Pró-Reitoria de Graduação Curso de Serviço Social Trabalho de Conclusão de Curso OS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O TRABALHO INFANTIL NO LIXÃO DA CIDADE ESTRUTURAL-DF Autora: Andressa Lustosa Cavalcante Orientadora: Profa. MSc. Késia Miriam Santos de Araújo Brasília - DF 2014 ANRESSA LUSTOSA CAVALCANTE OS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O TRABALHO INFANTIL NO LIXÃO DA CIDADE ESTRUTURAL-DF Artigo apresentado ao curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. MSc. Késia Miriam dos Santos Araújo. Brasília 2014 Artigo de autoria de Andressa Lustosa Cavalcante, intitulado: “OS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O TRABALHO INFANTIL NO LIXÃO DA CIDADE ESTRUTURAL-DF”, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, em ___ de junho de 2014, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinada: _____________________________________________ Profª. MSc. Késia Miriam dos Santos Araújo Orientadora Curso de Serviço Social – UCB _____________________________________________ Profª. Dra. Ozanira Ferreira da Costa Curso de Serviço Social – UCB _____________________________________________ Profª. Dra. Luciana de Castro Alvares Curso de Serviço Social – UCB Brasília 2014 Dedico este trabalho ao meu querido pai, França de Souza Cavalcante, e à minha mãe, Marlene Lustosa Farias, por todo apoio que me deram durante a graduação, e por contribuir para que este momento se concretizasse. AGRADECIMENTOS Primeiramente, quero agradecer a Deus por ter me iluminado, fortalecido-me nos momentos em que pensei que não iria conseguir. Por manter-me equilibrada e perseverante para concluir mais uma etapa da minha vida. Sem fé, creio que não seria possível superar e lutar diante de tantas dificuldades que passei nesta graduação. À minha orientadora, Késia Mirian, pela atenção e comprometimento. Obrigada por responder aos meus e-mails, a prontidão e por me orientar. Um agradecimento especial ao meu pai, França de Souza Cavalcante, por ter me apoiado e esforçado-se durante todo o curso para me buscar na parada de ônibus, querendo sempre me proteger dos riscos que ocorrem à noite de uma cidade periférica, demonstrando assim todo amor e cuidado que tens por mim, sou muito grata a você. À minha mãe, Marlene Lustosa Farias, pelos conselhos e por não me deixar desistir deste sonho, mesmo nos momentos de dificuldades financeiras. Obrigada por contribuir para que este sonho se tornasse realidade. À minha irmã, Aline Lustosa Cavalcante, e à minha sobrinha, Maria Eduarda Cavalcante de Jesus, por terem aturado meus berros quando precisava de concentração. Desculpe pelo meu “jeitinho” de ser e obrigada pela paciência. Agradeço o meu companheiro, Rafael Alves Queiroz, por compreender o meus momentos de estresses, de angustia e a minha ausência quando estava cheia de trabalhos acadêmicos para finalizar. Agradeço também por me proporcionar momentos de descontração, por compartilhar alegrias e por ficar do meu lado mesmo quando não podia lhe dar atenção. Sou bastante grata ao meu amigo, Gláucio Nunes, que iniciou o curso de Serviço Social comigo e passou pelas mesmas dificuldades de mudança de instituição. Obrigada pelas inúmeras caronas de retorno para casa, pelos debates que contribuíram para o meu aprendizado e pela parceria nos trabalhos em grupo. Também devo essa gratidão à sua esposa, Andréa Silva, pela amizade e confiança, que mesmo diante de calúnias não deixou de acreditar na minha lealdade. Vocês fazem parte da minha família. Agradeço também à minha família consanguínea e de consideração, pois acredito que laços familiares não são formados apenas pelo sangue: Jacqueline Costa, Maria Costa, Marleide Lustosa, Rodrigo Lustosa, Yago Lustosa, Marilúcia Lustosa, João Farias, Vilanir Alves, Geraldo Queiroz, Kássia Alves, Natasha Yasmim, Francisca Venâncio, Stephanie Venâncio, Agradeço aos meus amigos e amigas de Curso, que de forma muito especial fizeram a diferença na minha vida e acompanharam o meu crescimento acadêmico: Letícia Kássia, Carlos Dutra, Eide Costa, Margarida Alves, Renato Diego, Dayane dos Anjos, Patrícia Costa, Shirley Pereira, Marcus Mota, Ocirene Masciel, Joana Brito, Luci Mendes, Isis Tainah. Espero um dia encontrar todos vocês atuando enquanto Assistente Social. Agradeço também àqueles que iniciaram a graduação comigo e que por força do destino tiveram que desistir do curso ou terminá-lo em outra instituição: Alessandra Melo, Patrícia Serpa, Fabiana, Francisco (essa era a turma do barulho), Edna Casati, Lorena Moitinho. Eterna gratidão à minha skatista e amiga de todas as horas, Elizandra Reis, por sempre torcer por mim, pelo apoio e por acreditar na minha capacidade. Obrigada por compreender quando eu negava o seu convite para andar de skate, por me incentivar em terminar a graduação e quando as férias chegava, eu voltava a andar de skate meio desequilibrada por falta de treino. Você sempre me estimulava e animava. Total carinho e respeito a você. Meus sinceros agradecimentos aos amigos e amigas skatistas que acompanharam essa caminhada, torceram por mim e compreenderam a minha ausência nos roles de skate, nas viagens aos campeonatos e nos encontros aos finais semanas: Kamyla Tavares, Stephanie Tavares, Jéssica Estéfani, Lúcio Márcio, Washigton Luíz, Alice Brandão, Ângelo Joaquim, Alan Jhonny, Jerffeson Almeida, Richard Carvalho, Anne Araújo, Crhislliane Natividade, Diego Zabelé, Rayane Soares, Felipe Lopes e toda família Skateboard. Agradeço, Renata Oliveira, pela amizade e por doar essa poesia linda que engrandeceu o meu Trabalho de Conclusão de Curso. Também quero demonstrar a minha gratidão à equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) da Cidade Estrutural, especialmente às Assistentes Sociais, Sônia Matsue e Monique Dumont, por terem contribuído com a minha formação acadêmica e profissiona. Obrigada pelas risadas, pelos lanches da tarde e por terem ensinadome a colocar a teoria na prática. Agradeço também à Assistente Social, Karina, pela grande contribuição na construção deste artigo. Ao Sarau da CM, por ter disponibilizado espaço de fala a toda comunidade da Ceilândia e do Distrito Federal. Confesso que participar desse evento contribuiu bastante para superar os limites de expressar-me ao público. Obrigada por tornar as minhas terças-feiras especiais. E por fim, expresso imensa gratidão pela Frente Feminista da Ceilândia, que construiu e ainda está construindo um movimento periférico de forma tão original. Obrigada, Wemmia Anita, Árina Cynthia, Anna Bárbara, Xênia Rodrigues, Erika Franco, Amanda Silva, Veruska Hanna, Nathália Falcão, Thalita Mendes e Thayana Evellyn, por participarem desse movimento e por compreender a minha ausência nas reuniões, nos saraus, e nas intervenções sociais, a cada dia eu aprendo mais com vocês, agora somos uma irmandade! A todos, muito obrigada! Flores no lixão Na luta pela sobrevivência Existem ali Crianças que catam não só o lixo Mas catam também, motivos para sorrir E mesmo com tantas adversidades Elas enxergam nos resíduos dessa cidade Uma beleza que não é vista por quem não passa necessidade São tidas como algo banal O lixão é da Cidade Estrutural Mas o descaso é geral Não é exclusividade dessa comunidade É um problema nacional de cunho social Cadê a educação, a saúde, a moradia? Cadê a cidadania? As atitudes do nosso dia-a-dia, hostil. Fechamos os olhos para o trabalho infantil. E mesmo assim elas nos provam com o gesto mais sutil Que devemos ver além Exercer o bem sem importar a quem Por que noventa e nove nunca será cem E apesar de toda dor Direi mais, já cantava os Racionais: “Onde estiver, seja lá como for, tenha fé, por que até no lixão nasce flor”. Renata Oliveira OS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O TRABALHO INFANTIL NO LIXÃO DA CIDADE ESTRUTURAL-DF ANDRESSA LUSTOSA CAVALCANTE Resumo: O presente artigo analisa os fatores que contribuem para a inserção de crianças e adolescentes na coleta de resíduos sólidos no lixão da Cidade EstruturalDF. Contextualiza o trabalho infantil a partir do processo de industrialização até a construção das políticas públicas pautadas na garantia dos direitos da criança e do adolescente. O método utilizado foi a pesquisa qualitativa do tipo exploratória e documental. A coleta de dados foi realizada por meio de leituras dos cadastros socioassistenciais fornecidos pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social da cidade Estrutural (CREAS/Estrutural) durante a execução do Estágio Supervisionado II realizado no ano de 2013. A partir desses dados foi possível levantar informações sobre a renda mensal das famílias de crianças e adolescentes que trabalham na coleta de resíduos sólidos, além de identificar os mitos culturais sobre o trabalho infantil e verificar se as crianças e adolescentes que trabalham no lixão têm acesso aos serviços de políticas públicas de educação, assistência social, esporte, lazer e cultura. Palavras-chave: Trabalho infantil. Criança e adolescente. Lixão. Políticas Públicas. INTRODUÇÃO A participação no Projeto de Extensão “A Construção da Cidadania por meio do Fortalecimento de Cooperativas de Catadores do Distrito Federal”, conhecido como Projeto Catadores, realizado no ano de 2012 e promovido pela Universidade Católica de Brasília (UCB), possibilitou visualizar o valor do trabalho da coleta de resíduos sólidos efetivado pelos catadores bem como a contribuição que esses agentes ambientais ocasiona para o desenvolvimento sustentável do País. Assim, a partir do contato com as catadoras da Cooperativa Reciclo 1, observou-se que essas mulheres passaram por um processo histórico no qual apresentava situação de vulnerabilidade social e violações de direitos. Percebeu-se também que a renda extraída da coleta de resíduos sólidos era insuficiente para manter as suas necessidades básicas. Diante disso, houve a indagação sobre a possível inserção de crianças e adolescentes na coleta de resíduos sólidos a fim de complementar a renda da familiar. Posteriormente, por meio da experiência do Estágio Supervisionado I e II em Serviço Social, realizado no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), no ano de 2013, foi possível observar que na Cidade Estrutural-DF há grande número de crianças e adolescentes envolvidos na coleta de resíduos sólidos, e isso ocorre por diversos fatores existentes na comunidade e pelo fácil 1 As catadoras de resíduos sólidos da Cooperativa Reciclo desenvolvia até o ano de 2012, por meio do Projeto Catadores, ações de coleta seletiva dentro da Universidade Católica de Brasília. Essa atividade diminuía a concentração de papéis na instituição, gerava renda complementar para as catadoras e valorizava o trabalho da coleta seletiva. 