ED1 O Raciocínio Epidemiológico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA
DISCIPLINA DE EPIDEMIOLOGIA
O Raciocínio Epidemiológico
Epidemiologia pode ser definida como o estudo da distribuição da freqüência de
doenças e de agravos à saúde e seus determinantes” em populações humanas. Esses 3
componentes – distribuição, determinantes e freqüência – circundam todos os princípios e
métodos epidemiológicos. Considerando esses três componentes, existe uma progressão
natural do raciocínio epidemiológico. O processo inicia-se com uma suspeição sobre uma
possível influência de um fator em particular na ocorrência da doença. Essa suspeição pode
vir da prática clínica (como é o exemplo da febre puerperal que iremos discutir adiante), da
análise de padrões da doença, de observações de pesquisa de laboratório, de especulação
teórica etc.
Hipócrates , considerado o pai da medicina moderna, no ano 5 AC foi o que
primeiro sugeriu que a doença humana poderia estar relacionada ao ambiente, como as
estações do ano. Em 1662, John Graunt, analisou os registros de nascimento e óbitos em
Londres, e pela primeira vez, quantificou padrões de doença na população: excesso de
nascimentos e óbitos para os homens, alta taxa de mortalidade infantil e variações sazonais
dos óbitos (como foi sugerido por Hipócrates). Apesar do reconhecido valor dado as
técnicas de Graunt para o estudo das doenças na população, somente quase 2 séculos
depois, foi delegado ao médico inglês William Farr a responsabilidade das estatísticas
médicas da Inglaterra e do País de Galles. Como Graunt, Farr reconheceu a importância das
informações para o avanço do conhecimento das doenças. Ele identificou diferentes
padrões de mortalidade segundo estado civil e padrões de doenças ocupacionais
(trabalhadores em minas de carvão e na indústria). Com isso, levantou várias questões
relevantes até hoje em epidemiologia, como população de risco, grupo de comparação,
idade, duração da exposição e estado de saúde geral. Farr habilitou outro médico inglês,
John Snow, anestesista dos partos da rainha da Inglaterra, à, baseando-se nos componentes
de freqüência e distribuição de doenças, formular hipótese sobre a etiologia do cólera em
Londres. Snow postulou que a transmissão do cólera se dava por meio da água contaminada
através de um mecanismo desconhecido. Ele observou que as taxas de óbitos eram
particularmente altas nas áreas supridas pela Companhia de água Lambeth ou Southhwark
and Vauxhall, ambas drenavam a água do Thames River no local mais poluído por dejetos.
Snow foi capaz de formular e testar a hipótese de que beber água fornecida pelas
companhias Southhwark and Vauxhall aumentam o risco de contrair cólera quando
comparadas à companhia Lambeth. Snow, provando sua hipótese, alcançou o terceiro
componente da epidemiologia, a causa ou determinante da epidemia, trabalho este,
documentado em seu livro On the Mode of Communication of Cholerae*. A investigação
da epidemia de cólera por Snow
foi o primeiro experimento natural, cuja riqueza,
principalmente do raciocínio, do método de investigação, servem até hoje à pesquisa
epidemiológica.
Um exemplo relativamente recente foi a constatação pelo Centers of Disease
Control (CDC-USA) no início da década de 80, do aumento da demanda de pentamidine,
droga sob controle usada para o tratamento de pneumonia por Pneumocisti carini (doença
que não é de notificação compulsória). Epidemiologistas investigaram o fato e constataram
um aumento desta infecção e de outras condições associadas como o sarcoma de Kaposi,
infecções oportunistas e deficiência imunológica. Essas primeiras investigações
conduziram epidemiologistas, virologistas, imunologistas e clínicos à descoberta da AIDS.
A suspeição conduzirá a formulação de uma ou mais hipóteses que serão testadas nos
estudos epidemiológicos que incluem grupos de comparação. Se a probabilidade de
desenvolver uma doença em particular, na presença de um determinado fator de exposição,
supostamente causal, é diferente da probabilidade correspondente na sua ausência
(considerando-se a ausência de erros sistemáticos e um pequeno erro amostral - os
conceitos serão abordados durante o curso) então, é possível inferir causalidade.
Adaptado de Hennekens &Buring, 1987. Definition and Background. In: Epidemiology in
Medicine. Boston:Little Brown and Comany**.
