A porcentagem de reservas é determinada por uma derivação da fórmula: k=1/r, onde k é o grau de multiplicador monetário e r, a taxa exigida a ser imobilizada pelo Bacen + reservas voluntárias, que cada banco define de acordo com o risco que deseja se expor. Nota-se que se r fosse igual a zero, o multiplicador seria infinito. 15 Empréstimos: Um empréstimo é um passivo para o agente que o toma, ao passo que é um ativo para o banco credor, pois é uma promessa de pagamento com juros posteriormente. Por exemplo, se um banco empresta R$100 para um cliente, esta quantia se transformará em depósito na conta dele, da qual este banco pode usar uma parcela para emprestar a outro demandante, e outra parcela deixa como reserva. Se a taxa de reserva for, por exemplo, 25%, o banco emprestará R$75 a este outro, que se transforma em depósito novamente. Deste modo, o sistema bancário tem a capacidade de aumentar endogenamente a oferta de moeda, devido ao chamado efeito multiplicador dos seus empréstimos. Resumidamente, o que acontece é a criação de depósitos através destes empréstimos de longo prazo. Uma instituição financeira monetária só assume este risco porque tem segurança que os depositantes não irão sacar todo seu dinheiro de uma vez só. Porém, ao mesmo tempo em que esta parte dos ativos é a mais rentável, é a que possui mais risco de inadimplência e, quando esta ultrapassa os níveis previstos provoca o descasamento de operações e possível default do banco em questão. Títulos: Este tipo de ativo também é interessante para o banco porque apesar de não ser tão rentável quanto empréstimos, o risco de não pagamento é mínimo e também possuem alta liquidez para serem negociados no mercado. Finalmente, a gestão dos ativos e a maior parte do faturamento destas instituições financeiras ocorrem de um lado através de operações de tesouraria, que engloba a gestão de títulos e valores mobiliários e operações interfinanceiras de liquidez, e por outro lado, nas operações de crédito nos seus mais variados segmentos. Quanto aos Passivos, estes se referem ao funding do banco, ou como ele capta recursos para direcioná-los e posteriormente obter seu spread1. Estes se resumem em recursos próprios, depósitos e empréstimos. Depósitos: Conforme observamos na tabela X, os depósitos são separados em à vista e à prazo. Os depósitos à vista ou em conta corrente e poupança são os recursos que os clientes aplicam e podem retirar a qualquer hora. É um passivo mais barato para o banco porque este geralmente não remunera os depositários (conta-corrente) ou o faz com juros mais baixos (poupança) justamente pela liquidez que oferecem. No entanto, geram custos administrativos por parte dos bancos para processar todas as operações, oferecer caixas (eletrônicos ou não), correios, talões e etc. Já os depósitos à prazo se caracterizam pelos CDB’s (Certificado de Depósito Bancário), que os bancos emitem com um prazo pré-fixado. Por isto o banco paga 1 O spread é definido como a diferença entre a taxa de captação dos bancos e taxa média cobrada em seus empréstimos. 16 um prêmio de risco maior aos seus clientes, mas ao mesmo tempo tem mais segurança contra resgates antes do prazo. Empréstimos: Estes podem ter diversas origens, como pelo governo, através do Redesconto, por meio das transações interbancárias ou com outras empresas nacionais ou internacionais. (Carvalho et al., 2000; MISHKIN, 1998) 2.1.3 PREFERÊNCIA PELA RENTABILIDADE DOS BANCOS Como vimos acima, a alocação de ativos e passivos é tarefa complexa e estratégica para estas instituições. Um dos mais importantes estudiosos a observar o comportamento dos bancos neste âmbito foi John M. Keynes. A teoria Keynesiana da preferência pela liquidez parte do conceito mencionado anteriormente de que a moeda deixa de ser apenas meio de pagamento e passa a ser reserva de valor. Sendo assim, os agentes que possuem moeda não estão dispostos a abrir mão dela no presente por ser o ativo mais líquido que existe, também por terem incerteza quanto ao que acontecerá no futuro. E para comprometê-la precisariam de uma recompensa: a taxa de juros. Segundo Keynes (1964) a taxa de juros, “é o preço que equilibra o desejo de reter moeda sob a forma de dinheiro com a quantidade disponível de dinheiro”. Esta taxa, ou “prêmio de liquidez” deve ser atrativa o suficiente para privar-se da liquidez, e pode ter valores diferenciados de acordo com o montante, com o grau de risco que o investimento pode ter e quão rápido poderia se converter em moeda novamente. Cardim de Carvalho (1989) argumenta que os ativos não são divididos entre totalmente líquidos e totalmente ilíquidos, mas que liquidez é uma questão de grau (pg 08), ou seja, é possível montar vários patamares combinando o trade-off risco e rentabilidade. A preferência pela liquidez dos bancos seria a equalização de rentabilidade versus reservas. A rentabilidade trazendo consigo a possibilidade de correr risco com o não pagamento dos empréstimos, por outro lado o nível estipulado de reserva de moeda ociosa que a instituição manterá, em caso de incerteza. Keynes (1936 apud CARVALHO, 2007) explica que “quando os banqueiros sentem que um movimento especulativo ou um boom de comércio pode estar chegando a uma fase perigosa, examinam mais criticamente a segurança por trás de seus ativos menos líquidos, e tentam se mover, até onde podem para uma posição mais líquida”. Isto é que explica o fato de, em tempos de contração da economia, o banco ter 17 preferência por liquidez diminuindo recursos destinados a empréstimos, optando por manter reservas ociosas, como explica Paula: “Os bancos demandam aplicações mais líquidas, apesar de menos lucrativas, em função da incerteza sobre as condições que vigoram no futuro, o que pode levar a um aumento em sua preferência pela liquidez, ocasionando, consequentemente, um redirecionamento em sua estrutura de ativos. Moeda legal e ativos líquidos [...] representam um instrumento de proteção à incerteza e de redução dos riscos intrínsecos à atividade bancária. A retenção de ativos líquidos permite aos bancos manter opções abertas, inclusive para especular no futuro.” PAULA, 1999 Já o economista Fernando Nogueira da Costa (2006) nomeia este comportamento como preferência pela rentabilidade, já que os bancos, enquanto agentes racionais estão sempre em busca da maximização de seus lucros e mesmo a moeda ociosa tem custo de oportunidade. Levando isto em conta, Costa define como os prazos e tipos de aplicações são administradas pelos bancos: “Ao longo do ciclo de crédito, na retomada da expansão, há uma tendência de declínio da taxa de juros. Logo, espera-se que os juros no presente estejam acima do que estarão no futuro. Nesta situação, a atitude racional maximizadora da rentabilidade é os bancos alongarem o prazo de seus empréstimos e encurtarem o prazo de suas captações prefixadas. Assim, estarão sempre renovando sua captação a taxas de juros cada vez mais baixas e ampliando seu spread – diferença entre as taxas de empréstimo e as taxas de captação.” (COSTA, Pg 460). Assim como no período de expansão, os bancos procuram ampliar seu spread no início de recessão, quando a taxa de juros encontra-se em níveis abaixo dos projetados para o futuro, os bancos negociam sua captação com prazo maior, ao passo que tentam diminuir o prazo dos empréstimos que concedem. Como qualquer outra empresa do sistema capitalista, os bancos buscam rentabilidade, porém estão mais expostos ao risco, e assim se preocupam mais com as expectativas do desempenho da economia no futuro. Por conseguinte, muitas vezes suas expectativas acabam sendo os propulsores tanto de booms quanto de crises sistêmicas, ou seja, saindo do circuito financeiro para impactar no setor produtivo. 2.1.3 ASSIMETRIA DE INFORMAÇÃO: SELEÇÃO ADVERSA E RISCO MORAL Um dos fatores que elevam o risco das instituições financeiras é o fato de existir informação assimétrica entre credor e tomador de crédito. Ou seja, a informação não é 18 distribuída de maneira uniforme, uma vez que o agente que demanda o empréstimo sabe de fato das suas reais condições de pagamento, podendo encobrir uma série de informações que seriam relevantes para a aprovação ou recusa de seu cadastro. Esta assimetria também contribui para a formação da taxa de juros, de modo que as instituições não conseguem diferenciar ex-ante quem serão os bons pagadores dos maus pagadores, tendo que estabelecer uma taxa uniforme para todos os demandantes de crédito para determinado segmento. Esta situação resulta na chamada seleção adversa inibe os bons pagadores e estimula os agentes de mais risco a tomar crédito. Isto se reflete também no comportamento das instituições de terem taxas parecidas, pois se uma estiver muito acima da curva, com taxas mais altas, acaba por atrair somente os maus pagadores, que estão dispostos a pagar esta diferença, pois tiveram seu cadastro recusado nas instituições com melhor preço. Posteriormente à concessão de crédito, também surge o risco moral, significando que, após ter adquirido o bem com empréstimo do banco, este indivíduo esteja predisposto a correr mais riscos em sua gestão financeira doméstica e, portanto, mais propenso a não honrar suas dívidas. No Brasil, este risco é potencializado pelo arcabouço judicial, porque quando as instituições recorrem à justiça para recuperar o valor, esta tende a defender os inadimplentes e aplicar “justiça social”, ao invés das cláusulas do contrato. (MISHKIN, LOYOLA, 2009) Mas como os bancos, sabendo deste fato, podem se proteger dos riscos da informação assimétrica? Segundo Mishkin (2000), há diversas ferramentas que podem mitigar estes riscos, como i) produção privada e venda de informação; ii) regulamentação governamental; iii) uso de garantias nas cláusulas contratuais. A primeira forma de reduzir os prejuízos da informação assimétrica foi com as instituições financeiras criando um setor de Riscos interno para medir o padrão de bom cliente e mau cliente, com base nos índices anteriores de inadimplência e nas características/informações em comum que estes maus pagadores tinham em seu cadastro. Deste modo, os bancos conseguem criar um modelo de Credit Scoring, no qual o cliente terá determinado número de “pontos” de acordo com as informações que dispôs. Com esta chamada filtragem, o demandante de crédito não tem como saber quais fatores lhe serão benéficos ou não na análise de crédito tornando difícil burlar o sistema. Ainda no âmbito de produção de venda de informação, é importante existir agências especializadas em coletar informações das pessoas físicas e jurídicas, sendo que no Brasil podemos destacar a atuação da Serasa Experian como agência de Bureau de crédito, instituição independente que armazena e padroniza bancos de dados privados, captando informações das mais diversas 19 empresas e, posteriormente determinando rating de crédito para os agentes desta base. (SERASA) Em segundo lugar, a regulação e fiscalização governamental é