7 acesso ao lixão localizado nessa cidade. A partir dessa problemática, vivenciada por crianças e adolescentes que trabalham no lixão da Cidade Estrutural-DF, surgiu a necessidade de pesquisar e analisar sobre os fatores que contribuem para o trabalho infantil na coleta de resíduos sólidos nesse local. Dessa forma, o presente artigo tem como objetivos levantar informações sobre a renda mensal das famílias de crianças e adolescentes que trabalham na coleta de resíduos sólidos, identificar os mitos culturais sobre o trabalho infantil e verificar se as crianças e adolescentes que trabalham no lixão têm acesso aos serviços de políticas públicas, tais como: educação, assistência social, esporte, lazer e cultura. Para compreender sobre essa temática, foi necessário contextualizar o trabalho infantil no Brasil desde o processo de industrialização, no qual utilizava a exploração da força de trabalho de crianças e adolescentes para a extração de mais-valia, passando pela naturalização do trabalho infantil como forma de disciplina e ressocialização, até a construção de políticas públicas pautadas na garantia do direito expresso no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e na Constituição Federal (CF) de 1988, também descreve sobre os fatores condicionantes e as consequências causadas pela inserção precoce no mercado de trabalho. Este artigo propõe sensibilizar a sociedade a respeito dos malefícios que ocasiona o trabalho infantil, apontando elementos importantes que compõem essa problemática bem como oferecer informações fundamentais e necessárias para os setores públicos a respeito do trabalho infantil no Lixão da Cidade Estrutural-DF, permitindo, assim, a construção de novas formas de intervenção social baseada na realidade dessa população. Este estudo pretende complementar a abundância de bibliografia já existente acerca do trabalho infantil no Brasil. Pesquisar especificamente sobre essa questão social contribui para subsidiar outras teses que propõem o mesmo recorte de tema, levando-nos a compreender sobre esse fenômeno causado pela desigualdade social existente em nosso país. 1 METODOLOGIA A partir da historicidade que legitima e contribui para o trabalho infantil, este artigo foi elaborado por meio do método dialético. Segundo Gil (1999), a dialética interpreta a realidade de forma dinâmica e totalizante, assim ela não analisa os fatos sociais de forma isolada, separado da conjuntura política, econômica e cultural. Dessa forma, foi escolhido a aplicabilidade desse método, pois o trabalho realizado por crianças e adolescentes está interligado a vários fatores inerente a essa realidade. O método utilizado foi a pesquisa qualitativa do tipo exploratória, visto que “as pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, do tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (GIL, 1999, p. 43). Segundo Minayo (2009, p. 21), a pesquisa qualitativa “[...] trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes [...]”. Ou seja, essa abordagem difere da pesquisa quantitativa, pois ela busca compreender a realidade vivenciada por um grupo social. “O universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, representações e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos [...]” (MINAYO, 2009, p. 21). 8 Para produzir conhecimento referente ao trabalho infantil, foi adotada a pesquisa bibliográfica. De acordo com Gil (1999), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de materiais já publicados, tais como: livros, revistas, teses dissertações, monografias etc. Outro método utilizado foi a pesquisa documental, com coleta de dados realizada por meio de diário de campo do Estágio Supervisionado I e II, feito no CREAS/Estrutural no ano de 2013, onde constam dados referentes a 16 cadastros socioassistenciais de crianças e adolescentes que trabalham no Lixão. Para Gil (1999, p. 66), “[...] a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborado de acordo com os objetivos da pesquisa”. Por fim, para a análise e interpretação dos dados, utilizou-se da análise de conteúdo que consiste em: [...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 2009, p. 44). 2 O TRABALHO INFANTIL NO CONTEXTO BRASILEIRO O trabalho infantil é um fato histórico que existe no Brasil desde o Período Colonial, porém foi a partir do processo de industrialização que a inserção de crianças e adolescentes no mercado de trabalho se intensificou devido à exploração da mão de obra barata, a qual contribui para a obtenção da mais-valia. Desse modo, “[...] quando a Revolução Industrial chega ao Brasil, principalmente as indústrias têxteis, passam a utilizar esse tipo de mão de obra a custos bem mais baixos, como elemento de exploração e de acumulação de riquezas” (GIOSA, 2010, p. 18). O sistema capitalista gerou uma situação de vulnerabilidade social nas famílias que se deslocaram do meio rural para os centros urbanos em busca de emprego, assim “[...] a industrialização se inicia, com migrações para a cidade [...]” (FALEIROS, 2009, p.37). Logo, ocorre superlotação de pessoas nas grandes cidades em busca de emprego. De acordo com Faleiros (2006), devido ao desenvolvimento das forças produtivas, origina-se uma população excedente, portanto os trabalhadores excluídos do mercado de trabalho compõem um exército industrial de reserva. [...]Tendo em vista a grande disponibilidade de mão de obra, o valor da força de trabalho caía, obrigando os trabalhadores a se submeterem a extensas cargas horárias e a salários irrisórios. A baixa remuneração atingia de tal forma a sociedade que levou famílias inteiras a ingressarem nas fábricas, homens, mulheres, e crianças submetidos a condição de trabalho precárias, sem nenhuma segurança. (GIOSA, 2010, p. 16). Diante o exposto, a desigualdade social gerada pelo sistema capitalista determinou a inserção de crianças e adolescentes no mundo do trabalho, incumbindo a população infanto-juvenil a se responsabilizar pelo complemento da renda familiar, função esta que deveria ser designada somente ao adulto. Segundo Silva (2003), devido o processo de industrialização, a partir do século XIX, o trabalho 9 infantil passa a ser considerado como um reflexo das múltiplas expressões da Questão Social, designando, assim, o fenômeno social da pobreza. A exploração do trabalho infantil também, circunscreve-se, no mundo da exploração capitalista com a crescente instabilidade econômica e flexibilização no trabalho que gera precarização dos postos de trabalho dos adultos, impulsionando, desse modo, a ascendente superexploração de crianças e jovens. Todo esse processo destrutivo da força humana de trabalho resulta na exploração de milhões de crianças, em virtude de milhões de pais e mães serem jogados no desemprego e na miséria [...]. (PADILHA, 2009, p. 2). De acordo com Antunes (2011), a classe trabalhadora vem sofrendo transformações profundas, e a disponibilidade da força humana para o trabalho assumiu duas características específicas: homens e mulheres que estão cada vez mais exercendo trabalhos em situações precárias, parciais, temporários, terceirizados; e homens e mulheres que estão vivenciando situações de desemprego. Na realidade as famílias são vítimas do processo de exploração da força de trabalho, não encontraram outra solução de subsistência a não ser a de introduzir os filhos precocemente no mercado de trabalho para ajudar a suprir as necessidades básicas. Portanto, “[...] o trabalho da criança tem suas bases assentadas no desemprego estrutural (que afeta o(a) pai/mãe de família) na chamada reestruturação produtiva [...], na reorganização do capital e na desorganização do trabalho [...]” (SILVA, 2003, p. 4). 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS O conceito que traz o trabalho como uma atividade na qual dignifica o ser humano enraizou-se por meio da expansão do sistema capitalista. Padilha (2009) destaca que essa ideologia veio para aflorar sentimentos nacionalistas a fim de proporcionar a superação da preguiça e do ócio. Contudo essa ideologia se aplicava apenas para a classe trabalhadora, a qual estava sujeita a ameaçar a ordem social. Assim, “[...] a classe dominante fazia apologia do trabalho infantil como solução para todas as distorções da sociedade, sobretudo as morais” (PADILHA, 2009, p. 3). No Brasil o trabalho infantil é marcado pelo contexto histórico de combate à ociosidade. As crianças e os adolescentes em situação de rua eram incentivados a trabalhar, pois “[...] a ociosidade seria o ponto de partida, inclusive, para a criminalidade, considerada um dos mais degradantes males da sociedade [...]” (RIZZINI, 2008, p. 54). Na lógica burguesa, “[...] as crianças e os adolescentes pobres e desocupados são considerados vagabundos, desordeiros e desrespeitosos da moralidade das famílias [...]” (KEIL, 2005, p. 22). Dessa maneira, o trabalho era visto como uma forma de disciplinar e reabilitar as crianças e adolescentes abandonadas, pobres, órfãos, em situação de rua. A consolidação do capitalismo industrial e o acelerado desenvolvimento urbano provocado pelo novo contexto produziram uma massa de crianças exploradas, abandonadas, mendigas e consideradas vadias. Pauperização e miséria traçam um quadro de péssimas condições para as camadas pobres [...]. (KEIL, 2005, p. 22). 10 Assim, a classe elitizada se sentiu ameaçada com a crescente população infanto-juvenil pobre vista como delinquentes e começou a cobrar do Estado medidas que garantisse segurança. Segundo Rizzini (2008), no final do século XIX, as crianças abandonadas e em situação de pobreza eram identificadas como gravíssimo problema social, demandando ações urgentes do Estado a fim de evitar danos que poderiam ser causados à sociedade. Dessa forma: Os setores dirigentes [...] demonstraram apreensão com o crescente número de crianças desamparadas, habitantes das ruas da cidade. Para elas providenciou asilos e reformatórios, instituições moralizadoras, onde o trabalho se constituía em importante recurso pedagógico. (MORAES, 2000, p. 73). Em 1902 foi criado o Instituto Disciplinador para atender aos interesses da classe dominante. A instituição legitimava o trabalho realizado por crianças e adolescentes a fim de contribuir para a regeneração, educação e reinserção social. Rizzini (2008) destaca que várias instâncias de intervenção foram criadas, porém a preocupação maior era manter a paz social e o futuro da nação, havia a necessidade de proteger as crianças, as quais eram consideradas ora em perigo, ora vistas como perigosas. Esse discurso era bastante ambíguo, pois ao mesmo tempo em que propunha fornecer proteção às crianças, também tinha o propósito de contê-las para defender a própria sociedade. A estratégia de encaminhamento da criança pobre para o trabalho articula o econômico com o político, referindo-se ao processo de valorização/desvalorização da criança enquanto mão–de-obra, como se a desigualdade social fosse natural. Nessa ótica, aos pobres e dominados caberia trabalhar, aos ricos e dominantes caberia dirigir a sociedade [...]. (FALEIROS, 2009, p. 34). Assim, as crianças e adolescentes pertencentes à classe trabalhadora eram criminalizadas e culpabilizadas pela situação de vulnerabilidade em que se encontravam. Para as crianças pobres, o trabalho era aceito como a única forma de ressocialização, àquelas que pertenciam à classe elitizada não representava risco à sociedade, então a elas não era destinado o trabalho. Segundo Souza e Souza (2010), nas duas primeiras décadas do século XX ocorre em São Paulo diversas reivindicações dos sindicalistas e dos operários que trabalhavam na indústria fabril para protestar contra a exploração da mão de obra de mulheres e crianças bem como a baixa remuneração e a precariedade na condição de vida dos trabalhadores. O movimento operário, na luta e nas reivindicações, para a regulamentação legal das condições de trabalho, provoca uma interlocução com o Estado, vendo nele e exigindo dele a possibilidade de uma legislação protetora e regulamentadora do trabalho. (PADILHA, 2009, p. 3). De acordo com Faleiros (2009), em 1917 e 1919, os operários de diversas regiões e de São Paulo fizeram várias greves e expuseram as suas insatisfações em relação aos baixos salários e a péssima condição de trabalho. A partir disso, a classe dos trabalhadores começa a tomar consciência de sua força, enquanto massa mobilizada e passa a exigir do Estado medidas cabíveis para proteger as crianças e os adolescentes. 