PORTA ABERTA PARA O CONSUMO Em muitos lares as pessoas que nele habitam passam muito tempo diante da televisão: não conversam, não brincam, não interagem. Não se dão a conhecer. A sedução midiática para o consumo começa de forma muito precoce e muda valores e comportamentos. O poderoso jargão “uma imagem vale mais que mil palavras” é uma hipnótica ditadura para os sujeitos em estágio vulnerável de desenvolvimento: crianças e adolescentes. O DESEJO O desejo do culto ao corpo, à beleza, aos ideais de parecer-ser surgem antes mesmo do conhecer-se, e sequer passa pelo questionamento do “outro-social”: eu quero ser em detrimento das minhas individualidades e das de quem quer que seja. A identificação é o mecanismo pelo qual o sujeito se constitui, se estrutura, se mostra; e a mídia e a publicidade tem sido poderosas referências para a construção desta identidade. A ARMADURA PERFEITA A formação consumista esculpe no jovem a armadura que se molda perfeitamente em seu corpo: confere autonomia além da ideia de dominação e, de bônus, afasta vicissitudes: morte, solidão, brigas dos pais, desamparo, compromisso com o outro. São vislumbres de liberdade que ele acha ter conquistado só. A IDENTIDADE DESCARTÁVEL Crianças e adolescentes midiáticos, consumeristas, tornam-se usufruto de si mesmo, e o receio de serem eliminados, quando não mais conseguem enaltecer a si próprios, ou verse no olhar do outro, que é seu objeto, cria o individualismo como autodefesa. Mais uma vez, a mídia para o consumo impede a inclusão do outro com suas singularidades e diferenças, tornando difícil reconhecer a sua importância. Nesta realidade cultural, a mais longínqua ideia da não satisfação do consumo cria tamanha fragilidade, que tênue linha se rompe para dar lugar à agressividade e ao exercício da violência. São necessários mecanismos fortes, incisivos, para proteger do despreparo os consumidores vulneráveis –crianças e adolescentes, e fortalecer o “eu com o outro”, ou em breve teremos gerações doentes pela incompletude, entregues à dor da insuficiência e do vazio. Foi ao vento... Quando a família cede lugar a outros mediadores sociais, especialmente a TV, a mídia de consumo trata de reorganizar até mesmo os espaços de convivência, introduzindo novos pátios sociais, socioculturais e econômicos: os espaços públicos são apresentados como potencialmente perigosos, e os espaços privados – shoppings centers são alardeados como os mais seguros e os bons contatos podem ser mantidos através das redes sociais. ...perdeu o assento! Frente a tantos valores, expostos tão cedo à vida pública, crianças e adolescentes desenvolvem-se com padrões ambíguos. Na tentativa de resgate da sua identidade, não é raro depender de modo estreito de outras figuras: Entre os meninos que querem conquistar as meninas, que por sua vez se interessam (conforme acham os meninos) por motos atuais, roupas de marca e até o tipo de drogas que lhe disponibilizam, não é surpresa que o traficante, o ladrão, o usuário, o fora da lei, sejam os legítimos representantes de poder e respeitabilidade. USAR O PÚBLICO INFANTIL A utilização do público infantil para a promoção e incentivo ao consumo tem potencializado o erotismo precoce, violência no desejo de obter produtos caros ou de marcas conhecidas, materialismo excessivo, obesidade infantil, rasgaduras nas relações sociais. A relação de crianças e adolescentes com o consumismo cria laços de afeição ou repulsa entre grupos e vai estabelecendo uma nova cultura jovem. O ESTADO, O MERCADO E A SOCIEDADE Nesta formação cultural, o Estado e o mercado tornam-se as duas faces da mesma moeda: a produção literária, cinematográfica, musical vêm atrelada ao incentivo da utilização dos serviços e consumo dos bens adicionados. É a comercialização da cultura que vem com um viés de democratização ou socialização da cultura: o que se deixa de ver é que o mercado produz, em altas dosagens, as desigualdades sociais na origem. TODOS ENVOLVIDOS Produtores, distribuidores, divulgadores, órgãos reguladores, pais e responsáveis, educadores, integrantes das redes de proteção à infância e juventude, juntamente com a conferência do protagonismo de crianças e adolescentes, precisam estar envolvidos no estabelecimento da cadeia de consumo de bens e serviços para o público infantil, a exemplo de países como a Suécia, Bélgica, Reino Unido e a Dinamarca, onde a propaganda infantil é proibida, nos horários de programação infantil. TODOS ENVOLVIDOS A mobilização da sociedade civil pressionando o Estado na formulação e execução de políticas publicas, de normatização, que reconheçam a vulnerabilidade de crianças e adolescentes, frente às poderosas indústrias de publicidade, é imprescindível para proporcionar-lhes desenvolvimento saudável, protegendo-os do bombardeio mercadológico. Ainda tramita o projeto de Lei do Dep. Luiz Carlos Hauly, 5921/2011, regulamentando a propaganda destinada ao público infantil. O DEVER A promoção cultural e a educação para o consumo são deveres morais do Estado – se ele o é de Direito e democrático; Para nós, trago-lhes um breve recado do Pequeno Príncipe: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Mas poucas se lembram disso.” Maria Carmen de Albuquerque Novaes Defensora Pública [email protected] [email protected] 71 3116-2034 2ª Vara da Infância e Juventude Av. Bonocô – SSA / BA