O país da agiotagem João Saboia A cada trimestre que passa, os bancos divulgam seus balanços e a notícia é sempre a mesma: novos recordes nos lucros são quebrados. A única novidade é o troca-troca de posições nos primeiros lugares. Os bancos têm um importante papel a cumprir em qualquer país, qual seja, financiar produtores e consumidores para mover a economia. Na medida em que seus lucros crescem exageradamente, eles podem estar asfixiando o restante da economia e deixar de cumprir seu papel. Basta perguntar a qualquer empresário do setor produtivo sua opinião sobre as taxas de juros, e a resposta unânime é que elas são absurdamente elevadas, precisando ser reduzidas para permitir que sejam realizados os investimentos necessários e inadiáveis para o crescimento da economia. Por trás das elevadas taxas de juros cobradas pelos bancos está a política monetária do Banco Central. Pode até parecer estranho que a taxa básica de juros da economia, a famosa Selic, atualmente fixada em 11,25% ao ano pelo Copom, possa influenciar as taxas cobradas de produtores e consumidores, que podem chegar a mais de 150% anuais no caso do cheque especial ou dos cartões de crédito. Mas, de fato, todas as taxas estão fortemente associadas. Cálculos realizados por meus alunos de macroeconomia na UFRJ mostram estreita associação entre a taxa Selic e as demais taxas de juros em áreas tão distintas como no desconto de duplicatas, no crédito direto ao consumidor e até mesmo nas taxas cobradas no cheque especial. Os coeficientes de correlação encontrados nos últimos anos são da ordem de 0,9 (o valor máximo possível é igual a 1), confirmado a forte associação entre a Selic e as demais taxas de juros da economia. A associação da taxa Selic com o lucro dos bancos foi confirmada recentemente pelo vice-presidente do Bradesco, ao afirmar que “o banco deixa de ganhar R$200 milhões a cada ponto que a taxa Selic cai” (ver “Valor Econômico”, 06/11/2007). Para se ter uma idéia do volume do lucro dos grandes bancos no Brasil, dados publicados no GLOBO de 06/11/2007 mostram que o lucro do Bradesco nos nove primeiros meses do ano equivalem à soma dos lucros somados de empresas como Telemar, Aracruz, Light, Souza Cruz, VCP e Brasil Telecom. No dia seguinte à divulgação dos ganhos do Bradesco, foi a vez do Itaú informar valores ainda mais elevados. Seus ganhos foram puxados pelas operações de crédito, especialmente à pessoa física. Conforme reconhecido por um de seus diretores, a prioridade de seu banco continuará sendo os financiamentos à pessoa física, onde a margem de ganho (spread) chega à incrível marca de 60% ao ano (O GLOBO, 07/11/2007). Como seria possível conciliar taxas de juros tão elevadas com o crescimento do volume de crédito pessoal? A resposta é relativamente simples. Ao tomar um empréstimo, o consumidor se preocupa basicamente com o tamanho da prestação mensal, em geral sem se prestar atenção à taxa de juros que está pagando. Se a prestação couber em seu orçamento, o empréstimo será tomado, mesmo que o custo total seja elevado. Tendo em vista o volume ainda relativamente baixo do crédito em relação ao PIB do país, pode-se prever que, efetivamente, o crédito continuará crescendo no futuro, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, realimentando os lucros do sistema bancário. A mudança do quadro atual deveria começar pela atuação direta sobre a taxa básica de juros, ainda hoje a mais elevada do mundo, cabendo a maior responsabilidade aos formuladores da política monetária — leia-se, ao próprio Banco Central. Resta saber até quando o restante da economia poderá continuar esperando e suportando o pagamento de taxas de juros tão elevadas sem que isso comprometa o futuro do país. João Saboia é diretor do Instituto de Economia da UFRJ (endereço eletrônico: [email protected]) e organizador do O livro "Celso Furtado e o Século XXI", publicado pela editora Manole. Este texto foi publicado no jornal O Globo, edição de 13 de novembro de 2007.