11 A legitimidade da intervenção do Estado no domínio do mercado de trabalho vai-se firmando gradualmente durante a primeira metade dos anos 1920 do século passado, para completar-se definitivamente em 1926, por ocasião da reforma da Constituição Federal. (PADILHA, 2009, p. 05). Em 1926 foi proposto o primeiro Código de Menores instituído pelo Decreto Legislativo nº 5.083/1926 “[...] que autoriza o governo a decretar o Código de Menores, levando em conta ainda o Código Civil e o Código Penal” (FALEIROS, 2009, p. 46). O Código de Menores foi promulgado em 1927, pelo Decreto nº 17.943-A, o qual consolidava as leis de assistência e proteção. Entretanto, essa legislação era empregada apenas para combater a criminalidade infanto-juvenil bem como regularizar o termo “menor” para referenciar às crianças e aos adolescentes pobres como abandonados e delinquentes. O Código de Menores serviu de instrumento para subjulgar crianças sob o rótulo da ‘menoridade’, conforme sua condição social, considerando como abandonada aquelas com idade inferior a dezoito anos, que não tivesse quem os cuidasse, ou, mesmo na companhia dos pais, tutor ou outra pessoa responsável, tivessem tais práticas contrárias à moral e bons costumes, promovendo uma espécie de educação orientada para civilização da infância, e pretendendo evitar a delinquência e os maus-tratos contra criança. (SOUZA e SOUZA, 2010, p. 23). De acordo com Souza e Souza (2010), além de prevenir a delinquência, o Código de Menores de 1927 também se preocupava em construir uma tradição de promoção ao trabalho, contudo foi vetado o trabalho para as crianças com idade abaixo de 12 anos, salvo, para aqueles com idade superior a 12 anos e inferior a 14 anos era permitido o trabalho, desde que obtivesse certificado de escolaridade primária. Art. 102. Igualmente não se podem ocupar os maiores dessa idade que contém menos de 14 anos e que não tenham completando sua instrução primária. Todavia a autoridade competente poderá autorizar o trabalho destes, quando o considere indispensável para a subsistência dos mesmos ou de seus pais ou irmãos, contato que recebam a instrução escolar, que lhes seja possível. (BRASIL, 1927). Desse modo, “[...] a lei, aliás, não proíbe o trabalho de menores, mas limita a idade e as horas de trabalho. Ou seja, a estratégia de manutenção das crianças no trabalho é a prática que contraria o discurso da proteção [...]” (FALEIROS, 2009, p. 40). De acordo com Souza (2004), essa legislação não enxergava a real necessidade da população infanto-juvenil, desconsiderando a desigualdade socioeconômica e a realidade social vivenciada por crianças e adolescentes pobres. O Código de Menores foi revogado pela Lei nº 6.697 de 1979 e teve poucas mudanças. As crianças e os adolescentes ainda eram tratados como objetos de medidas judiciais e considerados legalmente como indivíduos em “situação irregular”. Então, “[...] o antigo código funcionava como instrumento de controle, transferindo para o Estado a tutela dos ‘menores inadaptados’ e assim, justificava a ação dos aparelhos repressivos [...]” (SOUZA, 2004, s/n). O Código de Menores foi criado para segregar as crianças e adolescentes pobres do convívio social e manter a ordem social, resguardando a sociedade de qualquer risco material, pessoal ou moral, pois “[...] os meninos que pertenciam a 12 esse segmento da população, considerados carentes, infratores ou abandonados eram, na verdade, vítimas da falta de proteção do Estado” (SOUZA, 2004, s/n). A ideia de ressocializar as crianças e adolescentes, por meio do trabalho, ficou expressa por muito tempo em nossa sociedade. Destaca-se que foi a partir da promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 que as crianças e os adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos. Em 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), houve um posicionamento contrário por parte do Estado sobre o trabalho infantil. Segundo Santos (2009), o ECA dá início a uma fase de transformação no sistema de proteção para crianças e adolescentes brasileiros, pois rompe com a intervenção jurídicoestatal presente no Código de Menores e passa a reconhecer a criança e o adolescente, conforme expresso na Constituição Federal de 1988, Art. 227, como sujeitos os quais possuem direito: [...] à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). A Constituição Federal responsabiliza o Estado, a família e a sociedade civil por assegurarem esses direitos. Assim, as crianças e os adolescentes passam a ser considerados como um ser em pleno desenvolvimento e por esse motivo devem ser privados de torturas, exploração sexual, trabalho penoso, negligência, discriminação, violência, etc. Segundo o ECA, Art. 2º: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa de até doze anos de idade incompletos e adolescentes aqueles entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990). Contudo, nessa fase, faz-se necessário que esses indivíduos recebam atenção e cuidados ampliados, pois estão em fase de desenvolvimento e precisam de proteção integral. Com a promulgação do ECA, todo e qualquer trabalho realizado por aqueles com idade inferior a 16 anos é ilegal, salvo, na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. 2.2 FATORES CONDICIONANTES Destaca-se que, atualmente, mesmo com a regulamentação das legislações e implantações de políticas, projetos e programas de proteção às crianças e aos adolescentes, a exploração do trabalho infantil ainda acontece em nossa sociedade e está relacionada às crianças e aos adolescentes pobres. “Embora não se possa apresentar a pobreza, de forma isolada, como responsável pelo envolvimento precoce de crianças no mundo do trabalho, ela é, com frequência, apontada como a principal causa [...]” (RIZZINI, RIZZINI, HOLANDA, 1996, p. 47). As famílias, vítimas das múltiplas expressões da questão social produzida pelo sistema capitalista, estão cada vez mais excluídas do mercado de trabalho, portanto a inserção de crianças e adolescentes no mundo do trabalho é essencial para produzir uma renda complementar para a sua sobrevivência. Nesse contexto, a “velha questão social” metamorfoseia-se, assumindo novas roupagens. Ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que o impulsionam. Fratura esta que vem se traduzindo na banalização da vida humana, na violência escondia no fetiche do dinheiro e 13 da mistificação do capital ao impregnar todos os espaços e esferas da vida social. [...] O alvo principal são aqueles que dispõem apenas da sua força de trabalho para sobreviver: além do segmento masculino adulto de trabalhadores urbanos e rurais, penalizam-se velhos trabalhadores, as mulheres e as novas gerações de filhos da classe trabalhadora, jovens e crianças, em especial negros e mestiços. (IAMAMOTO, 2012, p. 143-144). Assim, para Iamamoto (2012), a questão social é o reflexo das desigualdades econômicas, políticas e social. Contudo, esse fenômeno, no qual não é recente nas relações sociais capitalistas e por isso utiliza o termo “velha questão social”, é inseparável do processo de acumulação do capital bem como do efeito que produz na classe trabalhadora e suas organizações. Mesmo apontando a condição de pobreza como um dos fatores principais do trabalho infantil, pode-se citar a cultura de naturalizar essa prática como uma das causas determinantes, condicionando as famílias e os indivíduos a perceberem o trabalho realizado por crianças e adolescentes como um método que possibilita o afastamento desses das ruas e da criminalidade. Destaca-se que essa naturalização do trabalho infantil é herdada da classe dominante, a qual pretendia preencher o tempo das crianças e adolescentes pobres bem como discipliná-los moralmente. [...] a pobreza, assim como fatores de ordem cultural, contribuem para o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Um desses fatores é a crença em que o trabalho é disciplinador e desenvolve o senso de responsabilidade no indivíduo [...]. (RIZZINI, RIZZINI, HOLANDA, 1996, p. 46). A cultura de naturalização do trabalho infantil é emanada do sistema capitalista do qual derivou a desigualdade social causada pela apropriação do capital e pela produção da mais-valia. Essa cultura legitimou o trabalho realizado por crianças e adolescentes a fim de contribuir para a manutenção da “ordem social”. De acordo com Chauí (2009), a definição de cultura passou por diversas denominações, porém a partir da metade do século XX os antropólogos europeus abrangeram alguns conceitos de cultura cujos não existiam anteriormente. Dessa forma: [...] A cultura passa a ser compreendida como o campo em que os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, a direção da linha do tempo (passado, presente e futuro), as diferenças no interior do espaço (a percepção do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores – o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto – que instauram a idéia de lei e, portanto, do permitido e do proibido, determinando o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano. (CHAUÍ, 2009, p. 57). Entretanto, para Chauí (2009), é impossível sustentar um conceito de cultura em uma sociedade divida em classes sociais, pois dentro dessa sociedade de classes está estabelecida a divisão da cultura. Dessa forma, a cultura é classificada como cultura dominante, a qual representa a classe opressora e, cultura dominada, a que representa a classe oprimida. Desse modo: [...] o lugar da cultura dominante é bastante claro: é aquele a partir do qual se legitima o exercício da exploração econômica, da dominação política e da exclusão social. Mas esse lugar também torna mais nítida a cultura popular como aquilo que é elaborado pelas classes populares e, em particular, pela classe trabalhadora, segundo o que se faz no pólo da 14 dominação, ou seja, como repetição ou como contestação, dependendo das condições históricas e das formas populares de organização. (CHAUÍ, 2009, p. 59). Percebe-se que, após a extinção do Código de Menores e a conquista dos direitos das crianças e dos adolescentes, a cultura de legitimar o trabalho infantil, a fim de desenvolver as capacidades laborativas, de ressocialização, de combate à ociosidade e à criminalidade de crianças e dos adolescentes, é transferida da classe dominante para a classe dominada, naturalizando a prática do trabalho infantil pela classe trabalhadora. “O mito do trabalho infantil como forma de formação moral e encaminhamento das crianças de classe trabalhadora para vida laboral ainda se mantém impregnada na cultura brasileira [...]” (PADILHA, 2009, p. 5). [...] Atualmente muitos adolescentes não trabalham para garantir a sobrevivência de suas famílias, mas para aceder a bens de consumo, como tênis, roupas de marca, videogames, celulares, ou fazer atividades de cultura e lazer, como shows, cinema e viagens. São aspirações materiais que nem suas famílias nem os programas de transferência de renda podem satisfazer. Eles entram no mercado de trabalho, muitas vezes em empregos precários e informais, em busca de inclusão social, autonomia e independência econômica. Mas vale ressaltar que, ainda que essas famílias prescindam dos rendimentos desses adolescentes para o sustento familiar, isso não significa que não sejam de baixa renda. (BRIANEZI, GUERRERO, SUCUPIRA, 2013, p. 7). Destaca-se que, com as inovações das tecnologias e a contribuição da mídia televisa, são divulgados bens de consumo nos quais a classe trabalhadora não tem condição de oferecer aos filhos. Assim, o anseio de obter esses produtos é outro fator que estimulam a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho. 2.3 CONSEQUÊNCIAS DA INSERÇÃO PRECOCE NO MERCADO DE TRABALHO As crianças ou os adolescentes que trabalham passam por diversas violações de direitos, eles estão expostos a vários riscos que podem afetar desde a sua saúde até o seu desenvolvimento físico, psíquico e social. Um dos danos que prejudicam esses indivíduos são os acidentes que ocorrem no ambiente de trabalho, geralmente ocasionado pela falta de habilidade e capacidade para operacionalizar alguns instrumentos. Assim, as empresas que empregam crianças e adolescentes colocam à disposição destes, equipamentos e produtos perigosos, condições insalubres de trabalho com grande quantidade de agentes físicos, químicos, biológicos, além de não disporem de condições de organização do trabalho adequadas à execução de tarefas de forma segura e saudável, tendo como consequência excessiva carga física e psíquica, expondo-os a doenças, acidentes de trabalho, deformidades físicas, envelhecimento precoce, retardo no crescimento e desenvolvimento psicológico [...]