O uso e a proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação e diferenciação de uma marca José Carlos de Lima Junior * Marcos Machado ** Geraldo Luciano Toledo *** Resumo: Afirma-se, por um conjunto de razões, que a marca é um dos ativos intangíveis mais importantes de uma empresa. Durante anos, as marcas se apoiaram nos sinais tradicionais como elemento principal da sua identificação como logotipo, slogan e personagem. Nos dias atuais, com o desenvolvimento das novas formas de mídia, os sinais não tradicionais começam a ganhar destaque nas estratégias empresariais, incluindo elementos como som e aroma, cuja especialização o Marketing tem denominado de “Marketing Sensorial”. Neste ensaio, de natureza exploratória e qualitativa, os autores apresentam as diferenciações entre os sinais tradicionais e os sinais não tradicionais, destacando as formas de uso e proteção que esses novos elementos recebem em diversos países. Ao final, conclui-se que nos próximos anos os elementos não tradicionais serão cada vez mais utilizados como ferramentas integrantes do planejamento estratégico, uma vez que os sinais tradi- cionais já apresentam esgotamento na função de identificar e diferenciar um produto devido ao excesso de estímulos externos a que está exposto o consumidor. Caberá ao profissional de Marketing a função de pensar a melhor estratégia desses novos elementos, assim como planejar sob quais meios ocorrerão o uso e a proteção em países que não possuem uma legislação que os proteja integralmente. Palavras-chave: Marcas. Proteção e Uso. Sinais tradicionais e não tradicionais. Abstract: It is stated by a number of reasons, that the brand is one of the most important intangible assets of a company. For years, brands have relied on traditional signs as a core element of their identities as a logo, slogan and character. Nowadays, with the development of new forms of media, non-traditional signs begin to gain prominence in corporate strategies, including elements such as * Doutorando em Administração pela FEA/USP; Mestre em Administração de Organizações pela FEA-RP/USP. Professor FAAP Pós-graduação e PECEGE/ESALQ/USP. Pesquisador MARKESTRAT – Centro de Pesquisa em Marketing e Estratégia. E-mail: [email protected] ou [email protected]. ** Doutorando em Administração pela FEA/USP; Mestre em Administração pela PUC; Bacharel em Administração de Empresas pela FGV/SP e Direito pela USP. Co-autor do livro Gestão Estratégica de Marcas (edição brasileira de Strategic Brand Management de Kevin Keller). *** Doutor em Administração de Empresas pela FEA/USP. Professor titular do Departamento de Administração e do Curso de Pós-graduação em Administração do PPGA/FEA/USP. O uso e a proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação..., José C. de Lima Jr., Marcos Machado e Geraldo L. Toledo, p. 37-50 37 sound and flavor, where Marketing specialization calls “Sensory Marketing”. In this trial, an exploratory qualitative study, the authors present the differences between the traditional signs and non-traditional signals, highlighting the use and protection that these new elements are given in several countries. At the end, it is concluded that in the coming years the non-traditional elements will be increasingly used as tools of strategic planning members, since the signs have already exhausted the traditional role of identifying and differentiating a product due to excessive external stimuli is exposed to the consumer. It is for the professional marketing function to think of the best strategy of these new elements, as well as planning ways in which occur the use and protection in countries that do not have legislation that protects them in full. Keywords: Brands. Protection and Use. Traditional and nontraditional signs. Introdução As marcas são ativos competitivos importantes para as organizações de todos os tipos. Entre as principais razões que justificam esta crescente importância das marcas está uma maior padronização entre produtos e serviços, sob o ponto de vista dos aspectos funcionais/ tangíveis; outra razão é o valor do tempo para os clientes/consumidores o que faz com que as decisões de compra sejam cada vez mais rápidas. Neste sentido, as marcas podem ser importantes diferenciais competitivos, facilitadores da tomada de decisão para clientes/consumidores com dificuldade de encontrarem diferenças perceptíveis de desempenho entre produtos e serviços, ou mesmo em casos em que se sentem pressionados pelo