* O livro encontra-se disponível na Biblioteca do NESC e no site http://www.ph.ucla.edu/epi/snow.html
** O livro encontra-se disponível na Biblioteca do NESC.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA
DISCIPLINA DE EPIDEMIOLOGIA - segundo semestre 2003
Estudo Dirigido 1: O Raciocínio Epidemiológico
A investigação da epidemia de Febre Puerperal (FP) é um exemplo clássico de
investigação epidemiológica. Passo-a-passo, o médico obstetra húngaro do século XIX,
Ignaz Semmelwies, a partir da observação clínica de uma epidemia que dizimava as
parturientes, suspeitou da possível etiologia e mecanismo causal da FP, e enloqueceu ao
sugerir que os médicos adotassem o simples hábito de lavar as mãos antes de examiná-las,
idéia essa, que hoje só um louco questionaria.
Mesmo com todo o avanço tecnológico da medicina e dos métodos de investigação,
a emergência de novas doenças nos coloca, algumas vezes, na mesma situação de
desconhecimento e angústia de Semmelwies.
Este estudo dirigido segue os passos do raciocínio epidemiológico de Semmelwies
baseado no texto redigido pelo próprio e apresentado na referência bibliográfica a seguir:
Semmelwies, 1988.The etiology, concept, and propylaxis of childbed fever. In: The
challenge of Epidemiology: Issues and Selected Readings. PAHO, 46-59.
A Febre Puerperal por Semmelwies
A medicina, especialmente a obstetrícia, tem como principal dever, salvar vidas
humanas ameaçadas. A prática obstétrica na maternidade de Viena, na primeira metade do
século XIX, vinha sendo capaz de cumprir com este dever. Entretanto, a partir de 1840,
houve um aumento crescente do número de mães e filhos que morriam de febre puerperal
(FP) refletindo não apenas o fracasso do tratamento mas também o desconhecimento do
real fator causal da doença.
A maternidade de Viena era dividida em 2 clínicas. A primeira clínica (clínica 1)
admitia parturientes 4 dias por semana, enquanto que a segunda (clínica 2), somente três
dias. A clínica 1 tinha 52 dias a mais de admissão por ano quando comparada à clínica 2.
Desde o momento em que a primeira clínica passou a receber apenas obstetras para
treinamento e a segunda (clínica 2) apenas parteiras, a mortalidade foi distintamente
diferente entre as 2 clínicas (tabela 1).
PERGUNTA 1: Como foi calculada a taxa de mortalidade? E a média? Interprete-as.
PERGUNTA 2: O fato da primeira clínica admitir um número maior de parturientes
justifica sua maior taxa de mortalidade no período? Explique.
Tabela 1: Nascimentos, mortes e taxas de mortalidade anual para todos os pacientes
das 2 clínicas da maternidade de Viena entre 1841 e 1846.
1841
1842
1843
1844
1845
1846
Clínica
nascimentos
3.036
3.287
3.060
3.157
3.492
4.010
Total 20.042
Média
1
óbitos
237
518
274
260
241
459
taxa
7,7
15,8
8,9
8,2
6,8
11,4
1.989
9,92
Clínica
nascimentos
2.442
2.659
2.739
2.956
3.241
3.754
2
óbitos
86
202
164
68
66
105
17.791
691
taxa
3,5
7,5
5,9
2,3
2,03
2,7
3,38
A diferença da mortalidade entre as duas clínicas possivelmente era maior do que o
que sugeriram os dados da tabela 1. Durante períodos de alta mortalidade, todos os
pacientes doentes da maternidade da clínica 1 eram transferidos para o hospital geral e, em
caso de morte, eram computados no cálculo da mortalidade do hospital geral e não da
clínica 1. O mesmo não ocorreu na clínica 2.
PERGUNTA 3: As transferências poderiam justificar as diferenças da mortalidade
evidenciadas na tabela 1?
Foram investigados e comparados os sinais e sintomas das pacientes das clínicas 1 e
2. Entretanto, o quadro clínico dos pacientes com FP não foi distinto entre as 2 clínicas, não
sendo capaz de explicar a diferença entre as taxas de mortalidade. Buscando explicar as
diferenças de mortalidade segundo a clínica de atendimento ao parto, observou-se na
primeira clínica, que:
- quando o tempo dilatação era extenso (> 24 horas), a mulher adoecia de FP
imediatamente ou durante as primeiras 24 e 36 horas após o parto e morriam
rapidamente;
- como a tempo de dilatação era mais prolongado no primeiro parto (mulheres
primíparas), então, a mortalidade por FP também era maior.