. (BRASIL, 2000, p. 21). De acordo com Kassouf (2005), as crianças não têm noção do perigo em que estão sujeitas no ambiente de trabalho e, quando acontece algum acidente, possivelmente, não sabem como reagir. Além disso, as crianças são muito sensíveis ao calor, barulho, produtos químicos, radiação e entre outros produtos que prejudicam à saúde. Ainda assim, 15 [...] o fato de trabalhar e ter de submeter-se, inibe seus anseios naturais de brincar e expressar seus desejos e interesses. Como o brincar cumpre na infância um papel muito maior do que a busca do prazer e diversão, fornecendo a oportunidade de reviver, entender e assimilar os mais diversos modelos e conteúdos das relações afetivas e cognitivas, e como passa a temer ser punida por expressar-se livremente, ocorre um empobrecimento tanto no que se refere à sua capacidade de expressão quanto de compreensão. (LIMA, 2002, p. 5). Portanto, o trabalho forçado e repetitivo limita o tempo de lazer da criança e do adolescente, prejudicando as suas funções psicológicas. Ressalta-se que “[...] nesta fase da vida é importante a realização de brincadeiras e jogos, possibilitando a construção de um adulto psiquicamente equilibrado e saudável”. (BRASIL, 2000, p. 24). Outro fator que ocasiona danos na vida desses indivíduos é a fadiga física e mental, ocasionada pelo esforço executado durante a jornada de trabalho, assim o interesse em ir à escola fica escasso devido às condições de exaustão em que se encontram. Segundo Lima (2009), a dificuldade de aprendizagem está associada ao cansaço físico que as crianças e adolescentes sentem depois de um dia intenso de trabalho. [...] as criança e adolescentes que trabalham apresentam maiores índices de evasão escolar à medida que aumenta a idade. Aos 12 anos, aproximadamente, a quarta parte já não vai à escola. A defasagem escolar mantém, também, uma relação estreita com o trabalho, uma vez que, as crianças e os adolescentes que trabalham, progridem mais lentamente na escola [...]. (RIZZINI, RIZZINI, HOLANDA, 1996, p. 86). A criança ou o adolescente que ingressam no mercado de trabalho têm um baixo desempenho escolar, pois devido ao estado de cansaço não conseguem se concentrarem da mesma maneira que os outros estudantes ou simplesmente eles não têm ânimo para frequentar a escola. Assim: A preocupação para com este segmento em formação numa sociedade é da maior importância, pois a infância que se extenua no trabalho está sendo impedida de se educar e de se dedicar a atividades próprias à sua faixa etária. Isto significa que cada uma destas crianças está sendo prejudicada no desenvolvimento de suas potencialidades [...]. (RIZZINI, RIZZINI, HOLANDA, 1996, p. 19). Diante disso, a oportunidade de obter formação profissional fica comprometida, pois a maior parte do seu tempo é dedicada ao trabalho deixando a escola em segundos planos. Sendo assim, as crianças ou os adolescentes que não frequentam a escola diminuem as chances de construir uma carreira profissional devido à insuficiência de conhecimento e de profissionalização. Segundo Rizzini, Rizzini, Holanda (1996), esses indivíduos raramente conseguem qualificação profissional que possa oferecer-lhes capacitação adequada para competir de forma favorável no mercado de trabalho. Logo, são condicionados a concorrerem futuramente no mercado de trabalho de maneira desleal, gerando assim uma reprodução social da pobreza. 16 3 O TRABALHO INFANTIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS A construção dos direitos fundamentais, que consolida uma política pública para as crianças e os adolescentes, foi se firmando no Brasil ao final da década de 1980. De acordo com Faleiros (2009), o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) teve participação significativa para evidenciar nacionalmente o debate sobre a questão da política para a infância. Esse movimento mobilizou a sociedade para exigir, junto com intelectuais, progressistas, promotores, Pastoral do Menor e parlamentares, a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual fornece proteção integral à população infanto-juvenil e as reconhece como cidadãos. Por isso, a teoria da proteção integral deixa de se constituir apenas como obra de juristas especializados ou como uma declaração de princípios propostos pela Organização das Nações Unidas, uma vez que incorporou na sua essência a rica contribuição da sociedade civil brasileira. (CUSTÓDIO, 2008, p. 27). Dessa forma, a doutrina de proteção integral, construída no confronto da doutrina de “situação irregular”, está expressa no Art. 1º da Lei 8.069/90, ECA, o qual reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais e especiais. A base jurídica que legitima essa proteção consta na Constituição Federal de 1988, no ECA, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção sobre os Direitos da Criança. A partir da implementação do ECA, as crianças e os adolescentes são considerados como um ser em desenvolvimento, providos de direitos pessoais e sociais sem nenhum tipo de discriminação, permitindo o desenvolvimento físico, mental e social. Antes do ECA havia políticas sociais compensatórias e repressoras. Destacam-se entre elas a Política Nacional de Bem-Estar Social (Funabem e congêneres), a segurança pública e a justiça de menores. Porém, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do ECA, as políticas públicas voltadas para a infância e juventude passam a ter caráter de promoção de direitos, de universalização e descentralização. Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe um novo sistema de garantias, prevendo a ação articulada entre família, o Estado, a comunidade e a sociedade em geral na efetiva dos direitos fundamentais da infância, [...] articulado ao princípio da descentralização políticaadministrativa [...]. (SOUZA, SOUZA, 2010, p. 37). No que tange ao direito de proteção ao trabalho à infância e à juventude, o Brasil adota a Convenção nº 138 a fim de reforçar a atenção para essa questão, assim, essa convenção força os países a instituir uma política nacional de combate ao trabalho infantil. A Convenção nº 138, a Recomendação 146, ditada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em uma conferência geral realizada no ano de 1973, na sua 58.ª reunião, determina a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho. No seu Art. 2.º, parágrafo 3, expõe que “a idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1.º desse artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos” (BRASIL, 2002). 17 No Brasil a Constituição Federal de 1988, no Art. 7.º, inciso XXXIII, regulamenta o trabalho para os maiores de 16 anos e a partir do 14 anos, salvo, na condição de aprendiz. Porém, aos adolescentes empregados na condição de aprendiz, é necessário seguir alguns princípios estabelecidos no Art. 63 do ECA, dentre eles destacam-se: frequência escolar obrigatória; atividades compatíveis ao seu desenvolvimento; remuneração por meio de bolsa de aprendizagem; proteção para as pessoas com deficiência; horário especial para realizar as atividade e direito trabalhista e previdenciário. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou nãogovernamental, é vedado trabalho: I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e às cinco horas do dia seguinte; II - perigoso, insalubre ou penoso; III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola. (BRASIL, 1990). Sendo, assim, a Convenção nº 138 e a Recomendação 146, em seu Art. 3.º, proíbem até os 18 anos a execução de qualquer tipo de trabalho ou emprego considerado prejudicial à saúde, à segurança e à moral dos adolescentes. [...] Há de se destacar que, para a ratificação da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho, o Brasil precisou tomar medidas para a adequação da sua legislação, das quais a mais destacada foi a aprovação da Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, que elevou os limites de idade mínima para o trabalho previstos no texto original aprovado em 05 de outubro de 1988. (SOUZA, SOUZA, 2010, p. 30). De acordo com Souza e Souza (2010), a Convenção nº 138 foi ratificada no Brasil apenas em 15 de fevereiro de 2002, pelo Decreto presidencial nº 4.134. Portanto, após a sua criação, o país demorou quase três décadas para adotar uma política nacional de erradicação do trabalho infantil e de elevação da idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho. A política de atendimento à criança e ao adolescente deve ser executada “através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios” (BRASIL, 1990). Dessa forma, para prevenir o trabalho infantil, garantir os direitos das crianças e dos adolescentes e efetivar o que está escrito na legislação, é necessário que haja políticas públicas eficazes, as quais possam fornecer educação, assistência social, esporte, lazer e cultura de forma universalizada e articulada em redes. 3.1 EDUCAÇÃO A política de educação no Brasil está expressa no Art. 6 da Constituição Federal como direito social do cidadão bem como está exposto no Art. 205 que a educação é direito de todos e dever do Estado. Assim, “[...] será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Toda criança e adolescente tem o direito de acessar a política de educação, a qual irá contribuir para a sua formação profissional, pessoal e social. Dessa maneira: 18 É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 1990). Segundo Souza e Souza (2010), existem muitos limites e desafios a ser superados no campo educacional, mesmo com o aumento dos questionáveis investimentos públicos na área da educação e os esforços para universalizar o ensino superior por meio de programas que oferecem bolsas para o ingresso em universidades, a educação básica em escolas públicas no Brasil ainda é precarizada e sucateada. Ao comparar o ensino oferecido em escolas públicas e o ensino ofertado em escolas privadas, percebe-se a diferença alarmante na qualidade de ensino e de infraestrutura. [...] As crianças ricas recebem uma educação de qualidade para formação da classe burguesa. Enquanto isso, às crianças pobres são oferecidas uma educação na qual basta saber a leitura e escrita, pois consideram que é suficiente o aprendizado de um oficio. (ALMEIDA, 1998 apud SOUZA, SOUZA, 2010, p. 46). Logo, compreende-se que, a educação de qualidade é destinada apenas para crianças e adolescentes que possuem condição de financiá-la. Ou seja, a educação foge do princípio de universalidade e passa a ter um caráter mercadológico, ideologia esta herdada da política econômica neoliberal. Assim, essa “[...] Lógica [...] retira cada vez mais a responsabilidade do Estado pelo provimento de uma educação pública de qualidade [...]” (ALMEIDA, 2012, p.15). Brianezi, Guerrero e Sucupira (2013) salientam que para enfrentar o trabalho infantil é fundamental que haja uma educação pública de qualidade e em tempo integral, contudo não se trata de qualquer tipo de educação, pois é necessária a construção de uma escola que seja atraente, possua ambiente acolhedor e promova uma educação completa, proporcionando atividades esportivas, culturais e de lazer. Daí a necessidade de promover uma cultura de educação para a plena cidadania, incentivando a construção do pensamento crítico, autônomo e emancipador, capaz de superar os mitos do trabalho infantil que legitimam a exploração de milhões de crianças e adolescentes brasileiros. (SOUZA SOUZA, 2010, p. 47). A educação básica no Brasil não possui estratégias de intervenção para formar cidadãos com uma visão crítica para a realidade bem como não oferece instrumentos que possam atrair o interesse das crianças e dos adolescentes a obter frequência diária na escola. Logo, pode-se afirmar que esse é uns dos elementos que justificam a ocorrência da evasão escolar. Uma educação verdadeira de qualidade não pode ser algo objetivamente determinado, pois é preciso reconhecer que cada criança tem sua cultura e vivência, e seu desenvolvimento depende do reconhecimento dessas 19 condições. Assim o papel da escola deve ser inclusivo, permitindo o acesso de todos ao conhecimento [...]