BERNARDO BICALHO DE ALVARENGA MENDES AS “TRAVAS BANCÁRIAS” NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: VALIDADE, EFICÁCIA E LIMITAÇÕES NOVA LIMA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS 2012 BERNARDO BICALHO DE ALVARENGA MENDES AS “TRAVAS BANCÁRIAS” NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: VALIDADE, EFICÁCIA E LIMITAÇÕES Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Comercial concentração: Direito Orientador: Professor Vinícius José Marques Gontijo NOVA LIMA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS 2012 M537 Mendes, Bernardo Bicalho de Alvarenga As “Travas bancárias” na recuperação judicial:validade, eficácia e limitações/ Bernardo Bicalho de Alvarenga Mendes. – Nova Lima, 2012. p. Orientador: Vinicius José Marques Gontijo Dissertação (mestrado) – Faculdade de Direito Milton Campos. 1.Direito Empresarial 2.Recuperação judicial 3. Direito Bancário CDU: 347;736 347.736.6(81) 347.734 FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Dissertação intitulada “AS “TRAVAS BANCÁRIAS” NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: VALIDADE, EFICÁCIA E LIMITAÇÕES”, de autoria do mestrando Bernardo Bicalho de Alvarenga Mendes, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Prof. Dr. Vinicius Joser Marques Gontijo – FDMC – Orientador Prof. Dr. César Fiusa –PUC Belo Horizonte Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto – FDMC ___________________________________________ Professor Doutor Carlos Alberto Rohrmann Coordenador Geral do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos Nova Lima, de de 2012 DEDICATÓRIA Aos meus padrinhos, in memoriam, avô Conceição e tio Artur, pelo orgulho que certamente estarão tendo com este trabalho. A minha avó Nair (in memoriam), pelo exemplo de ser o estudo a salvação garra, luta e determinação de uma mulher a frente de seu tempo. Ao Professor Doutor. Vinícius José Marques Gontijo, pela orientação acadêmica de grande valia. A Patrícia, pelo apoio incondicional, companheirismo e sábios conselhos, com todo o meu amor. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo presente da vida, benção e presença em meu coração. Aos meus pais Bernardino e Ângela, e irmãs Joana e Marina, pela possibilidade de estudo, orientação, incentivo e carinho. “A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias.” Winston Churchill RESUMO O presente trabalho tem o intuito não apenas de demonstrar e até de instigar o leitor acerca dos preceitos introduzidas no direito recuperacional pela Lei 11.101/2005, especialmente na parte dos créditos que não estão sujeitos ao plano de recuperação judicial, como preceituado pelos parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 49, da referida lei, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. A grande pergunta sem resposta, até o momento, é se a função social da empresa deve sobrepor aos interesses dos titulares desses créditos, ou se no futuro será necessário oferecer algum tipo de garantia a esses credores, além do limite de crédito já previsto. Todavia, o certo é que, os caminhos atuais traçados por alguns doutrinadores e as recentes decisões dos tribunais pátrios, levam a conclusão de que a Lei de Recuperação de Empresas foi criada com intuito de garantir privilégios às instituições financeiras e demais entes que, por conveniência própria, se posicionam como “preferenciais”, por fomentarem economia brasileira. Palavras-chave: Falência. Recuperação Judicial. Instituições financeiras. Travas bancárias. ABSTRACTS This present study aims not only to demonstrate but also promote further analysis of the changes introduced in the Recovery Law by Law 11.101/2005, especially what concerns credits not submitted to the judicial recovery plan as established in the paragraphs 3º, 4º and 5º of article 49 of the Law herein, which set forth the judicial and extrajudicial recovery of companies as well as the bankruptcy proceedings of singular entrepreneurs and companies. The unanswered question, until now, is whether the social function of the company outweigh the interests of these creditors or in the future will need to offer some sort of guarantee to these creditors, beyond the credit limit already provided, however it is true that the current paths traced by some scholars and the recent decisions of the Brazilian courts, lead to the conclusion that the law of bankruptcy was created in order to ensure benefits to financial institutions and other entities, which for its own interests, are classified as “prime” due to enhance the Brazilian economy. Keywords: Bankruptcy. Reorganization. Financial institutions. Bank locks. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................. 10 2 CONTEXTUALIZAÇÃO LEGAL.................................................... 2.1 Âmbito de Aplicabilidade da Lei n. 11.101/05...................... 2.1.1 Aplicabilidade da Lei n. 11.101/05......................................... 2.2 Eficácia da Lei n. 11.101/05....................................................... 2.2.1 Eficácia Formal da Lei n. 11.101/05....................................... 2.2.2 Eficácia Material da Lei n. 11.101/05..................................... 2.2.3 Natureza Formal Do Procedimento Recuperacional Judicial.................................................................................... 2.2.4 Natureza Material do Procedimento Recuperacional Judicial.................................................................................... 3 O CRÉDITO.................................................................................... 3.1 O Crédito no Brasil.................................................................... 3.1.1 Evolução Histórica................................................................. 3.1.2 Conceito.................................................................................. 3.1.3 Título de Crédito – A Materialização do Crédito.................. 3.1.4 Os Títulos de Crédito no Direito Brasileiro.......................... 3.1.4.1 Histórico............................................................................... 3.1.5 A Propriedade dos Títulos de Crédito.................................. 3.1.5.1 A Transferência da Propriedade Fiduciária...................... 3.1.5.2 Os Tipos de Endosso.......................................................... 3.1.5.3 Transferência da Propriedade Fiduciária.......................... 3.1.5.4 A Cessão Fiduciária e o Endosso Fiduciário................... 14 16 16 18 18 21 31 33 36 36 36 42 44 46 46 51 53 55 58 60 4 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL....................................................... 4.1 A Mens Legis da Lei n.11.101/2005 na Recuperação de Empresas.................................................................................. 4.2 As “Travas Bancárias” na Recuperação Judicial................... 4.2.1 O Conceito............................................................................... 4.2.2 Características e Peculiaridades........................................... 4.2.3 Interpretação Juspositivista dos § 3º, 4º E 5º do Artigo 49 da Lei N. 11.101/05.................................................................. 4.2.4 Principais Efeitos Decorrentes da Adoção do Instituto das “Travas Bancárias”......................................................... 4.2.4.1 Em Relação à Sociedade em Recuperação Judicial................................................................................... 4.2.4.2 Em Relação aos Credores Beneficiados pelas “Travas Bancárias”............................................................................. 4.2.4.3 Em Relação aos Demais Credores não Alcançados pelas “Travas Bancárias”.................................................... 4.2.4.4 Em Relação à Efetividade Jurídico-Econômica do Procedimento Recuperacional............................................ 4.2.5 Os Limites de Utilização das “Travas Bancárias”............... 68 68 70 70 71 78 83 83 85 86 88 89 5 CONCLUSÃO................................................................................. 97 6 REFERÊNCIAS.............................................................................. 99 1 INTRODUÇÃO A Lei de Falências e Recuperação Judicial de Sociedades Empresárias (LRE), Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, inova, ao prever, em seus § 3º, 4º e 5º do artigo 49, normas que disciplinam os direitos de diferentes classes de credores no momento em que a sociedade empresária devedora ajuíza pedido de recuperação judicial. As previsões contidas nos referidos parágrafos do artigo 49 vêm se tornando objeto de indagações jurídicas por estudiosos do tema, em razão de alegável violação ao tratamento isonômico dos credores no momento da satisfação de seus respectivos direitos, perante a sociedade em recuperação judicial. Indubitavelmente, emerge, da interpretação dos mencionados dispositivos legais, a dialética relativa à proteção do crédito face ao benefício auferido pelos proprietários fiduciários; arrendadores mercantis; proprietários ou promitentes vendedores de imóveis clausulados de irrevogabilidade ou irretratabilidade; proprietários em contrato de compra e venda com reserva de domínio; credores de adiantamentos de contratos de câmbio e detentores de garantia de penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários - estando essa classe de credores, segundo o novo diploma falimentar, isenta da obrigatória sujeição acometida pelos demais credores ao plano de recuperação judicial da sociedade em crise. As previsões contidas nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da LRE facultam a essa classe de credores a possibilidade de continuarem a demandar suas ações judiciais em curso, ou de demandarem novas ações judiciais, em face da sociedade em recuperação judicial, buscando, precipuamente e de forma preferencial, a satisfação de seus importes financeiros devidos pela sociedade em crise, paralelamente ao procedimento de recuperação judicial ao qual a sociedade empresária se sucumbe, juntamente com os demais credores. As hipóteses previstas nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da Lei n.11.101/05 outorgam “preferências” às referidas classes de credores titulares daqueles créditos, que, por sua natureza, estarão isentos dos efeitos jurídicos do plano de recuperação judicial da sociedade em crise, aos quais as demais classes de credores estão, normalmente, sujeitas durante a execução e cumprimento do plano de recuperação judicial. Os juristas estudiosos do tema, em razão do notável benefício legal concedido a esses credores - intitulados agentes fomentadores do mercado financeiro, especificamente de instituições financeiras provedoras e de concedentes de crédito financeiro-mercantil ao empresariado nacional - denominam as hipóteses daqueles credores que não se sujeitam ao plano de recuperação judicial da sociedade em crise, previstas no parágrafo 3º do artigo 49 da LRE, como mecanismo de “travas bancárias”, em razão do sentido latu sensu de impossibilidade – travamento – de se dar continuidade ao procedimento em desfavor daqueles. O conceito das “travas bancárias” decorre de necessária análise de sua adoção em contraponto à alegável inviabilização da recuperação da sociedade empresária, o que ocasiona, por consequência, o “travamento” (paralisação) do procedimento de recuperação judicial, para a citada classe de credores, em detrimento do necessário cumprimento do plano de recuperação judicial em relação às demais classes. Com o objetivo de tornar a análise do tema proposto mais desafiadora, esbarramos na justificativa econômico-legal dos agentes financeiros, que defendem o pensamento em relação às instituições financeiras, na maioria dos casos, de que tais instituições são os principais credores das quantias elencadas como garantias nos § 3º, 4º, e 5º do artigo 49. Em razão da necessária justificativa da validade e eficácia dos preceitos previstos nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49, concedeu-se aos doutrinadores e estudiosos do tema a possibilidade de ampliar o conceito puro e simples de “travamento” para a ideia de “travas bancárias”, com o intuito de resguardar a satisfação dos créditos daqueles que, em tese, são, na maioria das vezes, os principais credores das sociedades em crise - os bancos. No estudo ora proposto, a abordagem do tema explorará os efeitos jurídicoeconômicos decorrentes da aplicabilidade das regras dos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da Lei n.11.101/05, sobretudo em relação: (i) à continuidade da sociedade em crise, (ii) aos demais credores sujeitos ao plano de recuperação judicial, (iii) aos credores previstos nas disposições do § 3º, artigo 49, e (iv) à efetividade do processo judicial recuperacional. Serão abordadas as principais consequências potencialmente contraproducentes à efetividade do procedimento de recuperação judicial, advindas da aplicabilidade da regra aduzida nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da LRE, que podem, em tese, se mostrar óbices à reestruturação econômico-financeira da sociedade empresária em crise, à satisfação dos demais credores não sujeitos ao plano de recuperação judicial e, por fim, à própria sociedade, como coletividade beneficiada pela continuidade da atividade empresarial, geradora de bens, serviços, impostos e empregos. Por fim, o estudo proposto buscará trazer à seara acadêmica a discussão a respeito da eficácia e validade jurídicas das “travas bancárias” no procedimento de recuperação judicial da sociedade empresária. Caso o presente estudo as considere legalmente válidas, ou seja, que considere a adoção das hipóteses legais previstas nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 – “travas bancárias”, mostraremos quais serão as limitações de sua eficácia perante a sociedade empresária, os demais credores, o mercado financeiro-econômico e a sociedade, na busca pela reestruturação das dívidas da sociedade em crise e de sua preservação como agente econômico mantenedor da fonte produtora, do emprego de seus trabalhadores e dos interesses dos credores, viabilizando, desta feita, o alcance de sua função social. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO LEGAL A escolha do tema deste estudo baseou-se no desejo de aprofundar o estudo da dialética jurídica existente entre os privilégios concedidos a determinados credores, decorrentes das previsões contidas nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da Lei n.11.101/05, face aos demais credores sujeitos ao plano de recuperação judicial de sociedade empresária, quando as instituições financeiras se encontram em posição privilegiada perante os demais credores, em razão da alegável função fomentadora da atividade econômica e empresarial, por meio da concessão de crédito. O aprofundamento do estudo do tema proposto busca voltar os olhos à prática cotidiana da análise da aplicabilidade do conceito de “travas bancárias” ao ordenamento jurídico positivo, afastando-se sua interpretação do engessamento legal contido no texto frio da lei, com o objetivo de possibilitar que os leitores tenham uma visão diversa das estreitas interpretações que lhes chegam rotineiramente às mãos, advindas da frieza legal. O estudo proposto será apresentado dentro da vertente teórico-metodológica jurídico-dogmática, em virtude do exame precípuo, porém não exclusivo, do comportamento de diversos institutos do ordenamento jurídico pátrio, dentre os quais, o direito tributário, trabalhista e cível, em face dos preceitos dos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da LRE. Antes da definição precisa da hipótese, pretendemos estabelecer as questões gerais que deverão balizar a discussão em termos amplos, ainda que não busquemos responder as estas questões de forma cabal. Primeiramente, não é possível, nem tão pouco plausível, dentro do limite proposto para esta dissertação, responder a todos os pontos e indagações decorrentes da análise jurídica e econômico-financeira do instituto das “travas bancárias”. Isto porque seria extremamente louvável obtermos, ainda que empiricamente, conclusões irrefutáveis que estejam baseadas em paradigmas que pretendem consolidar a tendência de interpretação pretoriana das hipóteses de exceção contidas nos § 3º, 4º e 5º do artigo 49 da LRE. Consideramos inapropriada, ou, até mesmo, equivocada, a utilização de dados e de estatísticas puramente econômicos e financeiros que busquem mensurar o maior ou menor efeito das decisões judiciais em vista à validade, eficácia e limites jurídicos de utilização das “travas bancárias” no procedimento de recuperação judicial de sociedades empresárias. Em segundo, a ampliação da discussão quanto a alguns dispositivos que extrapolam o âmbito do Direito Empresarial não desfigura o estudo do tema em questão, razão pela qual no Direito, como ciência jurídica que o é, faz-se necessária a interpretação holística, sem individualizações desconexas e independentes entre si, com auxílio de ciências outras que contribuam para o alcance de sua efetividade. Por fim, a dissertação proposta buscará analisar o crédito como instrumento de mercado fomentador da atividade econômico-financeira para as sociedades empresárias, em contraponto às previsões constantes no ordenamento jurídico brasileiro vigente, sobretudo face à Constituição Federal, ao Código Civil de 2002 e demais legislações infraconstitucionais, com o intuito de elucidar os principais aspectos argumentativos que o presente estudo se dispõe a discorrer. 2.2 Âmbito de Aplicabilidade da Lei n. 11.101/05 2.2.1 Aplicabilidade da Lei n. 11.101/05 A nova legislação falimentar teve seu embrião originário do Projeto de Lei n. 4376/93, advindo de mensagem do Poder Executivo sobre a nova lei de falências, e foi, a posteriori, apresentado na forma de substitutivo pelo então relator da matéria, Senador Ramez Tebet, passando a ser denominado PL n. 4376-A/93. O referido projeto substitutivo criava o instituto jurídico da recuperação judicial e extrajudicial como procedimentos tendentes a evitar a falência de empresários e sociedades empresárias em dificuldades econômicas e financeiras. O proposto sistema de recuperação de empresas buscava, então, inovar ao substituir o arcaico instituto jurídico da concordata e instituir um procedimento judicial destinado a solucionar a crise econômico-financeira dos empresários e sociedades empresárias devedoras, os quais, com sua importância social e econômica no contexto local, regional ou nacional, demonstrassem viabilidade de recuperação e manutenção de sua atividade como fontes produtoras de bens e serviços. O projeto original passou por cento e oitenta emendas, sendo sancionado como Lei n.11.101, de 9 de fevereiro de 2005, com o escopo de regular as recuperações judicial e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. O majestoso doutrinador Professor Paulo Penalva Santos1 tece críticas ao Projeto de Lei no4376-A/93, hoje convertido na referida Lei no11.101/05, sob o argumento de que tal Projeto, da forma como redigido está, poderá não alcançar a mens legis originariamente pretendida pelo legislador. 1 SANTOS, Paulo Penalva. O novo projeto de recuperação da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 39, n.117, p. 126-135, jan./mar. 2000. Corre o grave risco de desmoralizar um instituto tão importante como o de recuperação de empresa, pois fracassaram todos os modelos que permitiram a sua aplicação indiscriminada, sem que houvesse, ao menos, um critério objetivo para se identificar a empresa recuperável. (SANTOS, 2000) Corroborando o entendimento do emérito doutrinador, o PL no4376-A/1993 dava amplos poderes aos credores para verificar a situação de viabilidade de continuidade do exercício da empresa, de modo que os interesses dos credores poderiam, nem sempre, convergir para o interesse social. Acrescenta o citado jurista que o interesse social, privilegiado no Projeto de Lei, não se devia confundir com o interesse dos credores e devedores. Validando esse entendimento, desprende-se, do artigo 966 do Código Civil, a tendência de o conceito de empresa viável se aproximar mais do aspecto econômico da atividade empresarial em si, que do aspecto jurídico strictu sensu. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Destarte, a nosso ver, a legislação poderia ter previsto hipóteses objetivas para nortear o procedimento de recuperação empresarial, fosse ela judicial ou extrajudicial, evitando-se, desta feita, que empresas sem perspectivas econômicas concretas de recuperação utilizassem da legislação de forma aleatória, o que poderia ocasionar aumento de custos sociais desnecessários e onerosos ao sistema jurídico brasileiro. Em decorrência da análise juspositivista-dogmática, o novo marco legal falimentar tem como objetivo balizador de seus ditames a busca da efetiva recuperação de sociedades empresárias em dificuldades econômico-financeira, contendo mecanismos jurídicos hábeis para promover a reorganização das atividades empresariais, a reestruturação de operações e o equacionamento de dívidas, viabilizando, dessa forma, a reabilitação econômico-financeiras e a manutenção da atividade produtiva, em razão de sua indiscutível importância econômico-financeira como pedra angular ao sistema capitalista brasileiro, permitindo, outrora, que a atividade empresarial atinja sua função social. 2.2 Eficácia da Lei n. 11.101/05 2.2.1 Eficácia Formal da Lei n. 11.101/05 Há tempos, um novo regime jurídico falimentar era pleiteado no Brasil, visto que o vigente até meados de 2005 não mais satisfazia as necessidades da sociedade, sobretudo os interesses dos agentes econômicos geradores e propulsores de riquezas para a economia. A sociedade brasileira, imbuída do desejo de rever os pilares do direito falimentarconcordatário brasileiro, em razão da pujante evolução da atividade empresarial, buscou debater as principais mudanças necessárias ao diploma falimentarconcordatário então em vigor, sobretudo suas consequentes implicações econômico-financeiras ao empresariado nacional, sem olvidar as implicações internacionais que dele poderiam vir, em decorrência da globalização dos meios e fatores de produção. Após dez anos de intensos debates com os segmentos interessados, dentre eles, o Poder Judiciário e entidades representativas dos advogados – Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, o Congresso Nacional apresentou à sociedade brasileira o Projeto de Lei n. 4.376/93 para reforma do Decreto-Lei n. 7.661/45. Transcorridos os trâmites nas casas legislativas, o Projeto de Lei foi remetido ao Senado, tendo como relator o Senador Ramez Tebet, e em seu texto foram realizadas várias alterações, sendo mantida, todavia, sua coluna dorsal, consubstanciada na recuperação das empresas - um velho sonho acalentado pela classe empresarial e financeira do País. O novo diploma legal, que, então, se mostrava prestes a inaugurar uma nova fase no Direito Falimentar brasileiro, trazia como princípios a preservação da empresa; a separação dos conceitos de empresa e de empresário; a retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis; a proteção aos trabalhadores; a redução do custo do crédito no Brasil; a celeridade e eficiência dos processos judiciais; a segurança jurídica; a participação ativa dos credores; a maximização do valor dos ativos do falido; a desburocratização na recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte; e o rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial. Tais princípios nortearam o texto final do Projeto aprovado pelo Senado em 06 de junho de 2004, que, depois foi submetido novamente à Câmara dos Deputados, face às alterações nesta casa introduzidas, tendo como relator o Deputado Osvaldo Biolchi. Finalmente, ao apagar das luzes do ano legislativo de 2004, em 14 de dezembro daquele ano, o Projeto de Lei nº 4.376/93 foi aprovado pelo Congresso Nacional. Seguindo os trâmites do processo legislativo, em 9 de junho de 2005, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n. 11.101, inaugurando, no País, um novo ciclo no Direito Falimentar, objetivando atender os anseios da sociedade brasileira, principalmente ao se propor a ser o instrumento jurídico hábil a enfrentar os desafios existentes no início do Século XXI, sobretudo aqueles de caráter econômico-financeiro, em prol da eficiência do sistema capitalista brasileiro. A inovação na ordem jurídica trazida pela Lei n. 11.101/05 estabeleceu como vacatio legis o período de cento e vinte dias após a data de sua publicação. Tendo sido o novo diploma legal publicado em 09 de fevereiro de 2005, sua eficácia somente se deu após 09 de junho de 2005, transcorrido o período de vacatio legis. Mister destacar que o novo diploma legal falimentar-recuperacional, em suas “Disposições Finais e Transitórias”, especificamente em seu art. 192, caput, estabelece a regra geral segundo a qual a nova legislação falimentar-recuperacional não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, devendo, por consequência, ser concluídos nos termos do Decreto-lei n. 7.661/45. Contudo, a nova lei será aplicada, ou poderá ser utilizada, em algumas situações anteriores à sua vigência, em especial naquelas reguladas como exceções nos parágrafos do artigo 192. Dentre as excepcionalidades pregadas pela nova lei, o parágrafo 1 o do art. 192 veda, expressamente, a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência já em curso quando da entrada em vigência da Lei n.11.101/05, autorizando a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão do inquérito judicial. Outra excepcionalidade importante de se destacar está prevista no parágrafo 2 o do art. 192. A existência de pedido de concordata anterior à vigência da Lei n. 11.101/05 não impede o devedor, que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata, de pleitear a recuperação judicial, sendo vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte nos termos da nova Lei. Por consequência, caso deferido o processamento da recuperação judicial, o processo de concordata será extinto, e os créditos submetidos à concordata serão inscritos com seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário. Por fim, vale destacar que a Lei n. 11.101/05 aplica-se às falências decretadas em sua vigência, que sejam resultantes de convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores à vigência da nova Lei, às quais se aplica, até a decretação, o Decreto-Lei n. 7.661/45, observado, na decisão que decretar a falência, o disposto no art. 99 do novo diploma concursal. 2.2.5 Eficácia Material da Lei n. 11.101/05 O antigo Decreto-Lei n. 7.661/45, em seu artigo 1°, fazia referência apenas e tão somente, à comprovação da impontualidade do devedor comerciante como requisito para a decretação da falência. Não havia qualquer preceito legal presente no revogado diploma falimentarconcordatário que fizesse menção explícita ao objetivo que deveria guiar o credor quando da propositura da ação falimentar, bastando a simples mora como motivo justo para ensejar inconsequentes e frequentes pedidos de falências ao Poder Judiciário, em todas as unidades da Federação. Considerando os ditames do anterior diploma legal falimentar, o mero atraso no cumprimento de obrigações pelo empresário, muitas vezes justificado por problemas desafetos à situação econômico-financeiro da sociedade, já motivava a busca desenfreada da decretação da falência, resultando, por consequência, a utilização do instituto para ocasiões menos importantes, como, por exemplo, a cobrança de valores de pequena monta, em detrimento dos meios judiciais executivos apropriados para esse fim. Em tais situações, materializava-se, quase sempre, o abuso de direito e a afronta ao princípio da preservação da empresa, por aqueles credores que viam no procedimento falimentar a celeridade do alcance do crédito, muitas vezes discutido, em ações de outras naturezas que não a falimentar–execuções singulares, por delongados anos, no Poder Judiciário. Desta feita, em vista a exterminar, ainda que empiricamente, a utilização desenfreada da falência, como meio executivo de cobrança de dívidas, a Lei n. 11.101/05 passou a realçar a importância jurídica da empresa como fonte geradora e mantenedora de riquezas, empregos e tributos, sobretudo como ente necessário à circulação de bens, serviços e riquezas, afastando-se, pois, a possibilidade de quebra por atos que não aqueles previamente estabelecidos como ensejadores da “bancarrota”. As lições da doutrina falimentar, de um modo geral, com relação ao princípio da preservação da empresa, sinalizam que este desfrutaria, na recuperação judicial, de uma essencialidade que o conduziria ao topo da hierarquia axiológica, possibilitando-nos crer que tal princípio seria absoluto dentro do instituto, ou então, que toda a interpretação deveria promovê-lo ao máximo. Nos dizeres de Salomão Calixto2: A Lei de Recuperação de Empresas pressupõe e inclui princípios que não podem ser negados ou descumpridos, qualquer que tenha sido o grupo de interesses que mais influenciou sua elaboração. [...] é também necessário reconhecer que a recuperação de empresas pressupõe princípios e objetivos que não podem ser desconsiderados. O principal deles é o da preservação da empresa, expressamente declarado no art. 47 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (nova Lei de Falências) como princípio da recuperação de empresas (CALIXTO, 2007, p. 42). Todavia, escassas são as explicações da doutrina comercialista pertinente ao direito concursal acerca da inquestionável relação que há entre o princípio da preservação da empresa e os direitos que fundamentam os interesses dos credores, de modo que parece ser essencial perguntar: qual é o limite, caso ele exista, da aplicação do princípio da preservação da empresa como justificativa da interpretação dos dispositivos legais pertinentes ao instituto da recuperação judicial? Acrescenta-se à indagação anteriormente exposta uma outra: a recuperação judicial do empresário em crise seria uma imposição legal aos credores, como forma de socialização dos riscos? 2 SALOMÃO FILHO, Calixto. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência - Lei 11.101-2005 artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 42. Partindo desses questionamentos, a nova legislação falimentar-recuperacional busca, a priori, evitar a decretação da falência do empresário e da sociedade empresária, almejando, precipuamente, a recuperação e manutenção da atividade empresarial, em detrimento da imediata possibilidade de decretação de quebra, pregada pelo diploma falimentar-concordatário revogado. A “bancarrota” deixa, então, de ser o eixo central do instituto concursal, sendo substituída pelos mecanismos de recuperação da empresa, sejam eles judiciais ou extrajudiciais. Há que se destacar que a nova legislação concursal busca aproximar-se do ideal de Estado Democrático de Direito ao permitir a participação do credor no processo de recuperação da empresa devedora, ação anteriormente vedada pela legislação anterior. Nas palavras do então Senador Ramez Tebet3, relator do PL n. 4376/1993: [...] a atual Lei de Falências, posta em vigor pelo quase sexagenário Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, que, muito embora tenha, por seus reconhecidos méritos, servido durante tanto tempo à disciplina da matéria, não é mais adequado às necessidades da sociedade e da economia brasileira, dadas as numerosas e profundas alterações que ocorreram nas práticas empresariais no Brasil e no mundo, nas últimas seis décadas. [...] A lei de falências, para cumprir os objetivos a que se propõe, deve apresentar três características fundamentais: primeiramente, deve ser logicamente estruturada, de forma que seus dispositivos possam ser bem compreendidos no âmbito dos respectivos institutos que pretendem disciplinar; em segundo lugar, seus dispositivos devem ter coerência interna, ou seja, é indesejável que haja repetições, contradições ou omissões que dificultem a aplicação da lei; finalmente, os dispositivos devem ser claros e tecnicamente precisos, para que se reduza, tanto quanto possível, a possibilidade de que controvérsias interpretativas comprometam a segurança jurídica dos interessados. (SENADO FEDERAL) 3 Constante do Parecer dado ao Projeto Substitutivo quando da apreciação no Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/agencia/noticias/box/box130404r3.htm>. Acesso em: 17 nov. 2010. A nova visão trazida no bojo do novo diploma concursal expõe, claramente, que a intenção do legislado foi deslocar o ponto central de discussão da matéria concursal ao instituto da recuperação judicial e extrajudicial, em contraponto à adoção da falência como solução imediata para sociedades empresárias que tivessem problemas econômico-financeiros. Essa intenção, no princípio primordial de preservação da empresa, é extraída do próprio texto legal, que, ao contrário do previsto no revogado Decreto-Lei n. 7661/45, reserva oitenta e cinco artigos à falência e cento e quinze artigos à recuperação da empresa, em um total de duzentos e um artigos. Ressaltamos que na legislação anterior, a proporção era de cento e setenta artigos para a falência e de, apenas, quarenta e sete para a concordata, o que demonstrava, claramente, o viés falencial, e não concordatário-recuperacional, da sociedade em crise. Não poderíamos deixar de mencionar a opinião do Deputado Federal Osvaldo Biolchi, Relator do PL n.4.376/93 que originou a LRE, citado por Paulo Fernando Campos Salles de Toledo: Há muito tempo a sociedade brasileira esperava e clamava por uma nova legislação que pudesse disciplinar a situação das empresas em crise, por intermédio de procedimentos de recuperação judicial, extrajudicial e a revisão do modelo falimentar em vigor. [...] Nossa legislação pode ser considerada uma das mais antigas do mundo, se levarmos em conta o prazo de sua vigência, e também a qualidade encerrada deixava muito a desejar no âmbito do procedimento judicial. Enquanto no Brasil o tempo médio de um processo era de 12 anos, no Japão é de 6 meses, na Inglaterra é de 1 ano, na Argentina de 2,8 anos, e na Índia de 11,3 anos. (TOLEDO, 2007, p. 35)4 Atualmente, a doutrina e a jurisprudência, sobretudo a do STJ, têm caminhado na busca de soluções mais consentâneas com os preceitos constitucionais que tratam 4 TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 35. da ordem econômica e que, em última análise, objetivam a preservação das empresas e de suas unidades produtivas. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;5 A par dessa situação, o STJ tem aplicado o princípio da preservação da empresa a vários casos postos sob sua análise, sendo que os Recursos Especiais vêm sendo analisados pelo STJ com fundamento nas alíneas "a" e "c" do art. 105 do permissivo constitucional. O STJ tem firmado entendimento de que os pedidos de falência lastreados em títulos executivos extrajudiciais, de pequeno valor, não merecem ser acolhidos. [...] Com fundamento no princípio da preservação da empresa, devese concluir não ser razoável autorizar a quebra de uma empresa com base na impontualidade no pagamento de dívida de pequeno valor.6 Ainda, é entendimento que tal princípio, explícito na LRE, deve ser aplicado às ações falimentares propostas sob a égide do antigo Decreto-Lei n. 7.661/45, que fazia referência somente à comprovação da impontualidade no pagamento como requisito para a decretação da falência. [...] Não se trata aqui de aplicação retroativa da lei nova, mas apenas ajustamento da interpretação da lei antiga aos novos padrões da lei nova.7 Nesse mesmo sentido, o STJ já considerou que a quantia de novecentos e trinta e oito reais e vinte centavos, que é inferior a quarenta salários mínimos, não pode embasar pedido de falência. [...] Contudo, há uma sutileza na forma como a questão está colocada, que é suficiente para desmontar a suposta contradição. A delicadeza da 5 BRASIL. Constituição 1988. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br>. Acesso em: 2 nov. 2010. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. BENETI, Sidnei. Recurso Especial N° 805.624. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. 7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. BENETI, Sidnei. Recurso Especial N° 805.624. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. 6 situação reside, justamente, em que não se está propriamente a discutir a aplicação de uma regra especifica, mas sim de um princípio, qual seja, o da preservação da empresa, que é fundamental para qualquer discussão a 8 respeito da matéria falimentar, seja no atual ou no antigo diploma. Percebe-se, portanto, especial preocupação do STJ em coibir a utilização da ação falimentar como simples meio executivo que vise ao recebimento de créditos não pagos oportunamente. Também, verifica-se entendimento no sentido de que o princípio da preservação da empresa, claramente adotado pela Lei n. 11.101/2005, também era, mesmo que implicitamente, diretriz a ser seguida pelo antigo Decreto-Lei n. 7.661/45. A aplicação do princípio da preservação da empresa às ações propostas sob a égide do Decreto-Lei n. 7.661/45 diz respeito à interpretação da lei antiga. [...] Assim, em princípio, nenhum erro existe em buscar uma interpretação para o art. 1° do Decreto-Lei n° 7.661/45, aplicável ainda depois de sessenta anos, que seja mais adequada ao atual estado de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, privilegiando-se a manutenção da unidade produtiva ao invés da satisfação duvidosa de uma dívida, pelo sistema do concurso de credores.9 É evidente que a vontade do legislador, quando da elaboração do Decreto-Lei n.7.661/45 e da atual Lei n.11.101/2005, não era possibilitar a quebra de um empreendimento em razão do inadimplemento de pequenos valores. Antes, seu objetivo era a manutenção da atividade empresarial. Fica patente, pois, a preocupação do STJ no sentido de dar aplicação ao princípio da preservação da empresa, repelindo as ações falimentares que não sejam fundadas em dívidas superiores a quarenta salários mínimos. Admitir a possibilidade de procedência de pedido falimentar rastreado em valores de pequena monta significaria imputar à sociedade e aos trabalhadores a parte mais cruel da punição. 8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ANDRIGHI, Nancy. Recurso Especial N° 959.695/SP/2007/0133259). Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. 9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ANDRIGHI, Nancy. Recurso Especial N° 959.695 – SP (2007/0133259-1). Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. Ademais, tal atitude faria com que a satisfação do interesse dos credores fosse posta em mais alto plano, quando confrontada com a perda de arrecadação e renda decorrentes da falência. [...] É inegável que o comércio possua o condão de gerar renda, emprego, arrecadação de tributos e, portanto, não pode ser tutelado apenas no interesse de credores particulares. Ao revés, a proteção jurídica do empresário deve ter em mira aspectos outros, notadamente aqueles de cunho social, eis que o empresário não exerce sua atividade em seu exclusivo interesse. Assim, não se pode desconsiderar a importância da atividade empresarial para a sociedade como um todo, é inviável supor que todo e qualquer crédito possa servir de suporte ao pedido falimentar.10 Notório resta que o princípio da preservação da empresa tem como objetivo principal proteger a atividade empresarial. Não se busca a proteção no interesse exclusivo do empresário, mas antes e acima de tudo, no interesse da sociedade. O artigo primeiro do revogado Decreto-Lei n. 7.661/45 não continha qualquer limitação com relação ao valor monetário mínimo para que o credor pudesse postular em juízo a falência do devedor, sendo exigível, apenas, a comprovação da impontualidade, pois o montante do débito, em princípio, era irrelevante. Enfatizamos que o antigo Decreto-Lei n. 7.661/45 foi redigido em uma época em que o procedimento falimentar tinha como escopo principal o encerramento da atividade empresarial, com vistas à preservação do interesse particular. Em tal situação, a supremacia do interesse particular sobre o social, firmado na possibilidade de falência e consequente cessação das atividades empresariais, conduzia, não raramente, à própria impossibilidade de recebimento dos créditos, por parte do credor. Por vezes, a nocividade do decreto falimentar alcançava todos aqueles que mantivessem algum tipo de relação comercial com o falido. 10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. UYEDA, Massami. Recurso Especial N° 1.089.092 – SP (2008/0203816-1). Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. [...] Decretava-se a insolvência para se buscar o adimplemento das obrigações do falido que, por seu turno, sem poder exercer sua atividade, sequer tinha condições de saldar seus débitos.11 Com o advento da Lei n. 11.101/2005, o procedimento falimentar foi agraciado com novos contornos, sendo incorporado ao ordenamento jurídico novos princípios orientados para a preservação da atividade produtiva da empresa. A nova lei de falência revela a preocupação social com a manutenção das empresas em dificuldades e, previamente, as consequências decorrentes da cessação da atividade produtiva, pois tal fato lesaria, não raramente, mais ao credor que ao próprio empresário. Extremamente oportunas as considerações do mestre italiano Cesare Vivante, citadas por Celso Marcelo de Oliveira, na obra Comentários à Nova Lei de Falência: Antes da nova lei, sucedia frequentemente aplicar-se o complicado e dispendioso processo de falência a pequenos estabelecimentos condenados à impotência da sua originária miséria, obrigados a sucumbir a débitos cuja totalidade não excede a uns milhares de liras. O estado e o resultado destas miseráveis falências eram penosos: um ativo insuficiente para cobrir as despesas do processo; uma pequena massa de credores a que as formalidades judiciais tiravam, depois de os terem estorvado com alguns enfados, o pouco que ainda existia no patrimônio do falido; um pobre desgraçado atormentado com o processo de bancarrota por não ter escriturado regularmente os livros prescritos, que muitas vezes não eram necessários ao giro do seu estabelecimento. A nova lei procura impedir estes tristes resultados na sua segunda parte, que regula a liquidação coletiva das pequenas empresas [...]. O processo a seguir é simples e econômico. O comerciante, que não seja devedor da importância superior àquela cifra, dirige-se ao Presidente do tribunal para que mande convocar os seus credores; e o Presidente em seguida a este pedido – que produz quanto ao patrimônio do devedor o mesmo efeito que o requerimento de uma concordata preventiva nomeia um comissário judicial, que exerce as suas funções sob a direção do Pretor em que o recorrente exerce o seu comércio. (OLIVEIRA, 2005, p.189) 12 11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. UYEDA, Massami. Recurso Especial N° 1.089.092 – SP (2008/0203816-1). Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. 12 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: IOB Thompson, 2005. p. 189. Também, embasado no princípio da preservação da atividade empresarial, definiuse que em caso de recuperação judicial, ficam suspensas as ações e execuções que se encontravam em curso, inclusive na justiça trabalhista. Assim, a execução individual trabalhista e o instituto da recuperação judicial mostram-se incompatíveis. Com efeito, decidir-se de forma contrária, deixando a cargo de cada juízo trabalhista a competência para questões de relevância referentes ao plano de recuperação judicial, seria pôr em risco sua própria exequibilidade. Caso exemplificativo e de grande repercussão é o que envolvia o processo de recuperação judicial da VASP (Viação Aérea São Paulo S.A), quando se negou o seguimento de execuções individuais concomitantemente à recuperação judicial. [...] O objetivo da recuperação é a preservação da sociedade empresária, a da fonte produtora, em beneficio dos trabalhadores não dispensados, da arrecadação de impostos, dos próprios credores, da manutenção dos empregos indiretos e de outros beneficiados com a atividade econômica. Para tanto, se faz imprescindível que a vis attractiva do juízo universal, seja aplicável também à recuperação judicial. De fato, seria incoerente que os credores pudessem, concomitantemente, exercer individualmente seu direito à cobrança judicial e ao concurso de credores.13 A nova legislação falimentar retirou o foco principal da simples decretação de falência da empresa, passando a fomentar a possibilidade de sua recuperação judicial da empresa e a manutenção de suas atividades. De acordo com os ditames da Lei n. 11/101/2005, cumpre aos juízos de recuperação judicial a aprovação de planos de recuperação tão somente quando estes se apresentem viáveis e exequíveis. Aos administradores judiciais cabe a implementação de projetos voltados para a consecução das metas fixadas. [...] Ora, uma vez aprovado e homologado o plano, contudo, não se faz plausível a retomada das execuções individuais após o mero 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. BARBOSA, Helio Quaglia. Conflito de competência N° 73380 – SP (2006/0249940-3). Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. decurso do prazo legal de 180 dias; a consequência previsível e natural do restabelecimento das execuções, com penhoras sobre o faturamento e sobre os bens móveis e imóveis da empresa em recuperação implica em não cumprimento do plano, seguido de inevitável decretação da falência que, uma vez operada, resultará, novamente, na atração de todos os créditos e na suspensão das execuções individuais, sem beneficio algum para quem quer que seja.14 Tem-se, portanto, que a manutenção de possíveis execuções individuais tornaria sem efeito o plano de recuperação judicial. Outrora, impossível seria a empresa reestruturar sua atividade produtiva diante da execução de seu patrimônio, promovida no exclusivo interesse de alguns credores, prejudicando a preservação da sociedade empresária como fonte produtiva e geradora de renda. A aplicação do princípio da preservação da empresa é, indubitavelmente, corolário extensivo à recuperação judicial. Destarte, significa um voto de confiança ao novo instituto concursal brasileiro, evitando-se, por consequência, impor ao processo recuperacional embaraços e estorvos que o impeçam ou dificultem o alcance do objetivo para o qual a legislação foi criada, qual seja, o soerguimento do negócio empresarial. A expectativa era, pois, que este entendimento fosse estendido a determinada classe de credores, como aqueles constantes dos parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 49 da LRE. 2.2.6 Natureza Formal Do Procedimento Recuperacional Judicial Na vigência do revogado Decreto-Lei n.7.661/45, o procedimento da concordata, então similar à atual recuperação judicial, era visto pelos comercialistas como ato processual. 14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. BARBOSA, Helio Quaglia. Conflito de Competência N° 73380 – SP (2006/0249940-3). Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 3 nov. 2010. Nos dizeres de Rubens Requião,15 a revogada concordata era tida como: Ato processual que visa resolver a situação econômica de insolvência do devedor ou prevenindo a falência (preventiva) ou suspendendo a falência (suspensiva) para proporcionar a recuperação da empresa comercial. Em linha com o entendimento do saudoso Professor Requião, nos dizeres de Jorge Lobo16, a natureza formal do procedimento recuperacional judicial, é definida nos seguintes termos: A recuperação judicial é um ato complexo, uma vez que pode ser considerada sob vários aspectos, pois abrange um ato coletivo processual, um favor legal e uma obrigação ex lege. [...] A ação de recuperação judicial é constitutiva, porque cria nova situação jurídica para o devedor e os credores a ela sujeitos (art. 49), quer no plano do direito processual (art. 6), quer no plano do direito material (art. 59), podendo afirmar-se, como, aliás, se diz em França, ser autêntico “processo de sacrifício”. O novo diploma falimentar-recuperacional estipula em seu artigo 47: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (LOBO, 2007, p. 147) Precipuamente a intenção do legislador, com a instituição do procedimento de recuperação judicial, foi manter a atividade empresarial “acesa”, para preservar operante a fonte produtora de riquezas, manter e garantir a manutenção dos empregos, em prol do cumprimento de sua função social. Inobstante os dizeres do texto legal, a respeito da natureza formal do procedimento recuperacional judicial, sua natureza reside em ato judicial de caráter processual, revestido da manta econômico-jurídica, que busca sanear a situação do devedor em 15 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 2, p.1 LOBO, Jorge. Comentários. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 120; 149. Arts. 47-51. 16 crise, visando resguardar a fonte produtora de bens e serviços - mola propulsora da economia - por meio da geração de impostos e empregos. 2.2.7 Natureza Material do Procedimento Recuperacional Judicial O grande mérito apontado como mens legis da LRE é a prioridade dada à manutenção da empresa e dos seus recursos produtivos. Ao extinguir a concordata e instituir a recuperação judicial e extrajudicial, o referido diploma falimentar-recuperacional alarga a abrangência e a flexibilidade do viés mantenedor do ente produtivo nos processos de recuperação empresarial, mediante o desenho de alternativas jurídicas para o enfrentamento das dificuldades econômicas e financeiras da empresa devedora. O objetivo central da recuperação judicial está disposto no art. 47 da Lei n.11.101/05: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. O pressuposto objetivo a ser considerado na LRE é este, genericamente indicado: não se deve exigir que a situação esteja marcada pelo inadimplemento de certa obrigação, ou que se mostre iminente a impossibilidade de cumprimento dos compromissos financeiros assumidos pelo empresário ou sociedade empresária em crise. O legislador não se prende a fórmulas pré-concebidas de mensuração da importância e abrangência da crise empresarial. Parte, então, da premissa de que a crise existe, e ninguém mais apto do que o devedor para proclamá-la. A LRE pretende possibilitar o meio jurídico adequado para a superação da crise empresarial, quer esta seja de natureza financeira, quer seja de natureza econômica. Nas palavras do eminente doutrinador Amador Paes de Almeida17: A recuperação judicial tem, a rigor, o mesmo objetivo da concordata, ou seja, recuperar, economicamente, o devedor, assegurando-lhe, outrossim, os meios indispensáveis à manutenção da empresa, considerando a função social desta. (ALMEIDA, 2009, p. 304) Ressalta-se desígnio à ponderação de Sidnei Agostinho Beneti18: O instituto assemelha-se, realmente, à antiga concordata preventiva, mas, em verdade, dela difere profundamente. Pode-se dizer, em síntese, que a evolução do enfoque prévio da insolvência trilhou caminho iniciado na cobrança da dívida dos primórdios da execução coletiva, passou pela proteção ao crédito na legislação de 1945 e, agora, visa à superação da crise econômico-financeira da empresa. (BENETI, 2005, p. 228) Para Manoel Justinho Bezerra Filho19, o objetivo central é recuperar a empresa viável, enquanto para a inviável, o caminho é a falência. Pondera o doutrinador: A recuperação judicial destina-se às empresas que estejam em situação de crise econômico-financeira, com possibilidade, porém, de superação, pois aquelas em tal estado, porém em crise de natureza insuperável, devem ter sua falência decretada, até para que não se tornem elemento de perturbação do bom andamento das relações econômicas do mercado. Tal tentativa de recuperação prende-se, como já lembrado acima, ao valor social da empresa em funcionamento, que deve ser preservado não só pelo incremento da produção, como, principalmente, pela manutenção do emprego, elemento de paz social. (BEZERRA FILHO, 2005, p. 130) 17 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 304. 18 BENETI, Sidnei Agostinho. O processo da recuperação judicial. In: PAIVA, Luiz Fernando Valente de (Coord.). Direito falimentar e a nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 228. 19 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falência comentada. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.130. A LRE, com a instituição da recuperação judicial, cria, inquestionavelmente, uma polêmica quanto à natureza jurídica desta, uma vez que parte da doutrina a define como procedimento de natureza contratualista. A princípio, a recuperação judicial obriga a participação efetiva de todos os credores representados em Assembléia Geral de Credores, investidos de poder para aprovar ou não o plano de recuperação apresentado pelo devedor. Nos ensinamentos do festejado doutrinador, Professor Amador Paes de Almeida20: a natureza jurídica da recuperação judicial pressuposto manifestação prévia de credores, inclusive a aprovação, por devedor e credor, de plano alternativo, tem, ao nosso ver, nítida natureza contratual – um contrato entre o devedor e a coletividade de credores. A sentença que concede a recuperação é de natureza constitutiva. (ALMEIDA,2009, p. 347) Inquestionavelmente, a natureza material do procedimento de recuperação judicial no direito concursal reveste-se da natureza contratual e não mais deriva de um favor estatal, anteriormente concedido em condições previamente analisadas, por meio de sentença judicial, como então previsto na revogada concordata do Decreto-Lei n. 7.661/45. O espírito da LRE é fazer com que os estudiosos do Direito, este visto como ciência jurídica, despertem seus olhares para o novo instituto da recuperação judicial como um instrumento concursal creditício, revestido de um caráter eminentemente contratual, um acordo de vontades entre credor e devedor para a satisfação da obrigação creditória financeira entre credor e devedor, preservando, em última instância, a unidade produtiva, a empresa como ente propulsor da economia por sua geração de renda, empregos e impostos. 20 ALMEIDA, 2009, p. 347. 3 O CRÉDITO 3.1 O Crédito no Brasil 3.1.1 Evolução Histórica A moeda, como instrumento de circulação de riquezas sempre desempenhou papel de suma importância no mercado econômico-financeiro brasileiro, mercado que, ao longo de décadas, conviveu com o medo da inflação e da vulnerabilidade econômica externa. A análise do sistema de concessão de crédito, no Brasil, remonta ao final da Segunda Guerra Mundial, momento aquele em o mundo reconheceu o investimento financeiro como variável-chave na definição da taxa de crescimento econômico dos países afetados pela beligerância. Por tal, fora colocada, de imediato, a questão dos recursos necessários à efetivação do crescimento econômico, o que ocasionou, por um lado, a discussão a respeito da insuficiência da poupança nos países subdesenvolvidos e a noção do círculo vicioso da pobreza. Porém, por outro lado, embora ainda reduzida, a poupança existia, e o bloqueio se encontrava na inexistência de meios adequados para o financiamento do investimento. À luz da realidade brasileira, o financiamento brasileiro a partir da década de 50, buscou adequar os instrumentos financeiros existentes, naquela época, às necessidades de financiamento da economia brasileira no período pós-guerra. No governo de Getúlio Vargas, nos fins dos anos 40 e início dos anos 50, com as primeiras regulamentações dos cursos de Economia, puderam-se constatar os primeiros avanços acadêmicos nas abordagens do sistema de crédito no País. Maria da Conceição Tavares (1972), por exemplo, admitia que a rápida transformação da estrutura da economia brasileira, a partir de 1930, havia criado necessidades de financiamento na economia urbano-industrial, as quais não eram passíveis de ser atendidas pelos mecanismos financeiros existentes. Como resultado, houve um acirramento do processo inflacionário brasileiro, o qual, pelo menos à primeira vista, teria permitido, via “poupança forçada” de alguns segmentos da sociedade, financiar o investimento de certos setores produtivos. Cumpre notar que, nessa perspectiva, a inadequação da estrutura financeira brasileira não teria decorrido da falta de uma política financeira, mas da rapidez das transformações econômicas, inerentes ao modelo histórico de desenvolvimento brasileiro. Ignácio Rangel (1981), por sua vez, tinha uma visão peculiar da “questão financeira” brasileira, pois entendia que a estruturação do sistema financeiro tornaria possível a superação de crises, uma vez que os setores com capacidade ociosa, mas superavitários, poderiam transferir capitais para os setores com potencial de expansão, que fossem deficitários. Sua peculiar visão da crise na economia brasileira levou-o a atribuir um papel fundamental ao sistema financeiro brasileiro, e até a afirmar que não havia a tão propalada escassez de recursos internos no País, o que contribuiu para o avanço das premissas econômicas em prol da consolidação de um sistema econômicofinanceiro, então embrionário. O problema da inadequação dos mecanismos financeiros também foi visto sob uma ótica diferente pelos estudiosos do Direito à época. Isso acontecia, por considerarem que a “Lei da Usura” (Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933), ao limitar os juros nominais a 12% ao ano, numa época de inflação crescente, ocasionava o pagamento de juros reais negativos, impedindo o aprofundamento financeiro. De certo modo, esse diagnóstico esteve presente no mapeamento que foi elaborado pelo Ministério do Planejamento para o Plano Decenal (1966), embora também, nesse, houvesse o reconhecimento de que parte das transações financeiras já havia escapado da restrição da Lei da Usura, como, por exemplo, as letras de câmbio, que, mediante o deságio concedido ao tomador, poderiam produzir rendimento nominal acima dos 12% ao ano e, em certos casos, rendimento real positivo. De qualquer modo, a supressão da Lei da Usura aparecia como um instrumento legal condicionante para a adequação do sistema financeiro às necessidades de financiamento da economia brasileira. Cumpre-nos destacar que as reforma bancária, ocorrida no Brasil em 1964, e a do mercado de capitais, ocorrida em 1965, procuraram responder a essas questões. A supressão da Lei da Usura e a instituição da correção monetária permitiriam remunerar as aplicações com juros reais positivos, estimulando a poupança ou, mais propriamente, viabilizando a mobilização da poupança financeira. A definição de segmentos especializados no sistema financeiro - bancos comerciais, bancos de investimento, financeiras, sociedades de crédito imobiliário, seguradoras, corretoras e distribuidoras, além do próprio Banco Central e dos bancos de desenvolvimento - traria condições adequadas para atender às diferentes necessidades de financiamento do País, desde a concessão do crédito comercial de curto prazo, até os financiamentos para infraestrutura, com longos prazos de maturação. Inegável é que a correção monetária criou instrumentos financeiros que atraíram aplicadores e investidores, principalmente em direção a títulos do governo, como as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs; e do sistema financeiro da habitação, como as cadernetas de poupança, que viabilizaram o financiamento do governo e de certos segmentos da construção civil. No entanto, destacamos que a expectativa quanto ao adequado funcionamento daquele sistema segmentado logo se desfez, com a progressiva conglomeração financeira concluída em 1988, e com a permissão, pelo Banco Central, para a constituição dos bancos supranacionais. O insucesso das reformas econômico-financeiras do sistema bancário brasileiro, pôde ser constatado com a concentração bancária ocorrida nos fins dos anos 80, por meio de aquisições e fusões, justificadas, então, pela existência de economias de escala na atividade bancária. A concentração bancária passou, então, a ser praticada no País, como instrumento de política bancária, que possibilitava as instituições financeiras a operarem com custos inferiores, e, por consequência, praticarem menores taxas de juro (spreads), com impacto positivo sobre o investimento e o crescimento. Diante do cenário então exposto, surgem indagações que nos trazem à baila o entendimento precípuo da atual LRE, notadamente, no aspecto do tema em questão – as “travas bancárias”, justificadas como instrumento de diminuição dos spreads bancários. Questiona-se hoje se tal concentração dos bancos, ainda vista e sentida por todos nós, atualmente, no País, decorreu da natureza de nossa economia de escala; de uma política deliberada do governo; da tendência de o setor bancário acompanhar o processo de concentração do setor produtivo e do efeito da regulamentação do governo, em especial quanto à taxa de juros. A despeito de qualquer resposta, satisfatória ou não, a concentração bancária expôs claramente que a reforma dos bancos e a do mercado de capitais não produziram resultados permanentes. É possível presenciarmos inadequações regulamentares na estrutura do sistema bancário brasileiro, face às necessidades de financiamento da economia, uma vez que a concentração era entendida como uma resposta necessária ao sistema financeiro brasileiro, rumo à maior eficiência na intermediação