essencial para garantir maior segurança no mercado de crédito bancário e diminuir custos com assimetria de informação. Tendo em vista estas necessidades, a primeira Central de Risco de Crédito de nível nacional foi criada na Alemanha, em 1934, seguida posteriormente por diversos países da Europa e América Latina, até a adoção deste sistema pelo Banco Central do Brasil, em 1997 pela Resolução nº 2.390 do CMN, substituída em 2000 pela Resolução nº 2724, onde é constituído o Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR). No SCR são armazenadas as informações de operações de crédito, avais e limite de crédito concedido pelas instituições financeiras do país, seja a pessoas físicas ou jurídicas. Esta base é alimentada mensalmente pelas instituições, e inicialmente o Bacen controlava operações com valor a partir de R$50 mil reais, sendo este valor diminuído gradativamente até a última alteração ser consolidada julho de 20122, na qual são monitoradas valores iguais ou superiores a R$1 mil reais. Em 2008, outra mudança importante foi a disponibilização de intercâmbio de informações entre as instituições financeiras sobre o montante de débitos e operações de crédito3 dos clientes, conforme Resolução nº 3658, inciso II do art. 2º. Isto facilitou a obtenção de informações dos clientes que não possuíam histórico em determinada instituição financeira, pois esta passa a ter acesso às operações do cliente no sistema financeiro como um todo, e deste modo pode mensurar de forma mais eficiente o grau de risco do cliente em questão. (BACEN) Em terceiro lugar, para corrigir alguns problemas legais e de risco moral (ex-post ao crédito), as cláusulas judiciais e definição de garantias contratuais também foram modificados no Brasil com as reformas de 1999, sendo que as mais relevantes foram: a criação da Cédula de Crédito Bancário (CCB), a Alienação Fiduciária e a Reforma da Lei de Falências. A CCB surge no lugar dos contratos de operações de crédito, e por se tratar de um título executivo judicial, torna mais fácil a cobrança em processos judiciais, reduzindo o custo de crédito. A lei também torna legítima a capitalização de juros (cobrança de juros compostos) nas CCB’s 2 Divulgada pela Circular nº 3567 pelo Banco Central Conforme art. 3º da Resolução nº 3658, são consideradas operações de crédito: i) empréstimos e 3 financiamentos; ii) adiantamentos; iii) operações de arrendamento mercantil iv) coobrigações e garantias prestadas; v) operações baixadas como prejuízo e créditos contratados com recursos a liberar; demais operações que impliquem risco de crédito,inclusive aquelas que tenham sido objeto de negociação com retenção substancial de riscos e de benefícios ou de controle. 20 que tiverem período inferior a um ano. Quanto à alienação fiduciária, trata-se de uma forma de estabelecer uma garantia nas operações de crédito, pois se porventura o agente devedor não honrar seus compromissos, o credor tem o direito de usar o patrimônio alienado para cobrir o valor da dívida e os custos referentes a este processo, devolvendo, se houver, o saldo remanescente ao devedor. Por fim, a Reforma da lei de Falências foi importante porque passa a assegurar de forma mais efetiva a garantia contratual dos credores em caso de insolvência das empresas, garantindo assim que as pessoas jurídicas desfrutem de crédito mais baixo no mercado. (DENARDIN, A. e NETO, G.B., 2011) 2.2. O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL A estrutura do Sistema Financeiro Nacional é dividida primeiramente em duas partes: o Subsistema Normativo e o Subsistema de intermediação, e dentro deste último estão as entidades Operadoras do sistema. Abaixo na Figura 2 consta o organograma com os agentes que serão abordados no presente estudo: Figura 2 – Organização do Sistema Financeiro Nacional Instituições Financ. Captadoras de Dep. À vista Bancos Múltiplos com carteira comercial Bancos Comerciais Caixa Econômica Federal Cooperativas de crédito Outros Intermediários Financeiros Administradoras de Consórcio Soc. De Arrendamento Mercantil BANCO CENTRAL CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL Soc. Corretoras de câmbio Soc. Corretoras de títulos e valores mobiliários Soc. Distribuidoras de títulos e valores mobiliários Demais Instituições Financeiras Agências de Fomento Associações de poupança e Empréstimo Bancos de Câmbio Bancos de Desenvolvimentos BNDES Companhias Hipotecárias 21 Cooperativas Centrais de crédito Soc. De Crédito, Financiamento e Investimento Soc. De Crédito Imobiliário Soc. De Credito ao Microempreendedor COMISSÃO DE VALORES MOBILÁRIOS Bolsas de Mercadorias e Futuros Bolsa de Valores Fonte: Bacen; Adaptado pela autora O sistema normativo é composto pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é o órgão responsável pela definição dos objetivos da política monetária, creditícia e cambial do País. Através dele são estabelecidas as regras que controlam o volume de moeda, equilibram a balanço de pagamentos interno e externo do país e regulamentam as políticas do sistema financeiro em geral. O Banco Central é o órgão executivo do CMN e supervisor dos Operadores, a ele cabe fiscalizar as instituições financeiras, emitir papel-moeda, emitir títulos públicos, controlar o crédito e os fluxos internos e externos de capitais. Cabe à instituição utilizar os seguintes instrumentos monetários: Depósito Compulsório: Consiste nos depósitos obrigatórios sobre os depósitos à vista e sobre recursos de terceiros que os bancos devem depositar no Bacen. Assim o governo controla o multiplicador monetário, com políticas expansionistas ou contracionistas, de acordo com seus objetivos econômicos. Redesconto: Até 1996, o redesconto consistia unicamente no empréstimo emergencial do Bacen às instituições financeiras, e era visto com maus olhos pelo mercado, representando dificuldades de liquidez por parte da instituição demandante, depois desta já ter recorrido a todas as opções regulares de financiamento, desde recursos do público não bancário, títulos públicos e do mercado interbancário. Depois de 1996, além deste crédito emergencial às instituições com desequilíbrios temporários, uma nova linha de crédito foi ofertada como mais uma opção normal de captação dos bancos, com custo em geral inferior à taxa Selic/over. (Relatório BACEN) Operações de mercado aberto: Conforme Mishkin (2003) argumenta, as operações de open Market são a principal ferramenta para regular diariamente a taxa de juros e a oferta de moeda, conforme será demonstrado posteriormente. Controle e seleção do crédito: São as políticas monetárias que visam beneficiar ou restringir o acesso ao crédito a certos setores da economia, como uma flexibilização dos 22 prazos ou obrigatoriedades impostas como, por exemplo, no crédito agrícola. (LOPES e ROSSETTI) Outro órgão executivo do Sistema Financeiro Nacional consiste na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que foi criada em 1976 para regular e fiscalizar o mercado de capitais, emissão e intermediação dos valores mobiliários, derivativos e todos os produtos e operações das Bolsas de Valores. Quanto aos agentes operadores, podemos observar que há uma variedade de tipos de bancos e sociedades de crédito, e se dividem entre instituições monetárias e não monetárias. As primeiras são assim denominadas porque transformam depósitos à vista em novos empréstimos, gerando moeda escritural sob o mecanismo de multiplicador monetário que vimos anteriormente. Dentro desta categoria os principais são os bancos comerciais, caixas econômicas e cooperativas de crédito. As instituições não monetárias, por sua vez, captam recursos através de emissão de títulos e não multiplicam moeda. Neste último segmento, os agentes mais relevantes são os bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, entre outros. Contudo, através da Resolução 1.524/88 do CMN, ficou determinado que os grupos que atuassem em vários destes segmentos, poderiam se unificar em um único CNPJ e caracterizar um banco múltiplo, sendo que a condição era possuir pelo menos duas das carteiras, ou comercial, ou de investimento. 2.2.1 A SELIC Podemos definir a Selic tanto como o Sistema de Liquidação ou como a Taxa Selic, e dentro desta última, há uma diferenciação entre Selic Meta, Selic Over e Selic Obervada. O Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), criado em novembro de 1979 é um dos Sistemas de Liquidação que fazem parte do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) do Banco Central que controla a negociação de títulos públicos federais entre as instituições financeiras autorizadas. As transações dentro deste sistema são feitas através de Liquidação Bruta em Tempo Real (LBTR), ou seja, a transferência de títulos do agente vendedor é feita para o agente comprador, ao passo que o valor é creditado ao primeiro, tudo 23 simultaneamente. Dados do Bacen de dezembro de 2011 mostram que diariamente são transacionados R$ 362 bilhões entre compra e venda destes títulos. Já a taxa Selic Meta, é um índice de juros definido pelo Copom (Comitê de Política Monetária). Este comitê foi criado em 1996 e tem a responsabilidade de aplicar diretrizes para que as metas de inflação estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) sejam cumpridas. Cabe também ao Copom publicar periodicamente o Relatório de Inflação, que analisa o panorama econômico do Brasil, podendo fazer projeções de inflação e determinar um viés de tolerância para esta. Isto dá autonomia ao Banco Central para alterar a meta da taxa Selic caso a meta de inflação saia dos parâmetros almejados pelo governo. As operações do Selic Over são realizadas com referência na Selic Meta, equalizando assim as taxas das operações diárias e mais importantes do sistema financeiro. O índice de taxa Selic Over é a média ponderada diária da taxa de juros negociada com títulos públicos nas transações overnight entre instituições financeiras, com seu preço girando em torno da Selic Meta. O Bacen pode interferir nestas transações para manter o equilíbrio desejado das taxas de juro de curto prazo, seja resgatando títulos para aumentar a oferta e diminuir a taxa básica ou vendendo títulos, diminuindo assim a liquidez e aumentando a mencionada taxa. O índice Selic Over, por sua vez será usado como referência para o mercado interbancário de títulos privados. (FORTUNA; BACEN) Dentro da dinâmica de operações interbancárias, foi criado o CDI (Certificado de Depósito Interbancário), que é usado como balizador dos títulos privados emitidos pelas instituições financeiras, sendo os CDB’s ( Certificados de Depósitos Bancários) os mais conhecidos. A taxa destes depósitos interbancários pode ser prefixada ou pós-fixada, sendo geralmente operações de curtíssimo prazo, de um dia para outro. A taxa do CDI tem como referência a taxa relacionada à Selic Over dos títulos públicos negociados, e serve tanto como referência para os bancos medirem o custo de oportunidade como indexador das