. (SOUZA, SOUZA, 2010, p. 47). De acordo com o Art. 58 do ECA, a educação deve ser pautada no respeito aos valores culturais, artísticos e históricos das crianças e adolescentes, permitindo a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura. Todavia, na realidade é possível verificar uma “[...] proposta de educação ajustadas à lógica do mercado, bem como a fragmentação de dualidade entre o pensar e o fazer [...]” (ALMEIDA, 2012, p.16). Portanto, a educação não deve ser empregada apenas para suprir aos interesses do mercado, que utilizam a educação como uma política que favorece apenas a reprodução do capital. A educação e o trabalho aparecem desvinculados da dimensão antológica do trabalho e reduzidos a fatores de produção, regulados e subordinados as leis do mercado; sua adaptabilidade e funcionalidade respondem pelos interesses de manutenção da ordem capitalista. (PADILHA, 2014, p. 10). Segundo Souza e Souza (2010), as diretrizes do Plano Nacional de Combate ao Trabalho Infantil proporcionam uma atenção especial voltada para a garantia de escola pública de qualidade para crianças e adolescentes bem como a inclusão dos pais no sistema educacional, pois o nível de escolarização das famílias é um fator que contribui para evitar o ingresso precoce no mercado de trabalho. Assim: Percebe-se, no Distrito Federal, uma relação direta entre a escolaridade da pessoa responsável pelo domicílio e a ocorrência de trabalho infantil. Quanto maior a escolaridade da pessoa responsável, menor a incidência de trabalho entre pessoas de 10 a 17 anos: 94,2% dos jovens de famílias chefiadas por pessoas com ensino superior completo apenas estudam, enquanto esse número é de 82,8% entre aqueles cujos chefes de família não têm instrução (CODEPLAN, 2013, p. 24). Portanto, “os baixos níveis de educação tendem a reproduzir o ciclo vicioso da pobreza, pois constituem fatores da maior relevância na determinação da inserção do processo de produção capitalista” (RIBEIRO, 2002, p.12). Visto que uma educação de qualidade é considerada como uma das principais políticas públicas capazes de enfrentar o trabalho realizado por crianças e adolescentes, além disso é possível afirmar que ela sozinha não consegue prevenir o trabalho infantil. Para garantir a proteção integral de crianças e adolescentes, é necessário que a educação se interaja com a Política de Assistência Social e execute trabalho em rede a fim de enfrentar a pobreza e combater o trabalho realizado por crianças e adolescentes. 3.2 ASSISTÊNCIA SOCIAL Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a assistência social passou a ser reconhecida como política pública que atua no âmbito da proteção social e junto com a saúde e a previdência social compõem o sistema de Seguridade Social. Desse modo: A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da 20 sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, 1993). A assistência social traça estratégias de intervenção com objetivo de garantir proteção social às crianças e aos adolescentes, aos idosos, aos deficientes, às famílias em situação de vulnerabilidade, ameaças ou risco pessoal, além de trabalhar na perspectiva de garantias de direitos e provimento de serviços socioassistenciais. Diante disso, a assistência social oferece aos indivíduos dois tipos de proteção social: a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE). Esta divide-se em proteção social de média complexidade e proteção social de alta complexidade. “A Proteção Social Básica tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários [...]” (BRASIL, 2004). Ela possui caráter preventivo e atende a população que se encontra em situação de vulnerabilidade social devido à pobreza, à ausência de renda, à carência de serviços públicos e à fragilização de vínculos afetivos. Os serviços de Proteção Social Básica são ofertados no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Como uma Unidade Pública Estatal, o CRAS oferece serviços e ações de proteção básica com o objetivo de prevenir os riscos pessoais e sociais. Desse modo, “[...] engloba serviços, programas e projetos locais de acolhimento e socialização [...], além da transferência de renda através do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e dos Benefícios Eventuais [...]” (COELHO, 2012, p. 23). A Proteção Social Especial (PSE) se configura na proteção às famílias e aos indivíduos em situação de risco social e pessoal “[...] por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras” (BRASIL, 2004). Assim, enquanto a PSB trabalha na perspectiva de prevenção, a PSE busca assegurar proteção às famílias e aos indivíduos que estão em situação de violação de direitos. A PSE de média complexidade oferece atendimento para aqueles que estão com seus direitos violados, porém os vínculos familiares e comunitários ainda não foram rompidos. Os serviços são ofertados pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), “[...] visando à orientação e o convívio sócio-familiar e comunitário [...]” (BRASIL, 2004). Neste sentindo, requerem maior estruturação técnico-operacional e atenção especializada e mais individualizada, e, ou, de acompanhamento sistemático e monitoramento, tais como: serviço de orientação e apoio sócio-familiar, plantão social, abordagem de rua, cuidado no domicílio, serviço de habilitação e reabilitação na comunidade das pessoas com deficiência, medidas sócio-educativa em meio aberto (Prestação de Serviços a Comunidade – PSC – e Liberdade Assistida – LA). (BRASIL, 2004). A PSE de alta complexidade oferece atendimentos para aqueles que não possuem mais laços familiares e comunitários, [...] garante proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para as famílias e indivíduos que se encontram sem 21 referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e/ou comunitário [...]. (BRASIL, 2004). O trabalho infantil é considerado como uma violação de direito, cujos vínculos familiares ainda não foram rompidos, desse modo, as crianças e os adolescentes inseridos precocemente no trabalho são resguardados pela PSE de média complexidade. Assim “a PSE de média complexidade oferta dois serviços que contribuem diretamente para o enfrentamento ao trabalho infantil: o PAEFI2 [...] e o Serviço Especializado em Abordagem Social [...]” (BRASIL, 2010a). O CREAS é a unidade pública estatal responsável por ofertar o PAEFI que consiste no: Serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social. (BRASIL, 2009). O PAEFI trabalha na centralidade da família, com o intuito de fortalecer os vínculos familiares, por meio de acompanhamento especializado, fornecendo assim aos usuários atendimento continuado a fim de promover a potencialização de recursos e a proteção para aqueles que se encontram em situação de risco pessoal, por violação de direitos. O desligamento da família do serviço só é efetivado quando há a superação da situação de trabalho infantil. Ressalte-se que, quando identificadas as situações de trabalho infantil, o PAEFI procederá ao acompanhamento familiar por no mínimo 3 meses, com vistas a contribuir para a imediata retirada de crianças e adolescentes do trabalho, para o cumprimento das condicionalidades de frequência ao SCFV, à escola, e para a saúde, proporcionando orientação e acompanhamento da família [...]. (BRASIL, 2010a). Segundo o Fluxo de Atendimento: proteção à criança e ao adolescente em situação de trabalho infantil no Distrito Federal (BRASIL, 2013), quando ocorre o desligamento do PAEFI, a família, que foi acompanhada pelo CREAS, deverá ser atendida pelo CRAS por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Indivíduo. Destaca-se que esse referenciamento deve ser executado pelo CREAS. O PAIF consiste no trabalho social com a família com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias e de previnir a ruptura dos seus vínculos – tanto os familiares como os vínculos com a comunidade. O PAIF deve trabalhar para garantir o acesso e o usufruto da família aos seus direitos e contribuir com a melhoria de sua qualidade de vida e da superação das condições de vulnerabilidade. As ações do PAIF são de caráter preventivo, protetivo e proativo e devem prevenir a reincidência da violação de direito daquela família. (BRASIL, 2013). Outro serviço ofertado pelo CREAS é o Serviço Especializado em Abordagem Social, o qual possui a finalidade de identificar a incidência de trabalho infantil nos espaços públicos. Dessa forma, a criança ou o adolescente deverá ser encaminhado 2 Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). 22 a uma unidade de PSE de média complexidade para fazer o acompanhamento familiar por meio do PAEFI. Ressalta-se que, para enfrentar o trabalho infantil, o CREAS articula-se “[...] com a rede de serviços socioassistenciais da proteção social básica e especial, com as demais políticas públicas e com outras instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos”. (BRASIL, 2010a). Na Política de Assistência Social, a proteção de crianças e adolescentes em situação de trabalho é efetivada mediante o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Segundo Coelho (2012), foi a partir da pressão popular, por meio de denúncias de ocorrência de trabalho infantil no Brasil, pela Imprensa brasileira, por vários fóruns nacionais e internacionais, criados em 1980, e pelos movimentos sociais, especialmente pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que ocorreu a intervenção do Estado para criar um programa voltado para a prevenção do trabalho infantil. Segundo o Caderno de orientação técnicas: gestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no SUAS (BRASIL, 2010a), o PETI foi criado em 1996, no Mato Grosso do Sul, com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo foco inicial era de enfrentar as piores formas de trabalho infantil. Posteriormente, o programa foi se expandindo para Sergipe, Pernambuco, Bahia e Rondônia. Dessa forma, o Estado, no empenho de implantar uma política pública voltada para o enfrentamento do trabalho infantil e responder as demandas da sociedade, expandiu o programa nacionalmente. O PETI é um Programa de âmbito nacional que articula um conjunto de ações visando proteger e retirar crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho precoce, resguardado o trabalho na condição de aprendiz a partir de 14 anos, em conformidade com o que estabelece a Lei de Aprendizagem (10.097/2000) [...]. (BRASIL, 2010a). Vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), o Programa está inserido no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Desse modo, o acompanhamento das famílias que possuem filhos inseridos no trabalho precocemente é realizado por meio do CRAS, do CREAS bem como ocorre também a inserção das crianças e adolescentes no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Logo, o PETI transita “[...] tanto na área da proteção social básica quanto da proteção social especial da assistência social, dando ênfase à sua inserção como proteção especial [...]” (COELHO, 2012, p. 16). No âmbito do MDS, o PETI se fortalece como um programa integrante do SUAS, com papel estratégico, no sentido de assegurar, além da transferência direta de renda às famílias via integração com o Programa Bolsa Família: 1) a inclusão das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no SCFV; 2) o aprimoramento do processo de identificação das situações de trabalho infantil, nos espaços públicos, por meio do Serviço Especializado em Abordagem Social; 3) a orientação e o acompanhamento das famílias por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) e do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), por referenciamento e contrarreferenciamento dos usuários no Sistema, conforme especificidades das situações vivenciadas, dentro da perspectiva do trabalho em rede concebido pelo SUAS. (BRASIL, 2010a). 23 O PETI foi integrado ao Programa Bolsa Família (BPF) por meio da Portaria nº 666, de 28 de dezembro de 2005, “[...] a qual não se pautou na extinção, mas na integração, dos dois programas, mantendo suas especificidades [...]”