financeira entre as instituições financeiras, de um lado, e o público varejista, de outro. Indubitavelmente a década de 80 foi marcada pelo aprofundamento da chamada ciranda financeira no Brasil. O crescimento da dívida pública, com o pagamento de taxas de juros elevadas, permitiu que o sistema financeiro se expandisse de forma aceleradíssima, nessa década marcada por vários anos de recessão e taxas de inflação galopantes. Simultaneamente, os entes produtivos passaram de devedoras a credores, obtendo, muitas vezes, receitas financeiras superiores às suas receitas operacionais, favorecidas por mágica resultante dos dados econômicos descalçados de realidade produtiva. Podemos inferir que, na maior parte da década de 80, o setor financeiro brasileiro teve sua atividade destinada a viabilizar o crescimento da dívida pública, que foi, de resto, o alimento de sua expansão. Por tal, um dos mecanismos importantes para a deterioração das contas públicas foi a existência de duas taxas de juros – uma pré-fixada (nominal) e outra pós-fixada (real) – cuja diferença provocava o descasamento entre ativos e passivos, muitas vezes levando o Governo brasileiro à absorção de prejuízos. Desse modo, questionava-se, à época, se o sistema financeiro brasileiro teria, ao longo da segunda metade do Século XX, preenchido as funções usualmente atribuídas às instituições financeiras, dentre elas, promover o crédito ao mercado varejista. Ao longo dos anos 90, o sistema financeiro do Brasil passou por profundas transformações, quando vários bancos públicos foram privatizados, e os fundos estatais de financiamento tornaram-se mais limitados no tocante à suas formas de concessão de crédito. Crises financeiras internacionais avassalaram o mundo ao longo desses anos. Inicialmente podemos citar a crise econômica enfrentada pelo México em 19941995, e, ainda, a crise na Ásia, a partir de meados de 1997, que se estendeu à Rússia, em agosto de 1998, e, logo em seguida, ao Brasil, e continuou a se manifestar em 2001, com uma virulência não surpreendente, desta feita, em relação à Turquia e à Argentina. No Brasil, como consequência das crises econômicas mundiais, foram levadas à insolvência importantes instituições financeiras brasileiras, resultando disto a transferência, para bancos estrangeiros, de grande parcela dos clientes nacionais, o que tornou esses novos conglomerados financeiros detentores de expressiva parcela do mercado financeiro brasileiro. A retomada do fluxo de recursos externos para a economia brasileira - quase totalmente interrompido pela crise da dívida externa nos anos 80 - estimulou a diversificação das instituições e dos ativos financeiros, processo acentuado pelo crescente papel dos fundos de pensão como fontes de recursos. Ainda assim, o financiamento estatal, em especial por intermédio do BNDES, continuou a ter importante papel no processo de privatização das empresas e bancos estatais. O abrandamento do cenário turbulento que o País apresentava na década de 80, decorrente de uma inflação galopante, somado ao início da implantação de políticas de controle monetário mais eficientes e eficazes e, também, à concentração bancária, a qual buscava a redução de constantes ajustes financeiros, tudo isso tornou possível ao Brasil a experimentar uma nova fase de austeridade econômica. O advento do Plano Real, no Governo Itamar Franco, em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ocupava a pasta do Ministério da Economia, possibilitou ao País apresentar um cenário então desconhecido para muitos brasileiros, em função da concessão de crédito bancário aos diversos setores da economia. Tal fato resultou, nessa época, a retomada do crescimento econômico do País de maneira mais sólida, se tal década for comparada com as décadas anteriores, sobretudo porque ocorreu o controle inflacionário e a estabilização monetária. A partir de então, baseando-se em uma economia mais sólida e menos influenciável pelos tremores financeiros externos, as instituições financeiras puderam criar novas políticas de concessão de crédito, lastreadas em instrumentos jurídicos, econômicos e financeiros mais eficientes, que garantiam seus investimentos, em busca do lucro, como será aprofundamento nos próximos temas deste estudo. 3.1.2 Conceito O crédito importa em ato de fidúcia do credor. Desta fé, decorre a origem etimológica da palavra crédito - creditum, credere.21 Tal confiança, quanto ao pagamento futuro de certo importe financeiro pode não se derivar, exclusivamente, do devedor, mas de garantias pessoais (v.g. aval, fiança), ou reais (v.g penhor, hipoteca), que esse ofereça ao credor pelo referido pagamento. O crédito traz implícitos os elementos confiança e tempo,22 a saber, a confiança de quem aceita, em troca de sua mercadoria, a promessa de pagamento futuro; e o tempo entre a prestação presente e atual e a prestação futura.23 21 REQUIÃO, 1992, v. 2, p. 290. Operação de crédito, portanto, é aquela mediante a qual alguém efetua uma prestação presente, contra a promessa de uma prestação futura.24 Economicamente, o crédito concretiza-se na negociação de uma obrigação futura, sendo necessária a utilização dessa obrigação futura para a realização de negócios atuais, ou seja, o crédito se verifica na troca de um valor presente, e atual, por um valor futuro.25 Ao alavancarmos da economia monetária para a economia creditória, amplia-se, inequivocamente, o conceito de troca.26 Todavia, assim como a troca não gera mercadorias, o crédito não cria capital, como já sustentava o economista Stuart Mill, pois o crédito redunda na permissão para se usar do capital alheio, o que, naturalmente, permite um melhor aproveitamento e disseminação desse capital. Para Rocco, o crédito é, indubitavelmente, um dos principais pontos favoráveis à defesa do Direito Comercial, haja vista o formalismo do Direito Civil e sua tutela ineficaz. Ora, o direito comercial como direito especial do comércio surgiu e desenvolveu-se, precisamente, porque o direito comum não oferecia nem simplicidade de formas nem tutela eficaz do crédito. E não os oferecia, porque nem de uma parte nem de outra coisa tinham necessidade as relações econômicas privadas que, pelas condições econômicas e sociais da época, se diferenciavam completamente das relações comerciais, neste aspecto. [...] Do crédito, pois fora das relações comerciais, pouco ou nada se sentia a necessidade; e, de resto, o desenvolvimento do crédito 22 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934. v. 5, lib. 3, p.49. 23 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 2-3. 24 MENDONÇA, 1934, v. 5, lib. 3, p. 51. 25 BORGES, João Eunápio. Títulos de crédito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 7. 26 ALMEIDA, 1989, p. 2. encontrava um obstáculo intransponível nas ideias religiosas e nas proibições canônicas à estipulação de juros.27 Em decorrência do avanço das práticas de comércio, notadamente as transações econômico-finaceiras decorrentes da figura do crédito e sua intertemporalidade, fezse necessário que a obrigação constituída fosse materializada em um documento – o título de crédito, com o objetivo de nele investir sua obrigatoriedade e, também, como uma forma de garantir o credor. De tal feita, a materialização do crédito, elemento decorrente da fidúcia da relação entre credor e devedor, se materializa por meio de documento hábil que alicerça tal relação – o título de crédito. 3.1.3 Título de Crédito – A Materialização do Crédito Os títulos de crédito guardam, em si, peculiaridades das mais diferentes naturezas, notadamente aquelas que trazem em si reflexos do mundo real e suas consequências aos sujeitos de direito, que estão intimamente ligados ao comércio. Cesar Vivante28 define: “Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”. Tal conceito, tem tanta completude e fidelidade, que vários países o incorporaram em suas legislações, assim o fazendo, também, o Brasil. O Código Civil, de forma idêntica, em seu artigo 887, acrescentou apenas o atendimento aos requisitos legais: “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”. 27 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Campinas: LZN, 2003. p. 81. VIVANTE, César. Trattado. di diritto. commercial. 5. ed. v. 3, p. 123 apud MARTINS, Fran, Títulos de crédito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. v. 2, p. 6. 28 Dos ensinamentos de Vivante, extraímos a lição de que os elementos caracterizadores dos títulos de crédito são a literalidade, a cartularidade e a autonomia, traços comuns a todos eles; revestidos outros, todavia, de características particulares, como a abstração e independência. Mister expor, como condição precedente à discussão do tema central, as principais características do título de crédito, em sua essência cambial, com o fito de tornar claras as implicações que sua cessão poderá acarretar no procedimento de recuperação judicial empresarial. A priori, a literalidade decorre da própria existência do título de crédito, de seu conteúdo, de sua extensão e das modalidades do direito nele consubstanciado, sendo estritamente adstrita ao teor do título, ao que nele está escrito. A cartularidade, por sua vez, guarda, em suas características, duas posições jurídicas distintas: há aqueles que entendem que o documento, a saber, o título de crédito, incorpora o direito29; e outros, tal como Vivante30, que se contrapõem a tal entendimento, sustentando que o título de crédito se assenta e se materializa em uma cártula, sendo que para o exercício do direito resultante do crédito, impõe-se a apresentação desse documento. Destarte, para se exigir ou exercitar qualquer direito oriundo do título de crédito, mister se faz a apresentação do documento – a exibição da cártula. No que se refere à autonomia, ressalta-se que esta não guarda ligação à causa, ao nexo causal do título, pois, de fato, decorre de que cada obrigação cambiária aposta na cártula é independente em relação às demais obrigações, culminando, por consequência, com a regra da inoponibilidade das exceções.31 Cabe, ainda, ressaltarmos que a independência e a abstração são características dos títulos de crédito que prefaciam, respectivamente, a inexistência de ligação 29 Idem, p. 12. ALMEIDA, 2009, p. 10. Também endossado por Rubens Requião. 31 Cf. MARTINS, 1993, p. 17 e REQUIÃO, 1993, v.1, p. 296. 30 entre o título e outro documento, nem a elementos que lhe são estranhos; bem como a desvinculação, decorrente do fato causador da emissão do título. 3.1.4 Os Títulos de Crédito no Direito Brasileiro 3.1.4.1 Histórico O primeiro diploma nacional que cuidou dos títulos de crédito no Direito Brasileiro foi o Código Comercial de 1850, que previa e disciplinava a Letra de Câmbio, Letra da Terra e Nota Promissória em seus artigos 314 a 427. Com o advento do Código Comercial de 1850, o Brasil adotou o sistema francês no tratamento dos títulos de crédito, uma cópia do Código Napoleônico - Code Civil des Français, de 1804, sistema que, então, já se encontrava ultrapassado pelo sistema alemão BGB - Bürgerliches Gesetzbuch, cuja lei principal havia sido promulgada em 1896, entrando em vigor apenas em 1900. Devido à necessidade de desenvolvimento do sistema cambiário brasileiro, o governo requisitou ao professor Antônio Saraiva, estudioso do direito alemão, que providenciasse um projeto de lei a respeito da Letra de Câmbio e da Nota Promissória. O projeto foi feito pelo professor, consoante o direito alemão, resultando na promulgação do Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908, comumente conhecido como Lei Saraiva, em justa homenagem ao catedrático supracitado. A partir de então, o Brasil filiava-se ao que havia de mais moderno em matéria de direito cambial, extinguindo a Letra da Terra e eliminando o requisito de distinção de locais para a Letra de Câmbio. Simultaneamente à promulgação da Lei Saraiva, países do bloco continental europeu, principalmente Itália e Alemanha, se articulavam para criar um direito cambial uniforme. Em 1908, a pedido da Itália e da Alemanha, o governo holandês convocou uma Conferência a se realizar na cidade de Haia, visando à elaboração de uma lei uniforme sobre Letra de Câmbio e Nota Promissória, tendo sido a Conferência instalada em 1910, com a presença de trinta e dois países, de cujos trabalhos resultou um anteprojeto de lei, que deveria ser levado pelos representantes aos seus respectivos países, para análise e posteriores propostas de emendas. Ultrapassada e superada a fase da Primeira Guerra Mundial, os países europeus foram, novamente, convocados, desta vez na cidade de Genebra, na Suíça, em 1930, quando o Brasil, conjuntamente com outros países do bloco continental, assinou três convenções sobre o tema títulos de crédito, quais foram: a Convenção Principal (Lei Uniforme sobre Letra de Câmbio e Nota Promissória), a Convenção destinada a regular conflitos de lei em matéria de Letra de Câmbio e Nota Promissória e a Convenção de Genebra de 1931, a respeito do tema. O Brasil permaneceu doze anos inadimplente em relação à obrigação que assumiu na Convenção de 1930, a de ratificar os textos das três convenções acordadas em Genebra, nesse mesmo ano. Assim, somente em 1942, por meio de uma nota dirigida ao Secretário das Nações Unidas, o Brasil aderiu formalmente à Lei Uniforme, adotando treze reservas entre as vinte e três disponibilizadas. Contudo, ainda assim, o Brasil continuou adotando sua lei interna em contraponto à adoção da Lei Uniforme de Genebra. Em 1964, o governo militar brasileiro, verificando que todos os outros países signatários da Convenção de Genebra haviam cumprido a obrigação de ratificação do acordo prevista no tratado, determinou ao Congresso Nacional que aprovasse as Convenções assinadas pelo Brasil durante o encontro dos países europeus ocorrido na Suíça. O Congresso Nacional brasileiro, então, promulgou o Decreto Legislativo nº 54/64, aprovando as Convenções assinadas em Genebra em 1930 e 1931, cujo teor legal é falho, por aprovar apenas as Convenções, e não determinar seu cumprimento. Em 1966, estando o Congresso Nacional fechado em razão do ápice militar no País, o então Presidente da República General Castello Branco promulgou a Lei das Convenções, por meio dos Decretos nº 57.595 e nº 57.663. Posteriormente, foram publicadas, no Diário Oficial da União, as respectivas traduções das Convenções, valendo-se o Brasil, para tal, da tradução realizada por Portugal, o que, por óbvia consequência, resultou em caos doutrinário no Brasil, em razão da explícita divergência interpretativa de disposição literal da lei, catalisando a cisão de posicionamentos de juristas e doutrinadores a respeito de diversas matérias dispostas nos Decretos. Podemos apontar, pelo menos, dois posicionamentos díspares sustentados por juristas que contrapunham argumentações jurídicas em relação aos textos legais. Primeiramente, instituiu-se uma corrente jurídica, liderada por Antônio Mercado Júnior, que, nessa época, era professor de São Paulo, o qual defendia que as Leis Uniformes estavam vigentes e revogavam o direito interno naquilo em que colidissem com este. Contrariamente a essa corrente, outra parte dos juristas entendia que as Leis Uniformes não estavam vigentes no Brasil, porque o País assumiu o compromisso de adotá-las, desde que ratificadas pelo Congresso Nacional, que deveria promulgar uma lei para tanto. Como consequência de se adotar um ou outro posicionamento, vale ressaltarmos que a lei interna a respeito dos cheque previa prazo prescricional de cinco anos para execução destes, enquanto a Lei Uniforme previa prazo de apenas seis meses. Na tentativa de pôr fim ao dilema, em 1968, por pressão das instituições financeiras, o então Consultor Geral da República opinou favoravelmente à corrente defendida pelo professor paulista Antônio Mercado Júnior. Em 1971, em sede de recurso extraordinário, o STF julgou um caso relativo a um cheque e abraçou o mesmo entendimento defendido pelo Consultor Geral da República, pondo fim à controvérsia. Assim, até a promulgação da Lei do Cheque (Lei nº 7.537/85), presenciávamos, no Brasil, divergências interpretativas quanto à aplicação da legislação interna em relação a títulos de crédito e à Lei Uniforme, o que se arrasta até os dias atuais, quando tratamos das Letras de Câmbio e Notas Promissórias. Especificamente em relação ao cheque, o Congresso Nacional fundiu os dois diplomas por meio da Lei do Cheque (Decreto nº 57.595, de 1966, unificado com o Decreto nº 2.591, de 1912, pela Lei nº 7.357, de 1985 – Lei do Cheque). No entanto, a Lei do Cheque não poderia e não pôde revogar o Tratado assinado em matéria de cheque, e não pôde conter disposição contrária ao referido tratado. Assim, caso o Brasil pretendesse não adotar o Tratado, este teria de ser denunciado ao Secretário da Liga das Nações. Contudo, o legislador da Lei do Cheque foi cauteloso e previu, no art. 63 da Lei, a primazia das Convenções sobre a lei interna, não sendo, até hoje, destarte, anunciado nenhum conflito entre a lei interna e as Convenções. Outro ponto que merece destaque em relação à legislação referente a títulos de crédito é a promulgação do Decreto nº 57.663, em 1996, o qual derrogou o Decreto nº 2.044, de 1908, por haver conflito com este último, relativo à Letra de Câmbio e à Nota Promissória. Ressalte-se que o Decreto nº 2.044/1908, naquilo em que não foi revogado pela Lei Uniforme, continua vigente. Todos os princípios fundamentais da LUG, tais como, a inoponibilidade de exceções pessoais, a autonomia das obrigações pessoais, dentre outros, são encontrados também no referido Decreto. Para os estudiosos do tema desta dissertação, condição precípua à análise das “travas bancárias”, no procedimento recuperacional judicial empresarial, é ordenar as diversas legislações que regem os títulos de crédito no Brasil. O Código Civil 2002 dispõe, em seu artigo 903, assim: “salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código” Do preceito legal civil supracitado, extrai-se o entendimento de que todo título de crédito deve ser regido pelo Código Civil em vigor, excetuando-se a legislação especial de sua respectiva regência, que pode regular sua emissão, circulação, garantias e efeitos de modo diferente do estabelecido no novo Código. Cabe neste trecho, trazer à colação a inutilidade da regra prevista no artigo 903 do Código Civil, que remonta à legislação especial referente à regulação dos títulos de crédito, aplicando-se, em última e derradeira hipótese, o disposto no Código Civil, e afastando, desta feita, a almejada unificação cambiária do antigo Código Comercial Brasileiro de 1850 e do revogado Código Civil Brasileiro de 1916. Indiscutível é que a previsão do Código Civil vigente aplica-se, apenas, aos títulos de crédito impróprios, o que, em sua quase totalidade, são minoria na circulação mercantil-empresarial, no mundo dos negócios jurídicos no país, restando destarte, inócua, infrutífera e, quiçá, inútil a previsão civilista sobre os títulos de crédito, corroborada com a aplicação das leis especiais aos títulos de crédito próprios. Mister salientar que, embora as disposições civilistas vigentes aplicam-se notadamente aos títulos de crédito impróprios, o diploma civil prevê modificações aplicáveis, em sua essência, aos títulos de crédito próprios, dentre as quais o disposto no art. 202, III, CC, em detrimento à Súmula nº 153 do STF, às estipular que o simples protesto cambial interrompe a prescrição do título; e a previsão contida no art. 1.647, II, que, em detrimento da autonomia das obrigações cambiais, estipula que o aval depende da anuência do cônjuge. 