valor que o tempo assume no estilo de vida contemporâneo. Como afirma Keller (2008), marcas fortes podem ser atalhos seguros para decisões de compra cada vez mais difíceis. Nos dias atuais, constitui um desafio às empresas ter uma marca forte, eficaz, que de fato agregue valor a um produto ou serviço e que possibilite resultados positivos para a organização que a controla (em termos de vendas, preços superiores, fidelidade e participação de mercado). É possível crer que qualquer trabalho que, de alguma forma aborde aspectos que permitam aprimorar o processo de gestão de marcas pelas organizações em geral, são relevantes no cenário competitivo atual. A fronteira do branding ou da gestão de marcas, ainda tem muitos campos a serem estudados e aprofundados. No que diz respeito especificamente ao processo de identificação (uma das funções de uma marca), um campo ainda pouco abordado, notadamente no Brasil, é o uso de sinais não tradicionais. Este trabalho pretende abordar justamente este tema, “o uso de sinais não tradicionais”, destacando a teoria e ações práticas que começam a surgir neste campo. Desta forma, os autores esperam contribuir para o esclarecimento de um tema relevante às organizações de um modo geral, incentivando o aprimoramento de suas práticas de gestão e para novas discussões e pesquisas nesta direção. 38 Estratégica, vol.11(01), junho.2011 1 Objetivo O objetivo geral desse ensaio é apresentar a visão de diferentes autores e relatar a experiência de algumas empresas, no tocante ao uso e proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação e diferenciação de marca. Para alcançar o objetivo geral proposto, serão utilizados os seguintes objetivos específicos: • Revisão teórica para definição de marca e de elementos de marca; • Revisão teórica para diferenciação entre sinais tradicionais e não-tradicionais; • Análise do uso dos sinais não-tradicionais por diferentes empresas; • Análise no uso e proteção dos sinais não tradicionais por estas empresas. 2 Revisão Teórica 2.1 Definição de Marca Para se avaliar o papel dos elementos de marca, tema central deste ensaio, é importante revisitar a definição de marca mais aceita na bibliografia sobre o tema, que é a definição da AMA - American Marketing Association (2012) [...] marca é um nome, termo, símbolo, desenho ou combinação desses elementos que deve identificar os bens ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores e diferenciá-los dos da concorrência. Com base nesta definição pode-se observar, de forma sucinta, que uma marca possui dois grandes objetivos: (i) a identificação e (ii) a diferenciação dos produtos e serviços de um vendedor. Outro conceito importante para ser revisitado, ainda que rapidamente para se entender o papel dos elementos de marca, é o conceito de brand equity. Segundo Keller (2008), embora existam várias visões diferentes de brand equity, a maioria dos autores concorda que o conceito tem a ver com os efeitos de marketing atribuíveis exclusivamente a uma marca. Portanto, entender melhor o conceito de brand equity é chave para entender como os elementos de marca podem afetá-lo. Para Aaker (2000) o conceito de brand equity pode ser entendido como o conjunto de ativos associados a uma marca, seu nome e seus símbolos, e que podem ser somados ou subtraídos do valor proporcionado por um produto ou serviço. Tal capacidade está baseada em um conjunto de grupos de recursos: lealdade, conhecimento, qualidade percebida, associações da marca e outros ativos. Para Kapferer (2003) o conceito de brand equity está relacionado com a capacidade que uma marca tem como fator de vantagem competitiva e de redução de riscos para O uso e a proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação..., José C. de Lima Jr., Marcos Machado e Geraldo L. Toledo, p. 37-50 39 seu detentor. Uma marca forte permite preços superiores, usufrui de lealdade dos consumidores e permite alavancar a lucratividade. 