Dissertacao Valeria F Izar D da Costa

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VALÉRIA DE FÁTIMA IZAR DOMINGUES DA COSTA
UM PARALELO SOBRE A APOSENTADORIA, POR IDADE,
DOS TRABALHADORES: URBANO E RURAL.
Curso de pós-graduação stricto sensu (mestrado) em Direito, na área de
concentração de Direito Previdenciário.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC
São Paulo
2005
VALÉRIA DE FÁTIMA IZAR DOMINGUES DA COSTA
UM PARALELO SOBRE A APOSENTADORIA, POR IDADE,
DOS TRABALHADORES: URBANO E RURAL.
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito, na área de concentração de
Direito Previdenciário, sob a orientação do
Prof. Doutor Wagner Balera.
São Paulo
2005
_____________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
_____________________________________São Paulo, 31 de março de 2005.
Valéria de Fátima Izar Domingues da Costa
“Veri
juris
germanaeque
justitiae
solidam
et
expressam effigiem nullam tenemus; umbra et
imaginibus utimur”. (Cícero, De offic. III, 17)
DEDICATÓRIA
Aos ex e futuros alunos, para que amem o Direito e pratiquem a Justiça.
Ao Dr. Eustásio de Oliveira Ferraz, pelo amor ao magistério.
AGRADECIMENTOS
Ao orientador Prof. Dr. Wagner Balera;
Às amigas: Michelle Trevisi de Araújo, Dra. Noemi Martins de Oliveira, Cristiane
D’Alessio Foroni;
Ao estagiário: Mário Frattini;
Aos professores revisores da monografia: José Zilvan Vidal da Silva e Afife S. S.
Fazzano.
Sem eles, a realização deste trabalho não seria possível.
À minha família, pela paciência e tolerância nesses anos, quando minha presença
lhe foi diminuta.
RESUMO
Objetiva o presente trabalho examinar a aposentadoria por idade dos
trabalhadores urbano e rural, fazendo-se um comparativo entre aqueles que
contribuem para com a Previdência Social e o trabalhador rural que não verte
contribuição. A opção pelo assunto resultou da constatação de que, não obstante a
Magna Carta de 1988 enumerar, como princípio, a equiparação entre urbanos e rurais,
tal fato, até o presente, não se observa, razão porque se justifica a escolha do tema,
i.e., alertar para a desigualdade que se apresenta. A hipótese central desta monografia
consiste na suposição de que o legislador constituinte pretende manter a dignidade da
pessoa humana, concedendo benefícios aos idosos, sejam eles trabalhadores urbanos
ou rurais, porém permite tratamento diferenciado entre estes segurados (urbanos e
rurais) e entre os idosos e os inválidos, como demonstram as Leis: 8.213/91 e
10.666/03, o que ora é isonômico, ora não. Com relação aos aspectos teóricometodológicos, pauta-se, principalmente, no conjunto de princípios constitucionais que
informam a Seguridade Social Brasileira. A pesquisa desenvolvida é exclusivamente
teórica, tendo sido empregado o método sistemático para o estudo do objeto de
pesquisa. Como resultado, concluiu-se que há a necessidade premente de que se
modifique a legislação, classificando o trabalhador rural que não verte contribuições
para a Previdência Social como empregado ou trabalhador avulso; aos benefícios por
incapacidade seja dado o mesmo tratamento dispensado pela Lei 10.666/03 às outras
aposentações e que se acatem os princípios constitucionais previdenciários na
concessão de benefícios, a fim de que a desigualdade não impere, fazendo com que
seja respeitada a dignidade da pessoa humana e a isonomia transpareça.
ABSTRACT
The goal of this current research work is to study retirement by age of
urban and rural workers, comparing those who contribute to Social Security to the rural
workers who do not pay any contribution. The choice for this subject was due to the
finding that, in spite of the Constitution of 1988 specify, as principle, the equation
between urban and rural workers, this fact, up to the current time, is not seen in
practice. Then, this is the reason why this topic was selected to be studied, i.e., calling
the attention to the disparity that is seen in our country nowadays. The central
hypothesis of this research study is based on the supposition that the representative
legislators intend to keep the dignity of the human being, giving benefits to the elderly,
whether urban or rural workers, however it allows for a distinguished treatment between
the insured urban and rural workers and between the elderly and the disabled ones, as
it is shown on Laws: 8.213/91 and 10.666/03, being sometimes the same and
sometimes not. As for the theoretical-methodological aspects, it is ruled, mainly, on the
set of constitutional principles that establish the Brazilian Social Security. This research
work is mainly a theoretical study, being the systematic method applied to the studied
subject. As a result, it was concluded that there is an urgent need for modifying the
legislation, classifying the rural workers who do not contribute to Social Security as an
employee or occasional worker; giving the same treatment to the benefits by incapacity
as the treatment that is given by Law 10.666/03 to other retirement types; enforcing the
social security constitutional principles when providing benefits, in order to extinguish
social disparity, respecting the dignity.
Sumário
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 9
2 DO RISCO SOCIAL ........................................................................................................................... 12
3 DA SEGURIDADE SOCIAL............................................................................................................... 17
3.1 CONCEITO ..................................................................................................................................... 17
3.2 HISTÓRICO .................................................................................................................................... 21
4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS .................................................................... 34
5 DA PREVIDÊNCIA SOCIAL .............................................................................................................. 51
5.1 DA NORMA JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA............................................................................................ 59
6 DA APOSENTADORIA POR IDADE ................................................................................................ 68
6.1 BREVE HISTÓRICO DA APOSENTADORIA POR IDADE ......................................................................... 71
6.2 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA ............................................................................................................... 76
6.2.1 Critério material ................................................................................................................... 87
6.2.2 Critério espacial ................................................................................................................... 88
6.2.3 Critério temporal .................................................................................................................. 89
6.3 O CONSEQÜENTE DA REGRA-MATRIZ DA APOSENTADORIA POR IDADE ............................................. 90
6.3.1 Critério pessoal.................................................................................................................... 90
6.3.2 Critério quantitativo.............................................................................................................. 92
7 NASCIMENTO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE ....................... 97
7.1 DO NASCIMENTO ........................................................................................................................... 97
7.2 DA SUSPENSÃO ........................................................................................................................... 103
7.3 DA EXTINÇÃO .............................................................................................................................. 105
8 DAS ESPÉCIES DE APOSENTADORIA POR IDADE................................................................... 110
8.1 APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR URBANO .............................................................. 110
8.2 APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR RURAL COM CONTRIBUIÇÃO .................................. 113
8.3 APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR RURAL SEM CONTRIBUIÇÃO .................................. 115
9 UM PARALELO ENTRE AS APOSENTADORIAS POR IDADE DO TRABALHADOR URBANO E
RURAL - O TRATAMENTO DIFERENCIADO ................................................................................... 120
10 O TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE APOSENTADORIAS: POR IDADE E POR
INVALIDEZ.......................................................................................................................................... 136
11 DA REGRA-MATRIZ DA APOSENTADORIA POR IDADE ......................................................... 144
12 CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 146
13 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 149
UM PARALELO SOBRE A APOSENTADORIA, POR IDADE, DOS
TRABALHADORES: URBANO E RURAL.
1 INTRODUÇÃO
Imperioso demonstrar-se que a aparição do seguro social obrigatório
surgiu por meio de experiências aproveitadas das fraternidades e socorros mútuos, o
que se verá no histórico.
A idéia de seguro social se baseia no desejo dos homens de um pouco
de segurança contra as vicissitudes do dia-a-dia, sendo impreterível garantir-lhes
proteção contra os riscos comuns da vida.
O seguro social no Brasil está ligado à percepção de salário, donde se
extraem as contribuições, embora eventualmente, alguém possa ser segurado, não
sendo trabalhador, isto é, o segurado facultativo ou aquele que não aufere
remuneração que lhe seja tributada, em virtude da incompetência governamental, no
que diz respeito à sua cobrança efetiva (ex: trabalhador rural). Seu objetivo é o de
garantir o ganho, é uma substituição ao salário do trabalhador, quando determinados
riscos se apresentam, tolhendo-lhe a capacidade de exercer seu mister e auferir o
montante que, habitualmente, conseguia no exercício de uma atividade profissional.
É a garantia dos meios de subsistência.
Quando se refere ao risco social, considera-se como típico apenas do
indivíduo que trabalha e que possui, como únicos bens, os proventos de sua
atividade; o risco é dado como um fenômeno intrínseco ao trabalho assalariado, com
a exceção do trabalhador rural que não efetua recolhimentos, mas cujo benefício
será extinto no ano de 2006, o que não se coaduna com os princípios constitucionais
norteadores, onde se deseja o bem comum, pois o risco ameaça toda a sociedade.
O homem deve ser protegido, porque é um cidadão, está em
comunidade. É inadmissível a existência de pessoas que vivem à margem da
sociedade, onde não são satisfeitas suas necessidades mínimas.
Para a mantença do mínimo aceitável, é crucial que o corpo social
ceda parte de sua renda, para alcançar a todos, a fim de que se consiga cobrir o
máximo de evento possível.
10
Pelo princípio da solidariedade humana, todos devem ter assegurados
os meios essenciais à vida, um padrão mínimo de bem-estar, quando o perigo se
avizinha.
Assim, o presente estudo inicia-se com uma visão da Seguridade
Social e os princípios constitucionais que a cercam. Objetiva analisar a relação
jurídico-previdenciária de implemento da aposentadoria por idade no regime geral de
previdência brasileiro, sob a luz dos Princípios Constitucionais e legislação atual.
O benefício será estudado mediante a estrutura lógica da norma
jurídica, observados os seus elementos e critérios (material, especial e temporal),
bem como o conseqüente (critérios subjetivo e quantitativo).
Far-se-á uma comparação entre as espécies de aposentadoria por
idade do trabalhador urbano, rural (com contribuição) e rural (sem contribuição).
Pretende-se entender se a aposentação rural sem contribuição é um
benefício previdenciário que atende aos princípios elencados na Carta Maior, tais
como: da solidariedade, da fonte do custeio, da igualdade entre os trabalhadores
urbanos e rurais, da seletividade e distributividade etc.
Imperioso
compreender-se
se
o
trabalhador
rural,
chamado,
comumente, de “bóia fria”, pode ser inserido no regime geral de previdência social,
contribuindo com parte de sua renda, e se existem meios eficazes de impor-se
àquele que contrata esses trabalhadores a obrigação de efetuar o recolhimento da
contribuição à seguridade social.
Em tópico avançado, a crítica que sobrevém com o tratamento
diferenciado entre as espécies de aposentadoria por idade e por invalidez, porque o
risco social ameaça, igualmente, o indivíduo e a sociedade, ou mais esta do que
aquele.
Observar, ainda, o que dispõe a Lei 10.666/03 sobre a perda da
qualidade de segurado no tocante às aposentadorias: por idade, especial e por
tempo de contribuição, em descaso à aposentadoria por invalidez, mais uma vez,
desprezando o cidadão, que se vê na contingência da impossibilidade de manter-se,
posto que não reúne condições físicas ou psíquicas para o trabalho.
O que se pretende é concluir se o tratamento (des)igual entre as
aposentadorias atende os princípios constitucionais abaixo elencados, seja com
relação à diferenciação entre as espécies de aposentadorias por idade: urbana, rural
11
(contribuinte) e rural (sem contribuição); ou entre estas e a aposentadoria por
invalidez.
12
2 DO RISCO SOCIAL
No Brasil, o seguro social se destina a prover a incapacidade dos
trabalhadores, haja vista sua pouca educação, o que favorece o baixo padrão de
seus salários e faz com que não consigam atender as necessidades geradas pelas
contingências da vida em sociedade.
O seguro social está ligado ao salário e esse é seu maior problema.
Seu objetivo é o de assegurar uma substituição ao salário do trabalhador, quando
determinados motivos o incapacitam, para auferir ganho no exercício de uma
atividade profissional. É a garantia dos meios de subsistência daquele que contribui
para o sistema assecuratório.
Salvo raras exceções, como, por exemplo, a aposentadoria por idade
ou por invalidez do trabalhador rural que não contribui para os cofres públicos, o
indivíduo aufere benefício previdenciário relacionado com sua vida contributiva.
Essa restrição, de substituir o ganho do trabalhador, retira da
seguridade social seu caráter universal, deixando-a incapaz de resolver os
problemas que nascem em sociedade, posto que restam ao desalento aqueles que
não podem fazer parte da massa de trabalhadores/contribuintes, a exemplo dos
trabalhadores rurais costumeiramente chamados de “bóias frias”.
O risco social é o perigo a que fica exposta a coletividade diante da
possibilidade de qualquer de seus membros ficar privado dos meios essenciais à
vida.
E esse mesmo risco social, hoje, se individualiza como típico apenas
do indivíduo que trabalha e que possui, como únicos bens, os proventos de sua
atividade. O risco é dado como um fenômeno intrínseco ao trabalho assalariado, o
que não se afigura correto.
Armando de Oliveira Assis1 defende ser o risco socializado, uma vez
que ameaça, igualmente, o indivíduo e a sociedade; ou mais esta do que aquele. O
homem deve ser protegido, não porque é um trabalhador, mas pelo simples fato de
ser um cidadão, de conviver em sociedade.
Não há uma definição perfeita e acabada de seguro social e muito
menos uma de risco social. Dentre outras legislações, a Declaração de Santiago do
1
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma moderna concepção de risco social. Revista de Direito Social,
Porto Alegre, NotaDez, n.º 14, p.150-173, 2004.
13
Chile, que proclamou uma política de seguridade social destinada a aumentar a
possibilidade de emprego, incrementar a produção e a renda, melhorar a saúde,
alimentação, vestuário e educação geral e profissional dos trabalhadores e suas
famílias visou apenas aqueles e sua prole, vedando o alcance da seguridade social
à parte da sociedade economicamente fraca.
Atualmente, individualiza-se o risco, que é representado pela eventual
impossibilidade de o trabalhador auferir seu salário, e a cobertura se estende tão
somente ao indivíduo que trabalha e que possui, como únicos bens, os proventos de
sua atividade. O risco é dado como um fenômeno intrínseco ao trabalho assalariado.
Porém não é esse o ideal do bem-estar social. O risco é de toda a
comunidade, ameaça, igualmente, o indivíduo e a sociedade. Como dito
anteriormente, o homem deve ser protegido não porque é um trabalhador, mas pelo
simples fato de ser um cidadão, de conviver em sociedade.
E, como Armando de Oliveira Assis 2 descreve, os males individuais
devem ser tratados pela sociedade como focos de infecção, para que a consciência
social repute intolerável a existência de pessoas que não tenham satisfeitas suas
necessidades básicas. Não se deve tratar mais do “seguro da necessidade”, mas do
“seguro do necessário”.
O autor opõe-se ao emprego da expressão no plural: “riscos sociais”.
Alega que não se deve sustentar que qualquer das eventualidades inerentes à vida
humana só adquira o porte de “risco social”, quando atinja uma pessoa
economicamente fraca. O risco social é o perigo a que fica exposta a coletividade
diante da possibilidade de qualquer de seus membros ficar privado dos meios
essenciais à vida. Ao seguro social cabe o encargo de velar pelos “riscos sociais”, a
fração social dos riscos inerentes à vida humana, atribuindo-se ao seguro privado a
tarefa de cobrir riscos pessoais ou representados por interesses particularizados.
É fato que a seguridade social não pode assumir, aleatoriamente,
todos os riscos e todas as pessoas, todavia deve atentar para aqueles que dispõem
de menos recursos, que são os que reclamam maior dose de cobertura da
seguridade social. E, neste conceito, insere-se o trabalhador rural que vive
unicamente do que produz no campo, como o segurado especial que trabalha em
2
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma moderna concepção de risco social. Revista de Direito Social,
Porto Alegre, NotaDez, n.º 14, p. 150-173, 2004.
14
núcleo familiar ou aquele que presta serviços a diversos empregadores, sem,
contudo, criar vínculo com nenhum deles.
Desde Otto Von Bismarck, tenta-se reconhecer o dever social que a
sociedade tem de libertar o homem das necessidades existenciais e firmar quais
devem ser os beneficiários da seguridade social, ou seja, não apenas os
empregados, porém toda a população necessitada.
Francisco de Ferrari3 informa que:
La Idea del riesgo será reemplazada por las ideas de la carga social
y de los estados de necesidad, el titular de la prestación será el
hombre, y no solamente el trabajador; el nuevo sistema se fundará
en el principio político de la responsabilidad colectiva, y no en la idea
civilista de la culpa que todavía subsiste oculta en los seguros
sociales. Institucionalmente, la previsión colectiva tomará
definitivamente la forma de un servicio público, su objetivo no será
más capitalizar sino repartir, y su plan más ambicioso consistirá
algún día en manejar todos los recursos de la nación para amparar a
todos los miembros desamparados de la comunidad.
O risco social deve ser visto como um mal que, atingindo um indivíduo,
agride toda a sociedade, pois o ser humano é o objetivo da comunidade e esta deve
cuidar, para que ele tenha um mínimo de segurança social, um mínimo que garanta
sua sobrevivência digna.
Salvo raríssimas exceções já noticiadas, a Previdência Social se
destina aos que exercem emprego remunerado e seus benefícios são condicionados
ao valor do salário de cada um. É crucial que cada participante seja atendido por
ocasião de um evento danoso, segundo suas contribuições pessoais, dentro do
limite máximo permitido. Com efeito, deve-se manter o nível de vida do segurado até
certo ponto, acima do qual as necessidades são deixadas a cargo da iniciativa
individual.
Entretanto, num país como o Brasil, sempre existem cidadãos que
estão aquém das necessidades mínimas da vida, porque os salários são ínfimos ou
as prestações não são capazes de proporcionar-lhes o padrão mínimo de bem-estar.
O que se deve pretender é assegurar a todos, sem distinção e quando
necessário, os meios essenciais à vida, um mínimo que afaste o risco social, ou
seja, uma fração maior deverá ser buscada na previdência privada.
3
FERRARI, Francisco de. Los principios de la seguridad social. 2.ed Buenos Aires: Depalma, 1972. p. 133.
15
Armando de Oliveira Assis 4 afirma que é “necessário um sistema
financeiro que permita proteger a população contra as conseqüências da ocorrência
dos riscos e também a base do planejamento organizado para criar meios e
facilidades para combater os riscos”.
Mattia Persiani
5
vislumbrou que, mesmo sob a ótica de uma
solidariedade restrita a fornecedores e prestadores de trabalho, se notava, contudo,
a exigência de garantir a efetividade da tutela previdenciária sem o recolhimento da
contribuição, já que, segundo os princípios constitucionais, o título que dá direito aos
benefícios previdenciários reside somente no fato de ser cidadão; e os níveis desses
benefícios, destinados a assegurar aos cidadãos que são ou foram também
trabalhadores - “meios adequados às exigências da vida” - devem ser determinados
apenas em função das escolhas políticas que inspiram o legislador na valoração e
na individualização das exigências de libertação da necessidade, as quais se trata
de satisfazer.
É fato que a participação de todos no custeio, sem exceção, seria mais
consentânea com o objetivo da seguridade social e, em conseqüência disso, as
prestações seriam outorgadas igualmente a todos, porquanto há riscos que são
imprevisíveis, por exemplo, a invalidez, que certamente deixam o beneficiário sem
sua força de trabalho, impingindo à seguridade a satisfação de suas necessidades
básicas. Entretanto, existem indivíduos que vivem à margem da sociedade, sem
condição alguma de participar do custeio do sistema, estando em constante risco de
perder sua força de trabalho, seu ganho habitual, quer por uma contingência
inesperada (doença, desemprego etc) quer pela natural velhice. O risco que advém
ofende toda a sociedade, causando-lhe um mal que a comunidade precisa extirpar.
Celso Barroso Leite6 afirma que:
As necessidades essenciais de cada indivíduo, a que a sociedade
deve atender, tornam-se na realidade necessidades sociais, pois
quando não são atendidas repercutem sobre os demais indivíduos e
sobre a sociedade inteira.
4
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma moderna concepção de risco social. Revista de Direito Social,
Porto Alegre,NotaDez, n.º 14, p. 150-173, 2004.
5
PERSIANI, Mattia. Diritto della Previdenza sociale. Padova: CEDAM, 2002.
6
LEITE, Celso Barroso. Conceito de seguridade social. In: BALERA, Wagner. (Coord) Curso de Direito
Previdenciário. Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5.ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 13-35.
16
Desse modo, a nova concepção de risco social entendida por Armando
de Oliveira Assis, onde toda a sociedade é responsável pela ameaça à saúde da
coletividade, deve basear-se no pacto social, mediante o qual o Estado deve garantir
aquele mínimo de bem-estar aos mais necessitados, posto que compreendendo e
aplicando esse novo conceito, a humanidade alcançará um meio mais aperfeiçoado
e superior de manifestação de seus sentimentos e virtudes, que significará, por sua
vez, aprimoramento dessas mesmas virtudes, estabelecendo-se a convivência
humana na mais perfeita harmonia e solidariedade um tanto apurada.7
7
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma moderna concepção de risco social. Revista de Direito Social,
Porto Alegre, NotaDez, n.º 14, p. 150-173, 2004.
17
3 DA SEGURIDADE SOCIAL
3.1 Conceito
Maria de Los Santos Alonso Ligero8 ensina que a sociedade está em
evolução e sofre as dificuldades dessa transformação. Afirma que a política deve irse adaptando a essa evolução constante e deve realizar-se de acordo com as
realidades de cada país.
Entende que é difícil dar uma definição do que é Seguridade Social,
posto que o conceito de seguridade social é um conceito “proteiforme”, definido de
forma variável, segundo as perspectivas, finalidades e métodos a serem
considerados.
Para a autora, a Seguridade Social detém duas concepções:
comutativa e distributiva.
O conceito de seguridade social comutativa é o que destaca as
primeiras legislações, e se encontra nos sistemas que se inspiraram no seguro
privado, ligado ao exercício de uma atividade assalariada.
Para a seguridade social distributiva, o fundamento do direito da
própria seguridade social não se embasa no exercício de uma atividade profissional
e no aporte de cada indivíduo para com a sociedade, mas se encontra nas suas
necessidades, levando em conta a existência de uma solidariedade natural entre os
membros da mesma coletividade.
A
idéia
de
solidariedade
vai-se
infiltrando,
afirmando
as
responsabilidades de toda a sociedade, que deve garantir a seus membros um
mínimo social.
A relação entre prestação de trabalho e prestação em espécies perdeu
seu valor. A Seguridade Social se converte em um direito do cidadão como tal. A
comunidade garante uma renda mínima, não sobre o que se aufere do trabalho, mas
a título de participação geral, de bem-estar.
Reconhece-se que há de se avançar muito ao longo da história, para
que a proteção social se converta em um direito da pessoa humana. Todavia, está
8
ALONSO LIGERO, Maria de los Santos. Los servicios sociales y la seguridad social. Revista Iberoamericana
de Seguridade Social. Madrid, v. 6, nov/dez, p. 1493-1509, 1971.
18
cada vez mais nítido que não é a condição de emprego a que deve formar a base
das prestações da Seguridade Social, e, sim, a condição humana simplesmente.
O de que se precisa é que o Estado seja, realmente, a expressão da
coletividade constituída. Não existe sociedade sem a reunião dos sujeitos com
propósitos definidos, sendo o Estado a sua representação.
Como preleciona Armando de Oliveira Assis9,
a garantia que o indivíduo recebe é a resultante da soma de tantas
parcelas quantos os demais membros do mesmo agrupamento, em
contrapartida, todo indivíduo está na obrigação de dar sua
contribuição para a efetivação dessa garantia, portanto, deveres do
indivíduo para com a sociedade.
Afirma o autor que a humanidade deverá marchar na construção de um
Estado que seja, de fato, a expressão da coletividade constituída.
A sociedade é ou deverá ser um instrumento adequado a proporcionar
ao indivíduo a satisfação de certas aspirações naturais, é o clima que lhe permite a
integração de umas tantas virtudes pessoais. Ela não existiria se não houvesse a
reunião dos indivíduos com propósitos definidos.
As satisfações das necessidades pessoais se efetivam à custa da
cessão por parte dos demais membros da comunidade, de uma dada fração de seus
respectivos interesses, isto é, de suas cotas para a composição de um bem comum.
Se o indivíduo é uma parte constitutiva da sociedade e se esta é
resultante da congregação de indivíduos claro que um não poderia viver, como se
desconhecesse o outro, como se a outra parte lhe fosse adversa, de modo que
qualquer coisa que causasse dano a um repercutiria sobre o outro. O dano ao
indivíduo acarreta o enfraquecimento da sociedade, razão por que, deve esta velar
pela segurança de seus componentes e satisfazer suas necessidades eventuais, por
dois motivos: como um gesto de auto-sobrevivência e pelos deveres precípuos que
lhe tocam.
Para Gustavo Arce Cano10, o seguro social é um direito, não caridade,
como se fazia supor nos primórdios, com o assistencialismo.
No son caridad, no son limosna, que otorgaba la beneficencia, pues
así como los empresarios consideran en sus cuentas un tanto por
ciento para la amortización de útiles, edificios, etc., es justo que
9
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma moderna concepção de risco social. Revista de Direito Social,
Porto Alegre, NotaDez, n.º 14, p. 150-173, 2004.
10
ARCE CANO, Gustavo. De los seguros sociales a la seguridad social. México: Porrua, 1972. p. 33.
19
prevean otro tanto para reparar la perdida de fuerzas y vidas
humanas, su disminución y, por último, su inutilidad en las
negociaciones, ya que es un derecho del hombre proteger su
existencia. Por ello ellos pagan las cuotas.
Assim também reconhece Wagner Balera 11 : “a seguridade é direito
social. Cada prestação, de conformidade com os mandamentos constitucionais,
pode ser exigida pelo necessitado. E o sistema de seguridade social concentra
‘créditos do indivíduo sobre a sociedade’”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “toda
pessoa tem direito a que se lhe assegure a saúde e bem-estar, e, para tanto, os
meios de subsistências perdidos por causas independentes de sua vontade, a
previdência social, assistência médica e os serviços sociais necessários”.
A seguridade social tem por objetivo abolir o estado de necessidade. E
deve ser, mais, como se informou acima: “o seguro do necessário”.
Para Mattia Persiani12, a idéia de seguridade social corresponde a um
sistema complexo que visa a realizar o fim público de servir ao cidadão que está em
estado de risco.
All’idea della sicurezza sociale corrisponde, dunque, essenzialmente
quel sistema complesso attraverso il qual ela pubblica
amministrrazione o altri enti pubblici realizzano il fine pubblico della
solidarietà com l’erogazione di beni, in danaro o natura, e di servizi
ai cittadini che si trovano in condizioni di bisogno.
A seguridade social é um princípio ético-social e deve concretizar a
solidariedade humana, pois seu escopo é a libertação do homem da indigência e da
miséria 13 ; pretende garantir aquele mínimo pessoal, quando há ameaça a cada
indivíduo e, portanto, a toda a coletividade.
Para o Professor Wagner Balera14, seguridade, no Brasil, é “o conjunto
de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e coletivos
concernentes à saúde, à previdência e à assistência social.”
11
BALERA, Wagner. Da proteção social à família. Revista do Instituto dos Advogados. São Paulo, ano 4, n. 7,
jaqn/jun, 2001, p. 221.
12
PERSIANI, Mattia. Diritto della previdenza sociale. 5. ed. Padova: CEDAM, 1992. p. 26.