aplicações financeiras. Então como podemos observar na Tabela 1 abaixo, o custo de captação (funding) dos bancos do mercado interbancário sempre gira em torno da Selic Over, que por sua vez fica sempre próxima da taxa Selic meta determinada pelo Copom. Tabela 1 – Média anual das taxas de juros (em % ao ano) Data 2000 2001 SELIC (meta) 17,44 17,63 Selic L. No mês anualizada (over) 17,59 17,47 CDI (over) 17,47 17,43 24 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 19,48 23,08 16,44 19,15 15,06 11,98 12,54 9,79 10,00 11,63 8,62 19,11 23,37 16,24 19,12 15,28 11,98 12,36 10,06 9,80 11,67 8,63 19,05 23,27 16,17 19,07 15,23 11,92 12,25 10,01 9,78 11,64 8,39 Fonte: Bacen 3. CONTEXTO MACROECONÔMICO 3.1 BREVE HISTÓRICO Para entendermos o comportamento dos bancos no Brasil é necessário antes um estudo sobre os acontecimentos macroeconômicos que o país sofreu nas duas últimas décadas, com ênfase nos governos FHC e Lula. No entanto, faremos um breve histórico desde os anos 80 para melhor compreensão do contexto político, econômico e social no qual Fernando Henrique Cardoso encontra ao assumir a presidência em 1994. A década de 1980 é chamada de década perdida pelos economistas devido a muitos fatores, entre os quais podemos destacar: i) estagnação do crescimento e hiperinflação, ii) queda da renda per capita em -0,6% a.a; iii) 2º choque de petróleo de 1979; iv) crise de pagamento da dívida externa; v) baixos níveis de produtividade na indústria e atraso tecnológico. O segundo choque de petróleo em 1979 fez com que os EUA mudassem sua postura no cenário mundial de forma a reafirmar sua hegemonia, aumentando as taxas de juros internacionais e restringindo crédito. Isto vai causar um impacto forte na balança de pagamentos dos países periféricos, que se utilizaram do financiamento externo com fins de investimento para compensar a falta de poupança interna. Para aumentar as exportações e estimular a produção interna dos bens de consumo, o governo anunciou uma maxidesvalorização cambial de 30% em 1979, e isto provocou reajuste dos produtos importados e também do petróleo, causando pressão inflacionária. Esta inflação obrigou o 25 governo a encurtar o período de reajuste dos preços dos produtos, serviços e salários, que será o fator primordial para o caráter inercial da inflação no Brasil, uma vez que os agentes fazem suas projeções futuras de inflação com base nos índices anteriores da mesma. Durante os anos 1970, período do “milagre econômico”, a inflação era vista como um mal suportável, consequente do crescimento da economia. No entanto, os desequilíbrios externos fazem com que os níveis de inflação subam exponencialmente nos anos 80 sem o correspondente crescimento, sendo que no final de 1985 a taxa já se encontrava em patamares elevados, alcançando 242% ao ano. A dificuldade de controlar a inflação fez o governo lançar vários planos de estabilização, iniciando com o Cruzado (1986), Cruzado II (1986), Bresser (1987), Feijão com arroz (1988), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). Todos eles tinham como denominador comum o congelamento de preços, e um controle temporário de seus níveis, seguido posteriormente de pressão de demanda e retorno da inflação cada vez mais acelerada, tornando esta dinâmica um fator crônico na economia brasileira, como se observa no gráfico a seguir: Gráfico 1: Inflação acumulada (% ao ano) nos anos 1980 e início dos anos 1990 Fonte: Ipeadata; Elaborado pela autora 3.1.1 ABERTURA ECONÔMICA E INÍCIO DO PLANO REAL Os dois anos de governo Collor foram um marco na história do Brasil, porque foram caracterizados por uma ruptura na condução da política baseada na alta participação do 26 estado, pela liberalização comercial e financeira, e pelo início do processo de privatizações no país, seguindo as regras do Consenso de Washington4. No âmbito financeiro, a queda de barreiras e adaptação regulatória do sistema financeiro às diretrizes internacionais promoveu as bases para o aumento do fluxo de investimento estrangeiro no país, que mais tarde serão úteis para o sucesso do Plano Real. No entanto, esta abertura comercial não significou prosperidade econômica, visto que com o plano de estabilização Collor I (que confiscou 80% da liquidez nacional e promoveu arrocho salarial) o país entra em profunda recessão além da taxa de inflação se manter em patamares elevados, acumulando em 1991 um índice de 472,6% a.a. (IPEADATA). Estes fatores aliados à opinião pública de Collor vão provocar seu impeachment em setembro de 1992, assumindo a presidência o vice Itamar Franco no mês seguinte. Em 1993 o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso começa a implantar o novo plano de estabilização que se provará o mais bem sucedido no combate à inflação. Diferentemente dos anteriores, o Plano Real rejeitou a ideia de congelamento de preços e se concentrou em três fases: ajuste fiscal, indexação dos preços à URV e reforma monetária. Para a execução da primeira fase foi criado o PAI (Programa de Ação Imediata), que cortou gastos e diminuiu transferências para os estados, ao passo que criou o Fundo Social de Emergência (FSE), que concentrava 20% da arrecadação geral de impostos e que na verdade não tinha nenhuma função “social”, uma vez que sua real função era ter fundos para pagar os altos juros da dívida pública e não o de destiná-lo à área social. Criou-se também o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF5) para aumentar a arrecadação. (SOUZA L. L.,2008) A segunda fase do plano consistia eliminar a memória inflacionária de forma diferente, simulando efeitos de uma hiperinflação sem de fato sofrê-la, reajustando os preços diariamente a uma unidade de referência, que será denominada URV, Unidade Real de Valor e tinha paridade de 1 URV para 1 dólar. A dinâmica é explicada por Gremaud, (2002, pg 451) “Assim, instituiu-se um sistema bimonetário em que a URV funcionava como unidade de conta, expressando o preço das mercadorias, mas as transações eram liquidadas em cruzeiro real. [...] Com isto, a inflação 4 O Consenso de Washington, organizado pelos EUA, FMI e Banco Mundial tinham o objetivo de propagar ideias neoliberais e estabelecer acordos na America Latina, preconizando o surgimento da ALCA (Área de Livre Comercio na America Latina) para pressionar comercialmente Japão e União Européia. (SOUZA, 2008) 5 O IPMF tratava-se de uma taxa de 0,25% em todas as operações financeiras, tinha um enorme efeito cascata, inibia o fluxo de operações e aumentava taxas de juros. 27 persistia na moeda em circulação (CR$), mas não na unidade de conta, cujo valor era corrigido pela própria inflação da moeda ruim.” Em julho de 1994 é introduzido o Real como nova moeda, num ambiente de abertura comercial, e um estoque considerável de reservas, que deu condições para estabelecer a “âncora cambial” nominal, que consistia na paridade semifixa em relação ao dólar a fim de manter a estabilização com a moeda valorizada e desindexada de qualquer índice de preços. Semifixa porque estipulava um teto superior, mas não um inferior, ou seja, provocava minidesvalorizações quando o câmbio atingia mais que R$1,00/US$1,00. Enquanto isto, a chamada “âncora monetária” tinha o objetivo de controlar a demanda, na qual o governo aplicou políticas restritivas, estabelecendo depósito compulsório de 100% das captações marginais dos bancos, deixando as taxas de juros elevadas e controlando o multiplicador monetário. O resultado destas políticas foi que a inflação deixou os patamares insustentáveis como o de 2.477% ao ano em 1993 e 916% ao ano em 1994 e até hoje segue em níveis controlados. (IBGE; GREMAUD, 2002) 3.2 O GOVERNO FHC O governo de Fernando Henrique Cardoso é marcado pelo sucesso em gerar estabilidade no índice de inflação com o Plano Real, mas o custo de mantê-la desencadeou várias outras instabilidades macroeconômicas que veremos nesta seção. Também será visto o processo de privatizações e a mudança de âncora cambial para metas de inflação na política macroeconômica brasileira. Sob a ótica do consumo, apesar do esforço do Estado para controlá-la, houve um aumento deste no período pós-plano, porque apesar as altas taxas de juros as instituições financeiras se viram atraídas a conceder empréstimos, tanto por terem perdido suas receitas inflacionárias, quanto por poderem precificar uma taxa de juros de longo prazo dentro de uma economia estabilizada, enquanto as famílias provocaram um “boom” de consumo no primeiro ano de plano depois de muito tempo de demanda reprimida pela inflação, e também porque passaram a se sentir mais seguros ao tomar empréstimos porque podiam prever uma renda futura sem o efeito devastador da queda real de seus salários. Isto prova a inelasticidade do consumidor brasileiro ao preço do crédito. As empresas também puderam, a partir desta fase, projetar seus investimentos e, mesmo que timidamente, tomar empréstimos devido à estabilidade e demanda aquecida. 28 Além disto, os preços de produtos importados estavam atrativos devido ao câmbio, e à queda de barreiras tarifárias, o que ajudou a melhorar a oferta e controlar os preços internos evitando a inflação. No entanto, isto alterou a balança de pagamentos no Brasil, que passou a ter os bens de consumo como principal item de importação, o que não sustenta posteriormente o pagamento do déficit gerado. Outro efeito decorrente do câmbio valorizado e redução de barreiras tarifárias foi a perda de competitividade dos produtores brasileiros tanto no cenário nacional devido ao estrangulamento no investimento provocado pela alta taxa de juros, quanto no internacional, devido ao câmbio dificultar o preço das exportações, o que provoca déficits em transações correntes. Avança-se também, no período de 1995 o plano de desestatização, visando deixar sob controle privado vários setores que até os anos 80 eram considerados estratégicos ao Estado, como as telecomunicações, energia, transporte, petróleo e mineração. Com a aprovação das PEC’s (Propostas de Emenda Constitucional) no Congresso, o governo conseguiu tirar o domínio inteiramente público que estes setores tinham e conceder participação de capital estrangeiro aos mesmos. Assim, em 1996 começa transferindo a concessão de ferrovias e de eletricidade para o capital privado. Em 1997 privatiza a Companhia Vale do Rio Doce, assim como inicializa a de telefonia e acelera a de estatais elétricas em 1998. Estes três anos (1995 a 1998) foram os principais na história de privatizações brasileiras, principalmente repassando ao setor estrangeiro, que podem ser comprovadas pelo aumento do investimento direto de US$ 10 bilhões em 1995 para US$ 30,5 bilhões em 2000. (SOUZA, 2008) Este modelo de âncora cambial garantiu estabilização da inflação, mas por outro lado causou outras instabilidades, que por sua vez foram potencializadas pelas crises em outros países emergentes ao longo dos anos 90. A crise no México (1995), na Ásia (1997) e na Rússia (1998) vão prejudicar o