20080726_adriano_benayon_juros_desculpa

Propaganda
Republicado em A Nova Democracia, nº 75 – março de 2011
Juros altos e a falsa desculpa
26.07.2008 – Adriano Benayon*
Na última 4ª feira foi, mais uma vez, elevada a taxa básica de juros
(SELIC), aplicada em títulos públicos, agora para 13% aa. Os pontos
percentuais das demais taxas de juros equivalem a múltiplos da SELIC
que podem ser até mais de 6, como ocorre com alguns empréstimos a
pessoas físicas a 9% ao mês, ou seja, mais de 180% aa.
No mesmo dia fui entrevistado, em Brasília, por uma emissora de
televisão, a Rede TV, horas antes da decisão pelo novo aumento. Em certa
altura, a repórter referiu-se à tradicional desculpa do Banco Central e da
maioria dos formadores de opinião, segundo a qual o aumento da taxa
seria necessário, por causa da inflação em alta.
Respondi que o aumento das taxas de juros tem mais efeito para fazer
subir os preços do que para diminuí-los. Para começar, os juros são um
componente dos custos de produção. Assim, juros mais altos resultam em
custos mais altos e preços também mais altos.
Somente a curto prazo, o aumento de juros poderia conter um pouco a
inflação, ao desencorajar os consumidores de comprar a crédito, o que
faria diminuir a quantidade procurada de bens e serviços. Mas nem isso é
certo, uma vez que os preços são, em geral, determinados em mercados
de escassa concorrência, por ser a economia muito oligopolizada e
cartelizada.
Os juros no Brasil têm sido sempre absurdamente onerosos, e há anos, o
País detém o triste título de ter as taxas de juros mais altas do Mundo.
Elas inibem os investimentos. Consequentemente, a produção, e,
portanto, a oferta. Com esta em declínio, a tendência dos preços é subir.
Os investimentos são desestimulados não só porque o capital para investir
fica mais caro, mas também porque os produtores vêem possibilidades
menores no mercado em face da repressão ao consumo sinalizada pelo
aumento dos juros. Ninguém investe para produzir e depois não vender.
Ademais, os descomunais juros do mercado financeiro brasileiro atraem
capitais estrangeiros especulativos, que se cevam na dívida mobiliária
interna e em títulos privados e seus derivados, para transferir anualmente
centenas de bilhões de reais para o exterior.
Enquanto prevalecem os ingressos sobre as saídas de capital, o real
acumula valorização mais que excessiva. Assim, as empresas brasileiras
ficam em ainda piores condições de competir nos mercados externos.
Ademais, como elas não têm acesso a dinheiro a juros módicos praticados
no exterior, são ainda mais inviabilizadas, até no mercado interno,
dominado por subsidiárias de empresas transnacionais. Estas, ademais de
desfrutarem de subsídios governamentais, podem captar no exterior o
pouco capital de que necessitam.
1
Em suma, são imensos e duradouros os malefícios à economia da política
de juros altos, pois, além de causarem inflação, colocam a produção em
nível cada vez mais baixo. Na continuação, os resultados são desastrosos:
1) renda real em queda; 2) elevação dos preços de bens e serviços; 3)
desemprego em aumento.
À pergunta de por que, então, as taxas de juros vêm sendo elevadas,
apontei que isso decorre de prevalecerem na política as decisões dos
grupos mais poderosos. A sociedade difusa, o grosso da população,
obviamente não faz parte desses grupos.
Procurei transmitir essas noções de forma clara, embora escolhendo as
palavras com muito cuidado, para evitar que a natural contundência que o
assunto requer não assustasse os responsáveis pelo noticiário da tal TV.
Ele é transmitido a partir das 21 horas. Cerca de 50 minutos de sua
duração foram gastos em assuntos como treinamento de policiais,
explorando o pavor dos telespectadores com a segurança, e “fatos
diversos”, como o menino que mordeu o cachorro, o chipanzé que se
agitava no teto de um prédio e coisas do gênero.
Quando o programa entrou na taxa de juros, o apresentador leu a notícia
em alguns segundos e, por tempo ainda mais breve, apareceu a repórter
dizendo que alguns especialistas discordam. Daí surgiu a minha imagem
num trecho de menos de 10 segundos, pinçado do contexto em que eu
mencionava o desestímulo aos investimentos decorrentes da alta dos
juros. Não creio que os telespectadores tenham podido captar alguma
informação nesse flash relâmpago.
Já conhecia a censura da grande mídia a qualquer contestação às
mistificações da política econômica, encobridoras de incomensuráveis
prejuízos à sociedade. Aceitei dar a entrevista só para experimentar mais
uma TV. Esta, pelo visto, embora relativamente obscura, não abre
qualquer brecha à informação. Ou seja, concessionárias dos “serviços de
comunicação” infringem as condições legais que regem suas concessões.
* - Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”,editora Escrituras. [email protected]
PS – Atualização em fevereiro de 2011: desde a mencionada entrevista na
Rede-TV em julho de 2008, o autor não foi mais convidado por essa nem
por outras emissoras comerciais de TV a dar qualquer entrevista.
2
Download