13
MAZZONI, G. Existe um Conceito Jurídico de Seguridade Social? Traduzido da Revista I Problemi della
Sicurezza Sociale, n.º 02, mar-abr, 1967, para a Revista Internacional de Seguridad Social, v. 48, Asociación
Internacional de la Seguridad Social, Genebra, 1995.
14
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 72.
20
A Constituição Federal Brasileira de 1988 a disciplinou no Capítulo II
do título VIII (Da Ordem Social) e enunciou o objetivo da ordem social: o bem-estar e
a justiça sociais.
Informou, ademais, que a seguridade social compreende um conjunto
de ações dos Poderes Públicos e de toda a sociedade, tendentes a assegurar
direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. Destacam-se, dessa
conceituação, três áreas de atuação: a saúde, a previdência e a assistência social.
Para viabilizar os direitos enunciados, deu relevo à base de
financiamento, anunciando que empregados, empregadores, trabalhadores, Estado,
enfim, todos estão convocados a financiar tais direitos.
Cumpre salientar-se que a saúde e a assistência social não são
contributivas, porquanto se destinam àqueles que delas precisam. Ao invés, a
previdência social tem esse caráter.
Salvo
raríssimas
exceções,
os
benefícios
previdenciários
são
destinados àqueles que contribuem para o sistema e, dessa participação, podem
tirar seus benefícios, em caso de adentrarem algum risco social.
Dessa forma, saúde é um direito de todos, de modo que a ela o
indivíduo deve ter acesso. A assistência é para aquele que dela necessitar, de
maneira que aquele que for reconhecido nesse estado deverá ser amparado,
independentemente de contribuição. Já a previdência impõe sua organização por
meio de um regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, onde aquele
que trabalha contribui para a manutenção do sistema.
O caráter contributivo da previdência seleciona parte da comunidade.
Dessa feita, só terão acesso a ela aqueles que a ela se filiarem e com ela
contribuírem, o que retirará de grande parte da população a cobertura necessária ao
risco social que se avizinha.
Como todo o exposto acima, é dever do Estado garantir um mínimo de
sobrevivência digna a alcançar-se o bem-estar social.
Como afirma Armando de Oliveira Assis 15 , o homem deve ser
protegido, pelo simples fato de ser um cidadão, de conviver em sociedade.
A seguridade social, por intermédio do Estado, deve atentar para as
necessidades básicas dos indivíduos, e não deixar que o risco social que se
15
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma moderna concepção de risco social. Revista de Direito Social.
Porto Alegre, NotaDez. n. 14, p. 150-173, 2004.
21
estabelece para algum cidadão seja desprezado, uma vez que, assim, estará
violando os princípios que a Constituição Federal priorizou e que serão expostos
abaixo.
3.2 Histórico
Como mencionado antes, a seguridade social deve atentar para os
desequilíbrios sociais, objetivando saná-los mediante uma política que proteja os
necessitados, seja pela previdência social, seja pela saúde ou assistência social.
A saúde é dever do Estado e direito de todos, independente de se
contribuir ou não para o sistema.
A Assistência Social é destinada àquele que dela necessitar, é uma
escolha que o Estado faz. Não é devida a todos, mas àqueles que se encontram em
estado de extrema necessidade, como, por exemplo, o benefício ao idoso, cuja fonte
de renda não ultrapassa ¼ de salário mínimo (renda per capita familiar).
Com relação à Previdência Social, seus elementos históricos estão
ligados à poupança e à caridade, nascendo da necessidade de se assegurar o
futuro. Mas vai além, resulta de um sentimento caritativo de solidariedade, que se
manifesta na assistência aos necessitados.16 Não se deve deixar de ter em mente
que a Previdência não é apenas captação de reservas mas também deve ter, como
sustentáculo, o sentimento universal de solidariedade entre os homens.
A problemática social nada mais é do que a denúncia dos
desequilíbrios sociais, que geram insegurança na sociedade.
A Seguridade Social nasceu, tecnicamente, da conjugação da
presença do Estado (obrigatoriedade) com as idéias atuariais do seguro privado e
dos mecanismos do mutualismo profissional.17
A Seguridade Social tem seu início no assistencialismo executado
pelos particulares, passando pelo mutualismo, daí entendendo-se como previdência
social, para, depois, se tornar esse complexo que pretende abraçar os três pilares:
Previdência e Assistência Sociais e Saúde.
16
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 2.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2003. Tomo II –
Previdência Social, p. 59.
17
22
Wladimir Novaes Martinez 18 explica que o desenvolvimento das
técnicas de proteção, com vistas à consolidação da previdência social, se divide em
dois grandes períodos: pré-história, dos primórdios até 1883; e história, após Otto
Von Bismarck, sendo que esses períodos não são estanques, posto que, às vezes,
se sobrepõem, prevalecendo uns sobre os outros.
Entende o autor que não é a história da previdência social, porque
esta, como concebida modernamente, se conta da segunda metade do século XIX,
mas, sim, manifestações religiosas e profissionais praticadas por associações,
corporações, irmandades etc., em cooperação mútua. São embriões da assistência
pública e religiosa, são precedentes da atual assistência social.
Ousa-se analisar de um modo um pouco diverso. A Seguridade Social
é o arcabouço que compreende a assistência e a previdência sociais e a saúde. Seu
início se deve à evolução dos homens e com ela caminha. Não se trata de entendêla já acabada, de forma a manter os três níveis de proteção totalmente estanques,
mas de sua trajetória histórica.
Seu desenvolvimento se deu de forma lenta, com as necessidades da
própria comunidade e com a evolução do Estado, que ora se impôs absolutista, isto
é, atuava em toda a sociedade, o que a revolução francesa tratou de coibir, ora
objetivando controlar o Estado, restringir sua atuação ao mínimo necessário para a
manutenção da ordem, a fim de que não representasse ameaça aos cidadãos, ou
seja, abstencionista, quando se entendia que o Estado deveria abster-se de
qualquer atividade, somente assegurar a ordem, sendo que as demais coisas
ficavam a cargo do indivíduo, o que a história demonstrou não ter sido acertado,
porquanto o capitalismo se sobrepôs ao homem, aprofundando as desigualdades,
impingindo um novo modo de se vivenciar.
Compreendeu-se que o Estado não intervencionista não possibilitava a
concessão do mínimo necessário à dignidade da pessoa humana, a grande parte da
população.19
18
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2003. Tomo II –
Previdência Social. p. 58.
19
GOULART, Karine Borges. Direitos fundamentais de segunda geração – direitos sociais, econômicos e
culturais. Revista da Procuradoria Geral do INSS, Brasília, v. 8, n. 1, p. 124-141, abr/jun, 2001.
23
O Estado teve que participar e proteger a sociedade, transformando-se
em estado social. Surgiu, então, uma nova geração de direitos, que passaram a ser
reivindicados a partir da tomada de consciência de que a igualdade formal não
gerava sua efetividade.
Karine
Borges
Goulart,
entende
que
o
Estado
assume
sua
responsabilidade como compensador e implementador das condições materiais
indispensáveis ao exercício da dignidade da pessoa humana.
Espera-se que a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde
estejam unidas, para que o indivíduo tenha um mínimo que lhe garanta uma vida
digna.
Diuturnamente, as esferas se misturam, como, por exemplo, quando o
indivíduo sofre um acidente e necessita de próteses que serão implantadas pela
Previdência Social, e não pela saúde etc.
Portanto, entende-se que a classificação adotada pelo Professor
Wladimir Novaes Martinez faz parte, sim, da história da Seguridade Social e, se não
traduz, hoje, a previdência social, lhe deixa o germe do princípio da solidariedade, da
igualdade, da proteção social, pois, no atual século, se está incorporando a idéia de
seguridade, de um direito que tem o homem a certas garantias mínimas de vida
digna, capaz de dar um novo sentido às relações humanas.20
Consoante Manoel Sebastião Soares Povoas
21
, a evolução da
Previdência Social se fez filosoficamente, na sociedade industrial, até fins do século
XIX.
A revolução mercantilista e a industrial foram marcos dessa evolução
em termo de bem-estar. Os Estados tiveram que abandonar sua posição liberal e
decidir a questão social, quando as correntes socialistas ameaçaram solapar o
capitalismo.
Afirma o autor que o direito à assistência social foi o germe filosófico da
reconquista da dignidade humana e que, mobilizando a solidariedade das gerações,
se foi expandindo para toda a comunidade internacional, traduzindo, hoje, o direito à
garantia a um nível mínimo de subsistência, que dá a forma de todos os sistemas de
previdência social.
20
FERRARI, Francisco de. Los principios de la seguridad social. Buenos Aires: Depalma, 1972. p. 94.
PÓVOAS, Manuel S. Soares. Previdência Privada: Filosofia, Fundamentos Técnicos e Conceituação
Jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros, 1985. p. 3-23.
21
24
A filosofia do bem-estar percorreu grande caminho, mas não conseguiu
as necessárias estruturas sócio-econômicas para a satisfação do indivíduo, o que
levou a uma nova consciência do bem-estar coletivo.
Foi com a revolução francesa que o homem começou a equacionar e a
lutar por seus direitos.
O Estado Assistencial é um produto dessa época, mas não foi um
produto
definido,
como
sendo
uma
assistência
social.
Historicamente,
a
transformação do Estado Liberal em Estado Assistencial foi longa e com muito
esforço intelectual, na medida em que as idéias mais simples e de mais fácil
apreensão eram assumidas, aos poucos, pelo Estado, passando a cuidar da
proteção social da população, indo de encontro à realidade econômica da nação.
Na verdade, o assistencialismo teve seu marco por meio da
previdência privada, que, para Ernesto José Pereira dos Reis22, ocorreu no Brasil, no
século XVI, em 1543, quando Brás Cubas fundou a Santa Casa de Misericórdia, em
Santos/SP, e, na mesma época, criou um plano de pensão para os seus
empregados, o qual foi estendido, também, às Santas Casas de Salvador/BA e Rio
de Janeiro/RJ, assim como às Ordens Terceiras.
Eram sociedades de socorros mútuos, chamadas “sociedades
beneficentes”, trabalho pioneiro, que perdurou por pouco tempo, quando a
previdência social passou a assumir esses riscos, pois essas sociedades estavam
debilitadas pelas conseqüências de uma não prevista inflação de grande porte.
Leão XIII, na Encíclica “Rerum Novarum” de 1891, principiou a
seguridade social mediante o ensino social cristão ou doutrina social da igreja, que
exigia providências imediatas, aptas a solucionarem a questão social. Era o
assistencialismo que imperava na época, porém deixado ao particular. O Estado não
tinha qualquer participação na manutenção da seguridade social.
Após esse período, apontou o mutualismo, posto que grupos de
operários temendo a doença, a velhice, a invalidez e a morte, que, certamente,
ocorreria no ambiente de trabalho, e reconhecendo que qualquer desses fatos os
prejudicaria no próprio sustento e no de suas famílias, se uniram e constituíram uma
gama comum de recursos que cada um vertia, para que, quando alguém daquele
22
REIS, Ernesto José Pereira dos. Previdência Privada Aberta. In: BALERA, Wagner. (Coord.) Curso de
Direito Previdenciário. Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5.ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 136167.
25
grupo tivesse algum problema, ou seja, quando o risco se concretizasse a qualquer
dos membros, pudesse o mesmo ser socorrido pelos demais.
Mozart Victor Russomano23 informa que os agrupamentos profissionais
da Índia, dos hebreus e dos árias (apontados no Hamurabi) tinham finalidades
assistenciais. E que, como agrupamento, os colégios gregos e romanos foram os
mais importantes.
Os collegia romanos eram associações de pequenos produtores e
artesãos livres, com fins mutualistas, que desapareceram com a queda do Império.
Descreve que Teseu, em Atenas, criou as hetérias, colégios
profissionais com fins mutualistas.
Admite que, muito tempo depois, as guildas germânicas reproduziram
o fenômeno, no sentido de aguçar a solidariedade e a lealdade. Do mesmo modo,
durante a Idade Média, a Igreja Católica estimulou a criação de numerosas
organizações, todas com finalidade mutualista.
Houve uma transformação bastante profunda, no final da Idade Média,
nessas organizações, posto que certas atividades profissionais, pelas condições em
que passaram a serem exercidas, aumentaram, sensivelmente, os riscos a que
ficavam expostos os trabalhadores (Ex: marinheiros e mineiros), o que dificultava
seu recrutamento, vendo-se o empresariado forçado a oferecer melhores garantias
por meio de um regime de seguro instituído a favor dos empregados.
No ano de 1344, celebrou-se o primeiro contrato de seguro marítimo,
posteriormente surgindo a cobertura de riscos contra incêndios.
Esse fato atuou no sentido da transformação do período do mutualismo
puro e simples em um sistema de seguros privados, mantidos pelo empregador.
No Séc. XVII (1601), a Lei dos Pobres, da Inglaterra, colocou o Estado
na posição de órgão prestador de assistência àqueles necessitados, iniciando a
história da Previdência Social, mais certamente a Assistência Social, embora muito
longe de ser um verdadeiro regime que assegurasse aos beneficiários as prestações
que cobrissem os riscos inerentes à atividade profissional ou econômica.
Mas o liberalismo econômico levou a classe operária a situações
difíceis. O advento das teorias intervencionistas estimulou a preocupação com a
23
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 3-13.
26
Previdência Social. No Séc. XIX, as reivindicações do Direito do Trabalho e
Previdência eram paralelas ou geminadas.
Otto Von Bismarck compreendeu, como grande estadista alemão, que
era inútil usar a repressão policial e militar. Era preciso oferecer um programa
político novo, que “roubasse” o conteúdo da pregação socialista e que, dentro do
estilo e da estrutura do governo alemão, aliciasse a simpatia do povo.
Otto Von Bismarck, que nada tinha de ideológico, elaborou a célebre
mensagem de Guilherme I, instituindo os seguros sociais em caráter geral e
obrigatório, resultado de uma tática política, para salvar o Partido Conversador
Alemão. Então, em 1883, criou a Lei do seguro-doença; em 1884, a Lei de seguro
contra acidentes do trabalho; e em 1889, o seguro de invalidez e velhice.
Quase trinta anos antes, em 1854, a legislação austríaca organizara
um sistema de Previdência Social, que cobria os riscos de doença, invalidez, velhice
e morte, mas teve pequeno reflexo no Direito Comparado, pois era aplicável apenas
aos trabalhadores de minas.
Esse fato não tira o caráter pioneiro de Otto Von Bismarck, que
generalizou a Previdência, que, realmente, deu início ao seguro social, cedendo
lugar, como classifica Mozart Victor Russomano24, ao primeiro período da história:
período de formação, que terminou com a I Grande Guerra Mundial, em 1918.
A França, em 1898, criou norma sobre a assistência à velhice e aos
acidentes de trabalho.
Na Inglaterra, em 1897, instituiu-se o Workmen`s compensation Act,
seguro obrigatório contra acidentes do trabalho. Foi o início do instituto da
responsabilidade objetiva, quando o empregador era responsável pelo infortúnio,
uma vez que, mesmo sem ter concorrido, com culpa, para o acidente, tinha que
arcar com seu custo. Em 1907, sistema de assistência à velhice e acidentes do
trabalho. Em 1908, apareceu o Old Age Pensions Act, que concedeu pensões aos
maiores de 70 anos, independente de contribuição. Em 1911, foi estabelecido o
National Insurance Act, determinando a aplicação de um sistema de contribuições a
cargo do empregador, do Estado e do empregado.
24
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 12.
27
O México foi o primeiro país a incluir o seguro social em sua
Constituição, o que ocorreu em 1917.25-26
O New Deal, nos Estados Unidos, com a doutrina do bem-estar social,
visou a combater os riscos, como o desemprego e a velhice. Em 1935, foi aprovado
o Social Security Act.
A Nova Zelândia, em 1938, criou o seguro social, lei tendente a
proteger toda a população, deixando de existir o seguro privado.
O Plano Beveridge, de 1942 da Inglaterra, também propôs um
programa social, garantindo ingressos suficientes, a fim de que o indivíduo ficasse
acobertado por certas contingências sociais; ou quando não pudesse trabalhar. Em
1944, o governo Inglês apresentou um plano de previdência social, que deu ensejo à
reforma do sistema inglês e entrou em vigor em 1946, já na fase de transformação.
Aproveitando a classificação de Mozart Victor Russomano, após o
primeiro período, denominado por ele período de formação, seguiu-se o segundo, de
expansão geográfica, quando a Seguridade Social se foi espalhando por todo o
mundo; e foi do Tratado de Versalhes até o término da segunda grande guerra, em
1945.
E o terceiro foi a fase de transformação, que começou com a II grande
guerra, período em que a Previdência Social cedeu lugar à Seguridade Social,
ampliando seus horizontes, cujos destaques ficaram para: a OIT, a Declaração de
Santiago do Chile (1942), a Declaração da Filadélfia (1944), a norma mínima da
seguridade social aprovada, em 1952, pela XXXV Conferência Internacional do
Trabalho, dentre outras.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, contém,
entre outros direitos fundamentais da pessoa humana, a proteção previdenciária,
visto que “todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a
sua família saúde e bem-estar”, reconhecendo o direito à seguridade no caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios
de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
No Brasil, desde os primórdios, vem-se falando em Seguridade Social.
Inicialmente, o assistencialismo imperou. Como acima enunciado, a Santa Casa de
25
SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito previdenciário avançado. Belo Horizonte: Mandamentos,
2004. p. 46.
26
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 30.
28
Santos/SP, data de 1543, assim como as sociedades beneficentes e as associações
etc.
Falou-se em seguridade social na Constituição de 1824, onde se
preconizava a constituição de socorros públicos.
A primeira entidade privada a funcionar, no país, foi o Montepio Geral
dos Servidores do Estado (Mongeral) em 1835. Surgiu, antes da lei alemã do
seguro-doença (1883).
O Código Comercial de 1850 previa que os acidentes que impedissem
os prepostos de exercerem suas funções não interromperiam seus vencimentos por
até três meses contínuos, o que foi regrado pelo Regulamento 737/50. Era a
obrigação de pagar-se ao funcionário pelo prazo de três meses, como uma espécie
de auxílio-doença acidentário, que ficava a cargo do empregador.
O Decreto 2711, de 1860, falava sobre o financiamento de montepios e
sociedades de socorros mútuos; o Dec. 3.397, de 1888, criou a Caixa de Socorro
para os trabalhadores das estradas de ferro; o Dec. 9.212, de 1889, criou o montepio
dos correios; e o Dec. 10.269, de 1889, estabeleceu fundo especial de pensões para
os trabalhadores das Oficinas da Imprensa Oficial.
A Constituição de 1891 foi a primeira a trazer a expressão
“aposentadoria”, dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da
Nação. Era um benefício acidentário, concedido pelo Estado, sem fonte de custeio.
A Lei Eloy Chaves, Dec. 4.682, de 1923, foi a primeira norma a instituir
a previdência social, com a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões para os
ferroviários, a nível nacional. Eram de natureza privada e estavam vinculadas à
empresa com a qual o trabalhador mantivesse vínculo empregatício, chegando a
existir cento e oitenta e três caixas de pensões e aposentadorias.
O Dec. 5.109, de 1926, estendia os benefícios da Lei Eloy Chaves aos
portuários e marítimos; a Lei 5.485, de 1928, os estendeu aos prestadores de
serviços das empresas de serviços telegráficos e radiotelegráficos; e o Dec. 19.497,
de 1930, criou as caixas para os empregados de serviços de força, luz e bondes.
Vinha-se preparando o tipo de seguro social que restaria adotado por
diversas categorias profissionais a partir de 1930, as quais se agrupavam em
institutos de aposentadorias e pensões, os IAPs.
O Dec. 22.872, de 1933, estabeleceu o Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Marítimos (IAPM), seguido por outros institutos organizados por
29
categorias profissionais (comerciários, bancários, industriários etc), o que acabou
disseminando muitas caixas de aposentadorias que executavam as mesmas
atividades.
A Constituição Federal de 1934 estabelecia o custeio entre o Estado,
empregador e empregado, sendo obrigatório haver contribuição. Essa Carta Magna
fez referência, pela primeira vez, à expressão previdência. Foi um esboço de
sistema previdenciário, que cobria os riscos de velhice, maternidade, morte,
invalidez e acidente do trabalho, além de prever a tríplice forma de custeio (Estado,
empregadores e trabalhadores). Na Constituição Federal de 1946, o termo
previdência vem acompanhado da palavra social, surgindo, então, a expressão
“Previdência Social”.
Houve uniformização das políticas legislativas a partir de 1940, com o
regulamento Geral dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, por meio do Dec.
35.448, de 1954, que uniformizou os princípios aplicáveis a todos os IAPs.
A Lei 3.807, de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), criou
o Regime Geral de Previdência Social, instituindo uma disciplina única para todas as
categorias de trabalhadores, generalizando e unificando, em um modelo único a
proteção social de todos os trabalhadores relacionados às atividades privadas.
Também ampliou os benefícios, surgindo o auxílio-natalidade, auxíliofuneral, auxílio-reclusão. E estendeu a assistência social a outras categorias
profissionais.
A Lei 4.214, de 1963, criou o Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (FUNRURAL) para sua proteção, amparo esse que deixou muito a desejar até
a novel Carta Maior, que impôs a equivalência entre trabalhadores urbanos e rurais.
A LOPS sofreu modificações com o Decreto-Lei 66, de 1966,
principalmente no tocante aos segurados autônomos, onde é prevista a contribuição
da empresa, para assegurá-los.
O Decreto-Lei 72, de 1966 unificou os institutos de aposentadorias e
pensões no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), implantado, realmente,
em 1967.
A Constituição Federal de 1967 não inovou muito, acrescentando os
riscos sociais doença e desemprego, trazendo, como contribuição, o sistema de
seguro de acidente, que foi integrado ao sistema previdenciário (Lei 5.316/67); e
estendeu a previdência social ao trabalhador rural, especialmente aos empregados
30
do setor agrário da agroindústria canavieira, completado pelo Decreto-lei 74, de
1969, que a estendeu aos empregados das empresas produtoras e dos
fornecedores de produtos in natura, bem como empreiteiros que utilizassem mão-deobra para a produção e o fornecimento de produto agrário, desde que não
constituídos sob a forma de empresa.
Estabeleceu
trinta
anos
de
serviços,
para
que
as
mulheres
alcançassem a aposentadoria, e instituiu a regra da contrapartida27, onde nenhuma
prestação ou benefício poderia ser criado, majorado ou estendido sem a
correspondente fonte de custeio.
A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, também não alterou,
substancialmente a legislação.
A Lei Complementar n. 11, de 1971, instituiu o Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (Pro-Rural), substituindo o plano básico, onde não
se preconizava a contribuição do trabalhador, que tinha direito à aposentadoria por
velhice, invalidez, pensão e auxílio-funeral, no valor de meio salário mínimo. O Dec.
69.919, de 1972, regulamentou o Pro-Rural, que, mais tarde, foi modificado pela Lei
Complementar 16, de 1973.
Nos anos de 1974 a 1975, foram criados vários benefícios, tais como o
amparo previdenciário aos maiores de 70 anos ou inválidos e a infortunística rural;
incluiu-se o salário-maternidade no âmbito dos benefícios previdenciários; criou-se a
contagem recíproca de tempo de serviço público e privado, para efeito de
aposentadoria; criou-se um sistema de assistência complementar ao jogador de
futebol etc.
Em 1976, mediante o Dec. 77.077, foi editada a Consolidação das Leis
da Previdência Social (LOPS) e, em 1977, a Lei 6.439 instituiu o Sistema Nacional
de
Previdência
e
Assistência
Social
(SINPAS),
tendo,
como
objetivo,
a
reorganização da Previdência Social. O SINPAS destinava-se a integrar as
atividades da previdência social, da assistência médica, da Assistência Social e de
gestão administrativa, financeira e patrimonial, entre as entidades vinculadas ao
Ministério da Previdência e Assistência Social.
O SINPAS compunha-se: a) do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), cujo objetivo era a concessão e manutenção dos benefícios; b) do Instituto
27
BALERA, Wagner. Sistema da seguridade social. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 37.
31
da Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS), cuja meta era
arrecadar, fiscalizar e administrar a cobrança das contribuições e outros recursos; c)
do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), cuja
função era, como alvo, gerir direitos e patrimônio transferido ao Ministério da Saúde;
d) da Legião Brasileira de Assistência (LBA), onde o mister era prestar assistência
social; e) da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), cuja
obrigação era a de promover a política social em relação aos menores; f) da Central
de Medicamentos (CEME), para fornecimento de medicamentos; e g) da Empresa
de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV) que visa como
objetivo, a gerir o sistema de informática da Previdência Social. Extinguiu-se o
FUNRURAL, que foi absorvido pelo INPS (Instituto Nacional da Previdência Social).
O SINPAS procura reordenar o ambiente previdenciário, criando áreas
específicas de atuação: prestação de serviços, assistência médica e social, bem
como gestão financeira do sistema.
Em 1979, foram editados: o Dec. 83.080, que aprovou o Regulamento
dos Benefícios da Previdência Social, e o Dec. 83.081, que afirmou o Regulamento
do Custeio da Previdência Social.
O grande marco do esquema protetivo brasileiro ocorreu com a
promulgação da Constituição de 1988, tendo um capítulo sobre a Seguridade Social,
compreendendo: a saúde, a previdência e a assistência sociais.
Nos seus Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)
firmou-se o compromisso de serem apresentados, em seis meses, os planos de
custeio e de benefícios.
No ano de 1990, foi promulgada a Lei 8.080/90, que dispunha sobre a
Saúde.
Também do mesmo ano de 1990, por intermédio da Lei 8.029 e do
Dec. 99.350, criou-se o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mediante a fusão
do IAPS com o INPS. Em 1991, entraram em vigor as Leis 8.212/91 (custeio da
seguridade social) e Lei 8.213/91 (benefícios previdenciários), sendo tais legislações
regulamentadas por diversos decretos, hoje em vigor o de n. 3.048, modificado
diuturnamente.
Em 1998, a Emenda Constitucional n. 20 alterou algumas disposições
da Constituição de 1988, instituindo a execução de ofício pelos juizes trabalhistas
das contribuições previdenciárias decorrentes de suas sentenças ou acordos
32
firmados; determinou a destinação específica ao INSS do produto da arrecadação
com as contribuições sociais; alterou as regras de aposentadoria para os servidores
públicos e segurados do Regime Geral de Previdência Social; vedou a contagem de
tempo de contribuição fictício; extinguiu a aposentadoria proporcional, que se
manteve apenas como regra de transição para aqueles que já integravam o sistema
previdenciário, mas acrescentou um “pedágio” de 40% ao tempo que restava, para
completar o mínimo para a aposentadoria, aliando-o à idade mínima (53 anos, para
os homens, e 48, para as mulheres); limitou o salário-família e o auxílio-reclusão ao
segurado de baixa renda; modificou o critério de cálculo do valor do benefício etc.
A Lei 9.876, de 1999, alterou a forma de cálculo do salário-debenefício, sendo a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição,
correspondentes a 80% de todo o período contributivo, a partir de 1994, criando o
fator previdenciário para a aposentadoria, por tempo de contribuição e por idade,
pois se sabe que a expectativa de vida do brasileiro subiu, sendo esse modelo de
cálculo uma forma de tentar-se efetuar um cálculo mais consentâneo com os valores
vertidos pelo segurado durante toda a sua vida laboral.