Brasil com ataques especulativos, que resultam em grandes perdas de reservas internacionais, visto que o Brasil opta por manter o câmbio valorizado em detrimento do risco de uma desvalorização do Real retomar o processo inflacionário. A desvalorização resultante do câmbio flutuante aumenta o valor das dívidas domésticas feitas no exterior. Como alternativa, em cada uma destas crises externas o governo aumenta a taxa de juros bruscamente, como podemos observar no Gráfico 2 abaixo: Gráfico 2: Taxa Selic Over nominal – 1995 a 2003 (% ao mês) 29 Fonte: Ipeadata Tal fato substituiu o risco inflacionário pelo risco de juros, devido às abruptas mudanças desta taxa causarem perdas nos agentes que já detinham títulos públicos. A elevação da taxa Selic ao longo de 2001, que iniciou em janeiro a 15,25% ao ano e terminou em 19% a.a. fez a a taxa de investimento das empresas cair, de 7,9% em 2000, para 5,4% em 2001 e 0,8% em 2002. (GREMAUD, 2002; OLIVEIRA, 2009) Porém, esta estratégia chega ao limite com a crise Russa em 1998, quando de setembro a outubro ocorre uma queda nas reservas de USS$ 1 bilhão por dia, e leva o país a pedir ajuda ao FMI e passar a adotar o câmbio flutuante no ano seguinte. Podemos observar que o resultado da política macroeconômica combinando juros elevados e abertura ao capital externo num contexto de instabilidade internacional, foi a elevação da dívida pública. A estratégia do governo de elevar a taxa de juros a cada crise, para conter a fuga de capitais fazia com que emitisse títulos da dívida cada vez mais onerosos, elevando a dívida/PIB de 29,5% em 1995 para 48,5% em 1999 (Grafico 3). Gráfico 3 – Evolução da Dívida Líquida Pública (% PIB) 30 Fonte: Bacen De acordo com Oreiro (2004, pg. 10), a proteção a estes fluxos de capitais de curto prazo também provoca uma alta vulnerabilidade externa, à medida que qualquer mudança de expectativa dos investidores gera “uma reversão súbita do fluxo de capitais de curto prazo [...] resulta em depreciação da taxa nominal de câmbio, aumento da inflação e retração do nível de atividade econômica”. Esta proteção aos fluxos de capitais acaba gerando fragilidade das políticas macroeconômicas e principalmente, penalizam o setor produtivo em detrimento da especulação financeira. A adoção do câmbio flutuante em 1999 muda a postura de controle da inflação no Brasil, que passa da âncora cambial para a política de Metas de Inflação. Trata-se de um método pragmático para controle de inflação, com sua referência na regra de Taylor6, onde se estabelece uma taxa quantitativa e explícita para a mesma, neste caso a taxa básica Selic. É definida pelo Copom, de forma periódica, mediante relatório divulgado publicamente analisando a conjuntura econômica e justificando resultados caso não fiquem dentro do esperado. Se esta variação na inflação esteve acima do nível estipulado, é aplicada uma medida restritiva, aumentando a Selic para controlar a demanda e se ficar abaixo, consequentemente o Copom reduz a taxa de juros. (BRESSER PEREIRA, 2005; BACEN) O segundo mandato de FHC é marcado então pelo tripé de controle macroeconômico (câmbio flutuante + metas de inflação + superávit primário). O câmbio desvalorizado favoreceu um aumento nas exportações, que combinados a um aumento da carga tributária 7, reforma previdenciária e queda da taxa de juros parecem projetar um alívio nas contas públicas, incentivando os investimentos em 2000. No entanto, no ano seguinte uma série de eventos vai interromper este processo: a crise energética, fim da bolha especulativa no mercado de capitais internacional, crise na Argentina e o ataque ao World Trade Center nos EUA. Em cada momento de instabilidade mundial ocorria evasão de capitais no Brasil, dada a 6 A equação de Taylor, usada como base para os Bancos Centrais que atuam sob o regime de Metas de inflação é dada por: j= j* + φ (Y – Y*) + γ (π – π*) + δ , onde j é a taxa nominal, j* é a taxa de equilíbrio, (Y – Y*) é o hiato do produto (diferença entre PIB efetivo e PIB potencial), (π – π*) seria a diferença entre a inflação observada e a meta estipulada e δ, um erro estocástico. A partir desta equação, conclui-se que o Bacen deve elevar a taxa de juros de equilíbrio j* caso a inflação esteja acima da meta ou o produto (Y) acima do potencial (Y), e baixar a taxa, caso o contrário ocorra, dentro dos pesos estimados para cada variável ( Y e π) . (BRESSER PEREIRA, pg 222) 7 As maiores mudanças fiscais foram: a aprovação no Congresso da CPMF (Contribuição Provisória sobre movimentação Financeira) substituindo a IPMF, agora com alíquota de 0,38%, aumento do Cofins de 2 para 3%, e cobrança previdenciária dos inativos e pensionistas. 31 sua natureza especulativa, e isto causava pressões cambiais e deixava o país em situação de dominância fiscal, conforme Gremaud (2002, pg 488) explica: “As pressões cambiais geravam pressões inflacionarias, que eram acompanhadas por elevações nas taxas de juros e maior elevação da dívida pública, dado o perfil da dívida. Isto eleva o risco-país, gerando mais pressões cambiais e inflacionárias. Configurou-se uma situação em que a elevação da taxa de juros para combater a inflação gerava seu oposto, ou seja, novas pressões inflacionárias.” Para cumprir as metas de inflação, o controle dos preços foi garantido através de um rígido ajuste fiscal, promovendo a rolagem da dívida através de superávits primários e outras receitas, principalmente a de privatizações. Em suma, o governo FHC foi caracterizado pela preocupação em controlar a inflação e aumentar o rating do risco-país ao custo de políticas contracionistas que inibiram o crescimento econômico (média de 2,6% ao ano, muito abaixo da média mundial) e a taxa de investimento. O alto endividamento externo deixava o país vulnerável quaisquer crises internacionais, provocando os chamados “vôos de galinha”, em que o crescimento era comprometido para controlar a balança de pagamentos. Este fraco desempenho também foi resultado dos choques externos na economia mundial nos anos 90, principalmente economias emergentes citadas anteriormente e na Argentina em 2001. Enquanto alguns consideram os anos 90 como mais uma década perdida, Giambiagi (2005) considera como um período de ajustes: cambial, monetário e fiscal que juntamente com as privatizações vão deixar o país mais competitivo e alinhado com o cenário externo. 3.2.1 SISTEMA BANCÁRIO NOS ANOS 90 Depois de passar por uma década de instabilidade econômica, as reformas do plano Real a partir de 1993 e seu sucesso em controlar a inflação deixaram exposta a ineficiência operacional dos bancos brasileiros. Durante a década de 1980, os bancos haviam se adaptado à hiperinflação e estes se viram com problemas de solvência e falta de estrutura para se adaptar à nova realidade da economia sem alterações abruptas de preços. Sem as receitas com o floating, que correspondiam em média a 30% do faturamento total, as instituições tiveram de reorientar sua estratégia e expandir a oferta de crédito, naquela época sem um setor de riscos e sem mecanismos de informação sobre o histórico dos clientes. O aumento de juros em 32 função da crise Mexicana no final de 1994 e a exigência maior de recolhimento compulsório deixaram os bancos debilitados, juntamente com a inadimplência em ascensão por conta do custo de capital começou a provocar falência de algumas instituições. Neste contexto de fragilidade bancária e risco sistêmico que causaria no resto da economia, em 1995 o governo lança através da Medida Provisória nº 1.179 e a Resolução nº 2.208 o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro), que consistia num conjunto de medidas para recuperar o setor, das quais se destacam: i) fusões e privatizações, principalmente dos bancos estaduais, tornando o mercado mais concentrado em menor número de instituições; ii) abertura às instituições estrangeiras para aumentar a concorrência; iii) melhor regulação e fiscalização do Bacen, além de maiores exigências de capital dos bancos. Para socorrer as instituições problemáticas que não tinham condições de se reestruturar sozinhas e que futuramente poderiam provocar uma crise generalizada, o Bacen dispunha de dois métodos: o primeiro consistia na separação entre “banco bom” e “banco ruim”, ou seja, separar os ativos saudáveis dos nocivos, e posteriormente incorporar os ativos bons à outra instituição, podendo incluir transferência societária e operacional, enquanto os ativos ruins eram liquidados extrajudicialmente pelo Bacen. O segundo método, voltado para bancos de médio e pequeno porte, onde o banco em risco é simplesmente incorporado a outro banco, tendo o PROER a função de garantir liquidez em caso de saques e viabilizar novas operações de crédito da instituição adquirente. Segundo os autores, sete instituições8 tiveram respaldo do programa para fusões e aquisições e o saldo total gasto com operações do PROER foi de R$20,4 bilhões. No âmbito de prevenção contra riscos futuros, fez parte do PROER a criação do FGC (Fundo Garantidor de Crédito), instituição que tem o objetivo de proteger os depositantes e investidores do mercado financeiro provendo uma cobertura de até R$20.000,00 por depositante sobre depósitos e outros ativos, em caso de default da instituição financeira. (MAIA, 2003; ZAINA, 2005; BACEN) Um ano após o Proer, surge o Proes (Programa de incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), possuía o objetivo de reduzir a participação do governo estadual em seus bancos, que já não tinham bom desempenho desde a época de alta inflação. O grande problema destas instituições é que estavam intrinsecamente ligados à dívida pública de seus estados, uma vez que estes recorriam a seus bancos para buscar fontes de recursos, o que provocava descapitalização e comprometia sua liquidez. Sendo assim o 8 Foram elas: Banco Nacional, Banco Econômico, Banco Mercantil, Banco Banorte, Banco Martinelli, Banco United e Banco Bamerindus do Brasil. 