2.2 Elementos de Marca Segundo Keller (2008), elementos de marca são aqueles que servem para identificar e diferenciar a marca. Os principais elementos de marca são: nomes de marcas, domínios na internet, logotipos, símbolos, personagens, slogans, jingles e embalagens. Sob a ótica da gestão de marcas, as decisões de escolha e divulgação dos elementos de marca são feitas de modo a construir o maior brand equity possível. Neste sentido, não se deve perder a noção do papel que os elementos de marca podem ter em uma melhor identificação e diferenciação, principais objetivos de uma marca. Desta forma, elementos de marca podem ser escolhidos para: aprimorar conhecimento de marca; facilitar a formação de associações de marca fortes, favoráveis e exclusivas; ou provocar julgamentos e sentimentos de marca positivos. Uma boa forma de identificar a contribuição dos elementos de marca é avaliar o que os consumidores pensariam sobre o produto se conhecessem somente seu nome de marca, logotipo e outros elementos. Um elemento de marca que proporciona uma contribuição positiva para o brand equity, é aquele elemento por meio do qual os consumidores presumem ou inferem certas associações ou respostas valorizadas. Ainda segundo Keller (2008) há seis critérios para escolher elementos de marca: memorabilidade, significância, simpatia, transferibilidade, adaptabilidade e proteção. A memorabilidade é a facilidade com que um elemento de marca é memorizado. Significância está relacionada com as associações diretas de significados à que o elemento de marca remete. Simpatia é o julgamento subjetivo sobre a forma como um elemento de marca é aceito pelo público. Transferibilidade é a capacidade do elemento de marca ser utilizado em diferentes contextos, novas categorias, extensões de linhas etc. Adaptabilidade está relacionada com a flexibilidade do elemento de marca para atualizações ao longo do tempo. Finalmente, a proteção tem relação com as condições que a empresa tem para proteger o elemento de marca tanto legalmente como competitivamente. Os três primeiros critérios (memorabilidade, significância e simpatia) podem ser caracterizados como de natureza de “construção de marca” e referem-se ao modo como o brand equity pode ser construído mediante a escolha de um elemento de marca. Os três últimos, entretanto, são de natureza mais “defensiva” e relacionam-se com o modo como um elemento de marca pode ser preservado. Os elementos de marca até aqui citados (nomes de marca, domínios na internet, logotipos, símbolos, personagens, slogans, jingles e embalagens) podem ser classificados como os elementos de marca tradicionais. Tratam-se dos elementos mais abordados na literatura, aqueles que as empresas mais utilizam e, consequentemente, aqueles que estão mais adiantados em termos de possibilidades, proteção legal e competitividade. 40 Estratégica, vol.11(01), junho.2011 No entanto, o principal objetivo deste artigo é analisar as implicações do uso dos elementos de marca não tradicionais, por parte das empresas. Tratam-se de novas oportunidades de identificação e diferenciação para marcas, elementos estes que estão sendo cada vez mais utilizados por diferentes empresas para se destacarem da concorrência. Entre tais elementos não tradicionais há o cheiro (marca olfativa), sinais sonoros, concepção arquitetônica e formato de produto, entre outras (Quadro 1). Justamente por serem elementos não tradicionais, tais elementos constituem no presente momento excelentes oportunidades pouco exploradas. No entanto, dado seu caráter novo, oferecem diversas limitações quanto à proteção legal e competitiva. 2.3 Tendências ao uso dos elementos de marca: sinais tradicionais e sinais não tradicionais Se fosse possível definir, em poucas palavras, uma das principais características que deve ser considerada pelo marketing do século XXI, certamente o excesso de estímulo externo a que está exposto um consumidor figuraria como elemento central. Segundo Lindstrom (2005), no ano de 1965, aproximadamente 34% dos consumidores americanos conseguiam fixar o nome de uma marca após a exibição de um comercial na TV. Trinta anos depois, somente 8% são capazes de fazê-lo. Para Lindstrom (2005), um consumidor com idade de 65 anos já esteve exposto a dois milhões de comerciais somente via televisão, número que equivale a uma média de seis anos de anúncios, assistidos durante 8 horas por dia, 7 dias da semana. Se antes um produto fazia uso de poucos canais para apresentar-se ao consumidor, nos dias atuais as formas de estimular esse mesmo consumidor foram potencializadas com o surgimento de novas mídias e da portabilidade de muitas delas. Para Volmer e Precourt (2010), assiste-se o início de uma era onde os enfoques tradicionais de marketing não são mais viáveis, pois gradativamente o comando passa a ser do consumidor. Fazendo uso do varejo, Esbjerg e Bech-Larsen (2009) citam a arena que se transformou um supermercado moderno, destacando a liberdade que o consumidor tem para fazer as suas escolhas. Se