Entretanto, essas evidências associadas a maior mortalidade na clínica 1, não se
repetiam na segunda clínica. O trauma de nascimento não estava sob consideração, uma vez
que o está sendo referido apenas ao período de dilatação.
PERGUNTA 4: A existência das associações entre o maior tempo de dilatação e de ser
primípara com a mortalidade por FP ter sido encontrada apenas na clínica 1 corroboram
para explicação causal da FP?
Não apenas as mães, mas as crianças também morriam de FP. As lesões corpóreas
dos recém-nascidos (RN), com exceções daquelas localizadas em áreas genitais, eram
semelhantes às encontradas nas mães. Essa última observação estava em concordância com
outros médicos naquela ocasião, levando Smmelweis a pensar que a etiologia da doença era
a mesma em mães e filhos.
Baseando-se nesse achados, o autor decide comparar a mortalidade em RN nas duas
clínicas da maternidade (tabela 2).
Tabela 2: Nascimentos, mortes e taxas de mortalidade anual para recém-nascidos
nas 2 clínicas da maternidade de Viena entre 1841 e 1846.
1841
1842
1843
1844
1845
1846
Clínica
Nascimentos
2.813
3.037
2.828
2.917
3,201
3.533
1
óbitos
177
279
195
251
260
235
taxa
6,22
9,1
6,8
8,6
8,1
6,5
Clínica
nascimentos
2.252
2.414
2.570
2.739
3.017
3.398
2
óbitos
91
113
130
100
97
86
taxa
4,04
4,06
5,05
3,06
3,02
2,05
PERGUNTA 5: A mortalidade de RN segue o mesmo padrão da mortalidade de mães
quando comparadas por clínicas ?
PERGUNTA 6: Nascer na clínica 1 ou 2, altera o risco das mães e dos filhos de morrerem
devido a FP? Por que?
PERGUNTA 7: As diferenças da mortalidade segundo clínica de atendimento e as
evidências das mesmas lesões corpóreas de mães e filhos com FP sugerem uma etiologia
comum?
Diante dos achados, Semmelwies elaborou 2 hipóteses sobre o mecanismo causal da FP
em RN:
1) fatores que operam na mãe durante a vida intra-uterina do feto e a mãe pode
“afetar” a criança;
2) a criança pode adquirir FP depois do nascimento, por ela mesma, e a mãe pode ou
não adoecer de FP.
PERGUNTA 8: A diferença da mortalidade das crianças por FP segundo a clínica de
atendimento (tabela 2), reforça ou enfraquece a primeira hipótese Semmelwies? Por que?
E a segunda hipótese?
PERGUNTA 9: É razoável, com essas argumentações, dizer que a FP é uma doença que,
quando presente na mãe, pode “afetar” o filho?
A seguir são apresentados a definição da FP por contemporâneos e os comentários
irônicos de Semmelwies sobre a mesma.
A febre puerperal foi definida como uma doença característica da e limitada à
maternidade e que o estado puerperal e um momento causal específico são necessários.
Quando a causa opera numa pessoa predisposta pelo estado puerperal, a doença ocorre.
Entretanto, essa mesma causa opera em pessoas que não estão no estado puerperal, uma
outra doença, que não a febre puerperal, ocorrerá. Por exemplo, acreditava-se que as
mulheres assistidas na primeira clínica, conhecedoras das maiores taxas de mortalidade
nesta clínica em anos anteriores, ficavam assustadas e então contraiam a doença. Então, o
dispositivo era o estado puerperal e o fator precipitador, o medo de morrer. Soldados numa
batalha tem medo de morrer mas não contraiam FP, por não terem o dispositivo (estado
puerperal); as pacientes por serem atendidas por homens, teriam sua modéstia ofendida e
por possuirem o dispositivo, contraiam a FP. Outras mulheres sem o dispositivo não
contrairiam a FP podendo ocorrer, por exemplo, apenas um desmaio. Refriados em
puérperas podem causar FP e em outras pessoas, febre reumática. Erros alimentares em
puérperas podem causar FP e levar outras pessoas à disenteria. Estou convencido de que a
FP não é restrita ao puerpério. Para Semmelwies, a ocorrência de FP em recém-nascidos
mostra quanto está errada essa concepção.