Instituiu, ainda, a Lei 9.876/99 a carência de dez meses, para a
segurada contribuinte e facultativa, bem como a especial terem direito ao saláriomaternidade; criou a possibilidade de o segurado especial auferir benefício com
valor superior ao mínimo; extinguiu, gradualmente, as classes de salário-base dos
segurados: contribuinte individual e facultativo etc.
Outras leis foram surgindo. Como exemplo, a 9.983, de 2000, que
alterou dispositivos do Código Penal; a Lei 10.099, do mesmo ano, que dispensou
do precatório os pagamentos de pequeno valor; a Lei 10.403, de 2002, que criou o
Juizado Especial Federal; e a Lei 10.421, de 2002, que estendeu à mãe adotiva o
direito à licença-maternidade etc.
Como continuidade às reformas, a Emenda Constitucional n. 41, de 19
de dezembro de 2003, traz mudanças iniciadas com a EC 20/98 para a
aposentadoria do funcionário público (que não tem pertinência neste trabalho); e, no
que tange ao Regime Geral, acrescenta o parágrafo doze ao artigo 201, indicando
ao legislador ordinário que disponha sobre sistema especial de inclusão para
trabalhadores de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de um salário
mínimo, excetuando a aposentadoria por tempo de contribuição. É norma
pragmática dependente de regulamentação, que, como se apercebe, pretende
33
manter a dignidade da pessoa humana, agasalhando aqueles que mais necessitam
da Seguridade Social, cujos riscos os expõem a situações de extrema dificuldade,
num intuito de se tentar minimizar a pobreza, embasado no princípio da
solidariedade.
Hoje, a Seguridade Social visa à proteção de todas as necessidades
sociais, como: saúde, assistência ou previdência, pois a Ordem Social alcançará a
justiça, se e quando a redução de desigualdades sociais e regionais, assim como a
erradicação da pobreza e da marginalização forem postas em ato.28
O séc. XIX deixou um ideal de bem-estar e uma experiência em
esquemas que consideravam todas as necessidades previdenciárias e que
facilitaram o caminho que foi percorrido no séc. XX, com a sociedade organizada, e
sentindo que o equilíbrio sócio-econômico exige que o ser humano conte com os
meios indispensáveis à sua subsistência e à preservação da sua saúde.
É fato que a sociedade, atualmente, tem condições de compreender
que o risco social deve ser afastado, que os indivíduos têm direitos que são
inerentes a qualquer ser humano e tão somente por ser pessoa humana.
Resta verificar-se se para o Séc. XXI terá condição de implementar as
políticas sociais adequadas, objetivando minimizar as diferenças sociais, haja vista o
déficit anunciado nos cofres da Previdência Social, que afetam o sistema da
Seguridade como um todo.
Todavia a proteção dos riscos sociais deve ser consentânea. Cada
prestação reconhecida pelo Sistema da Seguridade Social e sempre carreada pelos
preceitos constitucionais pode ser exigida pelo cidadão que se encontra em estado
de risco.
Convém verificarem-se alguns dos princípios que o legislador
constitucional originário entendeu devessem embasar o sistema da Seguridade
Social para comprovar se estão sendo aplicados, para que realmente se alcancem
os fins da Ordem Social, que são o bem-estar e a justiça sociais.
28
BALERA, Wagner. Da proteção social à família. Revista dos Institutos dos Advogados de São Paulo, São
Paulo, AASP, ano 4, n. 7, jan./jun.2001. p. 213.
34
4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS
A palavra “princípio” destaca a sinonímia: começo, início etc. e, para
absorver os ensinamentos de qualquer matéria, faz-se necessário ter-se um ponto
de partida. Porém, os princípios descritos na Constituição pátria, no entender de
José Afonso da Silva29, nada têm a ver com a conceituação gramatical, exprimem a
noção de mandamento nuclear de um sistema.
Informa que são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de
normas, são (utilizando as descrições de Gomes Canotilho e Vital Moreira) “núcleos
de condensações” nos quais confluem valores e bens constitucionais.
Para Ruy Samuel Espíndola30,
tendo em conta a idéia de sistema jurídico como ordem global, e de
subsistemas, como ordens parciais, podemos dizer que os princípios,
enquanto normas, desempenham a função de dar fundamento
material e formal aos subprincípios e demais regras integrantes da
sistemática normativa. Aqui se entende sistema como a totalidade do
Direito Positivo e subsistemas, como suas ramificações estruturalnormativas, exemplo: o Direito Privado, o Direito Civil, o Direito das
Obrigações, o Direito Administrativo etc.
Emerson Odilon Sandim31 esclarece que:
não se há de conceber um conhecimento, como abarcados por uma
ciência, sem lhe identificar os princípios, porque, sabidamente, são
estes que dão a devida explicação do objeto, da linguagem que será
utilizada e dos métodos peculiares para o seu estudo e
compreensão.
Vários são os princípios norteadores da Seguridade Social. Não se
pretende esgotá-los, mas apontar alguns que a Lei Maior escolheu para embasá-la,
no tocante ao tema escolhido.
Lílian Castro de Souza32 demonstra que se inicia uma nova era, em
que os direitos fundamentais deixam de ser os direitos individuais clássicos, antes
citados, de liberdade negativa, onde o papel do Estado é de inação, passando a
29
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 91.
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 77-78.
31
SANDIM, Emerson Odilon. O devido processo legal na administração pública com enfoques previdenciários.
São Paulo: LTr, 1997. p. 24.
32
SOUZA, Lílian Castro de. As normas sobre a seguridade social na constituição de 1988 como evolução dos
direitos fundamentais da pessoa humana. In: MONTEIRO, Meire Lucia Gomes (Coord). Introdução do direito
previdenciário. São Paulo: LTr, 1998. p. 88.
30
35
incluir os direitos sociais, que exigem uma prestação estatal positiva, para garantir
efetivamente, a liberdade e a igualdade.
Assegura Wagner Balera 33 que o sistema de seguridade social
brasileiro obedece a um conjunto de princípios que possuem uma hierarquia, além
de se sobreporem às demais normas do ordenamento protetivo. Enquanto diretiva
para o legislador, o constituinte definiu postulado fundamental expresso como
objetivo geral da Ordem Social o bem-estar e a justiça sociais.
Para o autor, como se trata de um dos fundamentos do sistema
jurídico-positivo, tal princípio pode ser considerado como ponto de partida para o
raciocínio jurídico, posto que se acha situado em um nível de generalidade que
permite discernir todo o sistema protetivo.
Portanto, partindo-se desse objetivo geral, que é a justiça e o bemestar social, encontrar-se-ão os objetivos estampados como princípios a serem
efetivados pela seguridade social.
O art. 5º da Constituição Federal enuncia que todos são iguais perante
a lei. Este é o princípio norteador da vida em sociedade, onde todos tendem a
alcançar o bem-estar e a dignidade humana. A igualdade se faz presente, quando os
desiguais são tratados desigualmente, objetivando afastarem-se as distinções, para
se alcançar o bem de todos.
Mario Deveali34 afirma que:
o princípio da igualdade traz como corolário o de ‘não assimilar
situações diferentes’ e que deve ser considerado no campo da
previdência social, em face da tendência – bastante generalizada de impor regimes uniformes para todos os trabalhadores, sem
atender às suas diferentes necessidades.
Isto significa não se tratarem os desiguais igualmente, mas
desigualmente.
Exemplifica o autor a imposição de regimes uniformes para todos os
trabalhadores, urbanos e rurais, o que considera um erro, posto que, em muitos
países, os trabalhadores do campo têm mais necessidades de prestações em
espécie do que econômicas.
33
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 81.
DEVEALI, Mário L. Alguns princípios básicos em matéria de previdência social. Traduzido de “Seguridad
Social”, publicação bimestral das Secretarias-Gerais da conferência Interamericana de Seguridade Social e da
Associação Internacional de Seguridade Social. Ano IX, n. 4, Época III, jul/ago, 1960, México, D.F. p. 22.
34
36
Para José Afonso da Silva35,
uma posição, dita realista, reconhece que os homens são desiguais
sob múltiplos aspectos, mas também entende ser supremamente
exato descrevê-los como criaturas iguais, pois, em cada um deles, o
mesmo sistema de características inteligíveis proporciona, à
realidade individual, aptidão para existir.
São seres humanos da mesma espécie.
Para Ruiz Del Castillo36,
la democracia no es la conciencia social que se superpone a las
conciencias individuales y las absorbe, sino la idea de la igualdad
esencial de los hombres, igualdad que es el fundamento de
necesidades y de inclinaciones comunes y que está postulada por la
misma naturaleza. En la democracia se reconoce el hombre como un
género, como un universal lógico.
Para Lílian Castro de Souza37 , hoje a doutrina moderna, concebe a
igualdade num sentido mais amplo, como uma igualdade feita pela lei e através da
lei, uma vez que, “sob a ótica da igualdade formal, os direitos sociais encontravamse reduzidos a meros enunciados.”
Para José Joaquim Gomes Canotilho 38 , “igualdade na aplicação do
direito é, porém, mais do que uma positivística igualdade de aplicação da lei: é
igualdade através da lei”. Atesta o autor ser a igualdade nos encargos e nas
vantagens.
A Assembléia Nacional Constituinte Brasileira priorizou o Estado de
Direito, elencando a liberdade, a igualdade, o bem-estar, entre outros, como
princípios norteadores do pátrio Estado. Entretanto só se pode alcançar o Estado de
Direito, se este se firmar na Justiça.
Como entende Lílian Castro de Souza39,
A tarefa do Estado Social, é, portanto, promover a igualdade
concreta, criando os pressupostos reais e fáticos para o exercício
35
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
212.
36
RUIZ DEL CASTILLO, Carlos. In: HAURIOU, Maurice. Principios de derecho público y constitucional.
Trad. Carlos Ruiz Del Castillo. 2. ed. Madrid: Editorial Reus, [s.d.]. p. XXI.
37
SOUZA, Lílian Castro de. As normas sobre a seguridade social na constituição de 1988 como evolução dos
direitos fundamentais da pessoa humana. In: MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.) Introdução do direito
previdenciário. São Paulo: LTr, 1998. p. 94.
38
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador, contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 381.
39
SOUZA, Lílian Castro de. As normas sobre a seguridade social na constituição de 1988 como evolução dos
direitos fundamentais da pessoa humana. In: MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.) Introdução do Direito
Previdenciário. São Paulo: LTr, 1998. p. 94.
37
dos direitos fundamentais, ou em outros termos, promovendo a
igualdade material, corrigindo as injustiças sociais para assegurar os
fins previstos no artigo 3º, realizando a democracia de forma plena.
Os romanos conceituaram a Justiça como “a constante e perpétua
vontade de atribuir a cada um o que é seu”, ou seja, uma modalidade do querer. Sob
esse prisma, a definição é individualista, limitada, sem nenhuma referência ao social,
ao bem comum.
Outros designam, como valor axial do direito, um valor político.40 No
direito, seria como o “conteúdo” da medida; na política, o fundamento do poder. Em
todo o sistema jurídico (ou político), existe uma idéia de justiça, anterior à formulação
do próprio sistema.
Alguns também a desdobram em justiça distributiva, que consiste na
igualdade das relações, ou seja, as honras devem ser dadas em razão do mérito: a
repartição mal feita gera a injustiça; justiça corretiva, que consiste na igualdade
aritmética, punindo, igualmente, os delitos; e, ainda, pluralista, onde se vê a injustiça,
quando se tratam igualmente, os desiguais.41
A Justiça representa um valor ideal42 num primeiro momento e serve
de ponto de referência para a realidade, imprimindo um caráter jurídico aos dados
dessa mesma realidade.
Entretanto, a Justiça não pode restar apenas no plano ideal, necessita
ser realizada e só se pode efetivar por meio do Direito. É o Direito que expressa a
Justiça. Ela é, portanto, anterior ao Direito e se expõe por intermédio dele.
Dessa feita, pode-se dizer que todo direito é justo, uma vez que
contém justiça: justiça ideal. Outrossim, observando-se por outro ângulo, todo direito
é injusto, porque pode não expressar a justiça ideal, é possível que sua realização
não tenha conseguido aflorar a idéia absoluta, imutável de justiça. Ou, ainda, podem
ter surgido valores novos e renovados os ideais. Ademais, nunca uma realidade
coincide, plenamente, com o modelo ideal a que se aspirou. O Direito necessita
sustentar diferentes casos individuais e irredutíveis a tipicidades. Todavia não se
pode realizar, sem que se estabeleça uma proporcionalidade lastreada numa
igualdade estabelecida pelas normas gerais.
40
SALDANHA, Nelson. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 134.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 88/9.
42
LEGAZ LACAMBRA, Luiz. Filosofia del Derecho. Barcelona: Bosch, 1953. p. 443.
41
38
Por isso, todo direito é justo, enquanto tradução de um determinado
ideal de justiça; mas é injusto, porque o ideal vai além de suas realizações e porque
há, sempre, uma desproporção entre os diferentes casos individuais.
A Justiça é um valor que se vê na mesma situação dos valores
racionais. E é uma relação de conformidade, perceptível racionalmente, não se situa
no mundo dos fenômenos, não é acessível sensorialmente, só captável
racionalmente, entre uma situação intersubjetiva, interpessoal humana e os fins da
vida, entendendo-se como convívio, posto que o viver humano é um conviver.43 A
Justiça é a finalidade da Ordem Social.
Consoante Wagner Balera 44 , “o ideal de justiça embutido em nosso
ordenamento jurídico, não é algo utópico e nem pode ser considerado como pouco
prático”. Entende que esse ideal implica na elaboração de mecanismos de proteção
social.
E esses mecanismos devem ser implementados pelo Estado e por toda
a sociedade, onde a solidariedade é crucial, para que o indivíduo tenha um mínimo
que lhe garanta a sobrevivência digna.
A Carta Magna determina outro fundamento do Estado democrático de
direito, “a dignidade da pessoa humana”, que nada mais é, no campo da Previdência
Social, do que alçar a justiça por meio da redução de desigualdades sociais e
regionais, a erradicação da pobreza e da marginalização, a cobertura de eventos
que colocam o ser humano em dificuldades ou na impossibilidade de manter-se a si
ou à sua família.
Luiz Flávio Gomes45 entende que:
a dignidade da pessoa humana exprime o valor-síntese do Estado
Democrático de Direito (v.CF, art. 1º, inc. III). Logo, e nisso reside a
sua marcante evolução doutrinária, já não pode ser visto apenas
como limite da intervenção do Estado (necessidade de sua proteção
contra o Estado), senão sobretudo como objeto de proteção pelo
próprio Estado (imperiosidade de sua tutela pelo Estado).
José Joaquim Gomes Canotilho 46 , analisando a Constituição da
República Portuguesa, entende que a dignidade da pessoa humana significa o
43
MENDONÇA, Jacy de Souza. O curso de filosofia do Direito do professor Armando Câmara. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 1999. p. 211.
44
BALERA, Wagner. Introdução à seguridade social. In: MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes. (Coord.)
Introdução do direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1998. p. 19.
45
GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.66.
46
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 225.
39
reconhecimento do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da
República. Esta serve o homem, e não é o homem que serve aos aparelhos políticoorganizatórios.
Deve-se entender, por outro lado, que não há Justiça que possa
agasalhar a dignidade da pessoa humana, em se tratando de Previdência Social,
que não venha alicerçada no princípio da solidariedade, posto que a Carta Magna
determinou que toda a sociedade assegure os direitos à saúde, assistência e
previdência sociais.
Wladimir Novaes Martinez47:
Solidariedade social é expressão do reconhecimento das
desigualdades existentes no estrato da sociedade e deslocamento
físico, espontâneo ou forçado pela norma jurídica, de rendas ou
riquezas criadas pela totalidade, de uma para outra parcela de
indivíduos previdenciariamente definidos. Alguns cidadãos são
identificados como aportadores e receptores, a uns subtraindo-se o
seu patrimônio e a outros, acrescendo-se, até atingir-se a
consecução do equilíbrio social.
Afirma que, como regra, a parte maior da sociedade contribui em prol
da menor, a qual está usufruindo benefícios. Excepcionalmente, quem nunca
contribuiu será beneficiado, enquanto outros, sempre contribuintes, nunca o serão.
Para Armando de Oliveira Assis48:
As satisfações das necessidades pessoais se efetivam a custa da
cessão por parte dos demais membros da comunidade, de uma dada
fração de seus respectivos interesses, isto é, de suas cotas para a
composição de um bem comum. A garantia que o indivíduo recebe é
a resultante da soma de tantas parcelas quantos os demais membros
do mesmo agrupamento, em contrapartida, todo indivíduo está na
obrigação de dar sua contribuição para a efetivação dessa garantia,
portanto, deveres do indivíduo para com a sociedade.
Wagner Balera 49 , tratando da responsabilidade social de todos,
entende que “a solidariedade social deve estar presente onde ocorrem fenômenos
de pobreza e de doença. E, se o Estado não cumpre seu papel ou o faz de maneira
deficiente, os particulares devem agir em favor dos necessitados com espírito
fraterno”.
47
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 90.
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma Concepção Moderna de “Risco Social”. Revista de Direito
Social. Porto Alegre, NotaDez, nº. 14, p. 150-173, 2004.
49
BALERA, Wagner. O direito dos pobres. São Paulo: Paulinas, 1982. p. 15.
48
40
A conduta que decorre da Seguridade social é de responsabilidade
solidária onde a massa de trabalhadores contribui para os que já não trabalham e
para os que não podem laborar, seja por que causa for (velhice, invalidez, doença
etc.).
A maioria dos autores é unânime em identificar o princípio como a
contribuição de uns em favor de outros. A contribuição do universo dos protegidos
em benefício da minoria.50
José Joaquim Gomes Canotilho 51 enuncia que houve alteração na
Constituição Portuguesa, no que se refere à segurança social. Onde se lia
“Segurança Social”, agora está descrito como “Segurança Social e Solidariedade”.
Isto significa que se impõe uma política de solidariedade social e que os direitos
sociais se realizam mediante políticas públicas.
Para ele, designa-se como política de solidariedade social,
O conjunto de dinâmicas político-sociais através das quais a
comunidade política (Estado, organizações sociais, instituições
particulares de solidariedade social e, agora, a Comunidade
Européia) gera, cria e implementa protecções institucionalizadas no
âmbito económico, social e cultural como, por exemplo, o sistema de
segurança social, o sistema de pensões de velhice e invalidez, o
sistema de protecção da juventude e o sistema de protecção de
deficientes e incapacitados.
E, nesse contexto, instala-se a aposentadoria, por idade, do
trabalhador rural, tido como especial, em que, sendo a Previdência Social de caráter
contributivo, não verte nenhum pagamento para os cofres públicos.
Wagner Balera52 informa que as bases estruturais do sistema estão
estampadas no parágrafo único do art. 194 da Constituição Federal; e, no primeiro
pilar que se expressa no inciso I, aparece a universalidade da cobertura e do
atendimento. E, dessa base, todas as demais derivam, posto que em congruência
com o princípio da igualdade, uma vez que “a universalização da proteção tornará a
seguridade social habilitada a igualar todas as pessoas que residem no território
nacional”.
50
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 54.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2002. p.
513-514.
52
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. São Paulo: LTr, 2002. p. 17-19.
51
41
Afirma que “a todos é reservado igual lugar, aquele que lhe confere
cobertura e atendimento segundo a respectiva necessidade, na estrutura
institucional da proteção social”.
Em sede de Seguridade Social, a universalidade da “cobertura” referese às situações que serão protegidas, ou seja, toda e qualquer contingência que
gera necessidades. Já a universalidade do “atendimento” se dá com relação a todas
as pessoas, porquanto essas possuem direito à seguridade social.
“Cobertura” pressupõe o conceito de sinistro, que gira em torno da
idéia de risco. É figura do seguro e ingressa no plano conceitual da seguridade
social. É uma espécie de escudo contra os riscos.
A cobertura da seguridade é diferente do seguro, é universal. Todo e
qualquer risco será objeto de cobertura.
A expressão “universalidade do atendimento” já se qualifica por si só.
Os riscos atingem seres e estes terão o amparo das medidas da seguridade social.
Todas as pessoas que estejam sujeitas à situação de risco terão direito
à cobertura da seguridade social. O atendimento está relacionado à pessoa a quem
o risco vitimou.
A universalidade confere uma dimensão objetiva, que são os riscos; e
uma subjetiva, ou seja, as pessoas. Está no sentido da totalidade, compreensão de
todos os riscos e todas as pessoas que estejam nela inseridas.
Na Previdência Social, “a universalidade”, os protegidos são os
beneficiários e seus dependentes, é limitada a essa parte da população,
diferentemente na Saúde e na Assistência, que todos poderão ser acobertados,
desde que se instale a necessidade.
Miguel Horvath Junior53 entende que o princípio da universalidade de
cobertura e do atendimento no pátrio sistema é norma programática, isto é,
dependente de regulamentação legal; e instrumentalizada de forma mitigada, pois a
Lei Maior estabelece os riscos a serem cobertos, bem como o caráter contributivo da
previdência social.
É fato que assim seja, mas a Previdência Social deve acobertar o
maior número possível de riscos, as situações de necessidades sociais que
53
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 60.
42
realmente importem atenção, mormente os riscos relacionados com a saúde do
trabalhador, de incerteza ímpar.
Dessa feita, resulta inadmissível a imposição de carência (período em
que o segurado não tem direito aos benefícios previdenciários) para a aposentadoria
por invalidez e auxílio-doença, que são eventos não previsíveis e que deixam o
beneficiário e seus dependentes desprovidos de um mínimo que garanta sua
sobrevivência e a de sua família, ferindo os princípios da justiça e da dignidade da
pessoa humana.
O Inciso II do artigo referido dispõe sobre a uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.
Esse princípio é um princípio-intenção, que tende a desaparecer, tão
logo se alcance a igualdade perseguida. Em tendo os urbanos e rurais os mesmos
direitos sociais, ele não será necessário.
Nota-se que é um princípio que tem caráter de efetividade, não é
norma pragmática. Não é um objetivo apenas, e, sim, uma imposição constitucional.
Trata-se de isonomia imediata e ao legislador resta a sua observância
instantânea, dando inteira aplicabilidade ao preceito.
Porém trata-se de princípio que não alcançou, ainda, o seu ideal.
Politicamente, está se introduzindo de forma tímida, posto que somente os
trabalhadores urbanos e os rurais pertencentes ao Regime Geral de Previdência
Social estão sendo equiparados, o que deixa de fora um universo muito grande de
outros trabalhadores, tais como: os militares, servidores públicos e parlamentares,
todos com regimes próprios, diferenciados entre si e em relação ao Regime Geral da
Previdência Social, o que fere o princípio da igualdade estampado na Constituição
Federal.
José Afonso da Silva54 esclarece que:
Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do
homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta
ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que
tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São,
portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como
pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que
criam condições materiais mais propícias ao auferimento da
54
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
286/7.
43
igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais
compatível com o exercício efetivo da liberdade.
Para Wladimir Novaes Martinez55, a uniformização de todos os regimes
previdenciários é característica da seguridade social em face do princípio da
universalidade. Acredita ser de grande alcance o princípio e significa que, para fins
previdenciários os filiados são iguais.
O autor critica o legislador ordinário que, ao estabelecer a norma legal,
não levou em conta as condições sócio-econômicas e históricas da área rural, exigiu
período de carência, para deferir aposentadoria por tempo de serviço, hoje,
contribuição etc.
Miguel Horvath Junior 56 descreve que, por uniformidade, se deve
entender a vedação de proteção social diversa das populações urbanas e rurais.
A proteção social é que é o alvo da uniformidade, e não os
trabalhadores, porquanto se existe o risco de invalidez, por exemplo, tal risco deve
ser coberto, sendo o trabalhador urbano ou rural.
A Constituição Federal traduz, como conceito, as populações urbanas
e rurais. Tal termo “populações” é bem abrangente, extrapola o sentido do
trabalhador rural, para abraçar trabalhadores outros, como o garimpeiro, o pescador
etc.
Para o autor, a uniformidade e a equivalência verificam-se com relação
aos benefícios e serviços onde, por equivalência, se deve entender a vedação de
estabelecimento
de
critérios
diversificados
para
o
cálculo
dos
benefícios
previdenciários; e a uniformidade indica mesmo nível de proteção para as
populações urbanas e rurais.
Na verdade, esse princípio é um “freio de arrumação”, um modo de
solucionar-se a disparidade que existia entre os trabalhadores urbanos, das
“fábricas” e os trabalhadores que restaram no campo.
Concorda-se com Wladimir Novaes Martinez, quando afirma que se
trata de princípio que não alcançou, ainda, o seu ideal, que se está introduzindo de
forma tímida, pois não abarca um universo muito grande de outros trabalhadores
55
56
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 90.
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 61.
44
com regimes diferenciados, o que fere o princípio da igualdade inserto na
Constituição Federal.
A diretriz estampada no inciso III determina a seletividade e a
distributividade na prestação dos benefícios e serviços.
O ritmo de implantação da seguridade é uma tarefa que depende da
sensibilidade do governante.
Toma-se o direito como realidade dinâmica, como uma movimentação,
o meio, o modo, o momento, o lugar etc. que o constituinte deixou aos cuidados do
legislador ordinário.
A seleção é a escolha, quando o legislador estima qual prestação deve
contemplar, verificando o direito comum a todas as pessoas, aquele que determina
um maior estado de necessidade. Está na margem de discricionariedade técnica do
legislador e deve ser feita de acordo com as possibilidades econômicas do país.
Para Wladimir Novaes Martinez
57
, “por seleção de prestações,
entende-se a escolha, por parte do legislador, de um plano de benefícios compatível
com a força econômico-financeira do sistema nos limites das necessidades do
indivíduo”.
A seleção não é apenas escolha das prestações, mas é alicerçada nas
condições econômicas possíveis do país em consonância com a necessidade do
indivíduo. É um direito baseado na possibilidade-necessidade; quanto o estado tem
e de quanto o indivíduo precisa, para manter sua sobrevivência ou dos seus.
Com relação à distributividade, o legislador elege as prestações que
precisam contemplar os que se encontram em maior estado de necessidade. Os
benefícios devem ser concedidos em maior número e qualidade para os mais
necessitados.
Exemplificando, o auxílio-reclusão é devido aos dependentes do
segurado preso, cuja renda é pequena. O recluso que exercia atividade com melhor
remuneração não tem direito ao benefício. É uma seleção que fez o legislador
constituinte, para eliminar os riscos sociais daqueles mais necessitados.
Miguel Horvath Junior58, descrevendo a seletividade, esclarece: “este
princípio tem, como destinatário, o legislador constitucional, que estabeleceu,
57
58
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 176.
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 63.
45
expressamente, quais os riscos e contingências sociais a serem protegidas no art.
201 da CF”.
Ousa-se discordar. O princípio da seletividade está estampado na
Constituição Federal e a distributividade é norma diretriz para o legislador
infraconstitucional que deve escolher os riscos a serem cobertos e o destinatário da
proteção. Entretanto, não se vê, na Carta Maior, a proibição de serem cobertas
outras contingências, nada impede que outros riscos sejam criados, posto que a
sociedade é dinâmica, modifica-se com o tempo. Pode ser que, hoje, haja a
necessidade de se proteger determinado risco, e, amanhã, não. E riscos que ora não
se avizinham poderão aflorar.