33 governo federal aproveitou este momento frágil para pressionar a privatização destes bancos ineficientes e potencializar a liberalização financeira. Ao todo treze bancos foram privatizados, sendo que o Banespa (Banco do Estado de São Paulo) foi o principal deles, ao qual o governo destinou US$26 bilhões para sanar suas dívidas. A partir de 1995 também podemos notar o aumento da participação dos bancos estrangeiros (tabela abaixo) no sistema financeiro brasileiro. A entrada deles era justificada pelo governo e pelos analistas para impulsionar a queda das taxas de juros de todo sistema bancário, uma vez que estimularia a concorrência destes agentes e os levaria a oferecer preços mais competitivos para brigar por participação de mercado. No entanto, não foi isto que aconteceu na prática: os bancos estrangeiros viram um cenário onde os bancos nacionais já estavam consolidados, preparados e com avançado conhecimento do consumidor brasileiro. Além de conhecer sistema bancário, as instituições deveriam conhecer as especificidades trabalhistas brasileiras, por exemplo. Apesar de haver um processo de desnacionalização bancária, como mostra na tabela abaixo os 8,35% de participação de bancos estrangeiros na economia nacional em 1994 frente aos 18,38% em 1998, estas instituições fugiram da concorrência no varejo junto aos grandes bancos privados nacionais, como Itaú e Bradesco e se concentraram nas classes de renda mais alta. Tabela 2: Participação % das instituições por controle de capital nos ativos totais do setor bancário: INSTITUIÇÃO 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Bcos com Controle Estrangeiro 8,35 7,16 8,39 9,79 12,82 18,38 Bcos Privados 40,67 41,21 39,16 39 36,76 35,29 Bcos Públicos (+ Caixa Estadual) 13,41 18,17 21,9 21,92 19,06 11,37 CEF 14,51 14,98 16,4 16,47 16,57 17,02 BB 22,93 18,28 13,91 12,52 14,42 17,44 0,13 0,2 0,24 0,3 0,37 0,5 100 100 100 100 100 100 Cooperativas de Crédito Total Fonte: Cosif – Bacen Além disto, em 1994 os bancos passaram por um processo para adequar-se às regras do Comitê de Basiléia, que consiste em um acordo para estabelecer um padrão internacional de regulação nas instituições financeiras. Primeiramente foi estabelecido um índice de 34 solvabilidade mínima9, que consiste num percentual do patrimônio líquido exigível dos bancos, o qual no Brasil foi estabelecido em 11%, acima do nível internacional (8%). O fenômeno de concentração bancária se desenvolveu naturalmente ao longo da história, ao passo que a busca destas instituições pela maior fatia dos depósitos, empréstimos e patrimônio dos agentes são um instinto de sobrevivência por parte delas. Esta concentração está ligada diretamente ao conceito microeconômico de economia de escala, na qual o objetivo é aumentar o volume de produção para reduzir os custos. No caso dos bancos, estes investiram fortemente em tecnologia da informação, que no Brasil começou a ser aprimorado nos anos 80 e 90 para evitar perdas inflacionárias. Desenvolveram hardwares e softwares, sistemas de processamento capazes de fazer o dinheiro ter a velocidade da qual precisava em momento de inflação que se tornaram referência mundial em tecnologia bancária. Além disto, outra saída para cobrir a perda com as receitas da inflação, foi a cobrança de tarifas para os diversos serviços ofertados pelos bancos: as tarifas passam de representar 0,46% das receitas totais em 1993 para 5,27% em 1998. (FEBRABAN) As mudanças fundamentais no sistema bancário mesmo ocorrem no pós-1999, juntamente com a mudança de câmbio (fixo para flexível), política fiscal e metas de superávit primário. A internacionalização do mercado financeiro permitiu inovações na forma de captação de passivos e gerenciamento de ativos dos bancos e reduziu de certa forma o controle do Banco Central sobre crédito bancário e oferta doméstica de moeda. O crescimento da dívida levou à emissão de títulos públicos e à negociação secundária deles, tomando o lugar dos tradicionais títulos de dívida privada dos bancos, os CDB’s (Cédula de crédito Bancário) na composição de fundos de investimento. Além do mais, o comportamento previsível do Banco Central a cada choque de taxa de juros nos anos 90 fez com que os bancos antecipassem suas ações, e assim o mercado acabava controlando o Banco Central, conforme argumenta Costa (2012, pg 415): “Quando a taxa de juros subia, o valor de mercado dos papéis prefixados, negociáveis no mercado, caía. Entretanto, sabia-se que o Banco Central – preocupado com a possibilidade de crise financeira – sempre reagiria, seja prestando assistência financeira de liquidez aos intermediários financeiros, seja através das operações de open-market. Sob estas circunstâncias, as reservas bancárias eram determinadas endogenamente, pois a autoridade monetária atuava para estabilizar o mercado financeiro, acomodando as necessidades dos bancos por reservas adequadas à cobertura de seus empréstimos criadores de depósitos.” 9 Este índice ficou conhecido como Índice de Basileia, corresponde à relação entre o patrimônio líquido e os ativos ponderados pelo risco 35 Outra mudança ocorrida foi a criação do SPB em 2002, e foi imprescindível para reduzir o risco sistêmico no sistema financeiro. Durante o dia, todos os agentes econômicos fazem transações uns com outros entre as várias instituições financeiras, transferindo débitos e créditos, e ao final do dia, desequilibrando o fluxo de caixa dos bancos. Bancos deficitários e superavitários, que vão equilibrar suas contas através do mercado interbancário. A diferença é que os títulos são descontados em tempo real, portanto, se um dos agentes de determinada operação não tiver garantia suficiente para efetivá-la, o processo é cancelado na hora, evitando com que a instituição com problemas espalhe para o resto do mercado seu risco. No âmbito empresarial, as TED’s (Transferência eletrônica Disponível) para valores a partir de R$ 5 mil dinamizaram a economia, trazendo mais segurança para os agentes, com os valores transferidos quase simultaneamente entre estes. O SPB também contribuiu para a concentração bancária, uma vez que para um banco tinha que ter escala para sustentar este sistema. Para finalizar esta seção, nota-se que os anos 90 foram para o sistema bancário um período de ajustes: liquidação e fusão de grandes bancos privados nacionais, privatização de bancos estaduais, reestruturação patrimonial das instituições públicas, desnacionalização e progressiva concentração bancária. Já em relação ao volume de crédito, o mesmo encolheu em proporção ao PIB durante este período, devido às altas oscilações na economia e aos altos patamares de juros deste período, que fizeram com que em 1995 a taxa média de inadimplência batesse recorde de 13%. Por conseguinte, a razão crédito/PIB sai de 37% em 1995 e chega ao “piso” de 23,9%/PIB em 2002, conforme vemos no gráfico abaixo: Gráfico 4 : Relação entre Crédito/PIB no período de 1994 a 2002 Fonte: Bacen 36 No entanto, os ajustes mencionados foram fundamentais para viabilizar a próxima etapa do sistema financeiro no governo Lula. 3.3 O GOVERNO LULA A chegada de Lula ao poder em 2003 foi marcada por um período eleitoral conturbado no ano anterior. O histórico sindicalista e o partido de esquerda que estava afiliado, bem como os discursos inflados a favor da moratória da dívida externa na candidatura do então candidato causou desconfianças no cenário internacional, que foram nitidamente refletidas no mercado financeiro. O risco país, que girava em torno de 700 pontos no início de 2002, em outubro alcançara 2000 pontos. Neste mesmo período a taxa de câmbio aumentou de R$/2,32US$ para R$/3,89US$. Com este aumento do dólar, a inflação também ficou em um patamar muito acima do planejado, com a variação efetiva do IPCA em 12,53% ante os 3,5% a.a definidos no início de 2002, conforme Gráfico 5. Gráfico 5 – Meta de Inflação e Inflação efetiva ao ano (IPCA) Fonte: Banco Central, adaptado pela autora Enquanto isto, no âmbito político as mudanças no tom ideológico do PT foram percebidas ao longo da campanha, como na Carta ao Povo Brasileiro, em que o partido promete cumprir as políticas macroeconômicas vigentes, a nota ao FMI garantindo que o país irá honrar suas dívidas e a sinalização de Antonio Palocci, político influente, como Ministro da Fazenda. Ao tomar posse em 2003 o governo foi coerente com a Carta, tomando decisões 37 que deram continuidade a várias políticas do FHC. Nomeou Henrique Meirelles como presidente do Banco Central, cujo trabalho no mercado financeiro tinha credibilidade. Aumentou a meta de superávit primário controlando demais gastos e renovou acordo com FMI. Todas estas medidas acalmaram e recuperaram a confiança dos agentes econômicos. Por fim, para controlar a demanda agregada e consequentemente a pressão sob os preços, lançou mão de política restritiva e aumentou a Selic de 18% para 25% a.a., conforme observamos no gráfico 6: Gráfico 6 - Taxa de juros SELIC Nominal x Real (% ao ano) – Banco Central Fonte: Bacen Em 2003, as políticas macroeconômicas mostram um resultado positivo ao final do ano. Como podemos conferir no Gráfico 5, depois de um turbulento ano que foi 2002, a inflação fica dentro da meta em todos os anos posteriores. Isto em parte por ajuda do excesso de liquidez externa devido à baixa taxa de juros nos EUA (na verdade pode-se inverter esta ordem de causalidade), que de 2003 a 2008 teve taxa real de 0,6% a.a, ao passo que no Brasil para o mesmo período a rentabilidade média real foi de 9,76% ao ano. Quanto ao superávit primário, importante política de FHC para controlar demanda agregada e o índice de inflação, a estratégia é mantida e, além disto, aumenta de 3,5% do PIB em 2002 para 4,35% em 2005. Tal comportamento é criticado por Paulino (2010, pg 424), ao argumentar que este superávit é fundamentado por impostos e direcionado aos juros da dívida pública e favorecem o mercado financeiro, “que encontraram no serviço da dívida pública a forma ideal de reprodução parasitária”. Souza (2008) complementa esta opinião ao expor a justificativa de Palocci, então 38 ministro da Fazenda, de que a taxa de juros devia se manter alta mesmo com os saldos positivos da balança comercial, de forma a manter os capitais no mercado interno para garantir a rolagem da dívida pública. O que muitos economistas argumentam é que o bom desempenho da economia na era Lula foi propiciado em maior parte pelo cenário externo favorável, com o boom das exportações e preços das commodities, do que por mudanças estruturais na política econômica em relação ao FHC. A mudança nas relações diplomáticas do governo Lula, que ao sair do eixo norte-americano, retomou a Política Externa Independente e diversificou suas relações políticas e comerciais com países do Oriente Médio, África do Sul, BRIC’s (China, Índia e Rússia), além de destacar o Mercosul como parceiro estratégico também foram importantes para o sucesso do comércio exterior neste período. De fato, o crescimento acelerado da China e dos EUA neste período impulsionou as exportações brasileiras, que de 2003 estavam em US$73 bilhões para alcançar US$160 bilhões em 2007. Este superávit contínuo e crescente nas transações correntes, juntamente com entrada de capitais devido à taxa de juros atrativa elevaram significativamente as reservas internacionais de US$49,2 bilhões em 2003 para US$288 bilhões em 2010, como podemos observar no gráfico abaixo: Gráfico 7 – Reservas Internacionais – liquidez internacional em US$ (milhões) Fonte: Bacen Esta entrada considerável de dólares e reservas e a melhor performance na balança de pagamentos comercial provocou consequentemente uma apreciação do câmbio, juntamente com a entrada de investimento direto externo no Brasil. No período de 2003 a 2008, a 39 valorização real da taxa de câmbio no Brasil foi de 44% em relação ao dólar. Em contrapartida, este câmbio valorizado desestimulou o investimento no setor produtivo, diminuindo a competitividade destes produtos no comércio exterior