. (BRASIL, 2010a). Contudo, ressalta-se que o PETI está em fase de reformulação e atualmente o financiamento de seu recurso é repassado prioritariamente por meio do BPF. “Vale salientar que, a partir de 2014, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) será financiado pelas ações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e não mais por uma ação específica [...]” (BRASIL, 2014, p. 51). No Distrito Federal, o órgão responsável pela gestão do Programa de Erradicação do Trabalho é a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST). “Para o ingresso no PETI, a família deve ser cadastrada no Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal – CadÚnico – e ter registro que se trata de uma família com criança ou adolescente em situação de trabalho infantil” (BRASIL, 2013). Destaca-se que o CadÚnico é um instrumento que possibilita identificar e caracterizar as famílias que possuem baixa renda, possibilitando conhecer a situação socioeconômica dessas famílias bem como os dados de cada membro familiar e a forma que acessam os serviços públicos e essenciais. “A partir daí, o poder público pode formular e implementar políticas específicas, que contribuem para a redução das vulnerabilidades sociais a que essas famílias estão expostas” (BRASIL, 2014a). Tratando-se de exploração da força de trabalho de crianças e adolescentes, o cadastro das famílias deve ser realizado independente da renda familiar. A transferência de renda para as famílias inseridas no PETI [...] possui condicionalidades voltadas fundamentalmente para garantir o afastamento da criança e do adolescente do trabalho precoce, garantir a sua permanência na escola e o acesso e participação da família nas políticas de Assistência Social e de Saúde [...]. (BRASIL, 2013). Caso haja o descumprimento dessas condicionalidades, a família não é automaticamente desligada do programa de transferência de renda, mas passa por um processo gradativo de advertência, bloqueio, suspensão e, se ainda ocorrer o descumprimento, o benefício é cancelado. Ressalta que “o PETI consolida-se como programa fundamental na proteção social e particularmente na assistência social [...]” (COELHO, 2012, p. 34). Dessa forma, a Política de Assistência Social possui papel essencial no enfrentamento ao trabalho infantil, pois enquanto a PSB trabalha para prevenir a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho, a PSE traça estratégias de intervenção para proteger as crianças e os adolescentes do trabalho infantil. Embora a Assistência Social tenha se consolidado como uma política pública, ela ainda possui vários desafios a serem enfrentados, pois além das condições precárias de trabalho e a falta de profissionais nas redes públicas, ainda existe uma resistência para romper completamente com o caráter assistencialista herdado da década passada. 3.3 ESPORTE, LAZER E CULTURA A proteção integral de crianças e adolescentes depende da execução de um trabalho em rede bem como da efetivação de políticas públicas que previnam os riscos sociais e pessoais da população infanto–juvenil. Logo o esporte, o lazer e a 24 cultura são políticas imprescindíveis para garantir proteção a esses indivíduos que estão em fase de pleno desenvolvimento, pois além de promover as potencialidades das crianças e dos adolescentes, proporcionam também melhor qualidade de vida. O Art. 59 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) expressa que “os municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude” (BRASIL, 1990). Todavia, verifica-se a carência desses espaços e investimentos principalmente nas Regiões Administrativas do Distrito Federal mais vulneráveis. O esporte e o lazer, além de serem necessário para desencadear uma vida saudável, permitem o desenvolvimento pessoal e social das crianças e adolescentes bem como a construção de vínculos afetivos, os quais proporcionam convívio e integração com os demais indivíduos. “Nessa perspectiva, a vivência do lazer, devidamente direcionada e adequada às necessidades da população, pode contribuir para propiciar mecanismos de solidariedade e de integração famíliacomunidade [...]” (FARIA e FARIA, 2007, p. 8). Diante disso, o ECA estabelece que “a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (BRASIL, 1990). “Todavia, o fato de se ter direitos legalmente assegurados, não implica, necessariamente, a sua efetivação enquanto prática social [...]”. (FARIA e FARIA, 2007, p. 3). Assim esse direito é pouco priorizado quando se trata de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. O PETI exige como uma de suas condicionalidades a inserção das crianças e dos adolescentes no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo (SCFV), e esse serviço é oferecido pelo Centro de Convivência (COSE)3 que possibilita “acessos a experiências e manifestações artísticas, culturais e esportivas e de lazer, com vistas ao desenvolvimento de novas sociabilidades” (BRASIL, 2010b). Destacase que o SCFV é ofertado exclusivamente pela Política de Assistência Social. Na área do esporte e do lazer, o programa Segundo Tempo 4 oferece diversas atividades nas cidades em situação de vulnerabilidade social, cujo principal objetivo é “[...] democratizar o acesso à prática e à cultura do esporte de forma a promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens, como fator de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida [...]” (BRASIL, 2014b). Outra instituição que oferece atividades de esporte e lazer são os Centros Olímpicos, localizados em 11 Regiões Administrativas, dentre elas estão: Ceilândia QNO 09, Ceilândia – Parque da Vaquejada, Brazlândia, Estrutural, Gama, Recanto das Emas, Riacho Fundo I, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Planaltina e Sobradinho. Os programas executados dentro dos Centros Olímpicos são coordenados pela Secretaria de Esporte de Distrito Federal, com vistas a atender prioritariamente 3 O Centro de Convivência – COSE é uma Unidade Pública vinculada ao Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Desta forma é um órgão da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda – SEDEST que oferece oficinas de artes, dinamização, esporte, lazer, informática, entre outros. O objetivo principal é de promover o respeito às diferenças, contribuir para uma formação cidadã, estimular o desenvolvimento das potencialidades e habilidades, bem como fortalecer os vínculos familiares e comunitários. 4 O Segundo tempo é um programa do Governo Federal vinculado ao Ministério do Esporte. Foi criado para enfatizar o esporte e o lazer como direito do cidadão e dever do Estado, bem como promover a universalização desses direitos e a inclusão social. 25 crianças e adolescentes. Os objetivos desses programas são de favorecer uma alternativa de vida diferenciada, por meio de atividades sociorrecreativas de esporte e de lazer. Já na área da cultura, há o programa Ponto de Cultura gerido pelo Ministério da Cultura. Esse programa, articulado com o Programa Cultura Viva, é executado pela sociedade civil por meio de convênios firmados com os governos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal. O objetivo é promover redes de ponto de cultura nos seus territórios, a fim de executar ações socioculturais nas comunidades. Para que atividades culturais, o esporte e o lazer façam parte da realidade social de adolescentes como um direito de fato e que se crie no imaginário uma expectativa de vida futura integrada à sociedade com dignidade, respeito e luta contra as desigualdades sociais, são necessárias políticas públicas que venham ao encontro dos pressupostos do ECA e dos anseios desse grupo aliadas a uma formação crítica. Nesse caso, é necessário conhecer a realidade em que os adolescentes vivem e principalmente conhecer o que esses jovens pensam acerca da realidade vivida para que ações possam ser desenvolvidas, visando garantir a formação para a cidadania ativa. (FARIA e FARIA, 2007, p. 4-5). Dessa forma, é de extrema importância que sejam criadas Políticas Públicas capazes de atender as reais necessidades das crianças e dos adolescentes inseridos no mercado de trabalho. Segundo Faria e Faria (2007), as políticas públicas devem ser articuladas entre o Estado e as demandas sociais, com vistas a levar em consideração a realidade social de cada grupo, permitindo assim que os direitos não sejam apenas garantidos, mas também efetivados de fato. Destaca-se que as políticas públicas de esporte, lazer e cultura, articuladas com a política de Educação e Assistência Social, têm contribuição significativa para prevenir os ricos pessoais e sociais de crianças e adolescentes. Desse modo, essas políticas têm a capacidade de inibir o trabalho infantil, pois podem fornecer alternativas de vida pautadas na garantia de direito, na prevenção e superação das violações de direitos de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. 4 O TRABALHO INFANTIL NO LIXÃO DA CIDADE ESTRUTURAL A Região Administrativa SCIA/Estrutural, localizada à margem da DF-095, é composta pelo Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA)5, que existe desde meados de 1989 e pela Cidade Estrutural, a qual surgiu na década de 1960 após a inauguração de Brasília. Várias pessoas, principalmente do Nordeste, migraram de outros estados para Brasília em busca de melhor qualidade de vida, mas ao se depararem com a falta de moradia, passaram a ocupar diversas Regiões Administrativas do Distrito Federal, inclusive a Cidade Estrutural. O lixão já existia na cidade antes da ocupação dos moradores, logo surgiram os primeiros catadores de papel que construíram barracos de madeiras e passaram a trabalhar na coleta de resíduos sólidos. Atualmente, para melhor organização do local, o lixão é dividido em quatro áreas de trabalho e cada uma recebe um tipo de material diferente. Essas áreas são 5 No SCIA também está localizado a Cidade do Automóvel, local este onde compõe grande concentração de revendas de automóveis e contém grande número de concessionárias. 26 denominadas, como: Pátio dos Cucas; Pátio das Carretas; Lixeiras Secas; Galhadas; e Carrefa. O Pátio dos Cucas e das Carretas são os locais destinados a receberem todos os materiais sólidos e orgânicos residenciais, ou seja, aqueles materiais descartados das casas de toda a população do Distrito Federal. Os catadores deslocam-se até esse local de trabalho e garimpam os resíduos sólidos que podem ser reciclados ou vendidos. No pátio das Lixeiras Secas, são depositados todos os materiais da construção civil. Nesse local de trabalho encontra-se: containeres, torneiras, vasos sanitários, janelas, entulhos, cerâmicas, canos, pias, chuveiros, telhas, entre outros. Já no Pátio das Galhadas, são armazenados todos os resíduos, tais como: podas das árvores, folhas, mato seco e jardinagem em geral. O Carrefa está localizado próximo à chácara Santa Luzia. Esse local de trabalho recebe somente materiais de supermercado, ou seja, muitas guloseimas as quais estão vencidas, tais como: iogurtes, biscoitos, salgadinho, etc. Essa área concentra grande quantidade de crianças e adolescentes, devido à disponibilidade desses produtos que chama bastante a atenção para o consumo da população infanto-juvenil. A proximidade com a Chácara Santa Luzia também facilita a entrada de crianças e adolescentes, pois existem atalhos no caminho que possibilita o fácil acesso ao Carrefa. Destaca-se que o lixão da Cidade Estrutural-DF ainda concentra grande número de catadores de resíduos sólidos, incluindo crianças e adolescentes. Nesse local encontram-se várias famílias e indivíduos coletando e separando o lixo que irá proporcionar meio de sobrevivência, e é corriqueira a presença de crianças e adolescentes trabalhando na coleta de resíduos sólidos a fim de extrair remuneração que possa subsidiar nos custeios das suas necessidades básicas. O Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), coordenado pelo Mistério do Trabalho e emprego (MTE), elaborou o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil que define o trabalho realizado por crianças e adolescentes como: [...] aquelas atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional [...]