Para ele, a distributividade “implica na criação dos critérios/requisitos
para acesso aos riscos objeto da proteção, de forma a atingir o maior universo de
pessoas, proporcionando, assim, uma cobertura mais ampla”.
Quanto aos limites, entende que,
segundo Beveridge- as prestações de seguridade social devem
assegurar uma tutela de base. Este limite é importante para se
manter ativo o desejo salutar da formação de reservas individuais e
familiares e da solidariedade familiar. As prestações assistenciais
são devidas aos integrantes da sociedade como uma segunda rede
de proteção, não devendo as entidades familiares recusarem-se a
fazer a sua parte.
A seletividade está a serviço da universalidade. É uma escolha
includente, bem delimitada pelo constituinte e necessária para a distributividade.
Exige-se que o sistema de seguridade social implante a justiça:
distributiva, proporcional, geométrica, que permita maior amparo à parcela da
população cujas necessidades são maiores, sempre tendo, em mente, o horizonte, a
redução das desigualdades e o objetivo de alcançar o bem-estar social59.
A garantia estampada no inciso IV visa a proteger o direito líquido e
certo, a irredutibilidade do valor dos benefícios, que são prestações pecuniárias
concedidas pela Previdência Social, para garantir sua importância monetária e real.
Para Wagner Balera, esse quarto preceito é um subproduto da
economia desorganizada, que gera inflação e corrói o valor dos benefícios.
59
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2002. p. 19.
46
Para ele, esse princípio não precisaria estar escrito, é implícito da
seguridade social. Ninguém quer um seguro que não seja com aquele valor
contratado.
Ao assegurar a irredutibilidade do valor dos benefícios, a Constituição
Federal está prestigiando a garantia individual que protege o direito adquirido, já que
os benefícios são prestações pecuniárias que não podem sofrer modificações nem
em sua expressão quantitativa (valor monetário); nem tampouco em sua expressão
qualitativa (valor real).60
Compreende Wladimir Novaes Martinez 61 que, “a irredutibilidade do
valor dos benefícios é a nominal, e não a real, dependente da lei ordinária. Caso
esta não adote índices, para se verificar a real inflação, haverá perdas para o
segurado, mas esse critério não poderá ser acoimado de inconstitucional”.
Entende-se como Wagner Balera para quem o benefício não pode ter
seu valor, seja monetário ou real, reduzido, por ser um princípio que tenta repor as
coisas no status quo ante, a fim de que o indivíduo tenha mantido o seu padrão de
vida.
O problema é que o índice para reajustamento do valor dos benefícios
ficou a cargo do legislador ordinário que pode escolhê-lo dentre os diversos índices
divulgados no país, o que poderá gerar a quebra do princípio aludido.
O poder de compra do valor do benefício deve-se manter. O indivíduo,
na inatividade, procura ter o mesmo padrão de vida que aquele que o mantinha,
quando estava trabalhando e contribuindo para a Seguridade Social. Esta deve ser a
intenção do constituinte: manter o real valor do benefício.
E, para garantir a cobertura do risco, da “diversidade” de fatos
escolhidos pelo legislador, protegendo-se o montante/valor do benefício, é
necessária a contrapartida, ou seja, o financiamento, que deve ser diversificado
(trabalhadores, empregadores, jogos, governo, enfim, toda a sociedade), desde que
angariado dentro da capacidade contributiva de cada indivíduo, atentando-se para
as V e VI vertentes: a eqüidade na forma de participação no custeio e a diversidade
da base de financiamento.
60
61
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2002. p. 19.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 79.
47
Toda a sociedade deve contribuir, para custear o sistema de
seguridade social. A eqüidade é um princípio que visa a tratar, igualmente, os iguais
e, desigualmente, os desiguais.
Há a responsabilidade coletiva pelo custeio daqueles que podem
contribuir e irresponsabilidade dos que não podem pagar nada.
A saúde e a assistência não são contributivas, suas prestações se
devem ao princípio da isonomia, de modo que o que vai implementar a seguridade é
o custeio devido e repartido por toda a sociedade, de forma eqüitativa, onde os que
podem mais contribuem com maior parte do que os que podem menos e dos que
não contribuem, porque não têm como fazê-lo.
Portanto, há contribuição variável entre os participantes do custeio da
seguridade social: trabalhadores, empresas e governo, baseados no princípio da
solidariedade, onde os trabalhadores não podem contribuir igualmente entre si e
nem a empresa.
Existem alíquotas diferenciadas entre os trabalhadores e as empresas.
Aquele que percebe mais contribui com uma cota maior. Apenas os que estão em
condições iguais devem contribuir da mesma forma.
A necessária congruência estrutural entre isonomia e eqüidade exige
ponto de equilíbrio entre a capacidade econômica do contribuinte e o esforço
financeiro que dele será cobrado para a constituição do fundo comum de proteção62.
A regra é diretiva para o legislador ordinário, a fim de que, quando da
feitura da legislação do custeio, atue de modo que não fira os princípios da
igualdade, da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
O fim buscado é reduzir as desigualdades sociais, repartindo as
despesas da seguridade, para garantir os benefícios aos mais necessitados, em
consonância com o princípio da igualdade.
Para Wladimir Novaes Martinez63,
Trata-se
de
norma
securitária
abundante,
praticamente
desnecessária diante do art. 150, II, onde prescrita regra exacional
universal, a vedação da instituição de ‘tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por
eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos’, isto é, a igualdade fiscal.
62
63
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 2 ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 20.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 149.
48
Acredita-se ser uma confirmação do princípio acima enunciado, não
importando se é dispensável. O que se tem em mente é que é um compromisso do
constituinte com a sociedade de tentar manter o equilíbrio da seguridade social
calcada na isonomia entre os atores sociais.
Quando se fala em diversidade de base de financiamento, há uma
limitação constitucional à diversificação do custeio; e foi definida no artigo 154 da
Carta Magna.
O artigo 195 determina que a seguridade social seja financiada por
toda a sociedade mediante contribuições: a) do empregador: sobre a folha de
salários e demais rendimentos do trabalho remunerado, a receita ou faturamento e o
lucro; b) do trabalhador e dos demais segurados; c) sobre a receita de concurso de
prognósticos; e d) do importador de bens ou serviços do exterior.
Apesar
da
descrição
constitucional,
facultou-se
ao
legislador
complementar a capacidade de buscar outras fontes para a manutenção e expansão
da seguridade social. É, portanto, competência residual, cujos impostos não poderão
ser cumulativos, de forma que o fato gerador ou a base de cálculo deverá ser
diverso dos já discriminados na Constituição vigente.
Há limites, porém, ao exercício da competência residual pelo
legislador da União. Tais limites foram definidos pelo art. 154 da Lei
Fundamental. O primeiro desses limites é o que proíbe a criação de
novos tributos na faixa da competência residual que tenham fatos
geradores ou bases de cálculo idênticos aos de tributos já
discriminados na Constituição.64
E segue: “A segunda limitação expressa no art. 154 é a que proíbe a
criação de impostos – e, por extensão, de contribuições sociais – que tenham
natureza cumulativa”.
Para arrematar, o professor Wagner Balera 65 entende que há um
último limite na Lei Maior, que é de natureza formal. Esclarece que a espécie legal
apta a veicular outras fontes de custeio da seguridade social deverá ser a lei
complementar, cuja aprovação exige maioria absoluta dos votos dos membros de
cada casa do Congresso Nacional, com iniciativa do Presidente da República.
64
BALERA, Wagner. A organização e o custeio da seguridade social. In: BALERA, Wagner. (Coord.) Curso
de Direito Previdenciário. Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5. ed. São Paulo: LTr, 2002. p.
36-80.
65
Ibidem, p. 74.
49
Para Wagner Balera66, o princípio é decomposto em dois elementos:
objetivo e subjetivo.
Objetivamente, a regra implica na diversificação dos fatos sobre os
quais incidirão as contribuições sociais; e, subjetivamente, nas pessoas que verterão
tais contribuições.
A Constituição de 1988 determinou a diversidade das bases de
financiamento (art. 194, parágrafo único, inciso VI). O caput do art. 195 acrescenta
que a sociedade, como um todo, financiará a seguridade. E esclarece: de forma
direta e indireta.
O financiamento direto se dá por intermédio de contribuições sociais,
enquanto a modalidade indireta, aquela na qual toda a sociedade participa, será a
orçamentária.
Para a correta observância do princípio, a Constituição Federal prevê
diversos modos de se financiar a Seguridade Social, como preleciona o seu art. 195,
isto é, por meio da empresa, trabalhadores (cujos recolhimentos têm alíquotas
diferenciadas), entes públicos e jogos de apostas. Ex: o produtor rural, cuja base
para o recolhimento da contribuição social é o resultado da comercialização de sua
mercadoria.
Para que os benefícios sejam pagos, faz-se necessário um “caixa”.
Assim, estabelece, também, a Constituição a regra da contrapartida67, onde nenhum
benefício será criado, majorado ou estendido sem a fonte de custeio para tanto.
Wagner Balera68 ensina que a Constituição Federal, em seu artigo 195,
parágrafo quinto, não admite a criação de nenhum benefício sem a correspondente
fonte de custeio total; e a conseqüência natural é a de que, posta a fonte de custeio,
já estará criado o benefício. É uma via de mão dupla. Admitida a fonte de custeio, o
benefício é criado. Ou, se se pretende implantar um novo benefício, faz-se
necessário o custeio do mesmo, que deverá ser buscado junto àqueles que são o
sustentáculo da seguridade social: empregador, empregado e governo.
Desse modo, para que o indivíduo tenha um mínimo de segurança, que
possa atentar para a dignidade humana, deve haver a proteção do montante/valor
do benefício. E, para isso, é necessária a contrapartida, ou seja, o financiamento,
66
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 92.
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 2 ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 58.
68
Ibidem, p. 60.
67
50
que deve ser diversificado (trabalhadores, empregadores, jogos, governo, enfim,
toda a sociedade), porém angariado dentro da capacidade contributiva de cada
pessoa, se realmente se quer a proteção social do indivíduo e a promoção do bem
comum.
São esses princípios que devem agasalhar o benefício a ser
apresentado para a garantia dos objetivos que a Ordem Social busca realizar: o
bem-estar e a justiça sociais.
51
5 DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Para Francisco De Ferrari69, a seguridade social
empieza cuando, además de su obligatoriedad, la enfermedad y
todos los estados de necesidad son considerados una carga y no un
riesgo, y cuando su reparación descansa no sobre la idea de la
responsabilidad individual sino sobre la idea de la responsabilidad
compartida por todos os miembros de la comunidad.
Conquanto a Seguridade Social deseja o bem-estar de todos, cujas
prestações são de acesso universal, a Previdência Social tem um caráter
contributivo e de filiação obrigatória, diferentemente da saúde e da assistência
social.
Sua proteção atinge parcela da sociedade, é limitada àqueles que,
sendo obrigatória a filiação (que se dá com o exercício do trabalho) ou não
(facultativo), contribuem, tendo, como retorno, a cobertura para os riscos sociais.
Daniel Pulino70 afirma que, conquanto a Seguridade Social constitua
verdadeiro sistema de superação de necessidades sociais, admite, pelo menos,
duas camadas de proteção, cuidando de garantir, em primeiro lugar, os “mínimos
sociais”; e, num outro patamar, assegurar níveis economicamente mais elevados de
subsistências, limitados, porém, a certo valor. E é nesse segundo nível de proteção
que se encontra a Previdência Social.
Salvo estreitas exceções, uma das quais se pretende indagar neste
trabalho, i.e., a aposentadoria do trabalhador rural, que não verteu contribuições,
faz-se presente, na Previdência Social, a contrapartida, ou seja, para receber algum
benefício, o sujeito deverá ajudar a custear o sistema.
Obrigatório informar-se que nem toda necessidade e nem todo
beneficiário
receberão
proteção
em
face
do
princípio
da
seletividade
e
distributividade, já mencionado acima.
O risco a ser coberto será, sempre, a necessidade social, não o evento
(invalidez, velhice, morte etc), pois o que se visa a proteger é a conseqüência
gerada pela falta da prestação do labor, que priva o trabalhador e seus dependentes
da renda familiar, deixando-os em dificuldades, em situação de necessidade.
69
70
FERRARI, Francisco De. Los princípios de la seguridad social. Buenos Aires: Depalma, 1972. p. 111.
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 33.
52
De acordo com Mattia Persiani71, a função da cobertura não é mais a
de ressarcir um prejuízo, mas a de eliminar as situações de necessidade, que
barram o efetivo e pleno gozo dos direitos civis e políticos.
Previdência vem do latim pre videre, que significa prever, ver antes,
antever.
A Previdência Social parte do fato de que o homem se autoprotege e
chega à organização de entidades que se encarregam de lhe assegurar o apoio
necessário (heteroproteção). E é por isso que os sistemas previdenciários são
contributivos, a fim de que possam distribuir benefícios (em pecúnia) e serviços,
mesmo que utilizando outros recursos orçamentários dos entes públicos.72
Mario Deveali
73
entende que a Previdência Social tem caráter
contributivo e que, em alguns países, o Estado utiliza seus recursos em prestações
típicas da assistência social, o que se deve evitar.
Ao fazê-lo, o Estado converte as contribuições sociais em verdadeiro
imposto, que onera as categorias menos favorecidas, em lugar de utilizar os
recursos das categorias mais privilegiadas.
O autor intenta demonstrar que, quaisquer que sejam os objetivos da
Previdência Social, se aproxima sua atividade da estatal de caráter tributário, posto
que o caráter contributivo impõe que os benefícios sejam concedidos unicamente
aos segurados que pagam as suas contribuições. Por outro lado, a assistência social
é custeada pelo Estado e deseja atender as exigências mínimas dos necessitados,
desde que não disponham de outros recursos.
É lógico que o Estado intervenha em favor das instituições de
previdência. O inverso é inadmissível: que a previdência tenha que se
responsabilizar pelas funções e prestações do Estado. É preciso não se esquecerem
alguns limites que dizem respeito à sua essência. Ela não deve anular o seu próprio
sentido de previdência social e a solidariedade familiar.
Tais limites se impõem por motivos de ordem econômica e de natureza
ética. Do ponto de vista econômico, os recursos da previdência são limitados, daí a
necessidade de utilizá-los somente em casos justos.
71
PERSIANI, Mattia. Diritto della previdenza sociale. Padova: CEDAM, 2002.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 3.
73
DEVEALI, Mário L. Alguns princípios básicos em matéria de previdência social. Traduzido de “Seguridad
Social”, publicação bimestral das Secretarias-Gerais da conferência Interamericana de Seguridade Social e da
Associação Internacional de Seguridade Social. Ano IX, n. 4, Época III, jul/ago, 1960, México, D.F. p. 21.
72
53
É preciso que a Previdência Social intervenha somente quando se
torna insuficiente à previdência individual e familiar, o que reduz o perigo de abuso
por parte dos segurados. De natureza ética, um excesso de seguridade anula o
sentido de responsabilidade pessoal e, portanto, reduz, quando não anula, não
somente o desejo de economizar mas também o estímulo, para melhorar a posição
pessoal e familiar.
Giuliano Mazzoni74 afirma que não se deve aproveitar a contribuição
dos trabalhadores no cumprimento de uma função típica e essencial do Estado
Moderno, qual seja, de proporcionar a assistência social.
Para o autor, ao Estado cumpre intervir de três maneiras: a primeira
deve prever a cobertura do risco e da necessidade mediante a formação de uma
reserva útil durante o período de trabalho (previdência social); a segunda deve
pressupor a incapacidade do indivíduo para o trabalho, atuando por meio da garantia
de tratamento gratuito aos indigentes, no duplo interesse do indivíduo e da
coletividade (assistência médico-sanitária); e a terceira, da total manutenção e
assistência social em favor dos incapacitados para o trabalho, onerando a
coletividade (assistência social).
As formas de proteção social (assistência, saúde e previdência social)
são extremamente diferenciadas entre si, mas interdependentes, não se podendo
confundi-las.
A assistência social tende a cobrir as necessidades de algumas
categorias de cidadãos (os inaptos para o trabalho útil) com uma despesa integral, a
chamada “manutenção social”. Trata-se da assistência pública, na qual são
beneficiários todos os cidadãos incapazes para o trabalho ou desprovidos dos meios
necessários para viver. O ônus recai sobre toda a coletividade, sobre o Estado75,
convocado a se tornar provedor do bem-estar.76
A previdência cobre um risco genérico ou específico, ou seja, um
evento futuro e incerto, mediante a contribuição dos beneficiários diretos e indiretos
e do Estado, porque há interesse público no seguro social. Já a assistência cobre,
sempre, uma necessidade acidental no momento em que se verifica, sem prévia
74
MAZZONI, G. Existe um Conceito Jurídico de Seguridade Social? Traduzido da Revista I Problemi della
Sicurezza Sociale, n.º 02, mar/abr, 1967, para a Revista de Previdência Social, n.4, p. 23-29, São Paulo: LTr,
s.a.].
75
Ibidem, p. 23-29.
76
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 48.
54
acumulação de contribuições, recaindo sobre toda a coletividade. A seguridade
social não pode existir como integração das formas previdenciárias e assistenciais
preexistentes. Na previdência social, a previsão do risco corresponde a uma
determinada previsão financeira, que não pode ser alterada, a não ser alterando-se
a própria cobertura do risco ou a base financeira em que repousa. Na assistência
social, não há relação entre acumulação de meios e cobertura das necessidades,
sendo a receita fiscal geral, mais ou menos acrescida, conforme as necessidades,
que fornecerá os meios adequados.
E nesse contexto, tem-se a aposentadoria, por idade, do trabalhador
rural, que não verte contribuições para o sistema, sendo que para esse risco não há
contribuição, mas, de certo, tem que existir a previsão financeira, se é que se quer
tratar tal benefício como de caráter previdenciário, e não assistencial.
O professor Wagner Balera77 entende o sistema “enquanto conjunto
normativo e, também, como método, ‘como instrumento metódico do pensamento,
ou melhor, da ciência jurídica’”. E considera, ademais, que a noção elementar de
sistema é a de conjunto de peças que compõem o todo.
O Sistema Nacional de Seguridade Social surge como conjunto
normativo integrado de preceitos de diferente hierarquia e configuração. E,
formalmente, está aparelhado, para implementar o ideal do bem-estar e justiça
social, valendo-se de duas técnicas: do seguro social e do seguro privado.
Com relação à previdência, no Brasil, existem dois sistemas de
Previdência Social: o público e o privado.
Marcelo Leonardo Tavares78 esclarece que:
O sistema público caracteriza-se por ser mantido por pessoa jurídica
de direito público, tem natureza institucional, é de filiação
compulsória e as contribuições têm natureza tributária; pode ser
destinado aos servidores públicos e mantido pelos agentes políticos
da Federação, ou aos trabalhadores da iniciativa privada e gerido por
uma autarquia federal – INSS.
No sistema privado, permite-se a instituição de previdência social por
entidades privadas, vedando-se a subvenção do sistema pelo Poder
Público (art. 202), sendo consideradas fechadas ou abertas, de
acordo com a existência ou não de limitação subjetiva à participação
no plano, nos termos de Lei Complementar (LC nº 108/2001 e LC nº
109/2001).
77
78
BALERA, Wagner. Sistema da seguridade social. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 11.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 10.
55
O sistema público se reparte em: a) regime dos servidores públicos
(Municípios, Estados e União), onde: municípios, estados e a União mantém um
regime próprio de previdência; e b) regime geral da previdência social (RGPS) para
os trabalhadores da iniciativa privada.
Dessa forma, existem regimes próprios, diferenciados entre si e
também diversos do regime geral, o que fere princípios constitucionais da isonomia,
da uniformidade e equivalência entre trabalhadores urbanos e rurais, entre outros.
Wagner Balera 79 assevera que o constituinte teria avançado, se
operasse, no próprio texto constitucional, a unificação dos regimes previdenciários,
uma vez que as razões históricas que justificaram a diversidade de regimes não
poderão prevalecer no atual estágio de proteção que a seguridade social pretende
implementar.
O regime dos servidores é gerido pelo órgão público que o criou, seja
União, Estado ou Municípios, e o Regime Geral de Previdência Social é gerido por
um ente autárquico, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Para Maria da Glória Chagas Arruda80,
O ordenamento jurídico pátrio prevê três tipos de regimes
previdenciários, ou seja, três níveis diferençados de proteção social.
São vertentes do sistema de seguridade social: o regime geral de
previdência social, o regime próprio de previdência, concedidos aos
servidores públicos civis e militares, e o regime de previdência
complementar.
Primeiramente, cumpre esclarecer-se o que se quer identificar como
“regime jurídico”.
Daniel Pulino81 explica:
Com a expressão regime jurídico queremos designar uma parcela da
ordem jurídica, um conjunto coerente de normas que se articulam
para formar uma individualidade logicamente identificável, uma
tipicidade. Trata-se, portanto, de um conjunto sistematizado de
regras e princípios jurídicos aplicáveis a determinados sujeitos e a
certa classe de fatos.
79
BALERA, Wagner. Sistema da seguridade social. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 48
ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 44.
81
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 30.
80
56
Maria da Glória Chagas Arruda 82 conclui que “regime jurídico é o
conjunto de princípios e regras que formam a unidade sistemática de determinado
instituto jurídico ou campo do Direito, conferindo-lhe autonomia e identidade própria”.
Depois desta digressão, é imperioso demonstrar-se que o Direito
Previdenciário pode ser destacado do sistema da seguridade social, em razão de ser
um conjunto de regras e princípios aplicáveis aos sujeitos da relação jurídica
previdenciária, em face de certos objetos, dentro de certas relações jurídicas, o que
faz com autonomia e normas próprias, baseando-se na Constituição Federal.
Wagner Balera83 entende que:
a previdência social é, antes de tudo, uma técnica de proteção que
depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores
social. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual
ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado
e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais,
notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes
no trabalho e desemprego.
Marcelo Leonardo Tavares84 conceitua a previdência no Regime Geral
de Previdência Social como:
Seguro público, coletivo, compulsório, mediante contribuição e que
visa cobrir os seguintes riscos sociais: incapacidade, idade
avançada, tempo de contribuição, encargos de família, desemprego
involuntário, morte e reclusão. É direito de fruição universal para os
que contribuam para o sistema. Ocorrendo um risco social – ‘sinistro’
(que afasta o trabalhador da atividade laboral), caberá à Previdência
a manutenção do segurado ou de sua família.
Consoante o artigo 201 da Carta Magna, a previdência social é de
filiação obrigatória e caráter contributivo e tem como objetivo proteger os seus
segurados, proporcionando aos destinatários renda, com o intuito de prover as
necessidades básicas dos indivíduos, garantindo-lhes as necessidades básicas da
coletividade, apesar de ter como finalidade essencial de prover as necessidades
decorrentes dos riscos, eventos ou contingências previamente demarcados na
Constituição
85
. Na Previdência Social, são protegidos, de modo geral, os
trabalhadores, cuja filiação é obrigatória a partir do instante da prestação de serviço.
82
ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 45.
83
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 49.
84
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 13.
85
ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 46.
57
Portanto, são protegidos sujeitos específicos, e não “todas as pessoas”. Há de se
identificar aquele que presta serviço remunerado (salvo exceções: dona-de-casa,
estudantes etc) e que esse serviço gera a obrigatoriedade de contribuir para o
custeio.
Identificados estarão os trabalhadores a partir da prestação laboral,
pois, nesse momento, se estabelecerá a relação jurídica entre ele e a Previdência
Social. Aí estará o critério que limita a Previdência Social aos sujeitos que trabalham.
É uma relação obrigatória, em que o sujeito, ao iniciar um trabalho remunerado
(salvo exceções), deverá ajudar a custear o caixa da previdência.
Daniel Pulino 86 aclara que é “uma exigência de ordem operacional,
prática,
consistente
na
presunção
de
que
a
remuneração
auferida
em
contraprestação ao trabalho dá ao trabalhador condição econômica de participar do
custeio das prestações que irão protegê-lo”.
É uma norma de “mão dupla”. Tendo custeado o caixa da previdência,
tem-se direito a determinada contraprestação, sendo que os valores vertidos dão
uma certa segurança ao trabalhador que teme ficar sem sua força de trabalho, e não
ter como se sustentar ou aos seus, bem como garante a viabilidade econômica do
sistema.
Como dito inúmeras vezes, não é toda necessidade que receberá
proteção, e, sim, aquelas que o legislador identificou, devido à política econômica do
país, e elencou na legislação previdenciária. O risco a ser coberto está previamente
estabelecido pelo legislador e é uma escolha política.
Na legislação atual, têm-se as contingências sociais que o legislador
constituinte priorizou: doença, invalidez, morte, idade avançada, maternidade,
gestação, desemprego involuntário, prisão e tempo de contribuição.
Tendo aflorado qualquer dos eventos acima e participando o sujeito do
sistema, por meio da prestação do trabalho (se segurado obrigatório) ou da
contribuição facultativa (dona-de-casa, estudantes etc), identifica-se o direito a
algum benefício previdenciário.
Para Daniel Pulino
87
, “as situações de necessidade social que
interessam à proteção previdenciária dizem respeito, sempre, à manutenção, dentro
86
87
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 37.
Ibidem, p.46.
58
de limites econômicos previamente estabelecidos, do nível de vida dos sujeitos
filiados”.
E, nesta esteira, andou bem o Governo, ao editar, recentemente, a
Medida Provisória 242/05, no tocante ao limite do valor do benefício auxílio-doença
ao mesmo salário atual do segurado. É que, como o cálculo do benefício era
efetuado, tendo por base 80% dos salários de todo período contributivo, a partir de
julho de 1994, muitas vezes, seu valor superava o salário atual do segurado, o que
favorecia a perpetuação do evento (doença).
Porém
partidos
políticos
ingressaram
com
Ações
Diretas
de
Inconstitucionalidade, nº.s: 3.467-7, 3.473-1 e 3.505-3, e o Supremo tribunal Federal
deferiu liminar, para suspender a eficácia da Medida Provisória, atentando para o
parágrafo 10 do artigo 29 da Lei 8.213/91, decorrente da alteração trazida por ela,
cujo problema é que modifica a maneira de calcular-se a renda mensal do benefício.
Deste modo, o entendimento é que se tornou inconstitucional.
Na exposição de motivos, alegou-se o aumento do pedido de
benefícios por incapacitação e a necessidade de um freio nessa prática:
Simulando o cálculo de renda mensal inicial - RMI, no caso de um
segurado que tenha contribuído o valor correspondente ao teto
máximo em todo o período contributivo, observamos que a renda do
benefício é superior ao salário do segurado empregado. Portanto, em
muitos casos o segurado não prioriza o retorno ao trabalho, uma vez
que é mais vantajoso permanecer em gozo de benefício.
Considerando que a maior demanda de requerimentos refere-se a
benefícios por incapacidade, é evidente que a alteração do PBC vai
acarretar uma diminuição imediata nos custos da Instituição. Além
desse aspecto, a fixação do PBC em trinta e seis meses vai facilitar
para o segurado o requerimento do benefício e agilizar ainda mais a
concessão dos benefícios via Internet, uma vez que o período a ser
considerado no PBC estará abrangido pela GFIP e
conseqüentemente, haverá maior consistência nos dados do
Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS para o período e
maior confiabilidade nos dados.
