Causalidade - Epidemiologia-Higiene

Propaganda
CAUSALIDADE
Prof. Francisco Baptista
Para a OMS, saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social e não
apenas ausência de doença. Este conceito, referindo-se a uma situação ideal, torna
difícil a definição de critérios de identificação e quantificação de estados patológicos.
Assim, mantém-se válida, para finalidades preventivas ou terapêuticas, a consideração
de saúde como um estado de ausência de alteração orgânica ou funcional evidenciável
por exames físicos ou complementares dos pacientes.
Sendo a saúde individual uma resultante de um processo complexo de adaptação
permanente de um organismo ao meio endógeno e exógeno, tem-se, por um lado, forças
do organismo capazes de interpretar, reagir e defender a normalidade e, por outro lado,
forças endógenas (hereditárias ou não) ou exógenas (ambientais) que procuram reduzir
ou anular essa capacidade defensiva.
As forças agressoras são conhecidas como agentes de doença, causas de
doença ou determinantes de doença. As causas exógenas ou ambientais podem ser de
natureza física (temperatura e umidade), química (ácidos e bases fortes), biológica
(vírus, bactérias, fungos, protozoários e helmintos) ou social como pobreza, guerra ou
cultura. Na maior parte dos casos é a associação destas causas que provoca alterações
orgânicas ou funcionais, de forma permanente ou temporária. Na verdade, hospedeiros e
determinantes ou agentes de doença fazem parte do ambiente (Figura 1).
Água
Clima
Ar
Hospedeiros
(Humanos)
Microrganismos
Sociedade
Plantas
Solo
AMBIENTE
Hospedeiros
(Animais)
Animais invertebrados
Figura 1 – Condicionantes dos processos saúde/doença nas populações
Nos primórdios da Microbiologia, depois de destronada a teoria da geração
espontânea pelos trabalhos de Pasteur, surgiu a teoria da unicausalidade para explicar a
etiologia de doenças infectocontagiosas. Esta teoria foi reforçada pelos trabalhos
pioneiros de Robert Koch e de Pasteur sobre a etiologia microbiana de doenças
específicas como a tuberculose, raiva, pasteurelose aviária e carbúnculo hemático. Para
uma doença uma única causa. Foram assim enunciados os postulados de Koch:
1. O agente da doença deve estar presente em todos os casos da doença;
2. Deve poder-se isolar o agente da doença e obtê-lo em cultura pura;
3. Deve poder-se reproduzir a doença por inoculação de cultura pura do
agente isolado;
4. Deve poder-se isolar o agente deste novo caso de doença.
Os postulados de Koch foram-se mostrando insuficientes para explicar a
etiologia das doenças, mesmo daquelas tão magistralmente tratadas por ele como a
tuberculose. Foi-se verificando que nem sempre a presença do bacilo de Koch
(Mycobacterium tuberculosis) significava a ocorrência da doença. Por outras palavras,
verificou-se ser menor o número de doentes que o de infectados pelo M. tuberculosis,
indicando este fato que não basta a presença do agente específico da doença no
organismo de um indivíduo para que este adoeça. Para tal, é necessário que sobre o
indivíduo atuem também outras forças (causas) capazes de, em conjunto com o agente
específico, provocarem a doença específica. O agente específico é a causa necessária e
as outras forças são ditas causas predisponentes. Causa necessária e causas
predisponentes formam a causa suficiente. Assim, as doenças são multicausais,
podendo ter distintas causas suficientes.
As explicações etiológicas da teoria da multicausalidade são dadas pelos
postulados de Evans, nos quais se estabelece que:
1- Determinantes de doença sejam fatores capazes de condicionar frequências
da doença significativamente maiores nas populações a eles expostas;
2- A frequência da presença dos determinantes deve ser significativamente
maior nos doentes;
3- A remoção de determinantes na população deve reduzir a ocorrência de
novos casos da doença;
4- A exposição aos determinantes deve anteceder a ocorrência da doença.
Na Epidemiologia, a descrição e análise dos eventos saúde/doença, assentam na
busca de informação qualificada sobre a doença ou seus determinantes nas populações.
Em primeiro lugar, procura-se resposta para questões fundamentais de onde, quando,
quem, como e quanto ocorre de doença (epidemiologia descritiva) para em seguida se
pesquisar o porquê de alguns indivíduos da população adoecerem e outros não
(epidemiologia analítica). Desta forma, a associação do Mycobacterium tuberculosis
com diferentes fatores predisponentes se constitui na causa multifatorial (variável
independente ou explanatória) capaz de provocar a doença (variável dependente ou
resposta). Em algumas situações a causa necessária é também suficiente como é o caso
da infecção do homem pelo vírus rábico. Em doenças que não se constituem em
entidades mórbidas específicas, particularmente nas síndromes, as causas suficientes
não têm causa necessária, isto é, não possuem nenhum fator que esteja presente em
todas as circunstâncias diferentes de ocorrência da doença.
Na Epidemiologia analítica e em pesquisas etiológicas, relações entre variáveis
independentes ou explanatórias (fatores causais) e variáveis dependentes ou resposta
(doenças) devem ser pesquisadas, comparando-se frequências da doença em grupos
expostos e não expostos ou comparando exposições em grupos de doentes, e de não
doentes. Este princípio é também aplicado nos ensaios clínicos, que são outro tipo de
pesquisa epidemiológica e nos quais se avaliam diferentes cuidados à saúde, profiláticos
ou terapêuticos.