com a combinação de câmbio valorizado, taxa de juros alta e falta de investimento em infraestrutura. Entretanto, a partir do final de 2005 não havia mais justificativas para as taxas de juros em níveis tão diferenciados dos mundiais: a inflação encontrava-se baixa e sobre controle, o Risco Brasil em 2006 girava em torno de 200 pontos, os saldos comerciais eram positivos, assim como o cenário externo. A partir do segundo mandato de Lula em 2006, como podemos verificar no gráfico 6 anterior, inicia-se um tímido processo de redução de juros no país, com a Selic nominal caindo de 18% a.a em dez/2005 para 11,25% a.a. em dez/2007, tendo taxas reais de 12,6% e 7%, respectivamente. Este movimento se estabiliza na ata da 130º Reunião do Copom, em outubro de 2007, na qual o órgão reconhece que “diante das incertezas associadas ao mecanismo de transmissão da política monetária e ao ritmo de crescimento da oferta e demanda agregadas, o Copom resolveu fazer uma pausa no processo de flexibilização da política monetária”. Mesmo com os índices de inflação ao longo do ano dentro da meta, a conjuntura do período na qual se somava expansão de crédito e da massa salarial, aumento das transferências governamentais e corte de juros, poderia causar descontroles inflacionários futuros e que a estabilização da taxa de juros era uma medida preventiva, segundo o Copom. Muitos autores sugerem que houve continuidade entre as políticas de FHC e Lula, mas no entanto, segundo Paulino et al. (2010), o governo Lula mostrou diferenças significativas quanto à interferência estatal em relação ao FHC nas áreas do setor público: fortaleceu empresas públicas como Petrobrás, Eletrobrás e Banco do Brasil, estabeleceu planejamento energético com o Ministério de minas e Energia e devolveu ao BNDES o verdadeiro papel de banco de desenvolvimento; enviou propostas de reforma tributária e previdenciária ao Congresso. Expandiu gastos com as universidades, ampliando e contratando mais professores; consolidou o Bolsa Família como programa social e ampliou sua atuação, de 3,7 milhões de famílias para 11,1 milhões em 2006, juntamente com o valor do benefício. Destaca-se também, em virtude de todas estas mudanças na área social e do aumento real do salário e de trabalhadores com carteira assinada, que houve melhora na distribuição de renda do país: a classe AB, que tinha proporção 15% do total em 2005 passou para 21% em 2010, e a classe C deixa os 34% que detinha em 2005 para se tornar o nível de renda dominante do Brasil em 2010, com 53% da população nesta categoria, ao passo que a proporção mais pobre, classe D cai de 51% para 25% neste mesmo período. 40 Cabe também destacar as medidas do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento criado em 2007, para estimular o investimento privado, ampliar o investimento público em infraestrutura com o objetivo de melhorar a qualidade do gasto público. O programa desonerou os gastos em relação à construção civil, desde os materiais de construção até o financiamento dos imóveis, alimentou a geração de empregos e a demanda interna no país. De fato, a taxa de investimento em relação ao PIB sobe de 16,4% em 2006 para 19,1% em 2008. Todos estes fatores corroboraram para que o Brasil não sofresse tão profundamente os prejuízos da crise financeira internacional que atingiu principalmente os países desenvolvidos em 2008. No ano seguinte, a redução da demanda externa ameaça o otimismo brasileiro e então o governo lança várias políticas anticíclicas para manter a demanda interna aquecida, dentre as quais as principais foram: a redução do IPI para bens de consumo duráveis (carros e eletrodomésticos), concessões de especiais de crédito do BNDES para setores de exportação, energia e petróleo, setor produtivo e de inovação tecnológica, e diversos recursos e desoneração para aquisição de computadores na área pública e privada. Incentivando a iniciativa privada e o crédito mais uma vez, e assim os mercados internacionais mantêm a confiança no país. (Ministério da Fazenda, 2012) Para fechar este capítulo, podemos concluir que os dois mandatos de Lula foram distintos em termos de políticas econômicas: no primeiro as medidas foram mais restritivas, preocupando-se com as Metas de Inflação, mantendo a Selic alta, e preservando a subordinação ao FMI e suas recomendações de política fiscal austera, por conta do contrato recém-realizado em 2002. Já no segundo mandato, com a troca do Ministro da Fazenda e o aumento das reservas que deixaram o país menos refém das instituições internacionais, iniciase o processo de queda de taxa básica de juros, a retomada do investimento público e privado e criação de políticas anticíclicas para evitar para lidar com a crise de 2008. A introdução de projetos como o PAC e transferência de renda, juntamente com a onda de otimismo no comércio internacional até a crise, fez com que o governo Lula apresentasse resultados no PIB bem melhores que seu antecessor: enquanto a média de crescimento do PIB (base móvel) foi de 1,5% ao ano no governo FHC, nos mandatos de Lula o aumento foi de 3,9% ao ano. 3.3.1 SISTEMA BANCÁRIO NO GOVERNO LULA O sistema bancário da era Lula foi marcado por uma mudança profunda no volume e tipo de crédito ofertado no país. E os principais fatores para isto foram: a bancarização da 41 população, o surgimento do crédito consignado e do microcrédito, assim como a volta do plano de financiamento habitacional. Com os bancos reestruturados e “saudáveis” novamente e com o aumento da renda real das famílias, era o momento de retomar a concessão de crédito e a estabilidade macroeconômica dava segurança para tal empreitada. A queda da taxa de juros, juntamente com medidas do PAC em relação a estímulo do crédito e financiamento 10 principalmente para pessoas físicas foram essenciais para impulsionar este aumento. O volume de crédito, como observamos o Gráfico 8 abaixo, sai de R$418 bi em 2002, para R$2 trilhões em 2011, representando respectivamente 23,8% e 48,5% do PIB. Gráfico 8: Volume de crédito livre e direcionado (valores nominais) – em R$ milhões Fonte: Banco Central – elaborado pela autora Primeiramente, com relação à bancarização da população, ou seja, o acesso bancário à população de todas as camadas sociais e regiões do Brasil, esta conseguiu ser realizada graças aos “correspondentes não bancários” e à abertura de contas simplificadas. Estes correspondentes faziam parte do comércio das pequenas cidades, correios e loterias da Caixa, assim além de suas funções normais, também recebiam conta de água e luz, efetuavam pagamentos de benefícios sociais, entre outros. E assim, os moradores das pequenas cidades não precisavam se deslocar a outras regiões e o comércio local foi fortalecido. Em 2007, já havia 84.332 correspondentes não bancários que pulverizavam o trabalho das 18.308 agências de instituições financeiras pelo Brasil. Além disso, a popularização do Programa da Conta 10 Medidas de estímulo ao crédito: a) Concessão pela União de crédito à Caixa Econômica Federal (CEF) para aplicação em saneamento e habitação;b) Ampliação do limite de crédito do setor público para investimentos em saneamento ambiental e habitação;c) Criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura com recursos do FGTS;d) Elevação da Liquidez do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR);e) Redução da TJLP - já implementada;f) Redução dos Spreads do BNDES para Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Urbano (03/08/2012, Portal Brasil) 42 Simplificada11, criada em 2003 e a disponibilização mais acessível dos cartões de crédito/débito resolveram dois problemas de uma vez: a disponibilidade de papel-moeda e a difícil tarefa de transportá-la em um país tão grande. Em segundo lugar, o surgimento do consignado como crédito popular foi uma inovação brasileira que se moldou muito bem à cultura local. Este produto financeiro criado através da Lei nº 10.953 em 2004, com desconto direto na folha de pagamento, a começar pelos aposentados, pensionistas e funcionários públicos, foi se estendendo para outras empresas e para os bancos esta modalidade significou uma garantia mais segura de pagamento futuro. O consignado puxou o aumento das concessões com recursos livres a pessoas físicas em 2005, que apresentou taxa de 38,4% ao ano. Só este tipo de crédito liberou no mesmo ano, R$11,5 bilhões aos beneficiários do INSS. Além disto, apresentava taxas médias atrativas para pessoas físicas, por exemplo, de 30,5% ao ano em 2007, frente à média de 43,94% no mercado. O fácil acesso da sociedade de renda reduzida a este tipo de crédito, as taxas acessíveis e o baixo nível de inadimplência nesta categoria promoveram o seu sucesso, que fez os bancos privados também disputarem uma parcela no market-share deste mercado que hoje (Jan/2013) movimenta R$192,4 bilhões. (Relatório Anual, Bacen) Seguindo para o próximo fator de expansão, a partir de 2004 o governo toma a decisão acertada de incentivar o crédito de qualidade, isto é, ao invés do empréstimo pessoal para consumo passageiro, resolve direcionar o crédito de longo prazo e que agregasse valor em vários setores diferentes da economia. Desse modo revitalizou-se o crédito habitacional novamente, com a Caixa Econômica Federal tomando a frente desta mudança, lançou novos produtos, aumentou prazos e diminuiu juros12, facilitou o seu sistema de contratação e promoveu “feirões” da casa própria até o momento presente. O retorno do financiamento habitacional como uma das prioridades do PAC fez com que este mercado crescesse 44,5% em 2011, depois de 51,1% em 2010 e de 45,2% em 2009. A propósito, os bancos públicos foram a peça-chave para manter o investimento com crédito direcionado em setores que “puxavam” a economia no período pós-crise 2008, conforme é mencionado no relatório do IEDI13(2012): 11 Costa (2012, pg 418) destaca a importância social destas medidas: “Em um país com alta concentração de renda, das acesso aos bancos era o mesmo que dar cidadania, uma vez que a democratização do acesso ao crédito bancário promove o crescimento econômico”. 12 Em 2002, as condições eram de até R$80mil, juros de 12% a.a. com prazo de 120 meses para uma renda de 12 salários mínimos. Já em 2007 o prazo passou para 300 meses, com juros de 9 a 10%a.a. e renda exigida de 7 salários. 13 Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial 43 “A CEF no crédito habitacional, o BNDES no crédito à infraestrutura e inovação tecnológica e o BB no crédito rural garantem a oferta de crédito a esses setores de alto risco ou baixo retorno, cuja demanda de crédito não é atendida pelos bancos privados a partir de recursos de tesouraria, independentemente da fase do ciclo econômico.” Além da função de manter a função mais “eficiente” para a economia como instituição financeira, estas empresas públicas ainda tinham a função estratégica para o governo de reduzir o custo de crédito de modo geral com spreads menores, de forma que as instituições privadas invariavelmente seriam obrigadas a fazer o mesmo para acompanhar a tendência, devido à presença sólida da CEF e BB no market-share dos bancos comerciais. Gráfico 9- Taxa média de juros cobrada pelos bancos comerciais (% ao ano) Fonte: Bacen. Elaborado pela autora No gráfico acima consta a trajetória das taxas médias cobradas ao consumidor. A tendência à queda só é quebrada em momentos críticos, como a pré-eleição de Lula, a crise mundial de 2008 e as medidas macroprudenciais feitas em 2010 para controlar a inflação. 