Desta feita, a Medida Provisória, além de modificar o cálculo do saláriode-benefício, incrementa o artigo 29 da Lei 9.213/91, com o parágrafo 10:
§ 10. A renda mensal do auxílio-doença e aposentadoria por
invalidez, calculada de acordo com o inciso III, não poderá exceder a
remuneração do trabalhador, considerada em seu valor mensal, ou
seu último salário-de-contribuição no caso de remuneração variável.
59
Não logrou acerto, nesse ínterim, o julgamento da liminar enunciado
pelo Supremo Tribunal Federal, os benefícios previdenciários não se prestam a
melhorar a situação de vida do beneficiário, e, sim, a protegê-lo dos eventos que
poderão ocorrer. São substitutos do salário do indivíduo, e não devem superar o
rendimento atual; no máximo, deve-se mantê-lo.
Autores entendem que o Direito Previdenciário é um ramo jurídico de
direito público. Outros, em menor número, afirmam o caráter privado da Previdência.
E um terceiro setor acredita ser direito social.
Os que classificam o Direito Previdenciário como ramo do direito social
refutam a idéia dicotômica do Direito Público e Privado, para incluir um terceiro
ramo: o social.
É fato que o Direito Previdenciário tem natureza social, mas não se
pode deixar de ter em mente que esse acaba por trazer, em seu escopo, a natureza
publicista do direito, posto que estabelecido por lei.
O regime jurídico previdenciário é um regime de direito público, porque
nasce da lei e objetiva proteger os trabalhadores que se encontram em situação de
risco social, tendo, em mente, o que já foi mostrado, de que o risco atinge toda a
sociedade.
Do exposto, pode-se concluir que o sistema público traz, em seu bojo,
o Regime Geral da Previdência Social, que é um conjunto normativo que intenta
reduzir, ao mínimo, os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice,
invalidez, acidentes no trabalho e desemprego; e deve implementar o bem-estar e a
justiça social.
5.1 Da Norma Jurídica Previdenciária
Wagner Balera88, citando Lourival Vilanova, enuncia que, “Onde haja
direito incidindo em fatos sociais (ou fatos físicos que se tornem relevantes para o
direito), aí estará a relação jurídica”.
E continua:
situações de fato, tanto que definidas como necessidades sociais,
recebem juridicidade. Daí por diante, são objetos de específico
esquema protetivo. A relação jurídica estabelecerá, então, o
88
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 100.
60
conteúdo e as dimensões da prestação que as normas estatuíram
em proveito daquele que tenha sido vitimado pela adversidade.
O autor entende que a relação jurídica é o instrumento de ação que o
Direito Previdenciário utiliza, para proporcionar seguridade.
Quando se discursa sobre benefícios previdenciários, tem-se que o
liame previdência/segurado se estabelece, quando se instala o evento, e é por meio
de prestações que a previdência realiza a proteção da contingência gerada pelo
risco social.
Objetiva a relação jurídica previdenciária propiciar aos beneficiários os
meios de sobrevivência, garantindo-lhe a dignidade da pessoa humana. Essa
relação se instaura por força de lei, a partir das normas postas, que demonstram o
risco que será coberto.
A norma jurídica nada mais é que a previsão hipotética de um fato
qualificado como jurídico, implicando a prescrição de um vínculo entre dois sujeitos,
em torno de um objeto89.
A estrutura básica da relação jurídica compreende, por conseguinte,
sujeitos (ativo e passivo) e objeto (a prestação).
Wagner Balera90 esclarece:
De um lado, temos os sujeitos que vivenciam, dão vida à relação:
aquele que se viu atingido pela contingência geradora da
necessidade (e que, por isso, é beneficiário da proteção social),
denominado sujeito ativo, e aquele a quem cabe prestar a proteção,
chamado de sujeito passivo.
Elucida o autor, embasado em Manoel A. Domingues de Andrade e
Clóvis Bevilacqua, que o primeiro é investido do poder de exigir do outro
determinado comportamento (poder que se denomina direito subjetivo). O segundo
terá o dever (jurídico) de agir conforme aquele comportamento. E que a relação
jurídica tem, por objeto, a prestação, isto é, o comportamento devido pelo sujeito
passivo, que tanto pode consistir na “realização de um fato” como na “dação de uma
coisa”.
Os sujeitos da relação jurídica previdenciária são: O INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social), Autarquia Federal, criada para a concessão e
89
90
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 65.
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 101.
61
manutenção dos benefícios previdenciários; e os segurados: empregados,
contribuintes individuais, avulsos, segurados especiais e os facultativos.
Empregado é aquele que presta serviço, de natureza urbana ou rural, à
empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração.
Traduz-se no conceito trazido pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
O contribuinte individual é aquele que explora atividade agropecuária,
pesqueira e de extração mineral; presta serviço a organismo oficial internacional; o
titular de firma individual; presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter
eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego e é a pessoa física que
exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins
lucrativos.
O trabalhador avulso é aquele que está a serviço de diversas
empresas, sem vínculo empregatício, serviço esse de natureza urbana ou rural.
O segurado especial é o produtor, parceiro, meeiro, arrendatário rurais,
garimpeiro, pescador artesanal que exerçam atividades individualmente ou em
regime de economia familiar, onde os membros da família trabalham em mútua
colaboração e dependência, sem a utilização habitual de empregados.
E o facultativo é aquele que não se enquadra nas outras
denominações, não sendo empregado, contribuinte individual, avulso nem especial.
Sem qualquer relação de trabalho remunerado, pode ingressar no sistema, se
desejar, e fazer suas contribuições, para se ver acobertado por qualquer evento
configurado pela legislação.
Em se tratando de Previdência, as prestações são: benefícios (em
pecúnia) e serviços (habilitação e reabilitação profissional).
No caso presente, tratar-se-á de aposentadoria por idade, portanto,
uma prestação que consiste em benefício, com pagamento em espécie.
Então, têm-se duas partes, uma hipótese e a conseqüência que essa
relação impõe, já que fundada na norma.
Conquanto o custeio, como dito anteriormente, deve ser implementado
por toda a sociedade (trabalhador, empregadores e Estado), a relação jurídica de
prestações da previdência social se dá entre o órgão com competência para gerir a
Previdência Social, que é o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (pessoa
jurídica, autarquia federal criada, para implementar o plano de benefícios) e os
62
sujeitos que só poderão ser pessoas físicas e que, por sua vez, se dividem em
segurados e dependentes.
Para Daniel Pulino91, citando Paulo de Barros Carvalho, o antecedente
ou hipótese é uma previsão hipotética, relacionando as notas que o acontecimento
social há de ter para ser considerado fato jurídico. Abriga o modelo, o conceito do
fato, que permitirá saber se o evento faz ou não parte do conceito abstrato e se
subsume ao arquétipo.
A hipótese de incidência é a previsão de um acontecimento; o evento,
o risco que se forma e que leva ao conseqüente, que é a prescrição do
comportamento entre os dois sujeitos da relação jurídica, regulado por lei.
Constatada a ocorrência do evento taxativamente descrito na norma,
nasce a relação jurídica, determinando-se o dever/direito de cada sujeito da relação.
Dessa forma, dado que qualquer evento acontece em determinado
ponto do espaço e do tempo, haverá três critérios diferentes dentro da hipótese de
incidência: o material (que descreverá o evento), o espacial e o temporal. 92
Explica o autor que, no conseqüente, estarão os critérios próprios que
indicarão quer os sujeitos – ativo e passivo – entre os quais se estabelece o vínculo
jurídico (critério pessoal), quer o objeto do comportamento devido (critério objetivo)
ou quando importe a expressão quantitativa deste objeto – sendo este o caso dos
benefícios previdenciários, prestações em dinheiro (critério quantitativo).
Tais critérios identificam o nascimento e os componentes das normas
jurídicas.
Tomando noção da estrutura genérica das normas jurídicas, tem-se
que analisar aquela que se refere ao direito previdenciário, objeto deste trabalho.
Viu-se, anteriormente, que a hipótese de incidência abriga três
critérios: material, espacial e temporal; e é uma previsão do acontecimento social, o
antecedente das normas gerais que não abriga nem o fato jurídico nem o evento.
Daniel Pulino93, com relação ao critério material, afirma que, no Direito
Previdenciário, consistirá em um fato necessário, que é a contingência social, a
situação de necessidade que o legislador intenta cobrir. É fato que alguns elementos
acidentais podem fazer parte do critério, como é o caso da carência, risco etc.
91
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 68.
Ibidem, p. 66.
93
Ibidem. p. 76.
92
63
Porém ousa-se discordar deste ponto de vista, entendendo-se que a
carência é anterior à incidência, é um pressuposto da qualidade de segurado, que
antecede o critério material. Enquanto o indivíduo não perfaz o número mínimo de
prestações aptas a garantirem a percepção de um benefício, ele não adentra a
hipótese de incidência, pois o direito não se estabelece.
Então, o critério material é a descrição do fato ensejador do direito ao
benefício e esse fato é uma contingência social, uma situação de necessidade, que
se traduz num desequilíbrio econômico na perda, total ou parcial, da renda do
trabalhador.
Esse fator é constante na composição do critério material das normas
previdenciárias. Constará, pois, de todas as normas de incidência previdenciária,
consistindo na descrição de um acontecimento da natureza (v.g. morte natural ou
velhice) ou da experiência social (v.g. desemprego), produtor de situação de
necessidade para aqueles que vivem do próprio trabalho ou para os que retiram seu
sustento de alguém que vive de seu trabalho.94
Corolário básico, a prova da contingência que se instalou. Sendo, por
exemplo, a velhice, deverá ser provado tal fato, mediante os meios legais para tanto.
Como informado, existe, ainda, a carência, que o autor entende fazer
parte do critério material, de que se ousou discordar, mas que se faz necessária,
para que seja instalada a relação jurídica.
A carência é o número mínimo de prestações necessárias que o
segurado tem que pagar, a fim de que possa fazer jus ao benefício.
A regra é a de que os benefícios não têm carência, porquanto o risco
social precisa ser combatido. Não se coaduna com os princípios da seguridade
social, por exemplo, a carência para benefícios relacionados com a saúde do
trabalhador. Ninguém quer ficar doente ou inválido, e, se tal acontece, não é justo
que não tenha direito ao benefício, porque não contribuiu, o suficiente, para tanto.
Mas, infelizmente, tem-se que conviver com tal preceito, que, muitas vezes, impõe
ao trabalhador o desamparo, posto que, não tendo completado o período
necessário, não terá direito ao benefício pretendido.
O critério temporal é o momento em que se deve reputar ocorrida a
materialidade da norma previdenciária, o instante em que se preenche o último
94
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 67.
64
requisito para a percepção do benefício. É quando se reconhece o direito adquirido,
é o instante a partir do qual é devido o benefício.
Nota-se que se considera adquirido o direito quando o beneficiário
preenche todos os requisitos necessários. Por exemplo, na aposentadoria por idade,
deve-se ter adquirido a idade e contribuído com, no mínimo, cento e oitenta
prestações mensais.
Necessário mencionar-se que a perda da qualidade de segurado não
prejudicará o direito à percepção do benefício, se estiverem preenchidos todos os
requisitos necessários à sua concessão.
Trata-se de direito adquirido. Tendo o segurado contribuído pelo
período necessário, perfazendo a hipótese de incidência e tendo sido filiado à
Previdência Social, fará jus ao benefício, mesmo que não seja mais segurado.
Daniel Pulino95 classifica o critério temporal em duas dimensões. Num
primeiro momento, que a designação do critério temporal pode ser feita de forma
explícita (quando indica uma data, determinado ato ou evento etc.) ou implícita
(quando não se refere a nenhuma circunstância particular, caso em que o momento
é o da própria ocorrência do evento). Sob uma segunda perspectiva, quando a
norma fixa a data de início do benefício e, se for o caso, o seu fim.
Para ele, o critério temporal marcará o instante a partir do qual é
devido o benefício, bem como o momento em que ele deixa de ser (pagamento
durante certo período). Como exemplo, o salário maternidade, que tem período
certo, v.g. cento e vinte dias.
Deve-se pensar no artigo 143 da Lei 8.213/91, que impôs prazo, para o
trabalhador rural requerer a aposentadoria por idade ou invalidez, sem ter
contribuído, mas provando o trabalho no campo, durante o mesmo período de
carência necessária para a concessão do benefício.
Essa legislação determina que o prazo decadencial para os
trabalhadores rurais requererem benefício é de quinze anos, prazo esse que se
esgota no ano de 2006.
O critério espacial verifica a condição, no espaço, do evento descrito
materialmente. Apesar de poder, a contingência social dar-se no território ou fora
dele, a outorga das prestações restringe-se aos filiados ao sistema.
95
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 78.
65
A lei previdenciária abrange os sujeitos cujas relações de trabalho
estejam sob a égide da lei brasileira, mesmo que prestando serviço fora do país. É o
caso, por exemplo, dos empregados em agência de empresa nacional em missão
diplomática etc.
Existem, portanto, casos de extraterritorialidade, que se configuram e
que justificam a incidência da norma previdenciária.
Para se instaurar a relação jurídica, há, também, que se analisar o
conseqüente normativo, o comando jurídico que determina, após a ocorrência do
fato jurídico-previdenciário, a instauração de relação jurídico-concessiva da
prestação (benefício e serviço) pela Previdência ao beneficiário.
Estão, então, fixados os critérios que presidirão a formação da relação
que vinculará os sujeitos passivo e ativo da relação, que, no caso em tela, é o INSS
(passivo) e o beneficiário (ativo), aquele filiado ou seu dependente.
Como identifica Wladimir Novaes Martinez 96 , “os sujeitos do vínculo
nascente da obrigação de o órgão gestor ministrar as prestações, embora igual um
dos pólos (gestor), os destinatários da proteção social são apenas pessoas físicas:
os beneficiários”.
Percebe-se que existe uma obrigação, e não mera faculdade de o
órgão previdenciário conceder as prestações, é uma determinação constitucional. A
partir do momento em que se instala o risco, uma vez satisfeita a carência, nasce
para o segurado ou dependente o direito ao benefício condizente.
Como mencionado acima, os destinatários da norma previdenciária são
os sujeitos ativos, divididos em duas classes: segurados e dependentes. Os
segurados, por sua vez, se dividem em obrigatórios e facultativos.
Os segurados obrigatórios são aqueles que exercem trabalho
remunerado ou não. O simples fato de exercer atividade gera o vínculo com a
Previdência, desde que não esteja protegido por outro regime, por exemplo,
servidores públicos federais.
O fato de exercer uma atividade remunerada gera a filiação da
pessoa à Previdência Social, tornando-se dela beneficiário. Pode ser
que essa pessoa passe a vida toda sem auferir qualquer benefício
96
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. Noções de direito previdenciário. 2. ed.
São Paulo: Ltr, 2001. p. 207. Tomo I
66
previdenciário, por não verificar-se, para ela, o evento que a tornaria
credora da prestação mencionada na legislação de previdência.97
E é correto. O segurado poderá nunca adentrar a relação jurídica que
lhe dê direito à percepção de benefício, seja porque, por exemplo, não está doente,
não atingiu a idade ou não venha a perfazer o período de carência necessário para
receber benefício, mas tal fato não descaracteriza a condição de segurado, de
participante do sistema de previdência social.
Os segurados facultativos são aqueles que não exercem trabalho que
se subsuma no regime previdenciário e que possuam, pelo menos, dezesseis anos,
já que a Constituição Federal proibiu o trabalho do menor inferior a esta idade.
Os dependentes são aqueles que vivem do sustento do segurado, que
dele dependem. São: o cônjuge, companheiro (a), filhos menores de vinte e um anos
ou inválidos, pais e irmãos menores ou inválidos e, ainda, o tutelado e o enteado,
sendo que o cônjuge, o companheiro ou a companheira e os filhos não precisam
provar que vivem às suas expensas, posto que a dependência é presumida; os
demais devem utilizar os meios de provas cabíveis, para provar que dele
dependiam.
O sujeito passivo dessa relação é o INSS, autarquia criada pela União,
para administrar o sistema previdenciário.
Para complementar, o critério quantitativo, ou seja, a prestação em
pecúnia ou serviços, o objeto a ser concedido, que, para se quantificar, deve ser um
benefício, pois os serviços não são mensuráveis a esse ponto. O valor do benefício
pode variar em função da política social aplicada pelo país. Por exemplo: o saláriofamília foi decomposto em dois patamares, onde quem percebe salário, até um
determinado valor, recebe mais que aqueles que estão em outra faixa salarial. E
existem aqueles que nada recebem, porque ultrapassam o montante considerado
“baixa renda” pelo legislador infraconstitucional.
Via de regra, o valor do benefício resulta da conjugação da alíquota e
da base de cálculo. A base de cálculo geralmente é uma média dos salários-decontribuição do segurado, que é aferida em função da sua remuneração, quando
segurado obrigatório; ou em virtude do valor pago, quando contribuinte facultativo.
97
OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Os benefícios. In: Curso de direito previdenciário. Homenagem a Moacyr
Velloso Cardoso de Oliveira. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2002. p. 81-117.
67
Já a alíquota é a fração, o coeficiente que deve ser aplicado sobre a base de cálculo,
para dar o valor do benefício devido. Exemplo: o auxílio-acidente, que tem base de
cálculo de 50% do salário-de-benefício.
Para a percepção de benefício previdenciário, é necessário que ocorra
a correspondência entre a norma e o evento, um acontecimento que se encaixa na
descrição da norma, trazendo os elementos necessários: material, espacial e
temporal. Essa é a incidência que satisfaz a relação jurídica. E que a relação entre
os sujeitos se encaixe na regra-matriz da incidência previdenciária.
68
6 DA APOSENTADORIA POR IDADE
A Constituição Federal, após a Emenda Constitucional nº 20, de
15/12/1998, em seu artigo 201, enuncia que a Previdência Social será organizada
sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, sendo que,
em seus parágrafos, impõe certos preceitos a serem acatados.
No parágrafo sétimo, está descrito que a aposentadoria deveria
obedecer às condições de idade e contribuição. Porém a interpretação, equivocada
(intencionalmente ou não), que se deu à época e que ainda vigora é a de que
continuam em vigência duas aposentadorias: por tempo de contribuição (trinta e
cinco anos, homem, e trinta, mulher); e por idade (sessenta e cinco anos, se homem,
e sessenta anos, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores
rurais).
A Lei 8.213/91 distingue as prestações em benefícios, que são em
pecúnia e os serviços.
A aposentadoria por idade é um benefício de prestação continuada,
que pode ser concedida aos trabalhadores urbanos e rurais, devida aos segurados
que fazem parte do rol dos segurados obrigatórios, bem como ao facultativo, que
contribui voluntariamente e ao trabalhador rural que não verteu contribuição aos
cofres públicos.
A norma previdenciária impôs a carência de cento e oitenta
contribuições mensais para esse benefício, ao passo que a legislação anterior falava
em sessenta contribuições. Mas a Lei Previdenciária atual trouxe uma regra de
transição insculpida no artigo 142 para aqueles que já participavam do sistema antes
de sua regulamentação.
Então, se o segurado, até o ingresso da lei, contava com sessenta
prestações, havia adquirido o direito á aposentação, desde que preenchidos os
outros requisitos necessários para tanto.
Para aqueles que ainda não haviam adquirido tal direito, mas eram
participantes, estavam filiados ao sistema de previdência social antes da
promulgação da lei, a tabela constante do artigo mencionado deveria ser utilizada,
para verificar quando se daria o prazo para a percepção do benefício. Para
exemplificar, em 1991, eram exigidos sessenta meses de contribuição; no ano de
69
2005, cento e quarenta e quatro, e, no último ano de transição para a implementação
das condições, isto é, 2010, cento e setenta e quatro. Após a exigência será de
cento e oitenta meses de contribuição.
Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até
24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador
rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das
aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial
obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o
segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção
do benefício:
Carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial
Ano de implementação das condições
Meses de contribuição exigidos
1991
60 meses
1992
60 meses
1993
66 meses
1994
72 meses
1995
78 meses
1996
90 meses
1997
96 meses
1998
102 meses
1999
108 meses
2000
114 meses
2001
120 meses
2002
126 meses
2003
132 meses
2004
138 meses
2005
144 meses
2006
150 meses
2007
156 meses
2008
162 meses
2009
168 meses
2010
174 meses
70
2011
180 meses
Para os que ingressaram no sistema após a lei, a carência passa a ser
de cento e oitenta prestações mensais, não sendo possível aplicar-se a regra de
transição, posto que a lei que rege a concessão de benefícios para esses
participantes é a lei atual, que impôs essa carência aos partícipes do sistema, só
excetuando aqueles que já estavam sob a égide da legislação anterior, mas que não
tinham adquirido o direito à aposentadoria.
A lei previdenciária prevê a aposentadoria por idade ao trabalhador
urbano que, cumprida a carência exigida completar - sessenta e cinco anos de
idade, se homem, e sessenta, se mulher. Para o trabalhador rural, os limites são
reduzidos em cinco anos, razão por que, os homens se aposentam com sessenta
anos e as mulheres, com cinqüenta e cinco.
Há que se mencionar a aposentadoria por idade compulsória, que é
aquela requerida pela empresa, que ocorre, quando o segurado empregado,
cumprida a carência, restar com setenta anos de idade, se homem, e sessenta e
cinco, se mulher.
Essa espécie de aposentadoria difere da aposentadoria compulsória
prevista no Regime Próprio do Servidor Público, na qual não há discricionariedade
da empresa em requerer ou não a aposentadoria, para a qual, uma vez alcançada a
idade, não poderá o servidor público permanecer em serviço, devendo dele afastarse no dia seguinte àquele em que completou a idade.
O mesmo não acontece com o Regime Geral de Previdência Social,
onde existe a faculdade de o empregador que tem a opção, em querendo, poder
continuar com o empregado, prestando-lhe serviços ou requerer sua aposentadoria.
A cobertura que esse benefício oferece não é o padrão mínimo de
sobrevivência, mas a proteção até o teto considerado pelo legislador como válido,
para garantir o orçamento familiar, posto que o valor do benefício será calculado,
considerando-se os salários de contribuição corrigidos monetariamente, exceto para
o trabalhador rural que não verteu contribuição para os cofres da Previdência Social.
Para este, o valor do benefício é um salário mínimo e ele deverá provar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período
imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de
71
meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido. E, por
não precisar fazer prova do ganho habitual, o benefício, como dito anteriormente,
será de um salário mínimo.
Para comprovação do trabalho rural, não basta apenas prova
testemunhal. Ao contrário, faz-se necessário um início de prova material
contemporânea aos fatos que se quer provar, isto é, o trabalho rural. É o que
determina a Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
O benefício de aposentadoria por idade do trabalhador rural que não
verteu contribuições para a Previdência é um benefício excepcional, que tende ao
desaparecimento, pois o artigo 143 da Lei 8.213/91 determina que o trabalhador
rural poderá requerê-lo por quinze anos. E esse prazo estar-se-á expirando em
breve.
Portanto, têm-se três espécies de aposentadoria por idade: do
trabalhador urbano, do rural, ambos com contribuição, e de um salário mínimo para
o trabalhador rural que não verteu contribuições para o sistema.
6.1 Breve Histórico da Aposentadoria por Idade
A aposentadoria por idade é um benefício de natureza previdenciária e,
portanto, restrito aos contribuintes/trabalhadores participantes do sistema público de
previdência social, por meio do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Consoante Manoel Alonso Olea 98 , “de todos os riscos de cobertura
pela seguridade social, este é o mais importante, porque a velhice se caracteriza
pela ocorrência freqüente, agravada pelo aumento da idade média da população”.
De fato, os dados governamentais demonstram que a idade média do
brasileiro aumentou e, com isso, o aposentado percebe benefício por mais tempo,
influenciando nos valores que devem ser vertidos para o custeio e nos pagamentos
de benefícios.
José Manoel Almansa Pastor 99 entende que a velhice constitui uma
das contingências protegidas, como causa primeira da necessidade social, e
98
ALONSO OLEA, Manuel. Instituciones de seguridad social. 7. ed. Madrid: Centro de Estúdios
constitucionales, 1979. p. 289.
99
ALMANSA PASTOR, José Manuel. Derecho de la seguridad social. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1977. p. 335. v.
I.
72
consiste na incapacidade de ganho por “defeito de ingresso”, devida pela cessação
do trabalho por incapacidade fisiológica presumida por causa da idade.
Para o autor, essa espécie de aposentação se diferencia das outras
contingências por força da necessidade social e econômica, dada pela incapacidade
de ganho por falta de vigor físico, para gerá-lo, o que difere de outras contingências
onde existe um excesso de gasto (doença, morte etc.). E, por sua vez, esse “defeito
de ingresso”, ou seja, a falta do ganho se deve pela cessação do trabalho, em
virtude da incapacidade fisiológica presumida, que a idade avançada produz e que é
uma incapacidade fisiológica normal.
José Francisco Blasco Lahoz, Juan López Gandía e Maria Ángeles
Momparler Carrasco 100 conceituam a aposentadoria por idade como “prestación
económica, única para cada beneficiario y consistirá en una pensión vitalicia, que le
será reconocida, en las condiciones, cuantía y forma que reglamentariamente se
determinen, cuando, alcanzada la edad establecida, cese o haya cesado en el
trabajo por cuenta ajena”.
Visa a aposentadoria por idade à proteção do trabalhador, quando da
impossibilidade de exercer trabalho, por estar em idade avançada, o que o dificulta
ou impede o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
Esse benefício teve início com Otto Von Bismarck, como dito acima,
que criou o seguro de invalidez e velhice em 1889.
A França, em 1898, promulgou norma sobre a assistência à velhice e
aos acidentes de trabalho.
Na Inglaterra, apareceu, em 1907, o sistema de assistência à velhice e
a acidentes do trabalho. Em 1908, apareceu o Old Age Pensions Act, que concedeu
pensões aos maiores de 70 anos, independente de contribuição. Em 1911, foi
estabelecido o National Insurance Act, determinando a aplicação de um sistema de
contribuições a cargo do empregador, do Estado e do empregado.
O México foi o primeiro país a incluir o seguro social em sua
Constituição, o que se deu em 1917.101
100
BLASCO LAHOZ, José Francisco, LÓPEZ GANDÍA, Juan e MOMPARLER CARRASCO, Maria Ángeles.
Curso de seguridad social- régimen general y prestaciones no contributivas. 6. ed. Valença: Tirant lo blanch,
1999. p. 412.
101
PICELI, Eros. Direito previdenciário e infortunística. São Paulo: CPC, 2001. p. 11.
73
O New Deal, nos Estados Unidos, com a doutrina do bem-estar social,
visou a combater os riscos, como o desemprego e a velhice.
O Plano Beveridge, de 1942, da Inglaterra, também propôs um
programa social, garantindo ingressos suficientes, para que o indivíduo ficasse
acobertado por certas contingências sociais ou quando não pudesse trabalhar.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, contém,
entre outros direitos fundamentais da pessoa humana, a proteção previdenciária,
posto que “todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a
sua família saúde e bem-estar”, reconhecendo o direito à seguridade no caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios
de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
A primeira Constituição Brasileira que previu um sistema previdenciário
foi a de 1934, assegurando os riscos de velhice, invalidez, maternidade, morte e
acidente do trabalho.
Após, muitas legislações foram promulgadas, como exposto acima.
Porém o destaque foi a Lei 3.807, de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social
(LOPS), que criou o Regime Geral de Previdência Social, instituindo uma disciplina
única para todas as categorias de trabalhadores, generalizando e unificando, em um
só modelo, a proteção social de todos os trabalhadores relacionados às atividades
privadas, ampliando os benefícios e estendendo a assistência social a outras
categorias profissionais, além de cobrir, entre outros, a idade avançada.