PERGUNTA 10: A argumentação de Semmelwies para rejeitar a hipótese de seus
contemporâneos sobre a FP é aceitável? Discuta.
Mulheres que pariam na rua (street delivery) a caminho da maternidade não perdiam
o privilégio de serem internadas gratuitamente na maternidade. Muitas mulheres, para
evitar o desconforto de serem examinadas no momento da admissão na maternidade,
pariam com parteiras na cidade e, imediatamente a seguir, davam entrada na maternidade
como tendo o nascimento ocorrido na rua. As taxas de FP em mulheres que pariram na rua,
era bem inferior àquelas cujo o nascimento ocorreu de fato na maternidade. Não havia
diferença do estado de saúde das mulheres que pariram na rua e foram admitidas na clínica
1 em relação àquelas, na mesma situação, admitidas na clínica 2.
PERGUNTA 11: Nascer na rua, seja qual for a real circunstância (na rua mesmo ou em
casa assistida por parteira), “protegia” de certo modo as mulheres dos fatores “maléficos”,
dito endêmicos por Semmelwies, existentes na clínica 1?
Em 1846, a opinião que prevalecia era de que a doença originava-se de lesões
infligidas no canal do parto devido aos exames ginecológicos. Como os exames também
eram feitos por parteiras, acreditavam que os estudantes eram rudes ao fazer o exame, por
serem homens e muitas vezes estrangeiros. Como resultado dessa especulação reduziram o
número de estudantes de 42 para 20. A redução da mortalidade conseguida durante o
período de afastamento dos estudantes estrangeiros foi justificada pelo fato deles
normalmente freqüentarem vários serviços durante seu estágio e conseqüentemente
assistirem mais autópsias, ou pela própria coincidência com o afastamento de Semmelweis.
Compreendendo sua involuntária contribuição com o aumento da mortalidade, ele afirmou
angustiado: "Só Deus sabe a conta das que, por minha causa, desceram prematuramente à
sepultura!". Após três meses de declínio, as taxas de mortalidade voltaram a crescer.
Em março de 1847, a morte do Professor de Medicina Forense , Prof. Kolletschka,
admirado por Semmelwies, conduziu-o a um novo e fundamental raciocínio sobre a causa
da Febre Puerperal.
As autópsias, com propósitos legais, realizadas pelo Prof. Kolletschka, eram sempre
assistidas pelos estudantes. Em certa ocasião, um estudante inadvertidamente perfurou o
dedo do Prof. Kolletschka com a mesma lâmina usada na autópsia. O prof. contraiu
linfangite e flebite na extremidade superior e morreu com pleurisia bilateral, peritonite,
pericardite e meningite e havia metástase para um dos olhos. A doença que matou o prof.
era, para Semmelwies, idêntica a que havia matado centenas de pacientes na maternidade.
Da mesma forma que as lesões encontradas nos recém-nascidos levaram Semmelwies a
concluir que esses morreram de FP, as lesões encontradas na autópsia do professor o
conduziram para o mesmo raciocínio. A causa de sua doença havia sido a penetração de
partículas de cadáver na lesão conseqüente ao corte com o bisturi, levando-o a acreditar
que, de alguma forma, essas partículas também penetraram nas mulheres da maternidade
que morreram de FP. Se, essas partículas de cadáver aderiram ao bisturi, também poderiam
ter aderido as mãos que examinam as parturientes. Se essas partículas puderem ser
destruídas quimicamente, então, a mortalidade por FP poderá ser evitada.
Em maio de 1847, Semmelwies e os estudantes passaram a usar clorina líquida
(água clorada) nas mãos antes do exame das parturientes. Sete meses depois, as taxas de
mortalidade da clínica 1, reduziram a níveis inferiores ao da clínica 2.
PERGUNTA 12: A medida preventiva de lavar as mãos com clorina líquida antes do
exame das pacientes da maternidade, adotada por Semmelwies e seus alunos, e a
conseqüente redução da mortalidade, corroboram com a hipótese etiológica do autor?