. (BRASIL, 2011, p. 9). Segundo a Convenção 182, Art. 3, alínea “d”, destaca que qualquer atividade executada por aqueles com idade inferior a 18 anos e que causem prejuízos à saúde, à segurança e à moral são classificadas como as piores formas de trabalho infantil. Desse modo, a coleta de resíduo sólido realizada por crianças e adolescentes encontra-se inserida na lista das piores formas de trabalho infantil (Lista TIP), divulgada pelo Decreto nº 6.481/2008, pois também prejudica a saúde, a moral e a segurança desses indivíduos. Embora existam normativas nacionais e internacionais que se posicionam contra o trabalho infantil, essa prática continua a existir e, mesmo com avanços na redução da incidência desta grave violação de direitos humanos, constata-se que o enfrentamento encontra-se no patamar do denominado “núcleo duro” do trabalho infantil, materializado pelas piores formas de manifestação como o trabalho infantil doméstico, rural, exploração sexual, dentre outras (CODEPLAN, 2013, p. 09). 27 Mesmo com a existência de várias legislações que protege as crianças e os adolescentes do trabalho infantil, ainda existem vários fatores que contribuem para que essa prática continue no lixão da Cidade Estrutural. Esses fatores nem sempre estão interligados às condições socioeconômicas das famílias de baixa renda, encontrar-se também conectados aos mitos culturais bastante presentes nas concepções dessas famílias e estruturado na própria organização do modo de produção capitalista que, por meio da exploração da força de trabalho e acumulação de capital, gera uma desigualdade social necessária para a sua permanência. 4.1 O FATOR ECONÔMICO Ao analisar os cadastros socioassistencias, fornecidos pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social da Estrutural (CREAS/Estrutural) no ano de 2013, foi possível perceber que apenas 25% das famílias cadastradas nasceram em Brasília e 75% possuem naturalização em outros estados. Ressalta-se que dentre esses cadastros, 87,5% são compostos por mulheres e 12,5% por homens. Foi possível observar também que 81,25% trabalham no lixão e tentam extrair o sustento da família por meio da coleta de resíduos sólidos. Trata-se de famílias em situação de vulnerabilidade social por não contar com renda suficiente para custear as necessidades básicas. Geralmente essas famílias estão expostas a outras violações de direitos relacionadas ao trabalho infantil, tais como: violência física e psicológica, situação de rua, negligência, abandono e afastamento do convívio familiar por medidas protetivas ou medidas socioeducativas. Segundo Keil (2005), os catadores são excluídos do mercado de trabalho formal, por esse motivo procuram alternativas na coleta de resíduos sólidos para manter o seu próprio sustento e de sua família. Dessa forma, a situação de pobreza em que esses indivíduos se encontram, devido à exclusão econômica e social, levam os catadores a buscarem um meio de obter renda por meio dos materiais coletados. Sujeitos de uma história constantemente marcada pela adversidade econômica, os catadores de lixo, travam um luta persistente e obstinada na busca de condições básicas de existência. Eles lutam pela vida construindo uma arte de viver do resto, daquilo que outros, também humanos, não querem mais [...]. (KEIL, 2005, p. 19). A renda mensal dessas famílias extraída da coleta de resíduos sólidos, somando com os benefícios assistenciais6 e os programas de transferência de renda7, não ultrapassam a dois salários mínimos. 62,5% das famílias inseridas no cadastro socioassistencial do CREAS/Estrutural, que possuem filhos ou filhas em 6 Os benefícios assistenciais se dividem em duas modalidades que atendem públicos diferentes: o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no qual disponibiliza um valor de um salário mínimo para idosos acima de 65 anos e para pessoas com deficiência de qualquer idade; e os benefícios eventuais, nos quais disponibilizam-se recursos provisórios em caso de situação de vulnerabilidade social, calamidade púbica, fragilidade devido à morte ou nascimento. 7 O programa de transferência de renda vigente atualmente é o Bolsa Família (BPF). O objetivo do programa é beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, desta forma baseia-se na garantia de renda, inclusão produtiva e acesso aos serviços públicos. 28 situação de trabalho infantil, ainda moram em casas de madeiras de no máximo quatro cômodos. Ressalta-se que dentre os 87,5% das mulheres que compõem os cadastros socioassistenciais, 31,25% são casadas com os genitores de seus filhos, 56,25% são divorciadas e não recebem nenhuma ajuda financeira do genitor. Essas genitoras possuem entre 1 a 9 filhos. Assim é possível constatar que as condições socioeconômicas não são favoráveis para subsidiar todas as necessidades das famílias. Dessa forma, a inserção de crianças e adolescentes no trabalho de coleta de resíduos sólidos no lixão é um meio de complementar a renda familiar. Não se pode negar que a pobreza é um fator de exploração da mão de obra infantil, principalmente quando o uso do trabalho durante a infância, seja ele remunerado ou não, ainda é considerado como uma alternativa de muitas famílias para manter a própria sobrevivência [...]. (SOUZA e SOUZA, 2010, p. 48). Outro estímulo que contribui para o trabalho precoce de crianças e adolescentes é o dinheiro imediato que a coleta de resíduos sólidos proporciona, pois, mesmo que não seja um trabalho fácil e lucrativo, fornece uma renda mínima e emergencial que possibilita custear um caderno, uma sandália, uma roupa, um almoço, um tênis, etc. Produtos esses que são necessários para sobrevivência de crianças e de adolescentes. 4.2 O FATOR CULTURAL A naturalização do trabalho infantil no Distrito Federal ainda é comum, principalmente nas regiões mais vulneráveis. Dessa forma, na Cidade Estrutural os mitos culturais ainda estão engendrados na concepção das famílias que possuem crianças e adolescentes inseridos na coleta de resíduos sólidos no lixão. De acordo com os dados coletados nos cadastros socioassistenciais, 87,5% tinham conhecimento que os filhos estavam em situação de trabalho, apenas 12,5% das famílias não sabiam que os filhos estavam trabalhando no lixão e 62,5% das crianças e adolescentes coletam os resíduos sólidos na companhia dos genitores. Todavia, alguns genitores não visualizam essa prática como um problema que possa causar danos a vidas das crianças e dos adolescentes, outros alegam que não têm local para deixar os filhos enquanto trabalham e, por esse motivo, preferem levá-los para o lixão, pois deixá-los em casa sozinhos estariam expondo-os a outros tipos de riscos sociais. Os conceitos mais presentes nas visões das famílias que trabalham no lixão da Cidade Estrutural são: “é melhor trabalhar do que ficar na rua”, “é melhor trabalhar do que roubar” e “a criança que trabalha fica mais esperta”. Esses mitos culturais criam um valor em cima do trabalho que remete ao que era expresso em décadas passadas, onde o trabalho tinha significado de edificação do homem bem como era utilizado para combater a ociosidade, a vagabundagem, a criminalidade e a delinquência de crianças e adolescentes pobres. Segundo Rizzini (2008), no século XIX, os pobres eram classificados em virtuosos e viciosos. Dessa maneira, os pobres virtuosos eram aqueles que se dedicavam ao trabalho, afastavam os seus filhos da rua e mantinha-os na escola ou no trabalho. Já as famílias viciosas, eram aquelas entregues à ociosidade e que não se interessavam em trabalhar, assim os 29 [...] seus filhos precisavam ser salvos das influências perniciosas que os envolviam, a fim de que pudessem seguir o caminho do trabalho e da virtude, tornando-se úteis ao país, em oposição ao caminho inexorável da degradação e da criminalidade que os esperavam. (RIZZINI, 2008, p. 69). Dessa forma, quando as famílias da Cidade Estrutural levam os filhos ao lixão e utilizam o argumento que é melhor a criança ou o adolescente trabalhar do que ficar na rua ou roubar, percebe-se que há um fator cultural bastante sólido herdado da cultura burguesa do século passado bem como a escassa intervenção do Estado para efetivar de fato políticas públicas que possam garantir proteção às crianças e aos adolescentes enquanto os pais estão no trabalho. Assim é preciso considerar o elemento cultural uma categoria de análise importante para nos ajudar a compreender o fenômeno, mas é fundamental que ele seja articulado com as demais dimensões do trabalho infantil para uma tentativa de entendimento do significado deste para a nossa sociedade. Desse modo, acreditamos que seja possível uma aproximação das políticas públicas ao elemento cultural, resultando em ações voltadas para o enfrentamento de mais essa causa do trabalho infantil [...]. (VIEIRA, 2011, p. 7). Entretanto, é importante destacar que as políticas públicas emanadas do Estado devem ter um foco para além do combate à pobreza e extrema pobreza, pois esses não são os únicos fatores que contribuem para a inserção de crianças e adolescentes no trabalho precoce. Assim é necessário criar políticas públicas com estratégias de intervenção voltadas para enfrentar o trabalho infantil no lixão da Cidade Estrutural a partir da formação cultural da comunidade. 4.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E O TRABALHO INFANTIL NA CIDADE ESTRUTURAL O esporte, o lazer e a cultura, políticas essas consideradas como fundamentais para prevenir o trabalho precoce de crianças e adolescentes são operacionalizadas no Distrito Federal por meio de serviços, programas e projetos executados por instituições governamentais e não governamentais. Na Cidade Estrutural existem algumas dessas instituições que oferecem atividades socioeducativas, culturais e recreativas, dentre elas destacam-se: o Centro de Convivência (Cose), a Associação Viver8 e o Coletivo da Cidade9. No Cose da Cidade Estrutural cada educador atende 25 crianças e adolescentes de 06 a 14 anos. Atualmente, o Cose possui apenas dois educadores que trabalham em turnos diferentes. Estão inseridos na instituição 28 crianças e adolescentes no período matutino e 27 no período vespertino. Além de desenvolver atividades socioeducativas, trabalhar com temas políticos e extras cotidianos. O 8 A Associação Viver é uma entidade filantrópica que atua dentro da Cidade Estrutural há 13 anos. A instituição desenvolve atividades socioeducativas, culturais e recreativas para as crianças e adolescentes de 07 a 14 anos de idade no contraturno escolar e atualmente atende 300 crianças e adolescentes residentes na Cidade Estrutural. 9 O Coletivo da Cidade é uma entidade não governamental, que atende 200 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de idade. Também oferece atividades socioeducativas e artísticas a fim de promoverem a transformação social por meio de um trabalho articulado em rede. A instituição oferece diversas oficinas que são ofertadas periodicamente, tais como: inglês, francês, espanhol, rádio, violão, artes, leitura crítica, literatura, xadrez, jogos pedagógicos, artesanato, desenho, break, apoio pedagógico e áudio visual. 