A Lei 4.214, de 1963, criou o Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (FUNRURAL) para a proteção do mesmo, proteção essa que deixou muito a
desejar até a novel Carta Maior, que impôs a equivalência entre trabalhadores
urbanos e rurais.
A Lei Complementar n. 11, de 1971, instituiu o Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (Pro-Rural), substituindo o plano básico, onde não
se preconizava a contribuição do trabalhador, que tinha direito à aposentadoria por
velhice, invalidez, pensão e auxílio-funeral, no valor de meio salário mínimo. O Dec.
69.919, de 1972, regulamentou o Pro-Rural, que, mais tarde, foi modificado pela Lei
Complementar 16, de 1973.
Em seguida, todas as Constituições trouxeram a aposentadoria por
idade em seu bojo, cujo grande marco foi a de 1988, que, além de conter um
capítulo sobre a seguridade social, equiparou os trabalhadores urbanos aos rurais,
74
que será objeto de menção neste trabalho. E, ainda, em seu art. 6º, enunciou a
Previdência Social como um direito social. Ademais, no título VIII Da ordem social,
estão os objetivos a serem alcançados, bem como os princípios descritos acima, que
devem ser observados, para se alcançarem o bem-estar e a justiça sociais.
A Constituição Federal, após a Emenda Constitucional nº 20, de
15/12/1998, em seu artigo 201, enuncia que a Previdência Social será organizada
sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, sendo que,
em seus parágrafos, impõe a conjunção de vários requisitos. Por exemplo, no
parágrafo sétimo, está descrito que a aposentadoria deveria obedecer às condições
de idade e contribuição. Porém, a interpretação, equivocada (intencionalmente ou
não), que se deu à época e que ainda vige é a de que continuam em vigor duas
aposentadorias: por tempo de contribuição (trinta e cinco anos, homem, e trinta
anos, mulher); e por idade (sessenta e cinco anos, se homem, e sessenta anos, se
mulher, reduzido, em cinco, anos o limite para os trabalhadores rurais).
Para Marcelo Leonardo Tavares102,
O projeto de emenda constitucional previa, inicialmente, a reunião
dos critérios de idade e de tempo de contribuição para a fruição da
mesma aposentadoria, o que foi rejeitado pelo Congresso por
ocasião
da
aprovação,
mantendo-se
distintamente
as
aposentadorias.
Acredita o autor que o que “salvou” os segurados filiados até a data da
Emenda Constitucional n. 20, de 16/12/1998, foi a regra de transição estabelecida no
artigo 9º ou o parágrafo 7º do artigo 201.
Para o INSS, existe entendimento de que não se faz necessário
conjuminar a idade e o tempo de contribuição. Portanto, se o beneficiário contar com
trinta e cinco anos de contribuição (homem) e trinta anos (mulher), não se perquerirá
a idade, e a aposentadoria será concedida.
Apenas para argumentar, os servidores públicos federais não tiveram a
mesma sorte, pois, para conseguirem suas aposentadorias precisaram satisfazer os
requisitos de tempo de contribuição e idade juntamente, além de outros, como:
tempo de serviço público, tempo de serviço no cargo etc., dificultando-lhes o acesso
à aposentação, aprofundando, ainda mais, as dissemelhanças existentes entre os
regimes previdenciários.
102
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p.102.
75
A lei atual prevê a concessão da aposentadoria por idade aos
trabalhadores urbanos e rurais, desde que haja um período de carência para a
percepção da aposentação, exceto para o trabalhador rural que não tem
contribuição, que deverá provar o labor no campo, pelo mesmo período de carência
exigido para o benefício.
A aposentadoria por idade tem por meta proteger o risco do
envelhecimento, o alcance da idade avançada, que acarreta a perda ou diminuição
da capacidade laboral.
Autores informam que o risco que se apresenta, nesse caso, é incerto
na medida em que pode não acontecer, isto é, conhece-se a data do alcance da
idade, mas não se pode precisar se a mesma ocorrerá, pois poderá instalar-se outro
risco, como, por exemplo, a morte, a invalidez etc.
José Manoel Almansa Pastor103 conceitua a velhice em dois sentidos
distintos, dos quais depende o critério que justifica sua proteção e, em última
análise, a própria visão e configuração da velhice no sistema concreto de seguridade
social.
Num primeiro sentido, a velhice é vista como sinônimo de ancianidade,
como último período da vida do homem. Basta alcançar-se esse período com o
cumprimento da idade, para encontrar-se em situação de velhice.
O autor justifica a proteção no direito ao descanso, concedida como
uma contraprestação ou recompensa pelos anos de atividade produtiva. A entidade
de proteção se configura como uma poupança durante o período de atividade laboral
e extraída do produto desta, para ser destinada ao descanso do ancião.
Num segundo sentido, a velhice é sinônimo de senilidade, entendida
como minoração psicossomática produzida pela erosão do tempo.
A proteção, nesse caso, não se fundamenta no direito ao descanso,
mas se justifica pela situação de necessidade social em que se instala a
incapacidade fisiológica que o impede de exercer o trabalho. A proteção é
qualificada como retiro, como apartamento das ocupações habituais, dado que a
incapacidade fisiológica o impossibilita de continuar a exercer atividade laboral. A
aposentadoria não aparece como resultante do tempo de serviço, mas atende a
necessidade social, que consiste na incapacidade laboral.
103
ALMANSA PASTOR, José Manuel. Derecho de la seguridad social. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1977. p. 331.
v. I.
76
Para Miguel Horvath Junior 104 , os sistemas de Seguridade Social
qualificam o atingimento da idade legal para a aposentadoria, sob dois aspectos: 1)
como contraprestação ou recompensa pelos anos de atividade produtiva do
segurado (ancianidade); e 2) como incapacidade presumida (senilidade), cuja
presunção é absoluta, não precisando ser provada. E é esse critério aprovado pela
OIT e seguido pela legislação pátria.
Entende Miguel Horvath Junior que
a proteção se justifica não como um direito ao descanso, mas tem
por base uma situação de necessidade social provocada pela
redução da capacidade laboral em decorrência do processo biológico
de envelhecimento que acarreta lentidão de raciocínio, reações mais
lentas, dificuldade de aprendizado; diminuição auditiva, etc.
Infere-se, ademais, que a proteção, cujo risco idade se avizinha, retira
do sujeito a competitividade, uma vez que, no mundo atual, cuja celeridade é a
tônica, o fato de o indivíduo se tornar mais lento faz com que tenha, cada vez
menos, o perfil procurado pelos empregadores; e o desemprego poderá bater-lhe às
portas, impingindo-lhe o afastamento involuntário do meio laboral.
Pretende-se que a contingência cujo acontecimento gera a situação de
necessidade seja amparada, posto que retira do beneficiário as condições de
subsistência, trazendo-lhe um desequilíbrio econômico, que compromete seu
sustento, impossibilitando-o de manter-se e aos seus.
6.2 Hipótese de Incidência
Para se adquirir o direito a um benefício previdenciário, é necessário
que a descrição de um acontecimento (risco) social se encaixe na norma
previdenciária e, assim, na descrição abstrata da regra-matriz de incidência
previdenciária.
Os ditames legais, no caso, a Lei 8.213/91 enuncia as espécies de
direitos (benefícios) que o segurado poderá requerer e, a partir do evento causador
da necessidade social, tendo cumprido a carência necessária, o beneficiário terá
direito a perceber o benefício disposto na norma.
104
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 154.
77
A descrição normativa exige três elementos específicos para a
concretização do direito: material, especial e temporal.
Esses elementos devem estar em consonância com os critérios
estabelecidos na regra-matriz de incidência.
Mas não só isso desencadeia o direito ao benefício. Deve-se, ainda,
aferir a carência necessária, para que o segurado possa adentrar a norma e
preencher os requisitos tendentes à concessão do direito. Necessário aferir-se,
também, o conseqüente da regra-matriz do benefício.
No caso em tela, como se viu, são três as espécies de aposentadoria
por idade: do trabalhador urbano, do rural, ambos com contribuição, e de um salário
mínimo para o trabalhador rural que não verteu contribuições para o sistema. A
materialidade, portanto, é alcançada diferentemente, nos três casos.
O legislador entendeu que o rural tem um desgaste físico maior que o
trabalhador urbano, diminuindo o requisito “idade” em cinco anos. Em decorrência,
como mencionado dantes, o trabalhador urbano se aposenta com sessenta e cinco
anos (homem) e sessenta anos (mulher), enquanto o rural, com sessenta anos
(homem) e cinqüenta e cinco anos (mulher).
O art. 18, § 2º, da Lei Previdenciária demonstra que o aposentado que
permanecer ou retornar ao trabalho não terá direito à percepção de nenhum
benefício decorrente da atual atividade, exceto salário-família e reabilitação. Dessa
forma, tendo retornado o aposentado por idade ou tempo de contribuição, se se
tornar inválido, por exemplo, não terá direito à aposentadoria por invalidez, mesmo
porque o artigo 124, II, da Lei lhe veda a percepção de mais de uma aposentadoria.
O art. 24, que diz respeito ao período de carência, para que o benefício
seja concedido, impõe, em seu parágrafo único, que, havendo perda da qualidade
de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas, para
efeito de carência, depois que o segurado contar, a partir de nova filiação, com, no
mínimo, 1/3 do número de contribuições exigidas a fim de que se estabeleça a
relação jurídica previdenciária.
Desse modo, a aposentadoria por idade tem a carência estabelecida
em cento e oitenta prestações. Conseqüentemente, havendo a perda da qualidade
de segurado, este necessitava contribuir por mais sessenta, sendo que o total não
poderia ser menos que a carência exigida. Por exemplo: um segurado que conta
com cem contribuições, tendo perdido a qualidade de segurado e retornado ao
78
sistema, necessita pagar mais oitenta contribuições, e não apenas sessenta. Por
outro lado, se o mesmo segurado completou cento e cinqüenta, necessitará
contribuir com mais sessenta, porquanto perdeu a qualidade de segurado, devendo,
a partir de nova filiação, acatar o que dispõe o artigo em comento.
A legislação foi modificada pela novel norma, Lei 10.666, de 8 de maio
de 2003, que dispõe sobre a concessão da aposentadoria especial ao cooperado de
cooperativa de trabalho ou de produção e dá outras providências. É fato que a
norma reza sobre aposentadoria para os cooperados. Entretanto artigos foram
introduzidos, com o fim de regulamentarem a concessão de benefício a todos os
segurados, quer sejam cooperados, quer não.
Nessa lei, a perda da qualidade de segurado não retira do trabalhador
o direito ao benefício, tendo implementado todas as condições, posto que é direito
adquirido, como ficou estabelecido no artigo 3º, parágrafo 1º:
Art. 3º.
Parágrafo 1º. Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da
qualidade de segurado não será considerada para a concessão
desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o
tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de
carência na data do requerimento do benefício.
Antes de a Lei 10.666/03 entrar em vigor, o entendimento do Poder
Judiciário, embora não unânime, inclinava-se à concessão da aposentadoria por
idade, mesmo se o beneficiário tivesse perdido a qualidade de segurado, por ter
deixado de contribuir após o período de manutenção nesse status.
Afirmava o Judiciário que se tratava de direito adquirido. Tendo o
sujeito completado a idade e tendo vertido, aos cofres públicos, o montante de
contribuições necessárias, mesmo que não se dessem os requisitos ao mesmo
tempo, havia direito à percepção do benefício.
A polêmica que se gerou foi no tocante ao tempo em que o segurado
deveria pagar, antes de adquirir tal direito. Uns entendiam que, se houve a perda da
qualidade de segurado, tendo ingressado a posteriori, ou seja, tendo reingressado
no sistema, após a Lei 8.213/91, o período de carência deveria ser de cento e
oitenta contribuições mensais. Outros concluíam que a carência deveria ser aferida
pela regra de transição, no momento do pedido da aposentadoria. Outros mais
entendiam que a regra de transição deveria ser analisada, quando do implemento da
idade, isto é, observando a tabela do artigo 142 c.c. a idade do segurado, na data
79
em que o mesmo completou sessenta e cinco anos (se homem) e sessenta anos (se
mulher), sendo que o rural tem a idade diminuída em cinco anos.
Assim se manifestam os Tribunais:
1Acórdão da Terceira Região em Apelação Cívil, Processo:
2004.03.99.014101 da Sétima Turma, datado de 10/03/2005, Relator
Juiz Antonio Cedenho, entendeu-se que a perda da qualidade de
segurado é irrelevante também para o rurícola, bastando o
preenchimento dos requisitos idade e comprovação da atividade rural
pelo período estabelecido no artigo 142 da lei nº 8.213/91.
2Acórdão da Terceira Região em Apelação Cívil, Processo:
95.03.063124-6 da Sétima Turma, datado de 13/12/2004, Relator
Juiz Walter do Amaral, entendeu-se que a parte autora faz jus à
concessão do benefício de aposentadoria por idade, uma vez
demonstrada a implementação, ainda que não simultânea, dos
requisitos legais, nos termos da legislação previdenciária. A Lei
10.666/03 desconsiderou a perda da qualidade de segurado como
condição ao recebimento do benefício previsto no artigo 48, da Lei
8.213/91, exigindo somente o tempo de contribuição referente ao
período de carência, na data do requerimento do benefício.
Por conseguinte, alguns entendimentos desprezam o artigo 102, que
enuncia que a perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos
inerentes a essa qualidade, despertando para o parágrafo primeiro, que afirma não
prejudicar o direito adquirido à aposentadoria, se preenchidos os requisitos segundo
a legislação em vigor, à época em que os mesmo foram atendidos.
Tem-se então, que, mesmo que os requisitos tenham sido preenchidos
após a perda da qualidade de segurado, a legislação atual admite a percepção do
benefício, se os requisitos necessários foram completados.
Vários entendimentos ainda estão tramitando, sem que haja uma
unificação dos mesmos:
1 O acórdão no processo RESP 494570/RS; recurso especial
2003/0018037-3 relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma,
em 23/03/2004, entendeu que para os trabalhadores que perderam a
qualidade de segurado, a carência é de cento e oitenta meses, pois a
norma do artigo 142 da Lei nº 8.213/91, que fixa prazos reduzidos de
carência, destina-se tão-somente ao "segurado inscrito na
Previdência Social Urbana na data da publicação desta lei", restando
excluídos da sua incidência aqueles que perderam a qualidade de
segurado e somente voltaram a contribuir para a Previdência Social
após a edição da Lei nº 8.213, em 24 de julho de 1991;
2 – No Acórdão ERESP 336003/RS, embargos de divergência no
recurso especial 2002/0003631-5, relator Ministro Paulo Gallotti,
entendeu-se que é irrelevante a perda da qualidade de segurado se
os requisitos estão preenchidos;
80
3 – No Acórdão, RESP 327799/SP, recurso especial
2001/0073661-9 Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma Datado
de 04/12/2003, entendeu que o trabalhador rural deve atender ao
comando legal, comprovando o exercício da atividade agrícola
equivalente ao período de carência exigida, à época, da concessão
do benefício previdenciário de aposentadoria por idade. A não
comprovação da carência gera a perda da qualidade de segurado
especial.
4 – Acórdão em RESP 526600/PE, Recurso Especial
2003/0074277-2 Relator Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma Data do
Julgamento 05/02/, entendeu-se que a perda da qualidade de
segurado ocorrida após o preenchimento do requisito da idade
mínima e do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas
não impede a concessão de aposentadoria por idade.
5
Processo
RESP
505988/RS,
Recurso
Especial
2003/0033666-0 Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma Data do
Julgamento 10/06/2003 aceitou-se que a lei resguarda o direito
adquirido à aposentadoria por idade tão-somente quando os
requisitos para sua concessão, quais sejam, idade mínima e número
de contribuições exigidas, foram preenchidos antes da perda da
qualidade de segurado. Precedentes da Quinta e Sexta Turmas.
Nota-se que existem decisões concedendo a aposentadoria, tendo o
beneficiário perdido a qualidade de segurado, mas havendo o preenchimento dos
requisitos (idade e carência), mesmo que em momentos distintos.
Outros argumentam que os requisitos devem ocorrer simultaneamente,
para que se possa usufruir da regra de transição do artigo 142 da lei 8.213/91, pois,
se houve a perda da qualidade de segurado, este deverá contar com cento e oitenta
contribuições, para ter direito ao benefício em tela.
Decisões afirmam que, com relação ao trabalhador rural que não
verteu contribuições, tendo havido a perda da qualidade de segurado, o mesmo fará
jus ao benefício, se tiver trabalhado no período necessário à carência do benefício e
tendo a idade, inclusive se os requisitos não se derem ao mesmo tempo.
Acórdãos existem, no sentido de impedir a percepção do benefício, se
o trabalhador rural não estivesse exercendo seu mister no período imediatamente
anterior ao pedido de benefício.
Conclui-se que existem decisões diferentes, o que provoca a
desigualdade entre os participantes do sistema.
Mas necessário atentar-se para o estudo abaixo, uma vez que se faz
um razoável entendimento a respeito do tema.
81
Trata-se de decisão cuja análise deve ser refletida, a fim de que não se
dêem decisões incongruentes e tão díspares, quanto as que se viu acima.
“RECURSO JEF Nº 2002.71.08.014580-3/RS
RELATOR: Juiz Daniel Machado da Rocha
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECORRIDO: ALSINA CARLETTI GIEHL
ADVOGADO : JOAO GILNEI BATISTA DOS REIS
ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
Dispensado o relatório, na forma do artigo 38 da Lei n° 9.099/95.
II - VOTO
Trata-se de apreciar recurso do INSS contra a sentença de primeiro grau que
teve por bem determinar a concessão do benefício de aposentadoria por
idade à demandante, a contar da data do requerimento administrativo.
Salienta, no ponto, a impossibilidade de contar-se, como carência, o período
em que percebido benefício por incapacidade (no caso, auxílio-doença).
1. Aposentadoria por idade e período de carência
O Plano de Benefícios da Previdência Social disciplina a aposentadoria por
idade nos artigos 48 a 51, indicando, como requisitos: a) manutenção da
qualidade de segurado (requisito genérico para todas as prestações, o qual
só pode ser dispensado, expressamente, pela lei, nunca presumido); b) a
idade de 65 anos para o homem e de 60 para mulher (com redução de 05
anos para os trabalhadores rurais); e c) a carência de 180 contribuições
mensais.
Merece ser enfocada, também, a norma contida no artigo 142 da Lei n°
8.213/91, uma vez que aplicável a todo o Regime Geral:
"Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de
julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos
pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por
tempo de serviço e especial, obedecerá a seguinte tabela, levando-se em
conta o ano em que o segurado implementou todas as condições
necessárias à obtenção do benefício: (Artigo com a redação dada pela Lei n.
9.032, de 28 de abril de 1995)"
A legislação anterior exigia a carência de 60 contribuições mensais para as
aposentadorias, com exceção da aposentadoria por invalidez. A novel
legislação aumentou sensivelmente o prazo de carência, sendo bastante
razoável o estabelecimento de uma regra de transição para os segurados
que já eram filiados ao sistema até 24 de julho de 1991. Com a filiação, o
trabalhador adquire a qualidade de segurado, independentemente da
inscrição, que é o ato formal necessário para o exercício dos direitos
inerentes à relação jurídica de previdência social.
2. Aplicação da regra de transição para reaquisição da qualidade de
segurado após a vigência da Lei nº 8.213/91
A razão fundamental da regra do art. 142 é aplicar gradativamente o
implemento da nova carência exigida, a qual restou triplicada no regime da
Lei nº 8.213/91. Por isto quem ingressa no sistema após 27/07/1991 já sabia
82
que a carência seria de 180 meses para as aposentadorias. Quem se
vinculou ao regime geral anteriormente tinha a expectativa de que a carência
seria de 60 meses. No meu modo de ver, a perda da qualidade de segurado
é uma situação que suspende os efeitos da proteção previdenciária, a qual
será restabelecida com a nova filiação, pois as contribuições vertidas
anteriormente pertencem ao patrimônio jurídico-previdenciário do segurado e
não podem ser totalmente desprezadas por ocasião do restabelecimento da
filiação. Mesmo na previdência privada, quando o trabalhador se retira de
uma instituição de previdência, pelo instituto da portabilidade elas deverão
ser consideradas após a nova vinculação com outro instituto previdenciário.
É justamente para disciplinar o tempo de vinculação anterior que existe o
parágrafo único do artigo 24.
Além disso, como o legislador não restringiu a aplicação da regra de
transição, parece correto entender que ela vale inclusive para o segurado
que perdeu esta qualidade, desde que tenha novamente readquirido este
status e cumpra o favor legal do parágrafo único do artigo 24 da Lei de
Benefícios. Outra interpretação representaria limitar a abrangência da regra,
fazendo-se distinção onde o legislador não distinguiu.
Consagrando a interpretação que entendo adequada, pode ser citado o
seguinte precedente:
"Previdenciário. Aposentadoria por idade. Norma transitória. Perda da
qualidade de segurado. Contribuições anteriores. Cômputo. Regra. O
segurado inscrito na Previdência Social antes de 24/07/91 encontra-se
protegido por norma transitória constante no art. 142 da Lei nº 8.213/91, que
estabelece uma tabela progressiva do período de carência para as
aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial. A legislação
previdenciária fixou regra acerca do aproveitamento das contribuições
anteriores em caso de perda da qualidade de segurado, exigindo que o
beneficiário contribua com, no mínimo, 1/3 do número de contribuições
necessárias para o cumprimento da carência do benefício a ser requerido
para que se possa computar as contribuições efetuadas em filiação anterior.
Agravo regimental a que se nega provimento." (Agravo Regimental no RESP
nº 512.598/PR, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 19.08.03)
3. Simultaneidade dos requisitos idade e carência
No regime da LOPS, posteriormente objeto das Consolidações das Leis da
Previdência Social de 1976 e 1984, a carência exigida para as
aposentadorias, salvo a por invalidez, era de 60 contribuições mensais.
Entretanto, a perda da qualidade de segurado implicava a real e efetiva
caducidade de todos os direitos inerentes a essa qualidade (art. 7º da
LOPS), vale dizer, as contribuições vertidas ou o tempo de serviço prestado
não seriam mais considerados para nenhum efeito. Essa normatização
relacionava-se com o fato de o benefício ser calculado com base em um
período de apuração curto, bem como o inexistir uma relação atuarial
adequada. Além disso, a LOPS exigia um limite de idade mínimo de 55 anos
para a aposentadoria por tempo de serviço, o que contrastava com a baixa
expectativa de vida da época.
Considerando a rigidez do sistema anterior, que não admitia o
aproveitamento das contribuições anteriores, a dissociação acolhida por uma
parcela da jurisprudência até poderia ser vista com simpatia, entretanto, salta
aos olhos que a idade e a carência eram requisitos que deveriam ser
implementados simultaneamente. No novo sistema que consagra
83
importantes regras de transição, como são os artigos 142 e 143, além da
possibilidade do aproveitamento das contribuições anteriores (o já citado
parágrafo único do art. 24), todavia, o temperamento judicial não é mais
adequado.
No âmbito do STJ, todavia, passou-se a aplicar o referido entendimento
indistintamente, para quem implementava a idade no sistema anterior e no
atual, posicionamento que parecia consolidar-se depois do julgamento dos
Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 175.265. A divergência,
no entanto, continua presente, como pode ser verificado pelas seguintes
decisões (grifei):
"RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
IDADE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. BENEFÍCIO INDEVIDO.
1. É requisito da aposentadoria por idade a manutenção da qualidade de
segurado ao tempo em que implementadas as condições de idade mínima e
número de contribuições exigidas. 2. 'O direito à aposentadoria ou pensão
para cuja concessão foram preenchidos todos os requisitos não prescreve,
mesmo após a perda da qualidade de segurado.' (artigo 98, parágrafo único,
do Decreto nº 89.312/84). 3. O parágrafo único do artigo 98 do Decreto nº
89.312/84, assim como o artigo 102 da Lei nº 8.213/91, condiciona a
concessão do benefício previdenciário ao preenchimento simultâneo de
todos os requisitos exigidos em lei. Precedentes das Quinta e Sexta Turmas.
4. Recurso provido." (STJ, RESP Nº 527.615, Rel Ministro Hamilton
Carvalhido, 6ª Turma, DJ 02/08/2004, p. 591)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR
URBANO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.
MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. APLICABILIDADE.
CARÁTER
PROTELATÓRIO.
PERÍODO
DE
CARÊNCIA.
PREENCHIMENTO DO REQUISITO ETÁRIO APÓS A PERDA DA
QUALIDADE DE SEGURADA. IRRELEVÂNCIA. BENEFÍCIO MANTIDO.
PRECEDENTES. 1. Não havendo no acórdão a alegada omissão,
contradição e/ou obscuridade, nada há a declarar, ipso fato, não há como
prequestionar, ficando evidente o intuito protelatório dos Embargos de
Declaração, donde correta a imposição da multa na forma do art. 538,
parágrafo único, do CPC. 2. Não se exige a simultaneidade no
preenchimento dos requisitos para percepção de aposentadoria por idade,
sendo irrelevante o fato do obreiro, ao atingir a idade mínima para concessão
do benefício, já ter perdido a condição de segurado. 3. A Autora, que laborou
em atividade urbana, comprovou o período de carência legalmente exigido
ao completar 60 (sessenta) anos de idade em 06 de agosto de 1993, razão
pela qual, a teor do exposto, faz jus ao benefício. 4. Recurso especial não
conhecido." (STJ, RESP Nº 543.659, Rel Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ
02/08/2004. p. 506)
Novidade na matéria é o disposto pelo art. 3º da MP nº 83, de 12 de
dezembro de 2002, convertida, com alterações, na Lei n° 10.666, de 8 de
maio de 2003. Na redação original da referida Medida Provisória pretendia-se
instituir a exigência de 240 contribuições para viabilizar a dissociação dos
requisitos na aposentadoria por idade. No momento da conversão, o § 1º
restou modificado, passando a dispor: "§ 1°. Na hipótese de aposentadoria
por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a
concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o
tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na
84
data do requerimento do benefício." O referido dispositivo é praticamente
repetido pelo caput do artigo 30 do Estatuto do Idoso.
A pergunta que surge é: qual é o tempo de contribuição exigido para permitir
o deferimento do benefício de forma a que a perda da qualidade de segurado
seja desconsiderada? Dentro de uma visão sistêmica, o tempo de
contribuição exigido é o de 180 meses, pois o legislador entendeu
inadequado reclamar um prazo carencial maior do que o anterior, isto é,
aumentar de 180 para 240 contribuições. As demais aposentadorias
permitem a dissociação dos requisitos em razão de a expectativa de vida e de
o nível contributivo já estarem sendo valorados pelo emprego do fator
previdenciário. Na aposentadoria por idade, o emprego do fator previdenciário
é opcional, uma vez que o segurado não poderá obter o benefício de maneira
precoce.
Por conseguinte, a inovação da Lei 10.666, uma vez que o sistema já
contemplava aposentadorias com 15 anos de contribuição - no caso de
determinadas atividades especiais, além de subsídios que consideravam
tempos não-contributivos como o tempo de serviço rural anteriores à Lei de
Benefícios, nesse último caso para permitir uma transição gradual para um
novo regime efetivamente contributivo - permitiu a dissociação dos requisitos
apenas quando o segurado já contar com um tempo de contribuição razoável,
pois serão necessários pelo menos 15 anos de contribuição, e não 5 anos,
pois já se passaram mais de dez anos da vigência da Lei 8.213/91. Sobre a
intenção do legislador, pode ser consultados os parágrafos nº 26 e 27 da
Exposição de Motivos da MP nº 83/02.