Variáveis resposta (doenças) e variáveis explanatórias (causas) podem estar
associadas ou não. Não existe associação quando a ocorrência simultânea das variáveis,
explanatória e resposta, não é significativamente diferente daquela devida ao acaso.
Nos casos de associação, esta pode ser positiva ou negativa, o que significa que a
ocorrência simultânea das variáveis explanatória e resposta tem frequência
significativamente maior ou menor que àquela devida ao acaso, respectivamente. A
associação positiva identifica fatores de risco para a doença, os quais podem ser
causais ou não. Na associação negativa são identificados possíveis fatores de proteção.
No Quadro 1 é apresentada a relação entre uma variáveis.
Quadro 1- Tipos de associação entre variáveis
Variável
resposta
(Doentes)
Variável
explanatória
presente
(Expostos)
Variável
explanatória
ausente (Não
expostos)
Associação
positiva (fator
de risco)
Associação
negativa (fator
de proteção)
Não associação ou
independência entre
variáveis
Sim
a
b
a-b>0
a-b<0
a-b=0
Não
c
d
F1-F2>0
F1-F2<0
F1-F2=0
Total
a+c
b+d
a/b>1
a/b<1
a/b=1
Sim (%)
F1=(a/a+c)x
100
F2=(b/b+d)x
100
F1/F2>1
F1/F2<1
F1/F2=1
F1 = proporção da doença em expostos; F2 = proporção da doença em não expostos.
As associações positivas com a doença apenas indicam a possibilidade de
relação causal, já que nem todas as associações deste tipo são causais. Por exemplo, se
determinado agente provocar em um indivíduo duas lesões diferentes e independentes
uma da outra, em certa doença, pode-se dizer que existe associação positiva e causal
entre cada lesão (variável resposta) e o agente (variável explanatória). Contudo, embora
haja associação positiva entre as duas variáveis resposta, não existe relação causal entre
ambas. A probabilidade de ocorrência de uma das lesões aumenta com a presença do
agente ou da outra lesão. Cada lesão é fator de risco não causal para a outra; já o agente
é fator de risco causal para cada lesão.
A suspeita de causalidade de uma associação positiva aumenta quando se
constatam as seguintes proposições:
1- É diferente a frequência da doença em duas circunstâncias diferentes, em que
em apenas uma delas determinado fator esteja presente. –Diferença.
2- O fator está presente em um número de circunstâncias diferentes nas quais a
doença ocorre. – Concordância.
3- A frequência ou a força de um fator variam constantemente com a frequência
da doença, em diferentes situações. – Variação concomitante.
4- Existe alguma doença de causa conhecida cujo padrão de ocorrência se
assemelhe ao da doença cuja causa se pesquisa. - Analogia
5- A exposição ao fator de risco antecede à ocorrência do efeito (doença) –
Relação temporal;
Muitas agentes de doença são passíveis de transferência de um hospedeiro para
outro. Esta transferência pode acontecer por contato direto, indireto ou através de
vetores. O contato direto faz-se de hospedeiro para hospedeiro e pressupõe a
transferência da causa de doença por aposição de tecidos (beijo, relação sexual,
amamentação); no contato indireto a causa da doença é transferida de um hospedeiro
para outro, através de um veículo que pode ser o ar, alimentos, água, objetos e utensílios
(fômites); vetores são animais invertebrados que podem simplesmente e de forma
mecânica proceder à transferência de agentes biológicos de doença (vetores
mecânicos), ou fazerem a transferência depois do agente biológico de doença ter
cumprido parte do seu ciclo neles (vetores biológicos). Quando a transmissão da
causa da doença se faz dentro da mesma geração (indivíduo para indivíduo) diz-se que é
horizontal e quando se faz de uma geração para a seguinte, por exemplo, de mãe para
filho, por via transplacentária ou transovariana, diz-se que é vertical.
Quando a fonte de infecção (vertebrado que alberga e elimina o agente
biológico de doença) e o hospedeiro susceptível ocupam o mesmo espaço e o material
contaminante que se transfere de um para o outro é de emissão recente, a transmissão
recebe o nome de contágio. Assim, doenças contagiosas são aquelas que se podem
propagar de um hospedeiro para outro quando ambos ocupam o mesmo espaço e o
material contaminante é de emissão recente.
Bibliografia
1. FORATTINI, Oswaldo Paulo. Epidemiologia Geral. 2ª Ed. Depto de Epidemiologia:
Faculdade de Saúde Pública – USP. Editora Artes Médicas, 1996.
2. LESER, Walter. et al. Elementos de Epidemiologia Geral. São Paulo – Rio de Janeiro
– Belo Horizonte: Editora Atheneu, 1997.
3. SAÚDE, Ministério da. Estudos Epidemiológicos. Ed. Única. Fundação Nacional da
Saúde – Vigilância Epidemiológica. Agosto/2000
4. PEREIRA, Mauricío Gomes. Epidemiologia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan S.A.,2001.
5. ROUQUAYROL, Maria Zélia. et al. Epidemiologia e Saúde. 5ª Ed. Rio de Janeiro:
Editora Medsi, 1999.
6. JEKEL, James F. et al. Epidemiologia, Bioestatística e Medicina Preventiva. 1ª Ed.
Porto Alegre: Editora Artmed S.A., 2002.
7. TOMA, Bernard et al. Epidemiologia Aplicada à luta contra as principais doenças
animais transmissíveis (tradução) Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
8. THRUSFIELD, Michael. Epidemiologia Veterinária. 2ª Ed. São Paulo. Editora
Rocha LTDA, 2004.
Download