antes a arquitetura de uma marca se ocupava, principalmente, da relação marca/produto, em uma realidade mais competitiva, Esbjerg e Bech-Larsen (2009) afirmam que essa mesma arquitetura de marca também precisa se ocupar das formas e dos meios em que ocorre a imersão do consumidor nesse universo de marcas. Os sinais tradicionais de uma marca, como nome, logotipo, slogan, personagem, se tornaram insuficientes para chamar a atenção do consumidor, sobretudo após a internacionalização do comércio e o acirramento da concorrência. Surgem assim estudos realizados por vários pesquisadores (JIN NA et al., 2008; VAVER, 2005; KUMAR; JOSHI, 2006; RAZ et al., 2008; ESBJERG; BECH-LARSEN, 2009), que incluíram os sinais não tradicionais ao corpo teórico da literatura de marcas, como som, cheiro, design, o que Raz et al. (2008) denominam de Marketing Sensorial. O uso e a proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação..., José C. de Lima Jr., Marcos Machado e Geraldo L. Toledo, p. 37-50 41 2.3.1 Sinais tradicionais Durante muito tempo, os principais elementos de uma marca foram o nome, o domínio de internet, logotipos, símbolos, personagens, porta-vozes, slogans, jingles, embalagens Para apresentar as promessas de um produto ao consumidor, esses elementos fazem uso da propaganda para que esse consumidor possa perceber os benefícios oferecidos pela organização e assim construir a identidade desta marca (CRAVENS; PIERCY, 2007). Para Alcock et al. (2003), uma marca forte é a melhor estratégia para uma empresa ser percebida entre vários competidores, razão que faz Keller (2008) afirmar que o emprego coordenado desses elementos deve permitir uma contribuição positiva para a marca. Historicamente, os meios impressos dominaram a comunicação das marcas durante muito tempo. Com o surgimento e o acesso do consumidor aos meios eletrônicos, como a TV e o rádio, essas novas mídias foram então utilizadas com o objetivo de divulgar a imagem para determinado produto. A partir dos anos de 1990, com o surgimento e o desenvolvimento da Internet, o mundo virtual passou a ser empregado nas estratégias corporativas, inicialmente por meio de um domínio URL, e posteriormente com a interação de serviços e redes criados exclusivamente para acesso de usuários fidelizados. Nos dias atuais, a portabilidade de equipamentos e o fácil acesso ao cyberespaço, ilustrado recentemente nos smartphones, os elementos tradicionais de uma marca gradativamente passam por um processo de adaptação, principalmente quanto à aplicabilidade, uma vez que o excesso de informação impacta diretamente na percepção do consumidor (ZEKOS, 2006; LINDSTROM, 2005). É possível afirmar que as mudanças vivenciadas pelos sinais de uma marca estão condicionadas às alterações que ocorreram nos meios de acesso ao consumidor. Quando os meios de informação eram reduzidos e o número de empresas ofertantes para determinado produto era igualmente menor, era possível inferir que o controle estava na organização. Com a ampliação dos meios de comunicação e o acirramento da concorrência, o consumidor passou a ter mais condições de escolha sobre o canal de que faz uso para se informar, motivo este que, ainda que não único, é por si só suficiente para o surgimento de estratégias de marketing mais eficientes que visam alcançar este mesmo consumidor em boa parte da sua trajetória diária. Assim, uma sala de cinema ou um passeio pelo corredor de um centro de compras se tornaram meios relevantes para as organizações. Porém estes lugares não seriam plenamente atendidos se estas marcas fizessem uso somente dos sinais tradicionais. Tem-se assim a necessidade de complementar a comunicação entre o produto e o usuário de maneira que ela se torne mais eficiente, razão esta que se faz crescer, nos dias atuais, o uso dos sinais não tradicionais. 