O sistema de reaproveitamento das contribuições contemplado no parágrafo
único do artigo 24 existia justamente em virtude da impossibilidade de quem
ficasse desvinculado do sistema, sem implementar todos os requisitos
simultaneamente, habilitar-se à prestação. Na medida que a Lei nº 10.666, de
08 de maio de 2003, afastou esse obstáculo, considerando apenas o tempo
de contribuição, independente de quando ele foi realizado, a regra do
parágrafo único do artigo 24 perde a sua razão de ser. Por isso, o novo
sistema não pode ser combinado com a regra transitória do artigo 142.
Assim, com a vênia dos que entendem de maneira diferente, permitir a
combinação da Lei nº 10.666 com os artigos 24 e 142 da Lei nº 8.213/91,
significa estimular, perigosamente, as pessoas a não contribuírem para a
previdência social, pois a partir do momento em tiverem completado a
carência mínima, mesmo não tendo a idade exigida, deixarão de contribuir
para o sistema, o que, além de desestimular a solidariedade social sobre a
qual o sistema previdenciário deve estar assentado, afeta gravemente o
princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.
Ademais, essas decisões acabam tornando o benefício universal-assistencial
(sem exigir prova da necessidade). Em um momento em que a previdência
pretende conscientizar os potenciais contribuintes individuais, os quais
exercem atividade econômica na informalidade, a participarem
voluntariamente do seguro social, tal entendimento opera na contramão
dessa iniciativa, em especial para aqueles que tiverem os salários-decontribuição próximos do mínimo.
Em síntese, com relação à carência da aposentadoria por idade temos duas
situações distintas:
85
a) É possível a aplicação da carência gradual do artigo 142 combinada com o
parágrafo único do artigo 24, desde que os requisitos sejam atendidos
simultaneamente, ainda que haja perda da qualidade de segurado;
b) se os requisitos forem preenchidos de maneira não simultânea, será
imprescindível que o segurado tenha atingido o número mínimo de 180
contribuições.
No caso em tela, consoante dá conta o documento da fl. 13, a autora perdeu
a sua qualidade de segurada no período considerado entre 1984 e 1989,
tendo voltado a contribuir de julho de 1989 a abril de 2002. Considerando que
a autora completou o requisito da idade somente em 16 de fevereiro de 2000
(pois nascida em 16 de fevereiro de 1940), deveria comprovar a carência de
114 contribuições, de acordo com a regra de transição do artigo 142 antes
referido. Pois bem, uma vez perdida a qualidade de segurada, necessário o
cumprimento de um terço da carência necessária ao deferimento do
benefício, para o fim de considerarem-se as contribuições anteriores,
consoante já tive a oportunidade de referir. Nesse sentido é que, após julho
de 1989, a autora logrou comprovar o recolhimento de 154 contribuições, o
que supera o um terço da carência de 114 contribuições (que equivale a 38).
Além disso, a soma de todas as contribuições vertidas pela autora totaliza
162, de forma que, efetivamente, restaram cumpridos os requisitos
indispensáveis à concessão do benefício.
Não desconheço o fato de que, após a perda da qualidade de segurada da
autora, o INSS deixou de considerar, para a carência, os períodos em que a
demandante percebeu o auxílio-doença, abarcados entre 1996 e 2001
(considerou apenas o recolhimento de 105 contribuições). Ocorre, entretanto,
que tal período deve, sim, ser considerado para fins de carência, consoante
dispõe o artigo 28, §2° e o artigo 60, inciso III, ambos do Regulamento da
Previdência Social (Decreto n° 3.048/99), aplicável à espécie.
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao recurso do INSS, mantendo, na
íntegra, a sentença atacada. Condeno a autarquia previdenciária ao
pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, fixados em
10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, atualizado até a data do
efetivo pagamento, e incluídas as parcelas vencidas até a data da
implantação definitiva do benefício. Deixo de condenar o INSS ao pagamento
das custas processuais, à vista do que dispõe o artigo 4º, inciso I, da Lei n°
9.289/96.
Porto Alegre, 30 de março de 2005.
Juiz Daniel Machado da Rocha – Relator”
O acórdão imediatamente acima, no tocante à perda da qualidade de
segurado, é um verdadeiro estudo ponderado e razoável a corroborar o caráter
contributivo do sistema de previdência, bem como a demonstrar a aplicação dos
princípios constitucionais previdenciários: da seletividade e distributividade, da
eqüidade na forma de participação do custeio e da correspondência entre o
pagamento de benefícios e a fonte de custeio, que deverão restar presentes.
86
Argumentando,
então,
afigura-se
correta
a
concessão
da
aposentadoria por idade, quando do implemento da idade pelo segurado e da
carência exigida, restando a controvérsia do montante de prestações o qual deverá
ser vertido, para que se tenha direito a aposentação.
Em tendo ingressado para o sistema previdenciário antes da entrada
em vigor da Lei 8.213/91, o segurado necessitava somente de sessenta prestações,
para ter direito a benefícios previdenciários. Após a lei, a obrigação saltou para cento
e oitenta contribuições, com uma regra de transição e um aumento gradativo para
cada ano que se sucede. Dessa feita, se ele já havia participado do sistema antes da
Lei 8.213/91, mas perdeu a qualidade de segurado, viu-se que entendimentos
existem, no sentido de considerar o direito adquirido ao benefício, quando o
segurado atingiu a idade e verteu cento e oitenta contribuições para o sistema.
Outros acreditam que se deve aferir o direito, quando completado o último requisito
(idade ou carência), verificando a regra de transição constante do artigo 142 da Lei
Previdenciária. Outros, ainda, entendem que, se houve perda da qualidade de
segurado, ao ingressar, novamente, no sistema, há a necessidade de o beneficiário
efetuar mais sessenta contribuições, i.e., 1/3 do montante, que é o que determina o
artigo 24, parágrafo único, da lei acima.
Deve-se atentar para as conseqüências que tais entendimentos podem
trazer. Além de desigualdade entre os segurados, a displicência com as
contribuições.
Se o contribuinte verifica que não conseguirá a aposentadoria por
tempo de contribuição, porque, por exemplo, teria que contribuir por trinta e cinco
anos, e alcança a possibilidade de aposentar-se por idade, somente com cento e
cinqüenta contribuições no ano de 2006, e já as tendo vertido, poderá não vislumbrar
interesse em continuar a contribuir, esquecendo-se do princípio da solidariedade
acima descrito.
Faz-se necessário uniformizar-se o entendimento, observando-se que
a Previdência Social tem caráter contributivo e que o sistema aplicado é de
repartição, onde os que trabalham contribuem, para garantir os benefícios dos
inativos.
Nessa era em que a Previdência Social tenta conscientizar os
contribuintes que estão na informalidade, a fim de adentrarem o sistema, o
entendimento de que são necessárias somente as contribuições constantes da regra
87
de transição e a idade, sem simultaneidade entre os requisitos, ou entender que o
reingresso para o sistema não é necessário, bem como não se faz importante um
período de contribuição de 1/3, quando do retorno ao Regime Geral de Previdência
Social, é estimular a não-contribuição, prejudicando todo o sistema da Seguridade
Social.
O discorrer do Relator Juiz Daniel Machado da Rocha, esposado
acima, é bem equilibrado e correto, ao distinguir duas situações em relação à
carência da aposentadoria por idade:
a) É possível a aplicação da carência gradual do artigo 142
combinada com o parágrafo único do artigo 24, desde que os
requisitos sejam atendidos simultaneamente, ainda que haja a perda
da qualidade de segurado;
b) se os requisitos forem preenchidos de maneira não simultânea,
será imprescindível que o segurado tenha atingido o número mínimo
de 180 contribuições.
É imperioso que não se deixe ao segurado a oportunidade de se
esquivar de participar do sistema, não vertendo contribuições, porquanto todos os
beneficiários dependem da solidariedade. Se alguém que, estando a laborar
normalmente, deixa de contribuir, fica em débito com a Previdência Social, posto que
é segurado obrigatório, deve, pois, participar do sistema de forma atuante, já que
todos os membros da sociedade devem ter a consciência de seu papel social.
O entendimento de que não é necessário que se dêem os requisitos (a
carência e a idade) ao mesmo tempo, induz o trabalhador, contribuinte obrigatório, a
burlar a fiscalização, e a não fazer o recolhimento decorrente da prestação laboral,
prejudicando todos os participantes do sistema previdenciário.
6.2.1 Critério material
Verificada a ocorrência do evento que se encaixa na norma que, no
caso, é a idade avançada, nasce a obrigação previdenciária, formando-se a relação
jurídica de prestação, por meio da qual se impõe a determinado sujeito (passivo) o
dever de conceder a outro (ativo) o benefício105.
O artigo 48 da Lei 8.213/91 demonstra os requisitos necessários a
acobertarem o evento:
105
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 112.
88
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que,
cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e
cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º. Os limites fixados no caput serão reduzidos para 60 (sessenta)
e 55 (cinqüenta e cinco) anos no caso de trabalhadores rurais,
respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso
I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do artigo 11.
Para o critério material, tem-se que o legislador entendeu que o rural
tem um desgaste físico maior que o trabalhador urbano, diminuindo o requisito
“idade” em cinco anos: o trabalhador urbano se aposenta com sessenta e cinco
(homem) e sessenta (mulher), enquanto o rural, com sessenta anos (homem) e
cinqüenta e cinco (mulher).
6.2.2 Critério espacial
A lei previdenciária brasileira não terá aplicação para todas e quaisquer
contingências sociais que ocorram em todo o mundo, mas a proteção se estende a
várias situações que ocorrem fora do território nacional, desde que o indivíduo seja
filiado ao regime geral, e somente nos casos descritos na norma previdenciária.
O artigo 11 da Lei 8.213/91 estabelece quem são os beneficiários
considerados segurados obrigatórios: o domiciliado e contratado no Brasil, para
trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional, no
exterior; o brasileiro ou residente no país que presta serviço a missão diplomática ou
repartição consular; o civil que trabalha para a União no exterior etc.
Tem-se que, mesmo se a contingência social ocorrer em qualquer
ponto do espaço, as prestações poderão ser concedidas, porém somente àqueles
que são segurados do Regime Geral de Previdência Social, i.e., os filiados ao
regime brasileiro.
Desse modo, quanto ao critério espacial, tem-se que o benefício será
concedido no território nacional, salvo os casos de extraterritorialidade, e àquele
filiado ao Regime Geral da Previdência Social; e, também, como exceção, o
trabalhador rural que não verteu contribuições para a Previdência, posto que,
mesmo assim, é filiado ao sistema, porque presta serviço: como empregado, como
avulso ou como segurado especial.
89
6.2.3 Critério temporal
Nesse critério, estão os requisitos que permitem identificar-se o
condicionamento, no tempo, do evento descrito no critério material.
No presente caso, o critério material condiciona a idade, para o
trabalhador ter direito a aposentadoria, após ter completado a carência necessária, e
é preciso identificar-se o momento em que se materializa a norma.
O critério temporal marcará o instante a partir do qual é devido o
benefício e quando ele deixará de o ser. Quer dizer que, no caso da aposentadoria
por idade, se verificará, se ocorrer o evento morte (real ou presumida),
transformando-se em pensão por morte, se existirem dependentes do segurado. Ou
no caso de fraude, que não é causa de extinção, mas de nulidade, quando nem a
hipótese de incidência foi satisfeita, visto que o direito não existiu.
No presente caso, de aposentadoria por idade, o benefício será devido
aos segurados empregados na data do seu desligamento da empresa, se requerido
dentro de noventa dias ou da data do requerimento se após esta data ou se
continuar a prestação laboral. Para os demais segurados a partir da data da entrada
do requerimento. O término se dará com a morte do segurado, que poderá ser
transformada em pensão por morte, caso haja algum dependente seu.
E, ainda, mesmo após ter-se filiado, o benefício será devido, enquanto
tiver essa capacidade, ou seja, mantiver a qualidade de segurado, porquanto se
perder essa qualidade, não haverá que se falar em benefício, salvo se perfizer todos
os requisitos para sua concessão, como determinado pela Lei 10.666/03 e
explicitado acima.
A DIB (data do início do benefício) será o prazo do desligamento do
emprego, quando requerida até essa data ou até noventa dias depois dela ou da
data do requerimento, se não houver desligamento do emprego ou quando requerida
após os noventa dias. Em não sendo empregado, da data da entrada do
requerimento junto ao INSS.
Como se viu, o término desse benefício ocorrerá com a morte do
segurado, a qual pode ser transformada em pensão por morte, caso haja algum
dependente do mesmo.
Quanto à fraude, não há que se falar em término do benefício, quando
esta se verifica no seu processamento, uma vez que, nesse caso, é questão de
90
nulidade, que não convalida o ato, devendo ser cancelado desde sua concessão.
Não há término aqui, dado que não houve início, uma vez que o ato é nulo, e não
gera efeitos.
6.3 O Conseqüente da Regra-Matriz da Aposentadoria por Idade
Para se conhecer uma relação jurídica previdenciária, é preciso a
conexão entre o enunciado fático contido no conseqüente da norma individual e
concreta com o enunciado descrito no antecedente dessa mesma norma. Nenhuma
dessas duas partes, antecedente e conseqüente, é, por si, suficiente para tal
reconhecimento.106
Primeiramente, verificar-se-á o evento (idade) e a carência; depois,
adentrando-se a hipótese de incidência, dever-se-á analisar, o conseqüente, isto é,
os sujeitos que constituem a relação e os fatores que indicarão o valor do benefício.
6.3.1 Critério pessoal
Tem-se, como conseqüente que, no que toca ao critério pessoal, o
sujeito passivo é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), autarquia federal
criada por lei para a satisfação das prestações previdenciárias.
Como
sujeito
ativo
são
todos
os
trabalhadores
(segurados
obrigatórios), inclusive o facultativo legalmente filiado e aqueles que, mesmo não
sendo mais participantes do sistema, atentam para os requisitos dos termos da Lei
10.666/03.
Fala-se em todos os trabalhadores, porque o simples ato de exercerem
atividade é suficiente, para determinar a sua filiação ao sistema de previdência.
Contudo, como existe mais de um regime de previdência no país, devem-se
destacar aqueles que participam do regime geral de previdência social.
A diferenciação se faz tendo em vista o vínculo de trabalho. Em sendo
servidor público concursado vinculado à União, seu regime é ligado ao serviço
público federal e, portanto, ao próprio regime federal etc.
O artigo 11 da Lei 8.213/91 demonstra quem são os segurados
obrigatórios do Regime geral de Previdência Social e, no artigo 13, estão descritos
106
PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 102.
91
os segurados facultativos, isto é, os que podem participar do sistema, se assim o
desejarem.
Os segurados obrigatórios são: os empregados, os empregados
domésticos, o contribuinte individual, o avulso e o segurado especial.
Os empregados, inclusive o doméstico, são aqueles que prestam
serviço com subordinação e mediante salário; o contribuinte individual é o autônomo,
a pessoa física que trabalha por conta própria ou aquele que tem, a seu dispor,
empregados ou prepostos, assim como o ministro de confissão religiosa; o avulso é
aquele que presta serviço a diversas empresas sem vínculo empregatício; e o
segurado especial são os rurais ou o garimpeiro e o pescador artesanal, que
exercem atividades individualmente ou em regime de economia familiar.
O segurado facultativo tem seu conceito por exclusão, ou seja, aquele
que não se enquadra nas disposições do artigo 11 pode filiar-se mediante
contribuição para os cofres previdenciários.
Quanto ao trabalhador urbano, para manter a qualidade de segurado
deverá estar laborando e tendo vertidas as suas contribuições pelo empregador (no
caso de empregado e doméstico), pelo sindicato ou órgão de classe (avulso) ou,
ainda, pessoalmente (contribuinte individual e facultativo).
Não se deve olvidar o trabalhador rural que não verteu contribuição,
que deverá comprovar o trabalho no campo, em período igual ao da carência (art.
39, I e 143 da Lei 8.213/91).
Mesmo não contribuindo, o segurado poderá perceber o benefício, se
mantiver a qualidade de segurado nos períodos que o art. 15 da Lei de benefícios
destaca, ou seja, sem limite, aquele que está em gozo de benefício; doze meses
após a cessação das contribuições, após cessar a segregação compulsória e após o
livramento, quando preso; três meses após o licenciamento, se incorporado às
forças armadas ou prestando serviço militar; e, seis meses após a cessação das
contribuições, o segurado facultativo. Desse modo, se ultrapassado o período de
graça (manutenção da qualidade de segurado) o beneficiário deixará de ser
segurado, não tendo mais direito ao benefício, o que acontecerá no dia seguinte ao
término fixado no plano de custeio para recolhimento da contribuição referente ao
mês imediatamente anterior ao do final dos prazos fixados no artigo acima
mencionado.
92
A prática demonstra ser o dia 15 do mês subseqüente àquele em que
deveria ser paga a contribuição de mês anterior. Exemplificando, o mês de março
deverá ser pago em abril. Por conseguinte, a perda da qualidade de segurado
ocorrerá no dia 15 do mês de maio.
Entretanto, como dito anteriormente, se o segurado preencheu todos
os requisitos, mesmo que em momentos distintos, terá direito a perceber o benefício,
como lhe faculta a Lei 10.666/03; resta o entendimento divergente do quantum que
deverá satisfazer, como carência, para a percepção do benefício.
6.3.2 Critério quantitativo
Viu-se
que
a
relação
jurídica
previdenciária,
no
tocante
à
aposentadoria por idade, se estabelecerá após o período de carência, tendo, como
requisito, a idade avançada; os sujeitos dessa são o Instituto Nacional do Seguro
Social (passivo) e os segurados (ativos); e o objeto é a prestação que, no caso da
Previdência Social, se resume em serviços e pecúnia.
O objeto da relação jurídica, no caso da aposentadoria por idade será
em pecúnia, sendo o critério quantitativo da norma que irá demonstrar a prestação
previdenciária.
Os benefícios previdenciários têm cunho financeiro, em moeda, e a
quantidade poderá variar de acordo com o tipo de benefício e os sujeitos envolvidos.
O valor do benefício resultará da somatória da base de cálculo e da
alíquota. Então, quanto ao critério quantitativo, são dois os fatores: base de cálculo e
alíquota.
A renda dos beneficiários deve-se encontrar dentro de um certo limite,
cujo mínimo é um salário mínimo, enquanto o máximo gira, hoje, em torno de R$
2.668,00.
No caso do benefício estudado, avalia-se, com base no salário-debenefício, que é uma média de cálculo sobre os salários-de-contribuição do
segurado.
O salário-de-contribuição, por sua vez, é aferido, em função do
recolhimento efetuado pelo contribuinte, por um empregador ou tomador de mão-deobra.
93
Antes do advento da Lei 9.876/99, o salário-de-benefício era calculado
sobre a média aritmética simples dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição
devidamente corrigidos. Após 29/11/99, com a modificação legislativa, o salário-debenefício equivale à média aritmética simples dos maiores salários de contribuição,
correspondentes a 80% de todo o período contributivo, sendo que esse período foi
identificado a partir de julho de 1994, observado o fator previdenciário, facultada ao
segurado a opção pelo cálculo anterior.
O fator previdenciário consiste na análise da idade, do tempo de
contribuição, da expectativa de sobrevida do segurado que, na data de sua
aposentadoria, será obtida a partir da tábua completa de mortalidade construída pela
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, considerando-se a
média nacional única para ambos os sexos e a alíquota de contribuição, que
corresponde a 0,31.
Essa alíquota de 0,31 equivale ao valor de 20% de contribuição da
empresa mais a alíquota máxima de contribuição dos empregados, que é de 11%.
Porém o artigo 9º da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, bem como
o artigo 181-A do Dec. 3048/99 facultaram ao segurado optar pela lei anterior, se
mais vantajosa, bem como a aplicação ou não do fator previdenciário. Na prática, o
sistema informatizado do INSS faz os cálculos e concede o benefício nos valores
que forem mais vantajosos ao participante do sistema previdenciário.
A Lei Previdenciária determina que o salário de benefício seja uma
média efetuada sobre toda a vida contributiva, observando-se os 80% dos maiores
valores. Se o segurado contar com menos de cento e quarenta e quatro
contribuições, o salário-de-benefício será a soma dos salários-de-contribuição
dividida pelo número de contribuições apuradas. Ou, então, a média aritmética
simples dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, que era o que previa a
legislação anterior e, por força da Emenda Constitucional n. 20/98, continua a vigorar
como direito que tem o segurado de optar, caso seja mais vantajosa.
Não obstante, a Lei 9.876/99 limitou o período a ser utilizado no
cômputo do salário-de-benefício:
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior
à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições
exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será
considerada a média aritmética simples dos maiores salários-decontribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de
94
todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de
1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da
Lei nº 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.
§ 1º Quando se tratar de segurado especial, no cálculo do salário-debenefício serão considerados um treze avos da média aritmética
simples dos maiores valores sobre os quais incidiu a sua contribuição
anual, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o
período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994,
observado o disposto nos incisos I e II do § 6º do art. 29 da Lei nº
8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.
§ 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d
do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a
que se refere o caput e o § 1º não poderá ser inferior a sessenta por
cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data
de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período
contributivo.
O que se denota é que, no momento, o marco inicial para a confecção
do cálculo se deu em 1994. Isso, porque a constante mudança de moeda tem
dificultado e, muitas vezes, invibializado a atualização de valores, já que, com o
corte de zeros etc., o valor acaba por se reduzir a montantes ínfimos.
Dessa feita, a limitação tem, por início, o período de conversão da
moeda para o Real, o que facilita o cálculo, e não prejudica o segurado, quando
encontrado o valor do seu salário-de-benefício.
Se o empregado e o avulso não conseguirem provar o valor dos seus
salários-de-contribuição e o doméstico não puder comprovar as contribuições, será
observado o valor do salário mínimo (artigos 35/36 da Lei de Benefícios).
O salário-de-contribuição, por sua vez, também é tratado de forma
isonômica, embasado na capacidade contributiva do segurado, uma vez que existem
alíquotas diferenciadas.
O trabalhador urbano tem seu salário-de-contribuição calculado com
base nas alíquotas progressivas, que são de 8, 9 e 11%. O trabalhador rural, se
empregado, também tem seu salário-de-contribuição calculado dessa maneira.
A porcentagem a ser vertida será calculada sobre valores destacados
de salários-de-contribuição, que são reajustados todos os anos, por meio de uma
portaria ministerial.
Neste ano de 2005, a portaria n. 822/2005 fixou os valores, como
segue:
“PORTARIA Nº 822, DE 11 DE MAIO DE 2005 – DOU DE 12/05/2005.
ANEXO II
95
TABELA DE CONTRIBUIÇÃO DOS SEGURADOS EMPREGADO, EMPREGADO
DOMÉSTICO E TRABALHADOR AVULSO, PARA PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO A PARTIR
DE 1º DE MAIO DE 2005.
SALÁRIO-DEALÍQUOTA PARA FINS DE
CONTRIBUIÇÃO (R$) RECOLHIMENTO AO INSS (%)
até 800,45
7,65*
de 800,46 até 900,00
8,65*
de 900,01 até 1.334,07
9,00
de 1.334,08 até
11,00
2.668,15
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários mínimos, em razão
do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, que
instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e
de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira - CPMF.”
Constata-se que há um valor de alíquota reduzida em razão da
Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores de Créditos
e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
Os
contribuintes
que
recebem
menos
que
R$
900,00
são
compensados com o recolhimento a menor, para se reparar o valor pago, em virtude
da CPMF.
Todavia, para o segurado especial, a contribuição incide sobre a
receita bruta da comercialização de sua produção, de 2%, mais outras prestações,
como o SAT (seguro de acidente do trabalho), que não têm pertinência para esta
explanação.
No caso do segurado especial, o salário-de-benefício será calculado
sobre um treze avos da média aritmética simples dos maiores valores sobre os quais
incidiu a sua contribuição anual, correspondente a oitenta por cento de todo o
período contributivo, multiplicado pelo fator previdenciário, observado o que dispõe o
art. 3º da Lei 9.876/99, cujo período a ser computado se iniciou em julho de 1994.
Poderá, ainda, o segurado especial, contribuir, facultativamente, para
que seu salário-de-benefício seja melhorado, posto que, tendo um salário-decontribuição maior, conseqüentemente,
o salário-de-benefício também será
majorado.
A alíquota é a fração, o coeficiente que deverá ser aplicado sobre a
base de cálculo, com a finalidade de se encontrar o valor do benefício.
No caso da aposentadoria por idade, a alíquota é de 70%, observado o
limite mínimo (salário mínimo) e máximo (que, atualmente, gira em torno de R$
96
2.668,00), mais 1% deste, por grupo de doze contribuições, não podendo ultrapassar
100% do salário-de-benefício.
Argumenta-se que o beneficiário só alcançará 100% do salário-debenefício, se contribuir por trinta anos, tanto homens quanto mulheres. Aqui não há
diferenciação, como é feito na aposentadoria por tempo de contribuição, quando o
homem deve contribuir por trinta e cinco anos e a mulher, por trinta anos.
Deve-se observar o art. 18, § 2º, que demonstra que o aposentado que
permanecer ou retornar ao trabalho não terá direito à percepção de nenhum
benefício decorrente da atual atividade, exceto salário-família e reabilitação. Quer
dizer que, tendo retornado, o aposentado não terá direito a outro benefício, mesmo
porque o artigo 124, II, da lei previdenciária veda a percepção de mais de uma
aposentadoria. Entretanto deverá contribuir, baseado tanto no princípio da
solidariedade, quanto nos direitos à reabilitação e ao salário-família.
Curioso o fato de que o Decreto 3.048/99 determina a concessão do
salário-maternidade mesmo para a mulher aposentada.
É fato que, dificilmente, uma aposentada engravida. Todavia, se tal
acontecer, receberá ela o salário-maternidade, por conta do decreto aludido, que é
ilegal, por ferir a legislação acima descrita, que determina que o aposentado não tem
direito à percepção de nenhum benefício, salvo o salário-família e a reabilitação.
Como impõe a Carta Magna, no preceito relativo à irredutibilidade dos
vencimentos, o valor do benefício deverá ser preservado, a fim de que o beneficiário
conserve seu padrão de vencimentos. Mas não é a tendência. Por conta da inflação
e dos índices de reajuste escolhidos pelo Governo, os benefícios vão tendo seu
valor real diminuído, e, conseqüentemente, o padrão de vida do beneficiário se irá
achatando.
Entende-se que a Autarquia deveria fazer revisões, sempre que o
poder aquisitivo do beneficiário tivesse bruscas mudanças por conta dos reajustes
diminutos. Não obstante, isso esbarra na correspondente fonte de custeio, i.e., na
contrapartida, o que vem dificultando a mantença do valor real dos benefícios, o que
se configura inconstitucional, ferindo o vetor IV do art. 194 da Carta Maior, como
mencionado em capítulo que trata dos princípios constitucionais aplicáveis.