30 Cose oferece o Projovem para os jovens de 15 a 17 anos, atividade essa que trabalha na perspectiva de sensibilização sobre a realidade social por meio da arte, da cultura, do esporte e do lazer bem como na garantia de acesso aos direitos à educação e à saúde. O Projovem deve também possibilitar o desenvolvimento de habilidades gerais, tais como a capacidade comunicativa e a inclusão digital, de modo a orientar o jovem a escolha profissional consciente, prevenindo a sua inserção precoce no mercado de trabalho. (BRASIL, 2014c). As crianças e adolescentes da Cidade Estrutural, em situação de trabalho infantil, são inseridas no Cose, na Associação Viver e no Coletivo da Cidade por meio do CREAS, que realiza o atendimento no PAEFI, “[...] visando proteger e contribuir para retirar imediatamente as crianças e os adolescentes da situação de trabalho infantil [...]” (BRASIL, 2013) e encaminha essa demanda para o CRAS direcionar esses indivíduos a essas instituições. Destaca-se que a Associação Viver, o Coletivo da Cidade, o Cose e o Creas desenvolve um trabalho em rede a fim de prevenir os riscos sociais e pessoas das crianças e adolescentes residentes da Cidade Estrutural. Por meio dos dados coletados pelo cadastro socioassistencial, constata-se que 87,5% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil acompanhadas pelo PAEFI foram encaminhadas ao CRAS para serem inseridas no Cose, na Associação Viver ou no Coletivo da Cidade. Dentre essa porcentagem, 12,5% frequentam o Cose; 6,25% a Associação Viver; 6,25% o Coletivo da Cidade; 56,25 foram encaminhadas, mas não estão frequentando nenhuma dessas instituições, e 6,25% estavam na demanda reprimida, ou seja, esperando abrir vaga no Cose para efetivar a matrícula. Os 12,5% das crianças e dos adolescentes acompanhados pelo CREAS não foram encaminhados para o CRAS, pois os genitores não tinham interesse em matriculá-los nessas instituições. Observa-se que 25% das crianças e dos adolescentes, em situação de trabalho infantil, estão inseridos em alguma atividade no contraturno escolar. Contudo, ao analisar esses dados, verificam-se que dentre aqueles que não estão inseridos por falta de vagas nas instituições, ou por que não há frequência regular, ou por falta de interesse da parte dos genitores, percebe-se que ainda há uma quantidade significativa de 75% de crianças e adolescentes que não praticam nenhuma atividade no contraturno escolar, aumentando assim a probabilidade de ocorrência de trabalho infantil na Cidade Estrutural. Outra política essencial para prevenir o trabalho infantil é a educação em tempo integral. Na Cidade Estrutural, as escolas que oferecem educação em tempo integral são o Centro de Ensino Fundamental 01 (CEF 01), o Centro de Ensino Fundamental 02 (CEF 02), a Escola Classe 02 (EC 02) e o Centro de Educação Infantil 01 (CEI 01). Este último foi inaugurado em 2012 e atende crianças e adolescentes de 03 a 05 anos. Nessa Região Administrativa não possui nenhuma creche pública que possa acolher as crianças de até 03 anos de idade, fato que implica na necessidade de os genitores levarem os filhos para o lixão, custear alguém para cuidar dessas crianças, contar com a ajuda da rede solidária de parentes, vizinhos ou da creche voluntário e informal localizada na Chácara Santa Luzia. Dentre os 62,5% das crianças e adolescentes que coletam resíduos sólidos na companhia dos pais, 37,5% dos genitores informaram nos cadastros 31 socioassistencias que não tinham local para deixar os filhos enquanto trabalham. Segundo as análises dos dados, foi possível verificar que 43,75% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil não estão estudando. Dentre dessa porcentagem, 12,5% não frequentam a escola por falta de vagas nas instituições. Assim é possível afirmar que universalizar a educação ainda é um desafio na Cidade Estrutural, já que há uma porcentagem de crianças e adolescentes fora da escola por falta de vagas. Foi possível analisar também que, 56,25% estão estudando, mas em séries que não condiz com à idade escolar devido a reprovações ou desistências, assim a inserção precoce das crianças e dos adolescentes no trabalho interfere diretamente no desempenho escolar desses sujeitos. Considerando a educação básica relevante na formação do indivíduo, é possível afirmar que o fato de as crianças e adolescentes não estarem em séries adequadas, pode gerar a falta de profissionalização que, consequentemente, gera o subemprego ou desemprego, a pobreza, o trabalho precoce e a evasão escolar, tornando-se, assim, um ciclo que reproduz socialmente a condição de pobreza desses indivíduos. Na área da Assistência Social, o PETI é um dos principais programas para retirar crianças e adolescentes da situação de trabalho infantil. O programa é pautado em alguns eixos básicos, tais como: a transferência de renda; a inserção da criança e do adolescente no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; o acompanhamento da família na rede socioassistencial; a retirada das crianças e dos adolescentes do trabalho. Para ter direito ao benefício, é exigido das famílias que todas as crianças e adolescentes com até 16 anos de idade sejam retirados de atividades de trabalho e exploração, e que aqueles com até 18 anos sejam retirados das atividades previstas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil. Além disso, essas crianças e adolescentes devem frequentar obrigatoriamente os serviços de convivência e fortalecimento de vínculos. Essas ações possuem um caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social. O foco em adolescentes inseridos no PETI volta-se para o retorno ou a permanência na escola. (CODEPLAN, 2012, p 15). Dentre os cadastros analisados, verifica-se que 62,5% das famílias recebem o Programa Bolsa Família (PBF) e, dentre essa porcentagem, 25% receberam algum benefício assistencial. Para receber o PBF, a criança ou o adolescente em situação de trabalho infantil devem está matriculados na escola, com frequência mínima de 85% para crianças ou adolescentes de 6 a 15 anos e 75% para aqueles com 16 a 17 anos bem como “[...] é obrigatória a frequência em ações socioeducativa no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos ou em outras unidade da rede de promoção e proteção dos direitos da criança e adolescente” (BRASIL, 2013). Assim, a quantidade de família que teve o PBF suspenso por descumprimento dessas condicionalidades foi de 18,75% e 6,25% nunca receberam o benefício de transferência de renda. Ressalta-se que “[...] as condicionalidades do Programa Bolsa Família na área de educação garantem a frequência escolar das crianças e adolescentes de seis a 17 anos de idade [...]” (CODEPLAN, 2012, p. 16) bem como a permanência no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Ressalta-se que a rede socioassitencial da Cidade Estrutural possui algumas instituições que trabalham na perspectiva de garantir os direitos das crianças e dos 32 adolescentes em situação de trabalho infantil. Dentre elas, evidencia-se o CEF 01, CEF 02, EC 02, CEI 01, o CRAS, o CREAS, o Cose, a Associação Viver e o Coletivo da Cidade como uma das principais instituições capazes de prevenir os riscos sociais de crianças e adolescentes, além de garantir a proteção integral a esses indivíduos. Portanto, essas políticas públicas executadas na Cidade Estrutural têm grande contribuição para diminuir a inserção precoce de crianças e adolescentes na coleta de resíduos sólidos no lixão. Entretanto, não conseguem atingir o objetivo de erradicar totalmente o trabalho infantil nessa região, pois essa Questão Social possui suas raízes fundamentadas na exploração da força de trabalho, na extração da mais-valia e na acumulação de capital. Assim há uma “[...] dificuldade [...] de erradicar o trabalho infantil no Brasil, uma vez que a exploração do trabalho é inerente e necessária à perpetuação do próprio modo de produção capitalista [...]” (PADILHA, 2009, p. 7). Enquanto houver divisão de classe social, propriedade privada, concentração de renda, haverá desigualdade social e necessidades humanas a serem supridas que impossibilita retirar todas as crianças e adolescentes da situação de trabalho infantil. CONSIDERAÇÕES FINAIS A historicidade do trabalho infantil está fundamentada na divisão de classe social, contudo a partir do processo de industrialização, essa Questão Social foi se agravando devido à exploração da força de trabalho de crianças e adolescentes. Nos séculos passados, “a mão-de-obra infantil era usada de forma abundante na indústria e o salário das crianças e adolescentes representa um complemento para os baixos rendimentos das famílias operárias [...]” (FALEIROS, 2009, p. 45). Nos tempos atuais, mesmo com a implementação de legislações e políticas públicas voltadas para erradicar o trabalho infantil, essa prática ainda não foi extinta de nossa sociedade, pois o modo de produção capitalista não possibilita atender as necessidades humanas e sociais de todos os cidadãos. Para sobreviver, a classe trabalhadora, sob a égide do capital, é compelida a acrescentar outros membros da família, como mulher e crianças no mercado de trabalho. Essa situação agrava-se nas recentes mudanças empreendidas no contexto de reestruturação da produção na sociedade capitalista contemporânea. (SOCORRO, SEVERINO, 2012, p. 150-151). Nessa lógica capitalista, o fator econômico destaca-se como umas das principais causas de ocorrência do trabalho infantil no lixão da Cidade Estrutural, visto que crianças e adolescentes pertencentes à classe trabalhadora necessitam coletar os resíduos sólidos no lixão para obter uma renda que possibilite manter a sua própria sobrevivência, assim como consumir produtos postos pela indústria comercial. O fator econômico não é o único existente na Cidade Estrutural, já que a naturalização do trabalho realizado por crianças e adolescentes, antes da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), era legitimada e tinha respaldo estatal. Segundo Faleiros (2009), havia uma articulação do poder econômico com o político para encaminhar crianças e adolescentes pobres ao trabalho, “[...] apresentando como justificativa sua eficácia como meio de prevenir 33 o desvio de conduta e solução para a infância pobre [...]” (SOCORRO, SEVERINO, 2012, p. 156). A cultura de naturalizar o trabalho precoce da população infanto-juvenil pobre, que antes pertencia à classe dominante, ainda está arraigado na concepção das famílias que possuem crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no lixão da Cidade Estrutural. Alguns mitos culturais, tais como: “é melhor trabalhar do que ficar na rua”, “é melhor trabalhar do que roubar”, “a criança que trabalha fica mais esperta”, “[...] ocultam mais uma forma perversa de violência contra criança e adolescente [...] e estão estruturadas sobre a lógica menorista e, por isso, são incompatíveis com a perspectiva dos direitos humanos na atualidade [...]” (SOUZA, SOUZA, 2010, p. 45). Destaca-se que não se deve culpabilizar os genitores pela inserção da criança ou do adolescente no trabalho, já que eles também estão expostos há várias situações de risco sociais e pessoais. Diante disso, é possível compreender que muitas famílias passam por situação de vulnerabilidade social e violações de direitos, não cabendo assim transferir toda a responsabilidade de proteção à criança e ao adolescente apenas para as famílias. O Estado é o principal responsável por diminuir a incidência do trabalho infantil, implantando políticas públicas que possam prevenir essa prática no lixão da Cidade Estrutural. E é nesse sentindo que as políticas de assistência social, de educação, de esporte, de lazer e de cultura trabalham visando minimizar o trabalho precoce das crianças e adolescentes bem como garantir proteção social e integral a esses indivíduos marcados pelas adversidades econômicas e sociais. FACTORS CONTRIBUTING TO THE CHILD LABOUR IN STRUCTURAL CITY DUMP-DF Abstract: The present article analyses the factors that contribute for the insertion of the child and adolescent on the collection of solid waste on the City Structural-DF landfill. It's structure the child labor by the process of industrialization until the construction of the public politics to ensure the children and adolescent's right's. The method used was the qualitative research of exploratory and documental type. The data collection was realized by the reading of the social-assistance records supplied by CREAS-Estrutural during the execution of the supervised practice II done in 2013. Based on that data it was possible to came up with some information about the monthly income of the child and adolescent families that work on the collection of solid waste, identify the cultural myths about the child labor and verify if children and adolescent that work on the dump has access to the public politic service of education, social-assistance, sport, recreation, and culture. Keywords: Child and Adolescent. Child Labor. Dump. Public Policies REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALMEIDA; Cristiane Silva de. A relação entre trabalho e educação. 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