2.3.2 Sinais não tradicionais Os sinais não tradicionais para comunicação da marca aos poucos estão sendo descobertos. A marca de cosméticos Nívea realizou recentemente uma ação nos 42 Estratégica, vol.11(01), junho.2011 cinemas alemães em que, após a exibição de um filme de 60 segundos, a fragrância do seu protetor solar espalhou-se pela sala acompanhada do slogan “Nivea. The scent of summer” (Nivea. O Aroma do Verão). Esta técnica foi batizada de “Endorphin Branding” por C. Russell Brumfield e já faz parte do portfólio de mídia para potenciais anunciantes da rede Cinescent (BRANDING WEEBLY.COM, 2008). Ações de marketing olfativo fizeram com que empresas especializadas surgissem no Brasil, como a Biomist, cuja função é desenvolver aromas específicos para empresas de varejo, buscando ampliar o apelo emocional e distinguir a marca do anunciante (BIOMIST, 2012). Para a valorização da marca, os sinais tradicionais foram extrapolados para os cinco sentidos humanos, no que Vilhena Neto (2009) denomina de “Classificação Sensorial” ou “Marketing Sensorial”, denominação esta de Raz et al. (2008). Quadro 1 - Espécies de marcas não-tradicionais Perceptibilidade Visual Marcas tridimensionais Marcas compostas por cores isoladas ou combinadas Marcas compostas por hologramas Marcas compostas por slogans Marcas compostas por títulos de obras autorais Marcas compostas por imagens em movimento Marcas de posição Marcas gestuais Marcas prediais ou arquitetônicas Perceptibilidade Auditiva Marcas sonoras musicais Marcas sonoras não-musicais Perceptibilidade Olfativa Marcas olfativas Perceptibilidade Táctil Perceptibilidade Gustativa Marcas tácteis Marcas gustativas Fonte: Vilhena Neto (2009, p. 14-15). Outra fonte de sinal não tradicional e que recebeu um criterioso estudo por Kumar e Joshi (2006) foi o uso e o emprego das cores. Estes autores destacaram que as cores prevalecem no dia-a-dia do consumidor conforme a sua cultura, estando esta associada ao aspecto dominante que este mantém em sua própria personalidade, seja ela política, religiosa ou racial. Kumar e Joshi (2006) ilustram essa afirmação por meio do emprego das cores na política: o vermelho na ideologia comunista ou socialista, o azul nos partidos conservadores, o preto no fascismo ou neo-fascismo, o rosa nos partidos moderados, o amarelo nos liberalistas e o verde nos partidos com direcionamento ambiental. Tem-se assim uma importante observação: quando se considera que todo indivíduo vive imerso em um universo de marcas, entender a cultura e empregar corretamente as cores permitem um melhor estímulo às próprias aspirações pessoais desse consumidor, propiciando maior interação e reduzindo o universo competitivo das marcas por meio de suas próprias aspirações. Segundo Orozco e Conley (2008), todo consumidor tende a desconstruir a marca em elementos visuais, criando diferentes pontos de vista sob a mesma. Portanto, se O uso e a proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação..., José C. de Lima Jr., Marcos Machado e Geraldo L. Toledo, p. 37-50 43 a função primária da marca é identificar e distinguir o produto (KAPFERER, 2003), todos os sinais presentes, tanto na marca como no produto, obrigatoriamente devem ser observados. Esta desconstrução, a princípio intangível no universo das marcas, é facilmente tangibilizada nos produtos quando se observa a migração de valor de designs ultrapassados por novos designs que oferecem valor adicional (CRAVENS; PIERCY, 2007), destacando o sinal não tradicional design ou “marca tridimensional”. Em matéria veiculada no The Wall Street Journal (OROZCO; CONLEY, 2008), esta situação foi bem ilustrada pelos mecanismos de proteção utilizados pela Apple para o iPod. A inovação do design do produto e o direito de propriedade intelectual tiveram que ser protegidos como elementos importantes da vantagem competitiva que objetivava a companhia, colocando não somente o design do produto, mas também as interfaces que este teria com o consumidor. Todo este conjunto-produto formado por cores, embalagens, configuração do produto, sinais, estilização, texturas e ornamentos em geral que seriam capazes de identificar o produto iPod e diferenciá-lo dos demais é denominado na literatura dos sinais não tradicionais de trade dres, e nos dias atuais é uma das áreas mais nebulosas de proteção da Propriedade Intelectual (DANIEL, 2006). Outro importante mecanismo de sinalização da marca é o som. A Intel conseguiu minimizar a necessidade visual da própria marca, sendo facilmente identificada pelos acordes veiculados em suas propagandas (ZOGBI, 2008). Outros exemplos também se destacam. Em matéria veiculada no Mundo do Marketing, o som nas marcas foi definido como “logosom” por profissionais da área, já sendo bastante difundida e utilizada por diversas empresas como Motorola, Nokia e TV Globo (ZOGBI, 2008). A partir da expansão dos sinais não tradicionais, a territorialidade da marca proposta por Kapferer (2003) é ampliada na personalidade e no estilo da marca como importante elemento de identificação em mercados cada vez mais competitivos, possibilitando, até em meios ainda não plenamente compreendidos plenamente pelo marketing, como o ciberespaço, um melhor posicionamento (ZEKOS, 2006), ou, nas palavras de Raz et al. (2008, p. 719), trata-se de uma “contínua inovação para a empresa manter-se na liderança”. 