44 4. ANÁLISE DO RESULTADO DOS BANCOS 4.1 Seleção da amostra O comportamento da distribuição de ativos no período pós-plano Real será analisado com base na coleta, no site do Banco Central dos Balanços Consolidados das 10 maiores instituições financeiras presentes no Brasil, no período de 1996 a 201114, de modo que possamos identificar o período de alta e baixa taxa básica de juros. Este número de instituições já é o bastante pois o Sistema Financeiro Brasileiro é bastante concentrado, sendo que cerca 85% do total de todos os ativos estão localizados somente nestes 10 bancos. Os principais dados extraídos serão: Quantidade de Ativos, Ativos em Operações com Títulos e Valores Mobiliários (Tesouraria) e Ativos em Operações de Crédito e Arrendamento Mercantil. Por conseguinte, também foi coletado no site do Banco Central o histórico de taxa Selic Meta e no site do IBGE o índice de inflação, neste caso usado o IPCA15 por ser o mais conveniente para o estudo. Com estes dois últimos índices foi possível calcular a taxa Selic Real, que veremos em breve. Como vimos no capítulo 1, para a tomada de decisão de como destinar os ativos de um banco entre operações de tesouraria e operações de crédito são levadas em conta não somente sua expectativa de retorno, mas ao cenário macroeconômico de um dado período e suas expectativas. 4.2 Cenário de alta taxa de juros: 1996-2003 A necessidade por parte do governo de fazer a rolagem da dívida pública desde os anos 90 causou uma forma especial de os bancos efetuarem o seu funding aqui no Brasil. Ao invés da tradicional captação privada através depósitos a prazo e poupança, foram mantidos estoques da dívida pública brasileira e com isto, as instituições financeiras descobriram uma forma segura e ao mesmo tempo rentável de aplicação. Conforme vemos na tabela abaixo, os 14 As maiores aqui são classificadas de acordo com seu Patrimônio Líquido. Maiores instituições podem variar ao longo dos anos, pois algumas se extinguiram ou foram incorporadas a outros bancos durante o período. 15 “O IPCA abrange pesquisa de preço tendo como unidade de coleta estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, concessionária de serviços públicos e domicílios (para levantamento de aluguel e condomínio). abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 40 (quarenta) salários-mínimos, e residentes nas áreas urbanas das regiões.” (IBGE) 45 rendimentos eram muito atrativos com taxa real de juros chegando a 27,5% a.a. em 1998, por exemplo. Tabela 4: Taxa Selic Over Real % ao Ano – Período de 1996 a 2003 ANO 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 TAXA SELIC REAL 15,977 16,675 27,520 17,013 10,817 9,242 6,175 12,610 Fonte: Bacen e IBGE. Elaborado pela autora Outro fator importante para esta escolha foi o alto grau de liquidez que os títulos públicos tinham, e diante do clima instável de crises externas (México, Ásia, Rússia) na década de 90 e estagnação do poder de compra no mercado interno com inadimplência fora do controle, este comportamento fazia todo sentido para as empresas financeiras. Com todos estes fatores a favor, (liquidez, alta rentabilidade, baixo risco) é racional do ponto de vista microeconômico que qualquer empresa escolha por este tipo de ativo. Podemos visualizar melhor com o gráfico 10 abaixo que após o boom de crédito de 1995/1996, a grande inadimplência resultante fez os bancos retomarem postura conservadora e em alguns anos como 2001 e 2002 destinar mais parte do total de seus ativos em Tesouraria, totalizando 32,5% e 29,9%, respectivamente. Gráfico 10 – Relação entre Operações de Tesouraria e Operações de Crédito do Ativo Total – 1996 a 2003. (Em R$ milhões)** 46 *Fonte: Banco Central. Elaborado pela autora. **Todos os valores estão a preços constantes de 2011. 1996 = 100 Na verdade, as decisões de captação de dívida pública por estes fundos de investimento podem também ser explicados pela chinese wall, na qual os ativos dos clientes são geridos de forma totalmente independente do resto das operações dos bancos. Ou seja, esta atratividade nas operações com títulos substituiu o circuito Keynesiano de funding que se traduz em Empréstimos > Investimento > Renda > Poupança > Funding para o circuito estritamente financeiro. Os bancos, por sua vez, não ficaram descontentes com este desvio de investimento em detrimento de seus próprios produtos oferecidos. Isto porque, segundo Costa (2012) estavam sendo bem pagos com taxas de administração equivalentes a 1,5% do PIB brasileiro por ano, uma taxa média de 2,6% cobrada para fazer um trabalho sem muito valor agregado, basicamente burocrático de comprar e vender títulos. Observe na Tabela 3, que as instituições financeiras públicas foram os principais carregadores da dívida. Depois das reformas do PROER e PROES, e da “limpeza” nos ativos destes bancos no período pós-plano real até 2003, os bancos públicos conseguiram voltar a ter resultados positivos nos seus balanços, mas a oferta de crédito estava restrita. Ou seja, tinham um bom desempenho microeconômico mas haviam esquecido da sua função macrossocial, que compreende multiplicar e aumentar a renda da sociedade como um todo. Tabela 3: Estrutura do Ativo dos 10 maiores bancos do Brasil em 2002 Instituições BB CEF BRADESCO Control e Público Público Privado Ativo Total R$ 341.386.344 R$ 214.278.027 R$ 198.486.824 TVM e Instrumentos % Oper. Créd. E % Ativo Financ Ativo Arrend. Derivativos Mercantil R$ 118.375.009 34,67% R$ 91.250.623 26,73% R$ 95.723.312 44,67% R$ 37.935.004 17,70% R$ 27.390.589 13,80% R$ 72.043.713 36,30% 47 ITAU UNIBANCO SANTANDER BANESPA ABN AMRO CITIBANK NOSSA CAIXA HSBC Privado Privado R$ 179.735.668 R$ 118.307.791 Privado Privado Privado Público Privado R$ 91.131.208 R$ 60.783.710 R$ 47.139.714 R$ 47.743.039 R$ 41.304.288 R$ 33.481.704 18,63% R$ 56.045.405 R$ 25.726.201 21,75% R$ 36.068.046 31,18% 30,49% R$ 34.378.221 R$ 14.322.341 R$ 13.987.479 R$ 29.041.047 R$ 9.440.022 23,27% 41,09% 26,02% 12,46% 30,24% 37,72% 23,56% 29,67% 60,83% 22,85% R$ 21.203.202 R$ 24.978.322 R$ 12.267.982 R$ 5.948.739 R$ 12.489.545 Fonte: Bacen. Elaborado pela autora No que se refere às receitas (Gráfico 12), é importante ressaltar que mesmo com o considerável montante de ativos destinado à títulos, a boa remuneração e o baixo risco, em nenhum dos anos analisados a receita com Tesouraria superou a receita com Operações de crédito, o que sugere que o potencial do resultado seria melhor se fosse destinado mais recursos para estes últimos no portfólio dos bancos. Mas seria muito arriscado em meio a tanta instabilidade na economia, e os bancos estavam numa situação confortável, pois tinham ao mesmo tempo boa rentabilidade e liquidez com títulos, contrariando o cenário descrito no referencial teórico do presente estudo. “O problema não é uma suposta natureza especialmente anti-social das firmas bancárias, é simplesmente o resultado de uma combinação imbatível de incentivos que estimula o desinteresse pela oferta de crédito. [...] Finalmente, as linhas de crédito que existem para consumidores e investidores privados, além de limitadas, são extremamente caras. Assim, se estabelece o paradoxo brasileiro, um quadro em que se possui um sistema financeiro fortemente competitivo e, no entanto, amplamente disfuncional, incapaz de exercer seu papel de apoiador da atividade produtiva. (CARVALHO, 2005) Sendo assim, os empréstimos se concentraram como de curto prazo, financiando consumo, a taxas muito altas, pois “o custo de oportunidade” de não realizar empréstimos não tinha muita relevância frente a estas outras opções de produtos. Gráfico 11 - Receitas em Operações de TVM x Operações de Crédito. (em R$ milhões) 48 *Fonte: Banco Central. Elaborado pela autora. **Todos os valores estão a preços constantes com índice IPCA de base móvel 2011. 1996 = 100 Quanto ao ano turbulento de 2002, a instabilidade política em função da eleição de Lula fez os bancos estrangeiros resgatarem seus ativos em títulos, até verem que os bancos que confiaram no novo governo estavam obtendo muito lucro na tesouraria, pois segundo Costa (2012, pg 387) estes bancos “adquiriram títulos da dívida pública baratos, precificados pela ‘marcação a mercado’ e os carregaram com operações compromissadas realizadas também com dinheiro barato, dado o excesso de liquidez provocado pelo citado resgate”, ou seja, conseguiram adquirir títulos durante a alta da taxa Selic em 2002 e negociá-los posteriormente, o que explica este resultado quase equivalente dos dois tipos de aplicação em 2002. 4.4 Cenário de baixa taxa de juros: 2004-2011 Como abordado na seção anterior sobre os acontecimentos macroeconômicos no governo Lula, importantes mudanças internas e externas aconteceram durante este período que possibilitaram um processo de queda da taxa básica de juros (Gráfico 12) e o aumento contínuo de concessões de crédito, em média de 17% ao ano. O fato mais importante é que os bancos brasileiros mudaram seu comportamento quanto ao risco a partir de 2004 (Gráfico 13) Por conseguinte, nos anos posteriores a 2002, com a tendência de queda da taxa de juros e mudança da composição da dívida pública brasileira os administradores financeiros começam a ter que repensar numa estratégia de maior rentabilidade dentro do mercado financeiro, o que inclui diversificar os ativos na carteira e, invariavelmente correr mais riscos. 49 A época da “existência de uma classe de ativos que os bancos podem adquirir caracterizada por oferecer alto rendimento simultaneamente à alta liquidez” que Carvalho (2005) expõe já não é mais válida a partir de então e o foco das instituições vai para as operações de crédito, como teoricamente deveriam ser. Consequentemente, a porcentagem de ativos alocados em Títulos e Valores Mobiliários cai de 29,4% em 2003 para 17,7% em 2009 e as Receitas com Operações de Crédito aumentam 35% só em um ano (2007-2008). Gráfico 12 - Evolução Taxa Selic Meta Nominal Gráfico 13 – Relação entre Operações de Tesouraria e Operações de Crédito do Ativo Total (Em R$ milhões)** *Fonte: Banco Central. Elaborado pela autora. **Todos os valores estão a preços constantes de 2011. 