Ó COM PALAVRAS NÃO SE CRIAM EMPREGOS JOSÉ SERRA Nada mais fora de lugar, no mundo de hoje, do que o ar de paisagem em relação à economia real. O choque de realidade veio em janeiro, com os dados sobre um colapso do emprego no Brasil: 655 mil postos de trabalho foram fechados no mês passado. O emprego já estava desabando quando a ata da reunião de dezembro do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central, concluiu que os juros deveriam cair. Seus integrantes, contudo, decidiram não fazer nada porque não havia acordo! Apenas em janeiro, depois do desastre, o Copom baixou em um ponto percentual a Selic, a taxa de juros básica da economia. Melhor do que nada, e cabe aplaudir a decisão. Mas é muito pouco, muito tarde. A política monetária do Banco Central mantém o Brasil na liderança mundial dos juros reais e tem desperdiçado boas oportunidades para corrigir, sem maiores traumas, uma das grandes distorções da economia brasileira. Perdeuse tempo, o que ajudou a empurrar a economia para uma forte recessão. As previsões de que o Brasil cresceria 2% em 2009 não esclarecem que isso significa, no mínimo, estagnação do PIB ao longo do ano, ou crescimento negativo per capita. Os 2% seriam um fenômeno estatístico: se o PIB de janeiro deste ano permanecesse no mesmo nível ao longo do ano, ainda assim a média do PIB de 2009 seria mais alta do que a de 2008. Ninguém pode ter certeza se essas previsões vão se confirmar. Há fatores que atuam no sentido contrário. Muitas empresas pararam a produção para vender o que têm estocado. Esgotados os estoques, voltariam a produzir mais. A desvalorização do real estimulará as exportações, embora não a curto prazo, pois, além das defasagens naturais, há retração do mercado externo. Ademais, o Banco Central não tem sabido como diminuir a volatilidade do câmbio. O efeito mais rápido da desvalorização será o estímulo à substituição de importações, começando pelo turismo. Em contrapartida, temos a falta de crédito e teremos o avanço das práticas desleais de comércio, China à frente, em relação às quais a economia e as instituições brasileiras são especialmente vulneráveis. Na melhor das hipóteses, em todo caso, 2009 não será um ano economicamente brilhante, até porque o panorama internacional vai continuar adverso. As exportações, os investimentos privados e o consumo das famílias, comprometido pelo desemprego, não puxarão o crescimento. A contribuição do consumo do governo federal será maior, por causa da expansão dos últimos dois anos. Mas essa não é a melhor forma de gastar durante uma crise, além de perigosa para o futuro, pois tais gastos tornam-se permanentes. O investimento público poderá ser um fator relevante, incluído aí o de estados e municípios. Os governos estaduais e municipais respondem por mais de 70% dos investimentos públicos no Brasil, excluídas as empresas estatais. Submetidos à Lei de Responsabilidade Fiscal, contiveram mais seus gastos de consumo do que o governo federal. E fazem investimentos menores e de execução mais rápida. Por isso, uma medida contracíclica altamente positiva seria aumentar a capacidade de endividamento de estados e municípios para investir. É tarefa do presidente da República estimular as expectativas quanto à economia, porque confiança é fator crítico. Se a Presidência espalhasse pessimismo, poderia até soar realista para um empresário ou um analista, mas ajudaria a piorar a crise. Palavras, porém, não bastam. Ações são imprescindíveis: contribuir para o aumento rápido dos investimentos de estados e municípios, zelar pela execução dos investimentos federais, segurar de forma efetiva os gastos de custeio, adotar medidas de defesa contra práticas desleais de comércio e levar o Banco Central, órgão do governo, a atuar com mais responsabilidade, agilidade e competência nas áreas monetária e cambial. Um bom ponto de partida é reconhecer que a autoridade monetária errou, nos últimos anos, quando manteve juros altos demais e supervalorizou o câmbio. Mesmo antes da crise, já havia um crescente déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos e um superávit comercial em queda — que agora em janeiro virou déficit — apesar dos elevados preços e da demanda por nossas exportações. Aquela política macroeconômica forçou o setor exportador a apostar num processo de alto risco: antecipar cada vez mais, mediante crédito externo, as receitas de exportação, convertendo-as em reais, faturando os juros mais altos do mundo e ainda pagando os empréstimos recomprando dólares a um preço mais baixo. Ou seja, o BC tem grande parcela de responsabilidade nos problemas das empresas exportadoras, diante da súbita contração do crédito externo e da desvalorização do real. Num contexto de juros internos altos e redundantes, de forte queda dos juros internacionais, de contração de demanda externa e interna, e até de deflação de preços de commodities de importação e exportação, os juros do Banco Central poderiam ter sido reduzidos desde o início da crise, rápida e significativamente. Não existem condições mais propícias do que essas, ainda mais quando simultâneas. Mas o Banco Central só vai tratar de juros daqui a 45 dias, como se vivêssemos uma época de normalidade. Um dos argumentos para justificar essa inércia é que o grande problema não é a Selic, mas as elevadíssimas taxas de juros dos bancos. Não faz sentido. Primeiro, porque o BC deveria, sim, empenhar-se mais do que o fez para que os bancos diminuíssem seus spreads. Segundo, a Selic, bem ou mal, dá o piso à pirâmide de juros da economia. Terceiro, a mais alta taxa de juros da dívida pública do mundo induz os bancos a emprestar menos e mais caro. Quarto, e este é um argumento fundamental, porque o custo fiscal da Selic é gigantesco: cada ponto de juros vale mais de R$11 bilhões. Uma análise econômica mais sólida e atitudes mais seguras do BC aumentariam a confiança, tão enfraquecida, dos agentes econômicos. Só palavras, otimismo e boas intenções não vão nos ajudar a sair da crise. JOSÉ SERRA é governador de São Paulo. Este artigo foi publicado no jornal O Globo de 25 de janeiro de 2009.