2.4 Possibilidades de Proteção para os sinais não tradicionais As possibilidades de proteção para os sinais não tradicionais ainda carecem de muitas regras em vários países. No Brasil, somente com a nova Lei de Propriedade Industrial datada de 14/05/1996 (Lei 9.279/96) é que o registro das marcas tridimensionais, um dos elementos não tradicionais, passou a ser contemplada. Os Estados Unidos foram os pioneiros ao ampliar o próprio conceito de marca, como fonte de identificação e diferenciação, e incluir as formas de proteção também para cores, sons, aromas, movimentos, hologramas e outras formas imagináveis de representação da marca (SIEMSEN; LEIS, 2010). Segundo Siemsen e Leis (2010, p. 4), “as cortes americanas já proferiram inúmeras decisões permitindo o registro de marcas não-tradicionais, baseadas no princípio de que o importante é a capacidade distintiva da marca, não importando sua natureza”. 44 Estratégica, vol.11(01), junho.2011 A Europa, por meio da International Trademark Association, publicou um documento apresentando os atuais estágios de proteção de marcas dos 36 países que representa, destacando, principalmente, as cores e as marcas tridimensionais. No Quadro 2, são apresentados 24 países selecionados pela sua importância econômica, incluindo a União Europeia. É possível notar que o registro dos sinais não tradicionais ainda carece de regulamentação em vários países. Entre os principais motivos, Vadi (2009) apresenta a dificuldade de precisar o limite da lei pública, que observa os interesses da sociedade, da lei de proteção individual, que observa os interesses de um agente específico. Como afirma Correa (2004), quando este diz que a marca passa a estar inserida na infinita teia de sinais que formam as conexões entre o indivíduo e o mundo exterior. Com premissa tão ampla, é compreensível que exista muito campo para ser estudado nos próximos anos. Quadro 2 - Formas de proteção não tradicionais para cores e marcas tridimensionais – países selecionados País Marca por Cores Marcas Tridimensionais Albânia Não há restrição. É possível registrar uma cor ou uma combinação de cores sem nenhum design especial. É possível registrar, mas com algumas restrições. Alemanha É possível registrar combinações de cores, desde que seja diferenciado o emprego em bens ou serviços. É possível registrar somente a embalagem. A legislação alemã não aceita o registro do signo. Áustria A representação deve ser clara e permanente, devendo ser distinguido entre bens e serviços. Foca especificamente as embalagens. Benelux (Bélgica, Holanda, Luxemburgo) É possível registrar, mas precisa estar claro sob quais signos serão representados graficamente. É possível registrar, mas precisa estar claro qual a natureza e o emprego. Bulgária Aceita o registro somente de cores combinadas e jamais isoladas. Não há leis específicas de proteção. Estão subordinadas às leis do próprio país Dinamarca Todos os signos são passíveis de registro. As cores precisam ser especificadas quanto a sua aplicação. Somente algumas formas tridimensionais são aceitas, geralmente por critério de relevância. Espanha Tradicionalmente não permite o registro das cores, pois somente as cores não são passíveis de identificação suficiente. Permite o registro desde que detalhado as finalidades e funcionalidades, incluindo palavras e design. Finlândia Certamente é a que tem maior dificuldade de registro, pois devem ser apresentadas todas as diferenciações da cor em questão com relação às demais. Extremamente simples. Um original 3D já é passível de registro. França Aceita registro, desde que seja precisado a cor na escala internacional Pantone. Atualmente alguns registros são aceitos sem objeções, desde que sejam diferenciados. Grécia As cores sem outros elementos de identificação não são aceitos para registro. São aceitos registros. Hungria É possível registro. Solicita somente o emprego se para bens ou serviços. É possível registro. Continua... O uso e a proteção de sinais não tradicionais no processo de identificação..., José C. de Lima Jr., Marcos Machado e Geraldo L. Toledo, p. 37-50 45 Quadro 2 - Formas de proteção não tradicionais para cores e marcas tridimensionais – países selecionados País Marca por Cores Marcas Tridimensionais Irlanda Devido