1996 = 100 50 Este aumento nas operações de crédito tem dois formatos distintos quando se analisa o tipo de operação e o controle de capital do banco que está liberando o empréstimo. Enquanto os bancos privados mantiveram sua preferência em operações de curto prazo, financiamento de consumo para pessoa física ou operações com garantia como leasing e crédito consignado, tentando equalizar o maior spread com o menor risco possível, os bancos públicos retomaram seu papel de propulsor do desenvolvimento econômico no Brasil, com o crédito direcionado, efetuando financiamento de longo prazo, como crédito habitacional, ao setor rural e apoiando desde os micro até grandes empresários através do BNDES. 4.5 O Spread Bancário Após o período de reorganização das instituições financeiras no Brasil do Plano Real, o Sistema Financeiro Brasileiro passou por um processo de concentração bancária, como vimos anteriormente. Muitos bancos foram à bancarrota e outros adquiridos por bancos ainda maiores e isto provocou um processo de concentração bancária. Há que ser ressaltado que a definição de spread é a diferença entre a taxa cobrada nos empréstimo dos clientes e a taxa de captação que o banco paga para captar recursos. O spread não é como erroneamente alguns chamam de lucro do banco, pois dentro desta margem de diferença devem ser contabilizados os seguintes itens: Custo de captação: o chamado funding, custo do passivo. Taxa de inadimplência: Porcentagem reservada para provisões de prejuízos Margem líquida: O lucro líquido dos bancos Impostos e taxas: Pasep, Cofins, CSLL, IR, ISSQN16 Custos administrativos: despesas cadastrais, contratuais, TI, RH, cobrança, etc. Compulsório: além do mínimo estabelecido no Acordo de Basiléia, que é 11% do Patrimônio Líquido, há o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) Existem diversos estudos com diferentes pontos de vista sobre a determinação do spread no Brasil que não cabem no presente trabalho. O que certamente é consenso entre estes analistas é de que o mercado altamente concentrado em poucas instituições financeiras provocou uma falta de competitividade no sistema bancário, ao ponto de existirem estudos 16 Pasep (Formação do Patrimônio Público), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) , CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), IR (Imposto de Renda) e ISSQN (Imposto sobre serviço de Qualquer Natureza). 51 como o de Belaisch (2003) com o título “Do Brazilian Banks compete?” Na verdade, os bancos acabavam aplicando as mesmas estratégias de precificação com base na despesa e receita para seu produto final, considerando com maior peso o fator estabilidade econômica e inadimplência do que os demais. Estabilidade econômica se preocupa com risco de inflação, volatilidade do câmbio e juros, capacidade de pagamento da dívida pública. Isto explica o fato de em 1994 o spread no Brasil se encontrar num patamar de 139,2 pontos percentuais. E explica também os reflexos que o bom desempenho da economia brasileira nos útimos anos e a redução do custo do capital (taxa Selic) colaborou para a gradativa redução deste índice, como vemos no gráfico: Gráfico 14 - Evolução do Spread bancário no Brasil (% ao ano) Fonte: Banco Central. Elaboração da autora Além dos fatores exógenos que impulsionaram esta queda do spread dos bancos, houve fatores endógenos, que criaram estratégias para reduzir ainda mais esta diferença sem modificar a quantia reservada para o lucro, claro. Através de economia de escala, equilíbrio entre as carteiras de crédito de curto e longo prazo, e controle do risco de perda, automação dos processos, criação de novos serviços e tarifas, os bancos conseguiram manter uma trajetória ascendente de lucros (veja gráfico 15 abaixo), com exceção do último ano 2012, onde a economia nacional começa a dar sinais de estagnação em várias áreas. 52 Gráfico 15 – Lucro Líquido Anual dos 5 maiores bancos – 2008 a 2012 Segundo Costa (2012), a competição dos bancos brasileiros nunca foi através de preço, mas sim da proporção de facilidades que a instituição oferecia. Sendo assim, fatores de acessibilidade como número de caixas eletrônicos, proximidade de agências (capilaridade), acesso a internet-banking e mobile banking. No entanto, no ano de 2012 houve um esforço por parte do governo para baixar ainda mais o spread no Brasil. O que se observou foram sequências de redução da Taxa Selic Meta nas reuniões do Copom no mencionado ano sem nenhum reflexo nas taxas finais ao consumidor. Objetivando aquecer a economia com esta medida, a presidente Dilma Roussef teve a estratégia de começar reduzindo as taxas dos principais bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica, e de fato teve êxito, uma vez que estes têm grande fatia do marketshare de clientes. Deste modo, os bancos privados que ficassem fora desta diminuição teriam de se preparar para a seleção adversa, onde os maus pagadores têm tendência a procurar empréstimos. Como consta no Relatório de estabilidade do Bacen,“A presença forte das instituições estatais propiciou aumento da competitividade no mercado de crédito, com refl exos sobre os spreads.” 53 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do trabalho, conseguimos distinguir bem as duas fases do período Pós-Plano Real, o primeiro, instável e sob altas taxas de juros, de 1994 a 2003 e outro, período próspero na economia interna e externa com baixas taxas de juros reais, ou seja, descontando-se a inflação, de 2004 a 2008. O período de 2009 a 2012 é marcado por ajustes pós-crise mundial, políticas anticíclicas que continuaram fomentando o crédito e continuidade da influência governamental no desenvolvimento financeiro e bancarização da população. Vimos também a troca de preferência pelos bancos na atribuição de seus ativos, de aversão ao risco para preferência pela rentabilidade criando novos produtos e serviços financeiros, deixando o serviço de Tesouraria em segundo plano. O que podemos observar é que diante do cenário de baixa taxa real de juros, os bancos devem se preocupar mais do que nunca com o direcionamento dos seus ativos, principalmente do tipo de empréstimo que irá conceder. O desafio está em desenvolver ainda mais os instrumentos que diminuam a assimetria de informação, lidar com as possíveis taxas de inadimplência ascendentes, e para os bancos privados, ainda há o desafio de buscar diferenciais em serviços para evitar competir com os bancos públicos quando se trata de custo do crédito. O Itaú, por exemplo, maior banco privado do país, vêm diminuindo sua participação em financiamento de veículos e microempresas, ao passo que aumenta suas provisões no crédito consignado e imobiliário, devido a estes segmentos terem maior escala e menor inadimplência. O Bradesco, segundo maior banco, aposta em sua receita com seguros, que têm peso de 30% na sua margem de lucro. A análise feita neste estudo comprova a dependência do desempenho da economia brasileira em relação à do resto do mundo, como foi o período 94-98 negativamente, e de 2003-2008 positivamente. Do modo como a trajetória da taxa básica de juros é dependente das metas de inflação, o Banco Central fica sendo o único “guardião” do controle do índice e isto atrapalha o próprio desejo do governo de manter esta taxa estável e em níveis normais em relação ao resto do mundo, quando na verdade um controle fiscal também é uma alternativa eficaz para conter o problema. 54 REFERÊNCIAS BOCCHI, J. I. (Org.). Monografia para economia. São Paulo: Saraiva, 2004. GIL, A.C. Didática do Ensino superior. São Paulo: Editora Atlas, 2008 BACEN. Mercado de títulos públicos. Disponível em <http://www.bcb.gov.br/?SELICINTRO > BACEN. Início > Sistema Financeiro Nacional > Composição e evolução do SFN > Evolução > Relatório consolidado de 1988 a 2000 . Disponivel em < http://www.bcb.gov.br/htms/deorf/e88-2000/texto.asp?idpai=RELSFN19882000 > BACEN. Início > Sistema de Metas para Inflação > Copom > definição e histórico. Disponível em < http://www.bcb.gov.br/?COPOMHIST > BACEN. 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(Org) Regulação Bancária e Dinâmica Financeira: Evolução e Perspectivas a partir dos Acordos de Basileia. COSTA, Fernando Nogueira da. O Brasil dos Bancos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. 55 DENARDIN, A. A. e NETO, G. B.: Uma análise comparativa das variáveis de crédito para o período pré e pós a adoção do projeto “juros e spread bancário no brasil” (Artigo) Encontro Nacional de Economia da Anpec, 2011. FORTUNA, E. Mercado Financeiro: produtos e serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2008. GIAMBIAGI, F. Estabilização, reformas e desequilíbrios macroeconômicos: Os anos FHC. In GIAMBIAGI, F; VILLELA, A (Orgs). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro, Campus, 2005 GIAMBIAGI, F. Rompendo com a ruptura: O governo Lula. In GIAMBIAGI, F; VILLELA, A (Orgs). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro, Campus, 2005 GREMAUD, A.P. e Outros. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo, Atlas, 2002. IEDI. 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Ativo Total 17,35% 147.604.451 28,68% 139.026.181 25,32% 149.810.654 26,80% 156.870.008 26,71% 193.900.855 32,54% 193.118.000 29,98% 221.881.108 29,42% 262.939.238 28,62% 310.634.687 25,69% 391.741.538 25,07% 492.902.950 21,58% 622.252.585 19,88% 821.494.127 17,72% 965.145.263 19,05% 1.220.567.505 17,57% 1.506.798.114 Receitas Op % Total Cred REAIS 1996 63.705.412 36,57281 1997 59.017.988 34,29452 1998 76.693.163 41,24043 1999 83.147.338 38,61977 2000 56.879.548 37,01205 2001 72.960.632 39,46839 2002 110.796.421 48,31802 2003 89.210.396 43,95681 2004 69.045.097 37,62243 110.482.486 113.073.618 109.272.788 132.149.987 96.798.924 111.897.761 118.510.220 113.739.727 114.476.024 Oper. Créd. e Arrend. Mercantil % Ativo Total 38,91% 30,98% 32,04% 30,90% 32,76% 29,27% 27,62% 29,19% 32,24% 34,29% 34,71% 34,42% 32,56% 35,40% 37,50% 39,39% TOTAL (TVM + % Total Op Créd) REAIS 63,42719 65,70548 58,75957 61,38023 62,98795 60,53161 51,68198 56,04319 62,37757 IPCA 174.187.898 172.091.607 185.965.951 215.297.326 153.678.473 184.858.392 229.306.641 202.950.123 183.521.122 IPCA 1996 = 100 9,56 5,22 1,65 8,94 5,97 7,67 12,53 9,3 7,6 5,69 3,14 4,46 5,9 4,31 5,91 6,5 IPCA 9,56 5,22 1,65 8,94 5,97 7,67 12,53 9,3 7,6 100,0 105,2 107,0 116,5 123,5 132,9 149,6 163,5 175,9 186,0 191,8 200,3 212,2 221,3 234,4 249,6 IPCA 1996 = 100 100 105,22 106,9561 116,518 123,4741 132,9446 149,6026 163,5156 175,9428 TAXA SELIC REAL 15,977 16,675 27,520 17,013 10,817 9,242 6,175 12,610 8,214 12,732 11,558 7,201 6,269 5,254 3,863 4,809 TAXA SELIC REAL 15,98 16,67 27,52 17,01 10,82 9,24 6,18 12,61 8,21 58 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 78.228.368 83.594.453 83.755.910 112.612.157 114.614.897 106.455.056 129.941.655 35,39876 33,52716 31,07817 30,98197 29,28181 26,79073 29,16866 142.763.456 165.739.080 185.744.891 250.864.283 276.805.289 290.902.723 315.542.081 64,60124 66,47284 68,92183 69,01803 70,71819 73,20927 70,83134 220.991.823 249.333.533 269.500.800 363.476.440 391.420.186 397.357.779 445.483.736 5,69 3,14 4,46 5,9 4,31 5,91 6,5 185,9539 191,7929 200,3468 212,1673 221,3117 234,3912 249,6267 12,73 11,56 7,20 6,27 5,25 3,86 4,81