PERGUNTA 13: As diferenças do risco de morrer entre as mulheres que pariam na
maternidade e aquelas que pariam na rua ou em casa com parteira e depois seguiam para a
maternidade também corroboram com a hipótese etiológica do autor?
PERGUNTA 14: Como explicar então a ocorrência de mortes por FP na clínica 2, se as
mulheres assistidas por parteiras não eram expostas a partículas de cadáver?
Apesar do sucesso prático, o superior de Semmelweis, o diretor do hospital, não
aceitou suas idéias e se recusou a formar uma comissão para estudar o assunto. Houve
também resistências entre os estudantes e professores à adoção do método de desinfecção.
Um estudante ridicularizou o método de Semmelweis, recusando-se a tomar as precauções
indicadas. Nessa época, a mortalidade aumentou. Semmelweis descobriu o estudante e o
puniu. A mortalidade diminuiu novamente.
Após a lavagem das mãos com clorina líquida para remoção de partículas de
cadáver, entre um exame e outro, a lavagem das mãos apenas com água e sabão era
suficiente. Entretanto, mesmo com a lavagem das mãos após o exame de uma mulher com
carcinoma de útero associado a intensa descarga purulenta, sucederam-se 11 óbitos entre
doze mulheres examinadas posteriormente. Logo, "nem só os mortos transmitiam aos vivos
as partículas infectantes. Também as podiam propagar os vivos enfermos, portadores de
processos pútridos ou purulentos, comunicando-os aos indivíduos sãos". Em novembro de
1847 uma paciente com quadro supurativo em membro inferior desencadeou um novo
aumento da mortalidade, que Semmelweis atribuiu à saturação aérea pelos humores
oriundos das secreções. Com isto, para o atendimento de parturientes portadoras de
processos secretantes ele determinou a mais rigorosa desinfecção das mãos após cada
exame e removeu-as para salas de isolamento. Com a aplicação dessas novas medidas
preventivas, em 1848 a mortalidade na clínica 2 (1,33%) foi maior que na clínica 1
(1,27%).
Nota-se que não houve qualquer menção, aqui, a estudos microscópicos ou
químicos, nem discussão sobre a natureza do material cadavérico infeccioso. Semmelweis
não discutiu se a causa da febre puerperal era algum tipo de germe vivo ou outro tipo de
agente. De fato, Semmelweis nunca estudou esses aspectos. Seu objetivo principal era a
prevenção da febre puerperal e, tendo atingido esse fim, sua maior preocupação era que o
método se difundisse e fosse usado em outros hospitais.
A recepção da descoberta de Semmelweis foi muito lenta. Em parte, pode-se
entender isso como uma reação contrária à idéia de que os próprios médicos eram
responsáveis pela morte das pacientes – ninguém queria admitir isso. Por outro lado, a
divulgação das idéias de Semmelweis foi muito imperfeita. Ele próprio demorou vários
anos para publicar seu trabalho. Outras pessoas divulgaram o que ele estava fazendo, mas
às vezes de modo incompleto. Difundiu-se a idéia de que ele explicava a febre puerperal
apenas através da infecção por matéria proveniente dos cadáveres. No entanto, em vários
hospitais europeus, as pessoas que atendiam aos partos não praticavam autópsias – e, apesar
disso, havia muitas mortes por febre puerperal. Isso parecia indicar que Semmelweis estava
errado.
Em Viena, a oposição de importantes médicos fez com que Semmelweis fosse
perseguido. Ele abandonou a Áustria e foi para a sua terra natal, a Hungria. Lá, começou a
trabalhar no hospital de Budapeste – inicialmente, de graça. Nesse hospital, ele também
conseguiu reduzir a mortalidade.
Outras pessoas antes de Semmelweis já haviam sugerido idéias muito parecidas com
as dele. No entanto, não basta apenas sugerir uma idéia: é necessário examinar as várias
sugestões existentes, testá-las, ir eliminando as alternativas até isolar uma hipótese que
explique todos os fatos conhecidos.
Depois que seu trabalho teve sucesso, Semmelweis procurou difundi-lo, mas de
forma pouco hábil, conseguindo mais inimigos, por sua agressividade. Anos depois da sua
morte, generalizaram-se os cuidados de limpeza no tratamento obstétrico. Isso ocorreu
lentamente, em geral sem se reconhecer o valor do trabalho de Semmelweis, que foi
criticado em vida e esquecido após sua morte.
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