às leis não fazerem menção ao uso e emprego das cores, há dificuldade para registro. Há forte dificuldade no registro de marcas tridimensionais. As leis especificam somente palavras, design, letras, números e embalagens (extremamente genérico). Itália É possível registro. As leis aceitam cores e combinações em diferentes tonalidades. É possível registro, exigindo somente a natureza e o emprego. Polônia Desde junho de 200 são consideradas como integrantes de uma marca. Desde junho de 200 são consideradas como integrantes de uma marca. Portugal Deve-se distinguir o emprego para registro das cores. Há maior dificuldade. É possível registro. Reino Unido É possível registro desde que especificado o emprego e uso. É possível registro. República da Bósnia Herzegovina É possível registrar sem nenhuma restrição. É possível registrar sem nenhuma restrição. República Tcheca Desde abril de 2004 não são aceitos o registro de cores. É possível fazer registros somente para embalagens, apesar das marcas tridimensionais não serem usualmente diferenciadas. Romênia As cores e suas combinações constituem partes da marca. É possível registro. Formas 3D constituem partes da marca. É possível registro. Rússia Permite registro, mas há grande dificuldade, pois exige a especificação detalhada da aplicação. Não permite registro, pois são considerados como elementos funcionais de domínio comum. Suécia A lei atual apresenta dificuldade de interpretação, pois solicita o detalhamento para bens e serviços. Não considera as cores como parte funcional para registro de uma marca. Similar ao registro de marca de cores. Suíça É possível registro. É possível registro. União Europeia É possível registrar uma combinação de cores, mas deve estar claro os parâmetros de uso. É possível registrar, mas não diferencia a natureza do produto (bens/serviços). Fonte: Elaborado pelos autores a partir de International Trademark Association (2005). Considerações Finais É consenso que a competição tende a se acirrar nos próximos anos. Sendo a marca a melhor forma de identificação e diferenciação do produto, os elementos que a compõe receberão cada vez mais atenção conforme são intensificadas as relações de concorrência. No momento atual, é possível notar que o crescimento dos sinais não tradicionais destaca, simultaneamente, tanto o esgotamento dos sinais tradicionais na função primária de identificação e diferenciação, como a necessidade de ocupar um espaço na atenção, cada vez mais seletiva, do consumidor. 46 Estratégica, vol.11(01), junho.2011 Partindo destas premissas, várias empresas já notaram as oportunidades e passaram a incluir em suas mensagens elementos não tradicionais. O alinhamento estratégico entre os sinais tradicionais e não tradicionais devem contribuir para o brand equity, porém precisam estes últimos observar os seis critérios propostos por Keller (2008): memorabilidade, significância, simpatia, transferibilidade, adaptabilidade e proteção. No entanto, é no último critério proposto por Keller (2008) que nos dias atuais reside o maior desafio, já que a proteção legal ainda carece de melhor definição para salvaguardar o proprietário da marca; conforme destaca Vadi (2009), há dificuldade de precisar os limites entre a lei pública e a lei de proteção individual. Em cenários de indefinição, é importante investir em ações de proteção competitiva, propiciadas principalmente pelas ferramentas de comunicação. Especificamente no Brasil, apesar de suscitar o questionamento sobre a normalidade de a legislação estar atrasada em relação a outros países e regiões, como Europa e Estados Unidos, há que destacar o pouco uso dos sinais não tradicionais pelas organizações locais. É possível supor que, em um futuro próximo, quando a atenção corporativa se voltar para esta nova forma de estar presente no cotidiano dos consumidores, deverão ser ampliados os investimentos na criação dos elementos não tradicionais, forçando assim a necessidade de modificar as atuais regras de registro no âmbito institucional. Sob os atuais condicionantes, as organizações enfrentam muitos riscos que são potencializados pela não proteção, destacando-se a possibilidade de cópia que é inerente no universo das marcas. Entretanto, é preferível para essas mesmas organizações atentar-se para esta oportunidade de valorizar a própria marca pelo uso destes elementos não tradicionais, ao invés de correr o risco de preterir o seu uso. 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