3.1.5 A Propriedade dos Títulos de Crédito A LRE instaurou uma nova ordem jurídica no Direito Privado, quando, permanentemente, exalta a preservação da empresa em situação de crise econômico-financeira, como corolário para a efetividade do processo recuperacional. O antigo modelo jurídico do revogado Decreto nº 7.661/45, que se revestia de tendências jurídico-econômicas de interpretação pró-credor, baseando-se na liquidação do acervo patrimonial (ativos do devedor – partilha ao credor), deu lugar à busca pela continuidade da atividade empresarial, deslocando-se o foco da tendência de interpretação jurídico-econômica para o novo modelo pro-devedor. A busca pelo equilíbrio entre os modelos pró-credor e pró-devedor é, notadamente, uma tentativa legislativa de preservação da unidade produtora – a empresa, mantendo sua eficiência econômica e autonomia privada, centrada nos interesses dos credores. Na busca pela materialização do modelo pró-devedor instituído pela LRE a partir de 2005, a cessão fiduciária de direitos creditórios, comumente conhecidos no mercado como recebíveis, e de títulos de créditos tornou-se importante “arma de mercado” utilizada pelo empresariado brasileiro, com o objetivo de viabilizar e permitir que as empresas continuem suas operações, maximizando a geração de caixa por meio da antecipação de receitas financeiras, em prol do dinamismo econômico mercadológico e do bem comum daqueles que o circundam. Destarte, a cessão fiduciária tornou-se a modalidade preferida pelas instituições financeiras, 32 que atuam, principalmente, no middle market32 e que são, Entende-se como middle market as formas de financiamento bancário para pequenas e médias empresas, por meio de cessão de créditos, operações de desconto de duplicatas, antecipação de contratos, securitização de recebíveis e fluxos contratuais, viabilizando a oferta de capital de giro, para atender a necessidade específica de fluxo de caixa de empresas, incrementando sua capacidade operacional. precipuamente, as financiadoras da atividade empresarial, por meio da concessão do crédito. A catalisação da cessão fiduciária de recebíveis, no mercado financeiro brasileiro, tornou-se a “vedete” dos empresários e bancos, em razão de sua certeza e liquidez, decorrentes de segurança jurídico-financeira por sua exclusão do alcance da Lei n. 11.101/05. Em razão desse novo cenário envolvendo a transferência dos créditos entre os agentes de mercado, os antigos princípios inerentes ao direito cambiário, especificamente a cartularidade, a literalidade e a autonomia, passaram a serem tratados não mais como meros elementos qualificadores dos títulos, mas sim, como fundamentos do julgamento pretoriano do direito cambiário. Condição precedente ao estudo das “travas bancárias”, a autonomia dos títulos de crédito e a autonomia das obrigações cambiárias, e por conseqüência, a propriedade fiduciária dos títulos cambiariformes, tornaram-se elementos essenciais à correta compreensão do instituto das “travas bancárias”. Mister ressaltar que, enquanto na autonomia do título de crédito, os direitos decorrentes do título são abstratos, independentes do negócio que deu lugar ao seu surgimento, ou seja, emitido o título este se libera de sua causa; a autonomia das obrigações cambiárias implica independência das declarações postas na cártula. Ainda na tentativa de criarmos massa crítica almejando a completa compreensão do instituto das “travas bancárias”, a propriedade e transferência dos títulos de créditos e das obrigações cambiárias, nele constantes, corroboram com o necessário entendimento prévio das peculiaridades formais e materiais que estarão vinculadas ao assunto proposto neste estudo. 3.1.5.1 A Transferência da Propriedade Fiduciária O Código Civil, em seus artigos 887 a 926, não nos possibilita extrair uma completa ideia a respeito da propriedade e transferência dos títulos de crédito e de suas obrigações cambiárias. Faz-se necessário, desta feita, que os aplicadores do Direito conheçam e extraiam, a priori, seus conhecimentos de leis especiais dispersas, para que possam compreender o âmbito de sua aplicabilidade e os limites de sua incidência nos títulos de crédito. Diferentes são, pois, essas leis. Notadamente, o Decreto da Letra de Câmbio, Nota Promissória e Operações Cambiais,33 a Lei Uniforme de Genebra,34 a Lei das Duplicatas,35 a Lei dos Cheques,36 a Lei do Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA37, e a Lei da Letra de Arrendamento Mercantil38 constituem, indubitavelmente, os mais importantes textos legais que regem as relações jurídicas dos diferentes títulos de crédito no direito cambiário brasileiro. Especificamente, no tocante à circulação e transferência dos títulos de crédito, a regra geral prevista no art. 893 do CC estipula: “transferência do título de crédito implica a de todos os direitos que lhe são inerentes” Essa transferência de propriedade e obrigações cambiárias, que se dá por meio do endosso, permite a circularidade do título de crédito, momento este em que o endossatário adquire direito autônomo do endossante, ficando imune às exceções 33 Decreto n.2.044/08 Decreto n.57.663/66 35 Lei n.5.474/68 36 Lei n.7.357/85 37 Lei n.11.076/05 38 Lei n.11.882/08 34 pessoais que o devedor poderia opor ao beneficiário, ou aos predecessores endossantes. Cumpre-nos esclarecer que o endosso, como ato cambiário de transferência de propriedade e de obrigações cambiárias, difere-se, diametralmente, do instituto da cessão de crédito, regulada pelos artigos 286 a 298 do CC, em razão da natureza jurídica própria, forma de constituição e efeitos distintos, não se mostrando coerente a utilização cumulativa dos dois institutos em uma mesma operação. Assim, é por meio do endosso, que ocorre a transferência da propriedade do título e dos direitos a ele inerentes, de forma a possibilitar que o crédito se movimente no mercado, ensejando a circulação de riquezas e a consequente transferência de responsabilidades entre aos agentes econômicos de mercado. 3.1.5.2 Os Tipos de Endosso Dentre os principais tipos de endosso, o endosso próprio, translativo ou pleno se caracteriza pela transferência da propriedade do título e de todos os direitos nele inerentes do endossante ao endossatário, obrigando aquele ao seu pagamento, salvo se este fizer menção expressa de ressalva no título, o que configurará o “endosso sem garantia”. Dessa forma, atribui-se legitimidade do direito creditício ao portador do título como credor, positivando-se a responsabilidade do endossante pelo cumprimento da prestação constante do título como codevedor, facultando ao endossatário a disposição do título, reendossando-o a um terceiro. Dentre os tipos de endosso impróprio, destacam-se o endosso-mandato e endossopenhor, e dele decorre a transferência ao endossatário de direitos específicos sem a ele atribuir a propriedade do título, hipótese em que o endossatário somente poderá endossar novamente o título na qualidade de procurador, ficando legitimado apenas ao exercício dos direitos cartulares. Especificamente em relação ao endosso-mandato, o devedor poderá opor ao endossatário as exceções que tenha contra o endossante, enquanto que no endosso-penhor, o devedor não poderá realizar tal ato, salvo se comprovada má-fé. A respeito do endosso-caução, o saudoso professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Wille Duarte Costa39, em sua obra sobre título de crédito, e com a maestria que lhe era pertinente, expôs: Pelo endosso-caução, também chamado endosso-pignoratício ou endosso-garantia, o título é transferido ao endossatário apenas como garantia de alguma outra obrigação. O endossatário recebe, além da posse do título, todos os poderes para cobrança e recebimento do valor do título. Especificamente em relação ao endosso-fiduciário, um dos principais instrumentos empresariais de transferência de crédito no mercado financeiro brasileiro, como bem esclareceu o professor Rubens Requião, pode-se afirmar que tal endosso surge como resultado da alienação fiduciária em garantia do título de crédito, passando a ser legalmente previsto a partir de 2004, com a promulgação da Lei n.10.931, que acrescentou o artigo 66-B, § 3º à Lei n. 4728/65. Nessa modalidade de endosso, ocorre a transferência da propriedade resolúvel dos títulos de crédito ao credor fiduciário ao endossatário-fiduciário, até a liquidação da dívida por eles garantida, representada, geralmente, por meio de cédula de crédito bancário e termo de cessão fiduciária de títulos de crédito, devidamente registrados no Registro de Títulos e Documentos, para investir-se de efeito erga omnes, de acordo com o artigo 42 da Lei n. 10.931/04, artigo 1.361 do Código Civil e artigo 129, § 5º, da Lei n. 6.015/73. Com efeito, o endosso-fiduciário é modalidade de endosso pleno em que a transmissão da propriedade do título ocorre em fidúcia, nas condições do negócio 39 COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito; de acordo com o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 181. extracartular, subjacente à transferência fiduciária da propriedade entre endossante e endossatário. Por outro lado, a cessão fiduciária é prevista, na legislação brasileira, nos termos da Lei n. 9.514/97, incidindo sobre direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, como forma de garantia necessária, nas operações de financiamento imobiliário. Em especial, a Lei n. 10.931/04 passou a admitir a cessão fiduciária de direitos sobre títulos de crédito, como garantia na obtenção de financiamentos junto ao mercado financeiro. De acordo com o referido texto legal, o devedor não pode invocar, contra o endossatário de endosso-fiduciário, as exceções fundadas sobre as relações pessoais dele com o endossante, salvo se aquele tiver agido de má-fé, em razão dos princípios da literalidade do título de crédito e da inoponibilidade das exceções pessoais. Assim, com o inadimplemento da obrigação garantida, consolida-se a propriedade resolúvel com o endossatário-fiduciário, em razão da natureza de endosso próprio. No âmbito da recuperação judicial de empresas, o endosso-fiduciário ganha notável e exaltada importância por integrar o cerne das operações de cessão fiduciária de títulos de crédito em garantia, notadamente em razão de caracterizar-se por realizar operações financeiras focadas nas pequenas e microempresas, as quais emitem cédulas de crédito bancário em favor dos bancos, as quais são garantidas por cessão fiduciária de títulos de crédito – em sua maioria por meio de duplicatas, como forma de antecipação de recebíveis e incremento de capital de giro, para aliviar o fluxo de caixa. De tal, ocorrendo a inadimplência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial do devedor fiduciante, a propriedade resolúvel consolida-se com os credores-fiduciários (instituições financeiras, via de regra), que podem exigir os títulos, em execução própria, diretamente dos demais coobrigados, conforme permissivo constante do § 3º do artigo 49 da LRE. Assim, em caso de ajuizamento de recuperação judicial pelo devedor-fiduciário, por meio do endosso-fiduciário, ocorre a transmissão ao endossatário-instituição financeira, o jure próprio, e não o jure cesso. Por tal, a propriedade das cártulas dadas em garantia da cédula de crédito bancário, permite ao endossatário promover a competente ação de execução contra os coobrigados, estando livre de oposição de exceções pessoais, sem se sujeitar, ainda, ao procedimento recuperacional, pois é o legítimo proprietário ex facie tituli para os efeitos cambiais. Por fim, há que se destacar que a inoponibilidade de exceções pessoais funda-se no fato de que o negócio fiduciário tem plena validade e eficácia perante terceiros, com a sua inscrição no registro cartorial competente, para constituição dos efeitos erga omnes, não havendo, em razão disso, motivo para discutir a inclusão do crédito na recuperação judicial do devedor fiduciante ou em endosso simulado. 3.1.5.3 Transferência da Propriedade Fiduciária A regra da transferência dos títulos de crédito por meio de endosso, prevista no art. 914 do CC, prevê: Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título. § 1o Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário. § 2o Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados anteriores. Há que se destacar que a regra aduzida pelo art. 914 do CC é inversamente aplicável à regra da Letra de Câmbio e Nota Promissória (art. 15 da LUG) e ao Cheque (art. 21 da Lei nº 7.357/85), que preveem a necessidade de estipulação expressa, para que não haja responsabilidade, do endossante, quanto ao pagamento. Art. 15 - O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra. O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento as pessoas a quem a letra for posteriormente endossada.40 Art. 21 - Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento. Parágrafo único - Pode o endossante proibir novo endosso; neste caso, não garante o pagamento a quem seja o cheque posteriormente endossado.41 Assim, a regra do art. 914 do CC não é aplicável aos títulos de créditos especiais, como ressalvam os artigos 887 e 903, a saber: Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código. Note-se que a regra do art. 914 inverte a norma prevista na Lei Uniforme de Genebra (LUG), equiparando, equivocadamente, o endosso à cessão de crédito, uma vez que a regra geral é permanecer o endossante como garantidor do pagamento do título, salvo se, de forma diversa e expressa, se exonerou do pagamento - endosso sem garantia. Cumpre-nos destacar os dispositivos legais da Medida Provisória n. 442, de 6 de outubro de 2008, referente à Letra de Arrendamento Mercantil – LAM: Art. 2o - As sociedades de arrendamento mercantil poderão emitir título de crédito representativo de promessa de pagamento em dinheiro, denominado Letra de Arrendamento Mercantil - LAM. §1o- O título de crédito de que trata o caput, nominativo, endossável e de livre negociação, deverá conter: I - a denominação "Letra de Arrendamento Mercantil"; II - o nome do emitente; 40 41 Art. 15 do Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Art. 21 da Lei n. 7.357/85. III - o número de ordem, o local e a data de emissão; IV- o valor nominal; V- a taxa de juros, fixa ou flutuante, admitida a capitalização; VI - a descrição da garantia, real ou fidejussória, quando houver;42 VII - a data de vencimento ou, se emitido para pagamento parcelado, a data de vencimento de cada parcela e o respectivo valor; VIII - o local de pagamento; e IX - o nome da pessoa a quem deve ser pago. §2o - O endossante da LAM não responde pelo seu pagamento, salvo estipulação em contrário. §3o - A LAM não constitui operação de empréstimo ou adiantamento, por sua aquisição em mercado primário ou secundário, nem se considera valor mobiliário para os efeitos da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Art. 4o - Aplica-se à LAM, no que não contrariar o disposto nesta Medida Provisória, a legislação cambial.43 Portanto, podemos afirmar que o art. 914 do CC constitui afronta ao princípio da autonomia dos títulos de crédito, não se aplicando aos títulos regulados pelas leis especiais, nos termos do disposto nos artigos 887 e 903 do CC, à exceção da Letra de Arrendamento Mercantil – LAM, regulada nos artigos 2º e 4º da Medida Provisória n. 442/08. 3.1.5.4 A Cessão Fiduciária e o Endosso Fiduciário Decorre dessa questão a análise da posição do credor titular da propriedade fiduciária de bens móveis ou imóveis na recuperação judicial de empresa, especificamente ao crédito garantido por cessão fiduciária de títulos de crédito. Em vista ao estudo do tema, emerge uma questão que merece nossa análise, qual seja, estaria esse crédito sujeito ou não aos efeitos da recuperação judicial do devedor-fiduciante? Precipuamente, cabe-nos explorar a diversidade legislativa existente no País que trata a questão da propriedade fiduciária. 42 43 Art. 2º da Medida Provisória n. 442, de 6 out. 2008. Art. 4º da Medida Provisória n. 442, de 6 out. 2008. O art. 1.361 do CC prevê: Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. §1o. Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. §2o. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa. §3o. A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária. A Lei n.10.931/2004, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito Bancário, estipula: Art. 31-A. § 4o No caso de cessão, plena ou fiduciária, de direitos creditórios oriundos da comercialização das unidades imobiliárias componentes da incorporação, o produto da cessão também passará a integrar o patrimônio de afetação, observado o disposto no § 6o. § 12. A contratação de financiamento e constituição de garantias, inclusive mediante transmissão, para o credor, da propriedade fiduciária sobre as unidades imobiliárias integrantes da incorporação, bem como a cessão, plena ou fiduciária, de direitos creditórios decorrentes da comercialização dessas unidades, não implicam a transferência para o credor de nenhuma das obrigações ou responsabilidades do cedente, do incorporador ou do construtor, permanecendo estes como únicos responsáveis pelas obrigações e pelos deveres que lhes são imputáveis. Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel. Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos. §1o. Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor. §2o. O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2o, I, do Código Penal. §3o. É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada. §4o. No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997. §5o. Aplicam-se à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei os arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e 1.436 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. §6o. Não se aplica à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei o disposto no art. 644 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002."(NR) Em decorrência de confusão legal decorrente da vigência do Código Civil em 2003, e da Lei n. 10.931, em 2004, o sistema legal brasileiro passou a contar com duas formas de negócio fiduciário; a alienação fiduciária e a titularidade fiduciária. A alienação fiduciária, como instituto jurídico, consiste na transferência de um bem móvel ou imóvel do devedor-fiduciante para o credor-fiduciário, em garantia do pagamento da dívida, como garantia na operação de financiamento para aquisição de bens móveis e imóveis e para pagamento da dívida contraída. O devedor-fiduciante, por sua vez, investe-se na posse direta e depósito do bem, sendo o credor-fiduciário - aquele que realiza o financiamento para a aquisição - detentor do direito à propriedade do bem, investido em sua posse indireta, podendo retê-lo em caso do não pagamento do financiamento. Na legislação brasileira infraconstitucional, nos deparamo-nos com diversas hipóteses de aplicação do instituto da alienação fiduciária. Exemplificativamente, a alienação fiduciária aplica-se aos bens móveis infungíveis, como expõe o art. 1.361 do CC/2002: Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. §1o. Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. §2o. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa. §3o. A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária. Outra previsão bastante realçada a respeito da a alienação fiduciária, diz respeito aos bens móveis fungíveis, nos termos da Lei de Mercado de Capitais -Lei n. 4.728/65. Especificamente em relação ao disposto na Lei n. 9.514/97, a alienação fiduciária é aplicável aos bens imóveis, enfitêuticos, clausulados com direito de uso especial para fins de moradia e com direito real de uso e propriedade superficiária, a saber: Art. 9º A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre créditos imobiliários, a fim de lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, sendo agente fiduciário uma instituição financeira ou companhia autorizada para esse fim pelo BACEN e beneficiários os adquirentes dos títulos lastreados nos recebíveis objeto desse regime. Art. 10. O regime fiduciário será instituído mediante declaração unilateral da companhia securitizadora no contexto do Termo de Securitização de Créditos, que, além de conter os elementos de que trata o art. 8º, submeter-se-á às seguintes condições: I - a constituição do regime fiduciário sobre os créditos que lastreiem a emissão; II - a constituição de patrimônio separado, integrado pela totalidade dos créditos submetidos ao regime fiduciário que lastreiem a emissão; Parágrafo único. O Termo de Securitização de Créditos, em que seja instituído o regime fiduciário, será averbado nos Registros de Imóveis em que estejam matriculados os respectivos imóveis. Art. 12. Instituído o regime fiduciário, incumbirá à companhia securitizadora administrar cada patrimônio separado, manter registros contábeis independentes em relação a cada um deles e elaborar e publicar as respectivas demonstrações financeiras. Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por: II - cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis; IV. alienação fiduciária de coisa imóvel. Em relação à alienação fiduciária de debêntures, partes beneficiárias e bônus de subscrição, a Lei das Sociedades Anônimas - Lei n. 6.404/76, estipula: Art. 40. O usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação deverão ser averbados: I - se nominativa, no livro de "Registro de Ações Nominativas"; II - se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecida ao acionista. Art. 41. A instituição autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários a prestar serviços de custódia de ações fungíveis pode contratar custódia em que as ações de cada espécie e classe da companhia sejam recebidas em depósito como valores fungíveis, adquirindo a instituição depositária a propriedade fiduciária das ações. Art. 113. O penhor da ação não impede o acionista de exercer o direito de voto; será lícito, todavia, estabelecer, no contrato, que o acionista não poderá, sem consentimento do credor pignoratício, votar em certas deliberações. Parágrafo único. O credor garantido por alienação fiduciária da ação não poderá exercer o direito de voto; o devedor somente poderá exercê-lo nos termos do contrato. Encontramos ainda, na legislação infraconstitucional, a previsão de alienação fiduciária de aeronaves e embarcações, nos termos do Decreto-lei n. 413/6944, da Lei n. 7.565/8645 e da Lei n. 7.652/8846. Desta feita, a titularidade fiduciária decorre da cessão fiduciária de direitos e títulos de crédito (Lei de Mercado de Capitais - Lei n. 4.728/65), do regime fiduciário sobre créditos ou recebíveis imobiliários (Lei n. 9.514/97), da cessão fiduciária de crédito para fomento da construção civil (Lei n. 4.864/65 e Decreto-lei n. 70/66), e da cessão fiduciária de recebíveis para financiamentos concedidos às concessionárias de serviço (Lei n. 8.987/9547 e n. 11.079/0448). Para o sistema legal brasileiro, a alienação fiduciária e a cessão fiduciária são modalidades de negócio fiduciário – de constituição de propriedade fiduciária, sendo que a “cessão fiduciária de direitos” vincula-se à titularidade de direitos; enquanto que a “propriedade fiduciária” está adstrita a bens móveis ou imóveis. Destarte, a transmissão fiduciária implica a transferência do domínio ou titularidade sobre uma ou mais coisas ou direitos, especificamente, o próprio título (cártula) ou os direitos dele decorrentes (direitos cambiários). Pela legislação vigente - Lei n. 4.728/65 e Lei n. 10.931/04, por meio da cessão fiduciária, cria-se a titularidade fiduciária, ficando os créditos, objeto da fidúcia, excluídos do patrimônio do devedor-fiduciante, tão logo averbado o contrato do registro público competente. A Lei n. 4.728/65 considera o título de crédito como bem móvel, admitindo a cessão fiduciária de direitos de coisas móveis, bem como do próprio título de crédito. 44 O Decreto-lei n. 413, de 9 de janeiro de 1969, dispõe sobre títulos de crédito industrial e dá outras providências. 45 A Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986, dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. 46 A Lei n. 7.652, de 3 de fevereiro de 1988, dispõe sobre o registro da Propriedade Marítima e dá outras providências. 47 A Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. 48 A Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Afasta-se, desta feita, a aplicação do art. 1.361 do CC, que, por sua vez, prevê, na alienação fiduciária, a hipótese de o credor assumir a condição de proprietário fiduciário sobre a coisa móvel infungível, e não sobre o direito creditício. Inobstante a afastabilidade das aplicações dos artigos 1361 a 1368-A do CC, o diploma civil instituiu um sistema fiduciário mobiliário geral, o qual convive pari passu com o sistema especial regulado pelas Leis n. 4.864/6549 (bens móveis) e Lei n. 9.514/97 (bem imóvel), dentre outras. O art. 1368-A do CC estipula que as demais espécies de propriedade fiduciária e de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina das respectivas leis especiais, e somente aplicam o CC naquilo que não for conflitante. À luz do Código Civil, a propriedade fiduciária, em sentido lato, compreende a propriedade fiduciária - bens móveis e imóveis, ou a titularidade fiduciária direitos/créditos. Independentemente à existência de diferenças entre propriedade fiduciária e titularidade fiduciária, o credor passa à condição de proprietário fiduciário, pois a transmissão fiduciária importa a transferência do domínio ou da titularidade sobre uma ou mais coisas ou direitos. Destarte, a cessão fiduciária de títulos de crédito em garantia, expressamente prevista no § 3º do art. 66-B, de 1965, transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel dos títulos, mediante endossso-fiduciário, com a aplicação de todos os princípios do direito cambiário, desde que ao pacto fiduciae seja dada publicidade mediante competente registro notarial, ficando assim excluído dos efeitos da recuperação judicial da empresa, pela interpretação do art. 49, § 3º, da Lei n.11.101/05. 49 A Lei n. 4.864, de 29 de novembro de 1965, cria medidas de estímulo à indústria da construção civil. Havendo falência do devedor fiduciante, sem que haja a tradição dos títulos representativos dos créditos objetos da cessão fiduciária, ficará assegurada ao credor fiduciário a restituição na forma dos arts. 85 a 93 da Lei n. 11.101/05, como autorizam o art. 66-B, § 4º, da Lei n. 4.728/65 e art. 20 da Lei n. 9.514/97. Sendo efetivada a restituição, o credor-fiduciário poderá realizar a garantia mediante ação própria, entregando ao devedor o saldo financeiro remanescente, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada. 4 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL 4.1 A Mens Legis da Lei n.11.101/2005 na Recuperação de Empresas O revogado sistema legal falimentar-concordatário do Decreto-lei n. 7.661/45, tal como o diploma falimentar-recuperacional vigente da Lei n. 11.101/05, baseiam-se em um modelo econômico originário da Revolução Industrial ocorrida no Século XVIII, alicerçado em um desenvolvimento político sobressaltado, que cresceu e se consolidou como opção de modo produtivo na sociedade atual. A figura da empresa, como agente econômico e sustentáculo indiscutível de sua própria sobrevivência, constitui, indubitavelmente, um dos principais alicerces do sistema capitalista, razão pela qual a ineficiência e inoperacionalidade da empresa devem ser sanadas, mediante tratamento específico, sujeito às regras judiciais, destinadas ao seu regresso produtivo ou à sua extinção. Por consequência, a abordagem do conceito e de suas peculiaridades afetas à insolvência da empresa adotou nova direção dogmática. O objetivo da recuperação de empresas oriundo do período romano, que se baseava na proteção dos créditos em detrimento da fonte de circulação de bens e serviços, foi preterido devido à evolução dos novos modelos falimentares dos sistemas jurídicos romano-germânico e anglo-saxão, já que a empresa merecia melhor sorte a ser dada pelos legisladores. A partir desse novo paradigma, germinou, em várias legislações, tais como, a legislação norte-americana, inglesa, francesa, belga, alemã, portuguesa, espanhola e, em certa medida, a italiana, além de, mais recentemente, nossa legislação brasileira, a preocupação com a preservação da empresa, como forma de reabilitá- la e mantê-la ativa em prol dos interesses dos agentes econômico-financeiros que dela dependam ou a ela se prendam por determinado interesse – os stakeholders.50 Em nosso ordenamento pátrio, particularmente, com o advento do novo diploma falimentar-recuperacional, aproximamo-nos da corrente do pensamento europeu e, ao lado do mecanismo falimentar, buscamos consagrar esquemas de viabilidade empresarial em harmonia com o princípio da preservação da empresa. Diante desse novo conceito de manutenção e preservação da empresa, urge a necessidade de analisarmos os limites de sua adoção indiscriminada, associados ao processo de recuperação judicial, que poderá proporcionar o que se desejava, a saber, a simplificação, a celeridade e a redução de riscos no processo falimentar, e, consequentemente a diminuição do chamado spread51 bancário. Nesse sentido, a nova direção dada ao direito falimentar brasileiro, em congruência com as mudanças inseridas pelo Código Civil de 2002, que substituiu o sistema francês da teoria dos atos do comércio pela empresarialidade do sistema italiano, traz à discussão a maior intervenção dos credores nas lides com seus devedores, com uma atuação de caráter dúplice, decorrente da defesa do crédito e da busca pela recuperação da sociedade empresária devedora e em crise. Tal dualidade aparente é, talvez, o maior dilema a ser enfrentado e a maior preocupação dos agentes econômicos envolvidos no processo recuperatório, pois haveria, senão ostensivamente, mas de forma sutil, um conflito de interesses entre a busca pela eficiência econômica na recuperação do crédito e a busca da 50 Stakeholder (em português, parte interessada ou interveniente) é um termo usado em diversas áreas, como administração e arquitetura de software referente às partes interessadas, que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Stakeholder>. Acesso em: 10 out. 2011. 51 Spread refere-se à diferença entre o preço de compra(procura) e venda(oferta) da mesma ação, título ou transação monetária. Por exemplo, se comprarmos uma ação na bolsa de valores a 10 centavos e a vendermos a 1 real, temos um spread de 90 centavos, grande parte do lucro obtido pelos corretores de títulos. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Spread>. Acesso em: 4 jan. 2012. manutenção da fonte produtiva, que, consequentemente, conserva o emprego e tutela a dignidade da pessoa humana. Esse aparente conflito, na filigrana jurídica, parece, muitas vezes, insuperável. 4.2 As “Travas Bancárias” na Recuperação Judicial 4.2.1 O Conceito O mecanismo hoje conhecido como “travas bancárias” teve sua origem quando entrou em vigor a Lei 11.101/05, especificamente com as disposições dos § 3, 4 e 5 do artigo 49, do referido diploma falimentar-recuperacional. Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. §1o. (sic) §2o. (sic) §3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o §4º. do art. 6º. desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. §4º. Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. §5º. Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4 do art. 6 desta Lei. Etimologicamente a palavra trava significa empecilho, obstáculo ao desenvolvimento de determinada ação, verdadeiro óbice à eficácia de determinada atitude a ser tomada por alguém. Trava. [Dev.de travar] S.f.1.V.travação (1). 2. Ligação, nexo, conexão. 3. travação (1). 4. V. freio (1). 5. Aquilo que trava: a trava da chuteira. 6. Inclinação alternada dos dentes da serra. 7. Constr, Qualquer peça, ou dispositivo,us. Para prender porta, janela etc. V. tranca.52 Na seara em estudo, as “travas bancárias” decorrem de previsões legais constantes nos parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 49 da LRE, que permitem às instituições financeiras excluírem-se do rol de credores com créditos suspensos, no momento da concessão da recuperação, pelo Judiciário, especificamente, nos casos de empréstimos concedidos por meio de alienação fiduciária ou cessão fiduciária de recebíveis futuros. 4.2.2 Características e Peculiaridades Em decorrência das últimas crises econômico-financeiras vivenciadas no início do Século XXI, notadamente nos Estados Unidos e países europeus, o sistema capitalista mundial presenciou a restrição ao crédito pelo ambiente recessivo, criado no mercado econômico-financeiro mundial. À luz da realidade financeira brasileira, públicas e notórias foram as dificuldades encontradas pelo empresariado empreendedor nacional para promover a circulação de bens e serviços no País, sobretudo em decorrência do conhecido “custo Brasil”, decorrente de excessivos encargos tributários, trabalhistas, previdenciários e altas taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras. Adicionalmente à condição recessiva mundial, o famigerado “custo Brasil” passou a ser ponto nevrálgico e variável, diretamente influenciador d insolvência e solidez de inúmeras empresas que se socorrem ao procedimento da recuperação judicial, como alento para a reabilitação de suas contas e melhor sorte ao futuro de suas operações. 52 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. – 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p.1993. Resta indiscutível a prática dos spreads bancários53, os quais, em percentuais excessivos, obstam a concessão do crédito na maioria das vezes, ou quando a permitem, tornam a parcela dos juros concedidos elemento sufocador do fluxo financeiro das empresas, dificultando-lhes, sobremaneira, honrar seus compromissos financeiros perante seus diversos credores. Ressalte-se que na atualidade, os cenários institucional e jurídico dos bancos brasileiros remonta a uma forte idéia de “colcha de retalhos”, muito pouco adequada às necessidades de seus usuários, decorrente da falta de planejamento cuidadoso dos órgãos públicos e de controle monetário, que privilegiem a eficiência na intermediação bancária entre instituições financeiras e consumidores em geral. Indubitavelmente fazem-se necessárias regras específicas que deem um tratamento justo aos tomadores de recursos financeiros junto aos bancos, principalmente, visando garantir retorno de depósitos e redução de ônus e riscos da atividade bancária. Presenciamos hoje que a falta dessas boas regras cria, por consequência, custos financeiros elevados ao mercado tomador de créditos, sendo o encargo financeiro dissipado pela sociedade brasileira, carente de recursos. A reformulação das regras bancárias, principalmente aquelas pertinentes à concessão do crédito e que possam contribuir para uma boa intermediação entre banco e tomador de empréstimo, devem observar, fundamentalmente, os princípios de estabilidade, eficiência e justiça. Nesse sentido, algumas distorções, como a ineficiência na aplicação da justiça, as exceções da lei falimentar-recuperacional, a complacência do Poder Público com a informalidade dos pequenos e médios empresários, a indefinição da competência 53 Spreads bancários encontram diferentes conceituações na doutrina econômica brasileira. Em termos gerais, as definições se aproximam da conceituação do “custo do dinheiro”, ou seja, a margem bruta que as instituições financeiras auferem, decorrente da diferença entre a taxa de captação e a taxa de aplicação de recursos financeiros ao mercado. concorrente de órgãos subnacionais, a tendência jurisprudencial de alterar condições de empréstimos e a intempestividade de regras são óbices à garantia de melhoria e busca da estabilidade entre instituições bancárias e mercado. Notório ressaltar que a ineficiência na aplicação da justiça no Brasil, decorrente de processos judiciais com altos custos e de irrefutável morosidade, e também da necessidade de uma reforma legislativa, sobretudo processual, exige custos maiores para as instituições financeiras, que se veem obrigadas a melhor organizar e manter estruturas departamentais legais internas mais complexas para acompanhar os processos e o custo da justiça. A complacência do Poder Público com a informalidade dos pequenos e médios empresários é evidenciada quando uma pequena parcela do setor empresarial opera na semi-informalidade, e, em alguns poucos casos, empresas apresentam informações contábeis falsas e distorcem os seus dados econômicos e financeiros nos cadastros dos bancos, induzindo-os a emprestar demasiadamente, o que acaba redundando no crescimento da inadimplência, e, por consequência, do custo das transações bancárias com o mercado. Acrescenta-se a esse fato a clara indefinição da competência concorrente de órgãos subnacionais - governos estaduais e municipais, a qual permite que estes regulamentem a atuação do sistema bancário brasileiro, impondo restrições e obrigações aos bancos, contrariando a competência do Conselho Monetário Nacional. Isso resulta em ônus adicional ao sistema bancário brasileiro, obrigado a se socorrer junto ao Poder Judiciário, para tentar revogar as regras ditadas pelos governos, em muitos casos, contrárias aos seus interesses. Adicionalmente, em decorrência de ações judiciais tramitando nos diversos tribunais do País, hoje presenciamos uma tendência jurisprudencial de alteração das condições dos empréstimos bancários, o que gera, por consequência, um risco econômico-financeiro ao sistema de financiamento bancário do Brasil, a despeito da insegurança jurídica. Esse tratamento judicial é aplicável, em sua maioria, aos empréstimos de leasing. Apesar de existirem contratos indexados ao dólar, com taxas substancialmente inferiores às taxas dos contratos sem indexação, por embutirem o risco de desvalorização cambial, alguns tribunais obrigaram os bancos a alterarem os contratos para o Índice de Preços ao Consumidor - IPC, desde o momento da desvalorização. Em relação às regras que os bancos aplicam aos contratos dos consumidores em geral, presenciamos hoje uma tendência de mudança brusca de direção na jurisprudência, no tocante à interpretação legal. Destarte, essa tendência impõe aos bancos, consequentemente, custos de adaptação elevados, em razão da velocidade e curto espaço de tempo para implementação dessas mudanças. Uma forma de aferir o impacto legal-institucional de tais distorções consiste em analisar a estrutura dos spreads. Quanto maior é a segurança jurídica das garantias de um empréstimo, por consequência lógica, menor tende a ser o spread praticado pelos bancos. Corroborando a tentativa de permitir que empresas possam viabilizar sua atividade produtiva e utilizarem menores spreads em suas operações financeiras fomentadoras da atividade empresarial, a Lei n. 11.101/05 previu a moratória declarada frente aos diferentes credores, pelo prazo de cento e oitenta dias, como um dos principais efeitos da recuperação judicial, nos termos do parágrafo 4º do artigo 6º: o Art. 6 A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. [...] o §4 Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial. A suspensão de todas as ações e execuções, em trâmite, contra a devedorarecuperanda tem por objetivo prover fôlego financeiro à atividade da empresa em crise, bem como conceder prazo razoavelmente necessário para a estruturação e apresentação do plano de recuperação judicial, projeto este de reorganização do negócio que estabelecerá as estratégias para superação da crise. Porém, previsão menos interessante para o empresariado aparece no diploma falimentar-recuperacional. Em seu artigo 49, como regra geral, o diploma falimentar-recuperacional prevê que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial a ela estão sujeitos, ainda que tais créditos não tenham vencido. Em seguida, elenca as exceções a essa regra, nos seus parágrafos 3º e 4º, não deixando claro ou não fazendo constar expressamente, do texto legal, o crédito do credor fiduciário. Os § 3º, 4º e 5º do art. 49 são taxativos ao exemplificarem as classificações creditórias isentas dos efeitos jurídicos decorrentes da recuperação judicial. Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. [...] §3º. Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o §4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. §4º. Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. §5º. Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o §4º do art. 6º desta Lei. Essa inovação legal busca tratar, diferentemente, credores cujos créditos possuem qualidades diversas, com o objetivo de elencar aqueles créditos que, em tese, possuem posição privilegiada frente à sociedade empresária, muito mais por sua natureza econômico-financeira, fomentadora da atividade empresarial, do que pela sua natureza jurídica e garantias implícitas. Segundo o referido artigo, sendo o credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; arrendador mercantil; titular de crédito de proprietário ou promitente vendedor de imóvel, estando presente a cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, o vendedor em contrato de venda com reserva de domínio e as instituições financeiras que antecipam recursos aos exportadores em decorrência de contrato de câmbio não são alcançados pelos efeitos de eventual aprovação do plano de recuperação judicial da sociedade empresária a qual se habilitaram, como credores, para esse fim. Em decorrência do não alcance dessa aprovação no plano de recuperação judicial, podemos citar, de maneira imediata, duas consequências potencialmente contraproducentes advindas dessa regra e que se mostram óbices à reestruturação econômica da sociedade empresária em crise. A priori, como primeira consequência desfavorável, há o direito facultado ao credor fiduciário de ingressar com processo de execução paralelamente ao processo de recuperação judicial, ou mesmo, de prosseguir com o processo de execução já ajuizado antes da aprovação do plano de recuperação. Isto se deve ao fato de esta “qualidade de credor” não se sujeitar à regra contida no art. 6º da Lei de Falências. A segunda consequência resulta da impossibilidade de ser modificado seu direito creditício no plano de recuperação, uma vez que seu crédito não se sujeita, por determinação legal, ao plano de recuperação judicial. Consequentemente, o plano de recuperação judicial não poderá impor normas ao credor fiduciário, as quais impactem ou possam alterar condição creditícia deste credor, perante a sociedade recuperanda devedora. As consequências econômico-financeiras decorrentes dessa previsão legal são desastrosas para a sociedade empresária, que vivencia uma crise econômica, por não reunir, em um só plano balizador de suas obrigações exequíveis por terceiros, todos os créditos os quais estará compelida a suportar, no momento financeiro mais delicado para o exercício de sua atividade empresarial. Faz-se necessário observar o fato de que os credores isentos do alcance e sujeição do plano de recuperação judicial, contemplados pela previsão da Lei de Falências, são, em tese, os principais financiadores da atividade empresarial, e os responsáveis, na maioria das vezes, pela concessão de crédito para a sociedade empresária financiar suas atividades e, consequentemente, operacionalizar suas obrigações, de qualquer natureza, a curto, médio e longo prazos. Destarte, essa celeuma ultrapassa a esfera legal e adota um viés muito mais econômico-financeiro do que jurídico, se o principal ponto da recuperação da sociedade empresária em crise, aduzido na legislação em vigor, baseia-se na reestruturação das dívidas da sociedade e na preservação como ente gerador de empregos e tributos, e os credores responsáveis pelo financiamento de crédito à sociedade estão fora do alcance do plano de recuperação judicial, ter-se-á completamente ineficaz, por consequência, o plano de recuperação. 4.2.3 Interpretação Juspositivista dos § 3º, 4º E 5º do Artigo 49 da Lei N. 11.101/05 As previsões contidas no artigo 49 e seus parágrafos, da Lei nº 11.101/05, facultam à nova classe de credores da sociedade em crise, ou seja, àqueles não sujeitos à ordem de satisfação dos créditos do plano, a possibilidade de continuarem a demandar suas ações ou novas ações judiciais, buscando a satisfação de seus importes financeiros devidos pela sociedade, paralelamente ao procedimento de recuperação judicial ao qual a sociedade se sucumbe. O instituto ora analisado passou a ser comumente conhecido como “travas bancárias”, devido ao fato de inviabilizarem a recuperação da sociedade empresária, “travando” o procedimento e o fiel cumprimento do plano de recuperação da sociedade. Acrescido ao fato do “travamento”, as instituições financeiras são, na grande maioria dos casos, os principais credores das quantias elencadas como garantias nos parágrafos 3º, 4º, e 5º do artigo 49, fato que permitiu aos doutrinadores e estudiosos do tema ampliar o conceito do “travamento” puro e simples para a ideia de “travas bancárias”, com o objetivo de conceituar o resguardo na satisfação dos créditos daqueles que, em tese, são, na maioria das vezes, os principais credores das sociedades em crise – os bancos. A justificativa para aqueles que se posicionam favoravelmente à medida das “travas bancárias” reside na necessidade de se conceder uma garantia mais tangível e segura às sociedades e instituições responsáveis pelo financiamento de crédito no mercado empresarial, devido ao risco de inadimplência, algo inerente aos contratos de crédito celebrados com todos os tipos de sociedades, seja qual for a atividade empresarial destas. Acrescido a esse fato, mister salientar que os defensores das “travas bancárias” afirmam ser a medida de travamento dos créditos o mais eficaz instrumento legal, de caráter econômico-financeiro, imprescindível à concessão da satisfatória garantia ao adimplemento das obrigações financeiras, contraídas pela sociedade em crise, perante os fomentadores e financiadores da atividade empresarial no País. Coroando este posicionamento, os defensores das “travas bancárias” vão além, ressaltando que somente com uma melhor e mais eficaz garantia de satisfação de seus créditos, por consequência, poder-se-ia ter a diminuição do spread bancário, o que resultaria a diminuição dos riscos inerentes às atividades de financiamento e concessão de créditos promovidos pelas instituições financeiras no Brasil, reduzindo, por derradeira conseqüência, o “custo Brasil”. Atualmente o posicionamento em defesa das “travas bancárias” é alvo de inúmeras críticas feitas por juristas e tribunais brasileiros. Um dos principais motivos desse fato se deve à prática adotada pelas instituições financeiras de repassar as altas taxas de juros aos consumidores, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, mesmo com a garantia que essas financiadoras obtêm contra a inadimplência no momento da concessão do crédito, o que, por consequência, faz com que o spread bancário brasileiro seja um dos mais elevados do mercado financeiro mundial. Corroborando a tendência de análise restritiva da permissibilidade das “travas bancárias”, algumas decisões judiciais, principalmente no Estado de Minas Gerais, vêm se mostrando desfavoráveis ao benefício do travamento conferido às instituições financeiras, isto para se proteger a função social da sociedade empresária. A título de exemplo de pronunciamentos judiciais que restringem o uso das “travas bancárias”, o TJMG, na recente decisão em agravo de instrumento n°1.0079.09.946838-5/00254, em curso na comarca de Contagem/MG, que teve como Agravante o Banco Citibank e como Agravado MCA Distribuidora Brasil S/A, sendo relator o Exmo Sr. Des. Carreira Machado. EMENTA: Agravo de instrumento. Recuperação Judicial. Crédito fiduciário. Decisão que libera 50% do valor para a recuperanda. Conforme doutrina José Carlos Barbosa Moreira, o agravo "tem efeito devolutivo restrito à questão decidida pelo pronunciamento contra o qual se recorreu; nada mais compete ao tribunal apreciar, em conhecendo do recurso" (O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 145). 54 Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10079099468385002> Acesso em: 13 out. 2011. Outro julgado em Agravo de Instrumento - AI n°653.329.4/3-0055 no Tribunal de Justiça de São Paulo, merece destaque ao prever que a propriedade fiduciária somente será legalmente constituída mediante o registro do título no Registro de Títulos e Documentos. EMENTA: Agravo de instrumento. Recuperação Judicial. Decisão que liberou "Trava Bancária" em relação a recebíveis objeto de cessão fiduciária de crédito. Cédula de crédito bancário com contrato de constituição de alienação fiduciária em garantia (cessão fiduciária de direitos de crédito). Direitos de crédito (recebíveis) tem a natureza legal de bens móveis (art. 83, III, CC) e se incluem no § 3o do art. 49, da Lei n° 11.101/2005. Propriedade fiduciária que se constitui mediante o registro do título no Registro de Títulos e Documentos. Inteligência do art. 1.361, § Io, do Código Civil. Ausência do registro que implica inexistência da propriedade fiduciária. Crédito sujeito aos efeitos da Recuperação. Agravo improvido com revogação da liminar suspensiva.". (TJSP, AI n° 653.329.4/3-00, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rel. Des. Pereira Calças, J. em: 02/03/2010). Especificamente o Agravo Regimental nº 7.332.892-856 do TJSP, o entendimento jurisprudencial paulista foi de que o respectivo numerário bloqueado no procedimento de recuperação judicial da agravante nos termos do § 5o do art. 49, da Lei de Recuperação Judicial, isto é, o valor recebido em pagamento das garantias deverá permanecer em conta vinculada durante o período de suspensão previsto no § 4o do art. 6o, da LRE. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Cédula de crédito bancário Recuperação Judicial - Suspensão do feito em face da empresa recuperanda, devedora principal, porém determinado o prosseguimento em relação aos coobrigados - Possibilidade - Hipótese em que a obrigação dos devedores solidários é autônoma e independe da situação da empresa em o recuperação judicial - Artigo 49, §1 cc artigo 59 da Lei 11.101/05 - Bloqueio on Une – Hipótese em que a medida deve ser feita com o fim de garantir a satisfação do crédito - Inexistência de qualquer óbice legal a impedir a penhora - Ademais, a constrição de depósito ou aplicação em instituição financeira precede qualquer outro bem na ordem estabelecida pelo artigo 655 do CPC - Decisão mantida - Recurso de agravo de instrumento improvido e prejudicado o regimental. 55 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RMZ019L0U0000> Acesso em: 12 out. 2011. 56 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3581574&vlCaptcha=CYEKw>. Acesso em: 12 out. 2011. O Superior Tribunal de Justiça, em entendimento jurisprudencial constante do Agravo Regimental na Medida Cautela n.17722 / MT57 (2011/0025428-7 10/03/2011), diz que a “trava bancária” não deve ser liberada se não evidenciado perigo de dano irreversível à empresa em recuperação, ou de comprometimento do plano de recuperação. Agravo Regimental. Medida Cautelar. Recurso Especial pendente de admissibilidade. Efeito suspensivo concedido na origem. Controle pelo STJ. Possibilidade. Aferição do fumus boni iuris e do periculum in mora. Recuperação judicial. Contrato de alienação fiduciária de créditos. Valores controvertidos. Ausência de demonstração concreta da inviabilidade do plano de reabilitação econômica. Processamento do especial apenas no efeito devolutivo. 1. A competência deste Tribunal Superior para a apreciação de ação cautelar proposta com vistas à concessão de efeito suspensivo a recurso especial instaura-se, via de regra, após o proferimento do juízo de admissibilidade pelo Tribunal a quo, em consonância com o art. 800, parágrafo único, do CPC, conjugado com os enunciados sumulares 634 e 635 do STF, aplicados analogicamente. 2. É possível ao STJ exercer o controle da decisão concessiva, na origem, de efeito suspensivo a recurso especial, por meio de agravo de instrumento ou medida cautelar ajuizada diretamente nesta Corte Superior. Precedentes. 3. O efeito suspensivo concedido na origem, em geral, deve ser revogado, a não ser que o fumus boni iuris e o periculum in mora estejam presentes a favor da pretensão recursal da parte contrária. 4. Embora a tese sustentada no recurso especial - na vertente de que os créditos fiduciários (ou trava bancária) devam ser incluídos na recuperação judicial - seja ainda inédita neste Sodalício, possuindo substanciosos posicionamentos favoráveis e contrários tanto na doutrina quanto nos tribunais de segunda instância, não se constata, in casu, o periculum in mora. 5. Com efeito, a par de o plano de recuperação judicial estar sendo cumprido devidamente sem o montante ora controverso por quase um ano, foram ainda concedidos moratória de 05 (cinco) anos para o pagamento dos créditos quirografários e parcelamentos para pagamento dos demais credores, de sorte que a ausência dos valores resultantes dos direitos de crédito oriundos do contrato de cessão fiduciária de duplicatas e direitos firmado com o banco requerente não se revela apta a gerar perigo de dano irreversível, tampouco indica comprometimento do plano de recuperação das empresas. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. Apesar de o tendencioso posicionamento do STJ impedir a liberação das “travas bancárias” quando não comprovado dano irreparável à empresa ou comprometimento ao cumprimento do plano de recuperação, existem, nos tribunais estaduais, posicionamentos jurisprudenciais que relativizam o instituto das “travas bancárias”, em prol da preservação da sociedade empresária em fase de 57 Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/frameimprimir.asp?numreg=201100254287&pv=010000 000000&tp=51>. Acesso em: 12 out. 2011. recuperação judicial, como forma de proteção à sua função social e preservação da unidade produtiva. O atual entendimento doutrinário sobre o tema, somado ao posicionamento jurisprudencial dos tribunais brasileiros acerca da matéria, corrobora o entendimento de que as sociedades empresárias em recuperação devem buscar a melhor composição das garantias concedidas aos seus credores, em especial, a renegociação de seus débitos com as instituições financeiras, objetivando substituir a garantia de cessão fiduciária de crédito, preferencialmente, em período anterior ao ajuizamento da ação. A inclusão espontânea do crédito da instituição financeira no plano de recuperação, objetivando mensurar seu valor em período anterior à homologação judicial do plano, é, sem dúvida, a medida mais sensata e eficaz a ser tomada pela sociedade empresária em crise, em prol do alcance e satisfação dos direitos de seus credores. Por outro lado, ao credor caberá analisar, de forma minuciosa, o crédito conferido, suas garantias e seu risco, bem como, em último caso, considerar as formas jurídicas adequadas para enquadrar a qualidade daquele crédito em situações privilegiadas pela Lei n.11.101/05, visando ao melhor resgate possível, em termos de rapidez e quantificação da parte que lhe caiba. 4.2.4 Principais Efeitos Decorrentes da Adoção do Instituto das “Travas Bancárias” 4.2.4.1 Em Relação à Sociedade em Recuperação Judicial A adoção das “travas bancárias”, como medida excepcional à sujeição de determinados credores ao plano de recuperação judicial da empresa devedorarecuperanda, está diretamente vinculada à continuidade de operação da unidade produtiva empresarial. Considerando as exceções contidas no § 3º do artigo 49 da LRE, a aplicação das hipóteses de exclusão da sujeição ao plano de recuperação da sociedade empresária em crise daqueles credores alcunhados de “financiadores da atividade empresarial” pode afetar, direta e substancialmente, a operacionalidade financeira do ente empresarial. Os empréstimos bancários concedidos e classificados como cessão fiduciária de direitos creditórios – cuja garantia são os recebíveis futuros das empresas - por não se sujeitarem ao plano de recuperação da sociedade em crise, afetam diretamente a eficiência da consecução do plano recuperacional daquelas. Isto, porque as garantias oferecidas, como recebíveis, pela empresa em crise a seus credores, decorrem, exemplificativamente, de valores financeiros futuros a serem auferidos pela empresa, oriundos, por exemplo, de contratos de fornecimentos ou de vendas realizadas por meio de cartões de crédito, bem como de contratos de cessão fiduciária de créditos, operacionalizados por meio do desconto dos valores garantidos diretamente na conta-corrente bancária da sociedade em recuperação. Esse procedimento impede a empresa de adotar medidas financeiras outras, para a socorrer seu fluxo de caixa e capital de giro, o que prejudica e interfere, substancial e diretamente, na operacionalidade econômico-financeira da sociedade em recuperação, frente ao mercado em que se insere. Podemos afirmar que sem os recebíveis, a sociedade empresária deixa de auferir receitas financeiras previsíveis e essenciais à manutenção e operacionalização de sua atividade, sem olvidarmos do necessário e indispensável comprometimento de seu fluxo de caixa, que acarretará, por consequência, empecilhos ao pagamento de suas despesas operacionais correntes. Como alternativa jurídica a minimizar tal efeito nocivo das “travas bancárias” à sociedade em recuperação, posicionamo-nos a favor da possibilidade de a sociedade em recuperação judicial pleitear o escalonamento ou a suspensão parcial dos pagamentos decorrentes de empréstimos bancários vencidos, e a serem saldados no período que compreende a propositura e o cumprimento do plano de recuperação. Consideraríamos tal alternativa possível e razoavelmente justificável, ante à plausibilidade de preservar a capacidade produtiva do ente econômico, concedendo-lhe “fôlego” para assumir encargos financeiros proporcionalmente à sua capacidade e liquidez financeira. Adotando posição ainda mais favorável ao empresariado, permitir que as sociedades em recuperação obtivessem, de volta, os valores dos recebíveis assegurariam a eficácia de seu capital de giro e fluxo de caixa, logrando benefício irrefutável à empresa em crise. 4.2.4.2 Em Relação aos Credores Beneficiados pelas “Travas Bancárias” A justificativa encontrada e formulada por aqueles que se posicionam favoravelmente à medida das “travas bancárias”, em prol dos credores elencados no § 3º do artigo 49 da LRE reside na necessidade de se conceder uma garantia mais tangível e segura às sociedades e instituições responsáveis pelo financiamento de crédito no mercado empresarial. Isto se explica pelo considerado alto risco de inadimplência, inerente aos contratos de crédito, celebrados com todos os tipos de sociedades, seja qual for sua atividade empresarial, seu porte financeiro e seu histórico de inadimplência junto aos bancos. Acrescido a esse fato, ressaltamos o posicionamento tomado pelos defensores das “travas bancárias”, ao afirmarem serem estas os instrumentos de travamento dos créditos mais eficaz, dentre os instrumentos legais de caráter econômico-financeiro, imprescindível à concessão da satisfatória da garantia ao adimplemento das obrigações financeiras contraídas pela sociedade em crise, ante os fomentadores e financiadores da atividade empresarial no País. Coroando esse posicionamento, os defensores das “travas bancárias” vão além, ressaltando que somente com uma melhor e mais eficaz garantia de satisfação de seus créditos, por consequência, poder-se-ia ter a diminuição do spread bancário, em função da diminuição dos riscos inerentes às atividades de financiamento e concessão de créditos promovidos pelas instituições financeiras no Brasil. Posicionamo-nos, diametralmente, contra esses argumentos, uma vez que as “travas bancárias”, como instrumento de proteção financeira dos bancos, não é, de longe, o principal componente da equação de formação do spread bancário. Certo é que a redução do spread bancário depende de uma regulação financeira adequada e de medidas que busquem aumentar a transparência e concorrência no setor bancário do País. Podemos afirmar que as principais iniciativas do Banco Central do Brasil, nessa direção, são medidas que buscam divulgar, na Internet, informações sobre os juros cobrados pelas instituições financeiras; o aperfeiçoamento do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), para aumentar a transparência dos balanços; a elaboração de estudo sobre a composição do spread; a ampliação das informações coletadas pelo Sistema Central de Risco de Crédito, e especialmente, a redução de exigências burocráticas para concessão do crédito. Esconder-se por detrás da “cortina da comodidade”, repousando na confortável posição de ente financeiro que fomenta a atividade empresarial, somente corrobora a formação de massa crítica no País, que refuta a alegável e suposta aversão à assunção de riscos por instituições financeiras, principalmente pelos consecutivos registros anuais de lucros recordes, nos últimos anos, dessas instituições. 4.2.4.3 Em Relação aos Demais Credores não Alcançados pelas “Travas Bancárias” Atualmente o posicionamento em defesa das “travas bancárias” é alvo de inúmeras críticas feitas por juristas e tribunais brasileiros. Um dos principais motivos desse fato deve à prática adotada pelas instituições financeiras, do repasse das altas taxas de juros aos consumidores, sejam estas pessoas físicas ou jurídicas, mesmo com a garantia que essas financiadoras obtêm contra a inadimplência no momento da concessão do crédito, o que, por consequência, resulta ser o spread bancário brasileiro um dos mais elevados do mercado financeiro mundial. Inobstante tal evidência, podemos inferir que os demais credores não alcançados pela benesse legal das “travas bancárias” encontram-se em posição desprivilegiada perante as instituições financeiras, assumindo riscos outros, que, comumente, afetarão, de modo direto, suas posições financeiras perante o mercado econômico nacional ou internacional. Além de prejudicados pelas consequências econômico-financeiras do não alcance das “travas bancárias” aos seus créditos, no procedimento de recuperação judicial da sociedade em crise, esses credores assumem o risco de não terem satisfeito integralmente os seus créditos na propositura do plano de recuperação judicial, estando, ainda, legalmente obrigados a concederem dilação de prazo e redução de valores para recebimento de seus importes financeiros. Afastando-se da análise jurídica stricto sensu da matéria, e adotando uma visão econômico-financeira do instrumento das “travas bancárias” aos demais credores não alcançados pelo âmbito de sua aplicabilidade, estariam esses credores, em última análise, assumindo, isolada e unicamente, os riscos da eficiência e eficácia do cumprimento do plano de recuperação judicial da sociedade em crise, em prol daqueles credores que, antecipadamente, estarão recebendo integralmente os valores de seus créditos, sem se sujeitarem àquele plano. Por tal, da questão em comento nasce uma aberração resultante da força política das instituições financeiras junto ao Poder Legislativo. Credores desprivilegiados assumiriam os riscos de credores privilegiados, independentemente de sua capacidade financeira, do valor, da natureza e do prazo de vencimento de seus créditos, fato irrazoável, impensável e impertinente para um país que busca tornarse potência mundial nas próximas décadas. 4.2.4.4 Em Relação à Efetividade Jurídico-Econômica do Procedimento Recuperacional Podemos extrair uma sensível, minoritária e, ainda, embrionária, tendência jurisprudencial de relativizar o instituto das “travas bancárias” em prol da preservação da sociedade empresária em fase de recuperação judicial, como forma de proteção à função social dessa empresa. O atual entendimento doutrinário sobre o tema, somado aos escassos posicionamentos jurisprudenciais brasileiros acerca da matéria, corroboram o entendimento de que as sociedades empresárias em recuperação judicial devem se preocupar com a melhor composição das garantias concedidas aos seus credores, em especial, com a renegociação de seus débitos junto às instituições financeiras, objetivando substituir a garantia de cessão fiduciária de crédito, preferencialmente, em período anterior ao ajuizamento do pleito recuperacional. A inclusão espontânea do crédito da instituição financeira no plano de recuperação, objetivando mensurar seu valor em período anterior à homologação judicial do plano recuperacional é, indubitavelmente, a medida mais sensata e eficaz a ser tomada pela sociedade recuperanda, em prol do alcance e satisfação dos direitos de seus credores. Destarte, a efetividade jurídico-econômica do procedimento recuperacional está intimamente vinculada à relativização e abrandamento da aplicabilidade fria do texto legal, contido no § 3º do artigo 49 da LRE, em especial, quanto ao convencimento do Poder Judiciário da acentuada necessidade de preservação da unidade produtiva geradora de riquezas, impostos e empregos, bem como da diminuição da voracidade bancária em receber antecipada e integralmente, seus créditos, como álibi argumentativo para a inoperante diminuição do spread bancário no mercado varejista. Por outro lado, ao credor caberá, a priori, analisar minuciosamente a natureza do crédito que lhe seja conferido, suas garantias e seu risco perante uma iminente crise empresarial da sociedade devedora, bem como, em derradeira análise, considerar as formas jurídicas adequadas para enquadrar a qualidade daquele em situações privilegiadas pela LRE, com o objetivo de obter a melhor alternativa jurídica possível de resgate de seu crédito, em termos de rapidez e quantificação da parte que lhe caiba. 4.2.5 Os Limites de Utilização das “Travas Bancárias” A interpretação judicial, quanto à utilização das “travas bancárias” adstrita à propriedade fiduciária, no contexto dos tribunais estaduais, decorre de decisões conflitantes, que, sistematicamente, excluem os créditos fiduciários do âmbito de incidência da norma falimentar. Soma-se à aplicação do próprio comando do §3º do artigo 49 da LRE o fato de não haver decisão consolidada do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, o que gera ainda, por consequência, permanente insegurança jurídica quanto ao seu âmbito e limite de aplicabilidade. Assim sendo, indagamos se os limites de incidência da LRE não estariam colocando em risco o próprio princípio norteador da lei, ao considerarmos o princípio da preservação da empresa; a razoabilidade da inclusão dessa espécie de crédito no plano de recuperação judicial, impondo a seus credores os mesmos efeitos daqueles sujeitos à empresa recuperanda; bem como a exclusão dessa espécie de créditos dos efeitos da recuperação e a sistemática migração dos créditos hipotecários para as cessões fiduciárias de recebíveis em garantia. As instituições financeiras, que atuam como fomentadoras da própria atividade empresarial no País, são os principais exemplos de credores que, atualmente, se beneficiam da limitação da aplicação das “travas bancárias”, por possuírem a faculdade de conceder créditos, após prévia e criteriosa avaliação de riscos e da capacidade de pagamento do devedor solicitante de crédito. A mens legis da LRE significa ampliar o acesso ao crédito e reduzir seu custo no Brasil, diminuindo assim o spread bancário para aqueles que buscam empréstimos financeiros com o objetivo de alavancar sua atividade empresarial. Porém, percebemos hoje que a redução dos spreads é, acentuadamente, lenta e, comprovadamentedesproporcional à queda dos juros básico bancários, o que resulta em comprovada inviabilidade do processo recuperatório das empresas em crise. Destarte, consideramos sempre que o interesse público da preservação da empresa deve prevalecer em relação ao interesse privado dos credores nesse estado de exceção, em que se encontra a empresa em crise. A Constituição Federal de 1988 autoriza que a norma infraconstitucional restrinja ou limite o interesse particular em determinadas situações, como no caso da excepcionalidade da empresa em crise, quando favorecer o interesse público. Entendemos não se tratar de supremacia legal, mas sim de prevalência do interesse público em relação ao interesse privado, no qual deve estar presente a observância da proporcionalidade, vedação ao excesso e preservação do chamado núcleo essencial da atividade produtora, capaz de gerar receitas, impostos, empregos e de circular riqueza na sociedade. Entretanto, em grande parte dos processos de recuperação judicial, os planos de recuperação limitam-se à ampliação dos prazos para o pagamento das dívidas e ao hair cut (deságio), que, na prática, variam de setenta por cento a noventa por cento sobre o valor principal da dívida, apresentando soluções, na maioria das vezes, incapazes de permitir a reestruturação necessária à efetiva superação da empresa em crise. Desse modo, o procedimento de recuperação judicial se torna vantajoso na perspectiva das instituições financeiras, em decorrência do § 3º do artigo 49 da LRE, segundo o qual credores de propriedade fiduciária de bens móveis não estariam sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, prevalecendo seus direitos sobre o bem dado em garantia e as condições contratualmente previstas. Ao contratar tal empréstimo, comumente fica estabelecido entre as partes contraentes que o valor emprestado - os créditos cedidos a título de garantia, bem como outros valores operados pela devedora estarão segregados em depósito em conta, sob a administração daquela instituição financeira, garantindo a trava bancária. Essa outorga de privilégio às instituições financeiras é, indubitavelmente, benesse legal, sustentáculo de possível e imediata expropriação do patrimônio da devedorarecuperanda aos agentes fomentadores da atividade econômico-industrial no País, os bancos. Já os demais credores vêem, obrigatoriamente, submetidos à moratória estabelecida no momento da aprovação do plano e deverão aguardar o cumprimento do estabelecido na novação do plano de recuperação judicial, em razão da intenção do legislador falimentar de separar aqueles créditos decorrentes de financiamento da atividade empresarial, daqueles tantos outros que decorrem da ordinária e cotidiana atividade empresarial. No momento em que as instituições financeiras prestam garantia como forma de pagamento, a atividade da devedora-recuperanda fragiliza-se ainda mais, pois aqueles valores que seriam destinados ao capital de giro e fluxo de caixa da empresa em recuperação, notadamente focados para o pagamento dos demais credores - sujeitos à par conditio creditorum - serão apropriados imediatamente pelos bancos, como forma de cumprimento da obrigação da empresa. O uso ilimitado das “travas bancárias” pelas instituições financeiras reveste-se de privilégio legal, que vem gerando quantidade considerável de ações judiciais contra aquelas instituições, contribuindo para o fracasso do processo recuperatório, uma vez que deixa, nos termos do artigo 49 da LRE, de viabilizar a superação da crise econômico-financeira da devedora-recuperanda, satisfazendo, unicamente, os interesses bancários. Perigosamente os tribunais brasileiros vêm apresentando o entendimento de que a trava bancária e a consequente expropriação da garantia da cessão fiduciária de direitos creditórios são legais e devem ser respeitadas indiscrimidamente, sem quaisquer restrições, apenas baseando-se no texto frio da lei. Em pesquisa realizada a pedido do Ministério da Justiça, pela Fundação Getúlio Vargas, por meio qual se avaliaram as principais implicações decorrentes das “travas bancárias”, os pesquisadores levantaram o tema nos vinte e sete Tribunais de Justiça do País, e constataram que há noventa processos sobre a questão nas Cortes, tendo como parte trinta e sete diferentes instituições financeiras. Do total de julgamentos, os tribunais foram favoráveis às instituições financeiras em cinquenta e três casos, excluindo-as da recuperação judicial. Em apenas treze decisões, os magistrados liberaram as empresas das “travas bancárias”. Decorre dessa analise a comprovação de que a maioria das decisões judiciais – aproximadamente oitenta por cento do total – foram proferidas pelos tribunais do Sudeste do País. Destacamos que o foco da discussão, no Poder Judiciário, está nos empréstimos concedidos e classificados como cessão fiduciária de direitos creditórios, cuja garantia são os recebíveis futuros das empresas, como os valores a serem auferidos de contratos de fornecimento ou de vendas com cartões de crédito. Além dos recebíveis, as operações preveem que o depósito financeiro de numerários seja efetuado, na conta bancária da empresa, desde que na instituição em que tomou o empréstimo. O desconto do valor financeiro – crédito bancário – é efetuado diretamente pelo banco, sem a chance de a empresa receber o dinheiro e se tornar inadimplente. Ao recorrerem ao Poder Judiciário, a partir de 2006, as empresas passaram a pleitear a postergação do pagamento dos empréstimos vencíveis durante o plano de recuperação, devendo os bancos receber seus valores tal como os demais credores, e buscaram ainda o direito de obterem de volta os valores dos recebíveis, necessários para o capital de giro das companhias. Judicialmente, os bancos argumentaram que os contratos celebrados com as empresas em recuperação judicial, por terem natureza de alienação fiduciária, estariam excluídos do procedimento recuperacional, em razão da previsão contida no § 3º do artigo 49 da LRE. Já nas decisões pretorianas que atenderam aos pedidos das empresas, os tribunais entenderam que não estavam presentes todos os requisitos para a caracterização da alienação fiduciária de créditos, sendo, portanto, inviável a exclusão dos créditos ao procedimento recuperacional. Ademais, outro argumento aceito pelo Poder Judiciário, em prol do empresariado, reside na necessidade de registro da alienação fiduciária antes da distribuição do pedido de recuperação. Em alguns casos pontuais, os desembargadores consideraram que a instituição bancária não poderia impedir a empresa em recuperação de exercer o direito de administrar os rendimentos oriundos de duplicatas e CDBs vencidos, dados como garantia de empréstimos, pois esses seriam indispensáveis à estratégia de recuperação econômico-financeira da empresa. Especificamente em respeito à consolidação do entendimento que limita a utilização da trava bancária, o Tribunal de Justiça de São Paulo pacificou entendimento contrário à liberação da trava bancária, por meio da Súmula nº6258, enunciado que se encontra respaldado entre as vinte e cinco súmulas editadas pelo tribunal, a partir da jurisprudência da Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais. O entendimento sumulado do TJ-SP, sobre a limitação de utilização da trava bancária, reveste-se de sobremaneira importância pelo quantitativo de decisões a respeito da matéria, enquanto o Superior Tribunal de Justiça ainda não adotou posicionamento jurisprudencial consolidado a respeito do tema. Inobstante esse entendimento, em sede argumentativa junto aos tribunais do País, advogados de empresas em recuperação judicial estão buscando novas estratégias jurídicas na tentativa de derrubar a trava bancária, decorrente de instrumentos de alienação ou cessão fiduciária de recebíveis futuros. Tais tipos de contrato têm se tornado cada vez mais comuns, principalmente no varejo, justamente por conta do menor risco de inadimplência. Uma das teses que vêm sendo defendidas pelos advogados junto ao Poder Judiciário, para derrubar os limites das “travas bancárias” sustenta que, segundo a 58 “Súmula 62: Na recuperação judicial, é inadmissível a liberação de ”travas bancárias” com penhor de recebíveis e, em consequência, o valor recebido em pagamento das garantias deve permanecer em conta vinculada durante o período de suspensão previsto no §4º do art. 6º da referida lei.” Lei n.10.931/04, somente é possível ceder direitos sobre uma coisa móvel presente, existente, mas nunca futura ou incerta. Argumentam os juristas que, caso o Poder Judiciário não se pronuncie favoravelmente à elisão das “travas bancárias”, as empresas correrão sérios riscos de se sucumbirem, em razão da imediata restrição ao capital de giro. Outra tese defendida pelos advogados perante os tribunais do País, pleiteia o direito da empresa de realizar a substituição da alienação fiduciária por outros bens, permitindo, em alguns casos, que a empresa devedora-recuperanda substitua outros bens e valores depositados após a recuperação judicial, em razão de um contrato de cessão fiduciária com a instituição financeira. No caso de receitas futuras de cartão de crédito, entendemos que os montantes não podem ser incluídos na recuperação judicial, porque os valores dos créditos já seriam conhecidos ao momento da recuperação judicial, inobstante a exclusão total desses créditos não ser favorável, quando se trata de alienação fiduciária da produção futura da empresa - situação que se assemelha à penhora de faturamento sem limite. Espera-se que o Superior Tribunal de Justiça defina seu posicionamento em relação à matéria brevemente. Enquanto isto, os tribunais de Justiça de São Paulo e do Paraná são contrários ao entendimento de que a alienação fiduciária possa integrar a recuperação judicial, enquanto os tribunais do Espírito Santo e Mato Grosso já se manifestaram favoravelmente. Exemplificativamente, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do TJSP rejeitou o recurso de uma empresa de estamparia que pedia a suspensão de seus pagamentos a um banco em relação aos créditos com garantia fiduciária. Com base na nova Lei de Falências, os desembargadores do TJSP entenderam que somente com a aprovação do banco esses créditos entrariam na recuperação. Já a 3ª Câmara Cível do TJES, em julgamento do Agravo de Instrumento nº03008900014259, negou o pedido de uma fábrica de móveis para incluir títulos de crédito garantidos por cessão fiduciária na recuperação judicial. Em seu voto, o desembargador Jorge Góes Coutinho argumentou que esses títulos não são especificados na lei. EMENTA: PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA DE TÍTULOS DE CRÉDITO. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NÃO INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO PREVISTA NA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR. 1. A redação do artigo 49, §3º, da Lei n.º 11.101⁄2005 estatui, claramente, que os créditos daqueles em posição de proprietário fiduciário de bem móvel e imóvel não se submetem aos efeitos da recuperação judicial. 2. Assim como o próprio agravante insiste em afirmar em suas razões recursais, o mesmo se revela como proprietário fiduciário de títulos de crédito que, por óbvio, não se confundem com a classificação de bens móveis ou imóveis. 3. Se a legislação admite a cessão fiduciária tanto de coisa móvel quanto, como no caso em apreço, de títulos de crédito, deveria esta última hipótese também estar prevista, de modo expresso pela lei específica, como excluída dos efeitos da recuperação judicial, o que não é o caso. Esses são os limites encontrados em julgados dos diversos tribunais brasileiros, que relativizam o uso indiscriminado e abusivo das “travas bancárias” no procedimento de recuperação de empresas, nos ditames da Lei n.11.101/05. 59 Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Disponível em: <http://www.tj.es.gov.br/consulta/cfmx/portal/Novo/det_jurisp_bi.cfm?NumProc=229273> Acesso em: 13 out. 2011. 5 CONCLUSÃO Faz-se importante ressaltar que as normas contidas nos parágrafos 3º, 4º, e 5º do artigo 49 da LRE devem ser interpretadas com vistas a atender a mens legis do diploma falimentar-recuperacional, observando, precipuamente, o princípio da preservação da sociedade empresária, o que, a priori, consideraria ineficazes suas estipulações legais de relativização do âmbito de aplicabilidade das “travas bancárias”. Inobstante a tendência doutrinária existente, de taxar os parágrafos 3º, 4º, e 5º do artigo 49 da LRE como antagônicos à continuidade da atividade empresarial, não se pode olvidar, contudo, dos grandes riscos existentes e inerentes à atividade de fomento de crédito no mercado empresarial. Analisando conjuntamente os posicionamentos favoráveis e os contrários à flexibilização da aplicação das “travas bancárias” nos processos de recuperação judicial, principalmente a previsão dos créditos no plano de recuperação da sociedade empresária em crise, ressaltamos a extrema importância do seu alcance, por parte dos aplicadores e estudiosos do Direito Falimentar. O instituto das “travas bancárias” deve-se pautar pela razoabilidade em sua aplicação prática, sobretudo para se encontrar o ponto de equilíbrio jurídico, que, por consequência, tenderá a atingir um cenário econômico-financeiro próximo do ideal, para a preservação, continuidade e operacionalidade da sociedade empresarial em crise, em prol da consecução da função social para a qual esta foi criada, conseguida somente se superada a crise que a empresa atravessa. O uso irrestrito, indiscriminado e irracional das “travas bancárias”, pelas instituições financeiras, com o objetivo de atender, única e exclusivamente, seus interesses casuísticos, contrariamente ao espírito do legislador da LRE que, precipuamente, busca a conservação e preservação da empresa como personificação da atividade produtiva, indubitavelmente, frustrará inúmeros planos de recuperação judicial, ocasionando, consequências muito mais danosas à ordem econômica e financeira do País; aos demais credores e à própria unidade produtiva, dentre elas, sua própria falência. Estamos diante de um dilema que deve ser cautelosamente observado pelos estudiosos do Direito, principalmente pelo fato de suas consequências ultrapassarem as salas dos tribunais do País e afetarem diretamente a vida de cada cidadão brasileiro, que depende do mercado empresarial brasileiro, seja pelo emprego, seja pela necessidade de preservação da empresa como ente propulsor da circulação de bens, serviços e capital. Ao Estado, como principal interessado no crescimento da economia, favorabilidade de seus índices e concretização de suas estatísticas, por meio do Poder Judiciário, caberá a análise criteriosa e cuidadosa do âmbito de aplicabilidade das “travas bancárias” e suas consequências para o mercado nacional, sobretudo pela constante necessidade de manutenção e criação de empregos, alicerce do desenvolvimento do País e sustentáculo econômico do Estado Democrático de Direito e seu âmbito social. 6 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Amador Paes de. 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