97
7 NASCIMENTO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DA APOSENTADORIA
POR IDADE
7.1 Do Nascimento
Como dito, é por meio do requerimento que o interessado informa a
contingência social que o coloca em estado de necessidade. Portanto, o beneficiário
deverá provocar o INSS, para demonstrar a situação, o evento eclodido, mesmo
porque dependerá da verificação dessa condição, que, no caso de aposentadoria
por idade, se faz mediante a comprovação da idade avançada, não se esquecendo
da carência, que é um requisito anterior e que, sem ser preenchido, não haverá
como adentrar o direito ao benefício.
A Previdência Social deseja ver o dia em que poderá conceder os
benefícios, até mesmo sem a provocação do beneficiário. É fato ser uma utopia. Mas
no entender de Jesus Valdeverde Molina107, “no olvidemos que la utopía no es más
que un objetivo a largo plazo”.
O procedimento previdenciário é inaugurado com o pedido de
benefício, o que traduz a vontade do interessado. A dinâmica do procedimento
dependerá do exame do tipo de benefício, das informações fornecidas pelo
segurado e pela empresa, dos dados disponíveis nos cadastros da Autarquia etc.
Wagner Balera108 esclarece que
O requerimento é um pressuposto indispensável à constituição do
crédito previdenciário do beneficiário. Sem que essa providência
esteja formalizada, o Poder Público, representado pela autarquia
legalmente incumbida de fornecer as prestações – o Instituto
Nacional do Seguro Social – não pode, salvo situações
excepcionalíssimas de outorga de ofício do benefício, exercer a
função administrativa.
No caso de idade avançada, o beneficiário é quem deverá requerer o
benefício, pois não é correto lhe seja concedido “ex-ofício”. Somente o beneficiário
sabe qual o melhor momento para aposentar-se, seja porque ainda entende que
deve continuar seu labor, seja porque está por adquirir uma promoção e as
contribuições poderão favorecer-lhe a renda inicial da aposentadoria ou, ainda, por
107
VALDEVERDE MOLINA, Jesús. Retos penitenciarios al final de XX. Cuaderno del Instituto Vasco de
Criminología. San Sebastián, n.12, ext., p.222, 1998.
108
BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário. Benefícios. São Paulo: LTr, 1999. p. 28.
98
qualquer outro motivo. Enquanto tal não acontece, o benefício fica pendente da
provocação. Uma vez apresentado o requerimento, iniciar-se-á o procedimento
administrativo, quando o INSS deverá apurar e decidir se será o caso ou não de
aposentação.
Com base nos Princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade etc., à Administração Pública direta, indireta ou fundacional, no caso o
INSS, cumpre verificar os requisitos para a concessão, tais como: filiação e carência
(se necessárias), manutenção da qualidade de segurado, valor do salário-debenefício etc. Estando tudo regularmente, o benefício será concedido mediante
edição de ato administrativo, com o início do pagamento.
A outorga de certo direito previdenciário a alguém, exige que o fato
(o risco social), que dá origem ao direito, seja objeto de qualificação
pela Administração Pública.
O fato, sempre a expressar, no universo da proteção social, certo
risco social (doença, velhice, invalidez, morte, reclusão, desemprego
etc...) deve estar tipificado pela legislação. Esse é um dos matizes da
legalidade.109
Assim sendo, o benefício deverá estar descrito na norma e seus
requisitos preenchidos, para que a Autarquia Previdenciária possa concedê-lo, pois,
não adentrando o tipo que, no caso, se identifica como aposentadoria por idade, a
concessão será ilegal, prejudicando toda a sociedade, que contribui, visando a que
os riscos escolhidos pelo legislador possam receber proteção.
Se ficar provado que o beneficiário preencheu todos os requisitos
legais para a aposentadoria, o INSS deverá conceder-lhe o benefício, posto que de
acordo com Wagner Balera,110
cada norma da seguridade social possui um destinatário: o
beneficiário, que merece proteção, por se encontrar em estado de
necessidade. E é esse estado de necessidade que desencadeia a
instauração da relação jurídica, mediante a qual ele passa a perceber
um benefício que lhe supre (teoricamente) a necessidade
demonstrada.
Em se entendendo que o segurado não terá direito ao benefício,
porque não perfez os requisitos determinados na norma, ser-lhe-á o mesmo negado
administrativamente, e ele terá o direito de recorrer da decisão, administrativamente,
109
110
BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário. Benefícios. São Paulo: LTr, 1999. p. 115
Ibidem. p. 117.
99
à Junta de Recursos da Previdência Social e, depois, para o Conselho de Recursos
da Previdência Social; ou, ainda, de se valer do Judiciário, para tentar concretizar a
relação com o órgão previdenciário, pois nenhuma lesão ou ameaça da mesma foge
da apreciação do Poder Judiciário, como explicita o artigo 5º, XXXV, estampado na
Constituição Federal.
É o que acontece, diuturnamente, com os benefícios rurais, quando
não se verteu contribuição para a Previdência Social. O segurado recorre ao Poder
Judiciário, porque o INSS impõe que, para que se faça prova da qualidade de
segurado, são necessários vários documentos. Não obstante aquele Poder admite
um início de prova material, corroborado com testemunhas, valendo-se, muitas
vezes, o segurado de apenas uma prova documental, o que contraria o
entendimento do órgão.
Esse descompasso entre a compreensão da Administração e do
Judiciário leva o trabalhador a ter que se valer de ações previdenciárias, a fim de
conseguir aposentar-se, desvirtuando a intenção do legislador, que pretendeu não
deixar ao desamparo aquele que se dedicou ao campo, e não teve vertidas as
contribuições, seja por incompetência dos órgãos de fiscalização, seja dos sindicatos
que envolvem as partes.
A data do início do benefício (DIB) para o segurado empregado será a
do seu desligamento do emprego, se requerido até noventa dias após a sua saída;
ou da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou se
requerido depois dessa. Para os demais segurados, na data da entrada do
requerimento.
O primeiro pagamento, quando concedido administrativamente, noticia
o valor do benefício e deve ser depositado em conta corrente do beneficiário, até
quarenta e cinco dias da data da apresentação da documentação necessária ao
Instituto, englobando os atrasados, desde o afastamento ou desde a data do
requerimento, se posterior a noventa dias. No caso do rural sem contribuição, será
um salário mínimo.
Se o benefício foi requerido em juízo, a data deverá ser fixada
igualmente, se antes houve pedido administrativo. Todavia, se o beneficiário não
conseguir provar que protocolou administrativamente o requerimento, será,
geralmente, fixado na data da citação, a partir do momento em que a autarquia
previdenciária tomou ciência de que contra ela corria a ação.
100
O art. 124 da Lei de Benefícios veda a cumulação de mais de uma
aposentadoria. Portanto, ele não pode ser cumulado com nenhuma outra
aposentação, salvo direito adquirido, que se deu, logicamente, anterior à edição da
legislação atualmente em vigor.
Não se deve perder de vista que o Supremo Tribunal Federal, em
vários arestos, demonstrou seu posicionamento de que o direito adquirido somente
se aflora, quando há a reunião de todos os requisitos necessários. Como exemplo, o
Recurso Extraordinário (RE 258570/RS) em que o Ministro Moreira Alves, integrante
da Primeira Turma, em 05/03/2002, entendeu:
Ementa. Aposentadoria previdenciária. Direito Adquirido- Súmula
359. Esta 1ª Turma firmou entendimento que assim é resumida na
ementa do acórdão do 1º desses recursos: “Aposentadoria.
Proventos. Direito adquirido aos proventos conforme a lei regente ao
tempo da reunião dos requisitos da inatividade.
Mas, como visto, nos termos da Lei 10.666/03, a perda da qualidade de
segurado não impede a percepção do benefício, se implementadas as condições
para tanto.
Resta analisar-se a aposentadoria compulsória, que é requerida pela
empresa, quando o empregado completa setenta anos de idade, se homem, e
sessenta e cinco, se mulher.
Tal dispositivo parece inconstitucional, uma vez que fere o direito ao
trabalho, bem como o direito de liberdade, posto que impõe uma aposentadoria ao
indivíduo, somente porque completou a idade de setenta anos.
Pode
ser
que
esse
segurado
não
deseje
aposentar-se.
A
aposentadoria é um direito, e não uma obrigação.
E, como sustentado no artigo 51 da Lei 8.213/91, o empregador deverá
garantir a indenização trabalhista, como se fosse despedido sem justa causa. Dessa
forma, não se vê justificativa, para a empresa requerer a aposentação, pois terá que
indenizar o empregado, como se o tivesse demitido. Melhor será que a empresa o
demita e, se ele quiser, possa requerer sua aposentadoria.
Indaga-se o porquê de alguém não querer a aposentadoria, tendo a
idade tão avançada. Porém não vem ao caso perquerir a intenção do segurado, é
razão de foro íntimo, que não deve ser discutida.
101
Entende-se que a empresa não deve fazer o pedido de aposentadoria
para seu empregado. Se não deseja mais seus serviços, deve dispensá-lo sem justa
causa, posto que tem que efetuar o pagamento da mesma forma, como se tivesse
requerido a aposentadoria. O requerimento do benefício deve ser faculdade do
segurado, que dele se valerá, quando quiser.
Outra causa que dá nascimento ao benefício estudado é a
transformação
da
aposentadoria
por
invalidez
ou
do
auxílio-doença
em
aposentadoria por idade, desde que sejam preenchidas as condições para sua
fruição.
O art. 55 do dec. 3048/99 enuncia:
Art. 55. A aposentadoria por idade poderá ser decorrente da
transformação de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença,
desde que requerida pelo segurado, observado o cumprimento da
carência exigida na data de início do benefício a ser transformado.
Sabe-se que os benefícios por incapacidade não são definitivos,
poderão ser revistos a qualquer tempo, pois o segurado poderá curar-se. Tal fato
enseja o retorno do mesmo ao labor, já que seu contrato de trabalho fica suspenso.
Assim, não há garantia de ficar aposentado para o resto de sua vida. Isso faz com
que a aposentadoria por idade seja um benefício mais seguro em relação aos
benefícios por incapacidade.
Entretanto, o beneficiário poderá querer continuar aposentado por
invalidez ou recebendo auxílio-doença, se a renda mensal desses benefícios for
maior que a da aposentadoria por idade.
Antonio Carlos de Oliveira111 explica que
nada obsta que o segurado, em gozo de auxílio-doença ou de
aposentadoria por invalidez, requeira a transformação do benefício
por incapacidade em aposentadoria por idade, desde que preencha
os requisitos exigidos para a obtenção do jubilamento.
Como dito anteriormente, é faculdade do beneficiário aposentar-se por
idade, e, para converter o benefício por incapacidade em aposentação por idade, o
beneficiário deverá requerer essa transformação, como descrito no artigo 55 do Dec.
3048/99 acima enunciado, e desde que preenchidos os requisitos para tanto (idade,
carência etc). Se não ingressar com o pedido administrativo, restará aposentado por
111
OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Os benefícios. In: BALERA, Wagner. (Coord.) Curso de Direito
Previdenciário. Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira.. 5. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 81-117.
102
invalidez, até que se recupere, se isso for possível; em não o sendo, a
aposentadoria por invalidez ir-se-á perpetuando.
No parecer de Marcelo Leonardo Tavares 112,
A situação provisória de suspensão do pacto laboral pela
aposentadoria por invalidez e pelo auxílio-doença pode ser tornada
definitiva pela transformação desses benefícios em aposentadoria
por idade, desde que sejam preenchidas as condições para fruição.
No caso, o contrato suspenso é cessado e o beneficiário não mais
necessitará ser submetido aos exames médico-periciais periódicos.
É consentâneo tal entendimento, pois se a Lei 10.666/03 admite que a
perda da qualidade de segurado não obsta a percepção do benefício, então, pode o
segurado que percebe benefício por incapacidade, requerer a cessação do auxíliodoença ou da aposentadoria por invalidez. E, tendo completado a idade e
perfazendo o período de carência, solicitar a aposentadoria por idade.
Isso, porque, diferentemente de outros, os benefícios por incapacidade
não são definitivos, poderão ser cessados a qualquer tempo, já que ninguém
“deveria” querer ficar inválido para o resto da vida. Após a Lei 9.032/95, a
aposentadoria por invalidez não é mais permanente, porquanto sempre se conta
com a possibilidade de recuperação do beneficiário, mesmo porque o objetivo da
Previdência Social é cobrir o risco da impossibilidade de o beneficiário se manter. E,
tendo recuperado sua capacidade de ganho, deverá ser suspenso ou extinto o
benefício, para que o cidadão retorne a suas atividades habituais, continuando a
contribuir para a mantença do sistema.
Assim sendo, se o beneficiário, ao completar a idade (urbano: sessenta
e cinco anos, homem, e sessenta, mulher; rural: sessenta anos, homem, e cinqüenta
e cinco anos, mulher), estiver percebendo benefício por incapacidade e se cumpriu a
carência até o dia anterior à percepção do benefício de: auxílio-doença ou
aposentadoria por invalidez (pois, para a Autarquia Previdenciária, o período em
benefício não é contado como carência, somente mantém a qualidade de
dependente para o enfermo), poderá requerer a conversão de seu benefício para
aposentadoria por idade.
Existem, ainda, entendimentos errados do Poder Judiciário quanto à
carência e à manutenção da qualidade de segurado.
112
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 103.
103
Acórdãos demonstram que o período em que o segurado esteve em
gozo de benefício deverá ser contado como carência. Nada tão equivocado.
O período em que o beneficiário está em gozo de benefício é um lapso
temporal em que há a manutenção do segurado na qualidade de participante do
sistema, e não pode ser contado como carência, pois a carência é um número
mínimo de prestações a serem vertidas para o sistema e que dão direito ao
segurado a certos benefícios.
Entender que o período de manutenção da qualidade de segurado
poderá ser identificado como carência é uma interpretação despicienda em face da
contributividade do sistema e da clareza da norma previdenciária.
Carência tem a ver com contribuição. Para que se adquira o direito a
um benefício, fora aqueles que independem de carência, necessário contribuir-se
com várias prestações, até que se consiga adentrar o direito à percepção do
benefício. A manutenção da qualidade de segurado é um prazo, para que, mesmo
sem contribuir, o segurado se mantenha participante do sistema e, durante esse
prazo, preserve seus direitos perante a Previdência Social.
Observa-se: preserva os direitos que tem, e não adquire direitos sem a
respectiva correspondência, que, no caso em tela, é a carência.
7.2 Da Suspensão
Diferentemente da aposentadoria por invalidez, onde o benefício
poderá ser suspenso e, até, cancelado, se houver recuperação da doença, o
benefício de aposentadoria por idade é definitivo, salvo se houver suspeita de
fraude, quando deverá ser suspenso. Já, se confirmada a fraude, seu cancelamento
será de rigor.
No que se refere ao trabalhador rural que não verteu contribuições
para o sistema, o artigo 143 da Lei 8.213/91 impõe sua concessão baseada na
comprovação da atividade rural, no período imediatamente anterior ao requerimento
do benefício, em número de meses, idêntico à carência do referido benefício.
Não raras vezes, há ciência de que o segurado não era mais
trabalhador rural, quando do pedido de benefício, o que impõe ao órgão
previdenciário a obrigação de suspendê-lo para averiguações.
104
Também existem fraudes na concessão de pedidos de aposentadoria
por idade do trabalhador urbano, cujos documentos comprobatórios de tempo de
serviço ou contribuição são falsificados, o que tornará nula a concessão, se o
período tiver sido computado como carência.
Porém resta a dúvida: se a suspensão poderá ocorrer somente após a
ciência do segurado e suas explicações, ou seja, somente após o devido processo
legal, com ampla defesa e contraditório, ou se a Autarquia deverá suspender o
benefício e convocar o segurado, para esclarecer o fato.
A Jurisprudência majoritária é no sentido de que se faça o devido
processo legal, antes de suspender-se o benefício, o que torna inútil tal
procedimento.
Ora, se o INSS necessita abrir um processo administrativo, dando
prazo para o segurado se defender e somente após poderá suspender o benefício,
tal procedimento será inócuo, visto que, se ficar provado que houve fraude, a
Autarquia irá cancelá-lo, e não suspendê-lo.
Tal procedimento torna sem significado a suspensão do direito, posto
que tendo determinado o devido procedimento administrativo, o segurado continuará
percebendo valores que poderão não mais retornar aos cofres da Previdência
Social, prejudicando todos os integrantes do sistema.
Por outro lado, deve-se entender a natureza alimentar do benefício.
Havendo a suspensão do mesmo, o segurado, que dele depende, fica sem sua fonte
de sobrevivência; e, se restar provado que não houve fraude, o prejuízo será
cristalino.
A legislação atual, Lei 10.666/03, não destoou do artigo 69 da Lei
8.212/91 e, em seu artigo 11, estabelece que “O Ministério da Previdência Social e o
INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção
dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas
existentes”.
Os parágrafos primeiro e segundo, do artigo 69, do Plano de Custeio
determinam que, havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção
de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário por via postal, com aviso
de recebimento, para apresentar a sua defesa no prazo de dez dias; e, se o mesmo
não comparecer nem apresentar defesa, o benefício será suspenso e de tal fato será
notificado o beneficiário. Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem
105
resposta ou insuficiente ou, ainda, improcedente a defesa, o benefício será
cancelado, dando-se conhecimento da decisão.
Nota-se que haverá a suspensão somente após a ciência do
beneficiário. Portanto, o benefício não poderá ser suspenso imediatamente, mas
somente após o comunicado ao segurado, dando-se-lhe prazo para defesa, quando
o processo administrativo deverá ter seu término em tempo exíguo, para que não
prejudique o segurado nem o órgão previdenciário.
7.3 Da Extinção
Extingue-se o benefício por diversos modos. Primeiro, pela morte do
sujeito, bem como pelo seu desaparecimento, quando se lhe declara a morte
presumida, que, no geral, se transforma em pensão por morte para os dependentes.
Deve-se observar o art. 18, § 2º, que demonstra que o aposentado que
permanecer ou retornar ao trabalho não terá direito à percepção de nenhum
benefício decorrente da atual atividade, exceto salário-família e reabilitação. Dessa
feita, tendo retornado, o aposentado não terá direito a outro benefício, mesmo
porque o artigo 124, II, da lei previdenciária veda a percepção de mais de uma
aposentadoria.
O retorno à atividade que garanta a subsistência do segurado não é
causa de extinção da aposentação nem o contrário; a aposentadoria não é causa da
extinção da relação de emprego. Aliás, tempos atrás, existiam dúvidas sobre se a
aposentadoria era causa de extinção do contrato de trabalho ou não. Até mesmo a
Consolidação
das
Leis
Trabalhistas
e
interpretações
do
seu
artigo
453
determinavam que a aposentadoria espontânea era causa de extinção do contrato
de trabalho. Hoje, tal entendimento resta superado, posto que a relação jurídicoempregatícia e a previdenciária são distintas. A atual legislação previdenciária não
estabelece, como pré-requisito para a concessão da aposentadoria, o afastamento
do trabalho, uma vez que aposentar-se é faculdade daquele que preenche os
requisitos necessários.
O segurado pode não querer aposentar-se, aguardando um período
que lhe favoreça, seja porque pode ganhar mais e os valores do benefício serão
melhores, seja por força do cômputo do período ou outra pretensão qualquer.
106
Outra causa de extinção é a fraude na concessão do benefício. Não há
como tornar-se definitivo um ato eivado de vício insanável, como a fraude.
Em se verificando que o ato da concessão da aposentadoria foi eivado
de nulidade, poderá o mesmo ser revisto em qualquer tempo, uma vez que a
nulidade não se convalida, não gera direitos.
A superioridade do interesse público prevalece sobre o privado. A
indisponibilidade indica a impossibilidade de sacrifício ou transigência quanto ao
interesse público e é uma decorrência de sua supremacia. O interesse público é
indisponível. E é reconhecido como público, porque é indisponível, porque não pode
ser colocado em risco, porque sua natureza exige que seja realizado.113
A administração não precisa valer-se do Poder Judiciário, para
extinguir o benefício, ela pode anular seus próprios atos, quando eivados de
nulidade. As súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal assim o declaram,
porque os atos eivados de nulidade não geram direitos.
Súmula 346 do STF: “A administração pública pode declarar a nulidade
de seus próprios atos”. E a Súmula 473, também do STF, enuncia:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;
ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial.
Com relação às aposentadorias concedidas judicialmente, alguns
autores entendem que se faz necessária uma ação proposta em juízo, revisional,
para a suspensão e extinção da relação jurídica.
Porém, tal entendimento é equivocado, pois o art. 69 da Lei 8.212/91,
bem como o artigo 11 da Lei 10.666/03 determinam que se mantenha programa
permanente de revisão de benefício, a fim de se apurarem irregularidades e falhas
existentes; e, em havendo indício de irregularidade, deverá ser iniciado o
procedimento administrativo com ampla defesa e o contraditório, para, em se
verificando a não defesa, sua insuficiência ou improcedência, o cancelamento.
Seria um absurdo a Autarquia ter que, reconhecendo-se e
comprovando-se uma fraude, abster-se de cancelar o benefício após o devido
113
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 35.
107
processo legal, por não ter prazo, para intentar ação rescisória, que, como se sabe,
tem prazo exíguo (dois anos).
Se comprovada a fraude, a revisão necessita ser feita, posto que o
pagamento indevido recai sobre toda a sociedade, não interessando há quanto
tempo o benefício foi concedido, porque, como exposto acima, o ato nulo não se
convalida.
Não se concorda nem mesmo com o prazo decadencial de dez anos,
instituído na Lei 8.212/91. Esse se dá, para a Seguridade apurar seus créditos, mas
a fraude é defeito que não convalida o ato. Havendo fraude, a concessão é nula, não
gerando direitos.
Geralmente, a fraude se verifica com relação ao tempo de serviço
prestado. O segurado precisa contar com o período de carência exigido pela
legislação, conforme dito anteriormente, cento e oitenta contribuições ou aquele
tempo contido na regra de transição. Por exemplo: pode haver falsidade ideológica,
quando da anotação, na Carteira de Trabalho, de vínculo trabalhista inexistente,
certidões falsas de tempo de serviço, documentos públicos falsificados etc.
Como demonstrado, o segurado tem que provar a idade e a carência.
E, no caso do trabalhador rural, que não tem contribuição, deve provar que trabalhou
no campo, no mesmo período de carência para o benefício, i.e., cento e oitenta
contribuições, aqueles que ingressaram no sistema após 1991 ou menos, conforme
o ano de implementação da idade ou do requerimento, consoante o artigo 142 da Lei
8.213/91.
Acontece que o trabalhador rural, para ter direito a esse tipo de
beneficio, que se denomina, neste trabalho, de excepcional, deve comprovar o
trabalho rural no período imediatamente anterior ao pedido, ou seja, deve estar
trabalhando no campo, não pode dele ter se afastado. Tendo deixado as lides rurais,
perde o direito a esse benefício, pois faltante um dos requisitos para sua percepção,
que é o labor no campo.
Se o beneficiário declara que trabalhava no campo, até o pedido de
aposentação, e, posteriormente, restar provado que não o exercia mais, que se
estava, agora, dedicando ao trabalho urbano, mister se faz obrigatório o
cancelamento do benefício.
Conclui-se que, tendo sido reconhecida a fraude, a revisão necessita
ser feita, pois o pagamento indevido recai sobre todos os contribuintes que vertem
108
valores para os cofres previdenciários e, portanto, sobre toda a sociedade, devendo
ser ressalvado o bem comum.
Outro tema que se afigura no contexto é a renúncia ou reversão da
aposentação.
O INSS entende que as aposentadorias por idade, tempo de
contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis (art. 181-B, do Dec.
3048/99). O momento da definitividade acontece, quando da percepção da primeira
prestação previdenciária. Tendo recebido o benefício, não há mais como retroagir ao
status quo. A relação jurídica já se perfez, não restando direito unilateral, isto é, o
beneficiário não pode modificar a relação com a Autarquia Previdenciária.
A renúncia à pretensão representa a disponibilidade do possível direito
material pelo autor.114
José Frederico Marques 115 entende que a renúncia é forma de
autocomposição, mediante a qual, quando se opera, resolvida fica a lide e
solucionado o litígio, posto que a renúncia faz desaparecer a pretensão que qualifica
a situação litigiosa.
Pode-se observar que não é o caso, o autor entende ter direito ao
benefício, o INSS reconhece esse direito. Após, a relação jurídica se estabelece com
a configuração dos pressupostos necessários: carência, idade etc., não havendo
espaço para a renúncia, já que a situação jurídica se completa, tornando-se direito
adquirido para ambas as partes.
Alguns arestos são em sentido contrário. Outros entendem ser
necessário que o beneficiário, que percebeu prestações relativas a algum benefício,
devolva o que recebeu com juros e correção monetária, uma vez que o pagamento
foi indevido.
Jamais se pode imaginar que o beneficiário tem o direito de perceber
um benefício e, depois, renunciar ao mesmo, pois renúncia pressupõe a não
percepção do direito. E, tendo usufruído valores mensais de beneficio previdenciário,
não há que se falar em renúncia, pois a fruição do mesmo importa em ter
concretizada a relação jurídica com a Autarquia Previdenciária e o direito desta de
continuar na relação efetivada.
114
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 155.
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 3ª ed. vol. III. Rio de Janeiro: Forense,
1967.
115
109
Acredita-se, portanto, que, uma vez firmada a relação jurídica INSS e
segurado, tendo este percebido os valores da aposentação, não há que se falar em
renúncia, e, sim, em possível transação, se houver a concordância das partes.
Mas, como exposto acima, a norma previdenciária determina que, para
a Autarquia, o benefício é irrenunciável. Portanto, não há como fazer-se um acordo
nesse caso. Restará ao Judiciário o deslinde da controvérsia, mediante a qual, se
pender para a desaposentação, deverá o segurado devolver os valores que
percebeu, devidamente corrigidos. Jamais se poderá pensar na possibilidade de o
indivíduo perceber uma aposentadoria, depois cancelá-la e perceber outra, sem que
devolva os valores recebidos na aposentação cancelada.
Isso se afigura imoral, além de ilegal, porquanto o beneficiário percebe
uma aposentação e, depois, verifica que outra seria mais vantajosa, pedindo,
portanto, o cancelamento desta, para se aposentar novamente.
Desta feita, uma vez concedida a aposentadoria, não há que se falar
em reversão, salvo se o Judiciário entender de modo diverso, determinando a
desaposentação e a concessão de outro benefício, com a devolução dos valores
percebidos, devidamente corrigidos monetariamente.
110
8 DAS ESPÉCIES DE APOSENTADORIA POR IDADE
De tudo o que foi exposto, pode-se perceber que, com relação à
aposentação por idade, existe a aposentadoria do trabalhador: urbano, rural com
contribuição (empregado, avulso e o segurado especial) e rural sem contribuição,
comumente chamado de “bóia-fria”, que, por diversas vezes, é entendido como
contribuinte individual de modo errôneo.
O envelhecimento, que é o risco a ensejar atenção, traduz-se na idade
avançada e vem descrito no artigo 201, I, da Constituição Federal como evento a ser
coberto pela Previdência Social.
O descanso, após a prestação de longos anos de serviço, deve ser
recompensado e, hoje, mais do que uma recompensa, justifica-se pela redução da
capacidade laboral.
Inicialmente, o descanso, após a prestação de longos anos de serviço,
era tido como recompensa do senhor feudal a seus súditos, como sinal de gratidão.
Com o passar do tempo, essa recompensa foi estendida aos funcionários públicos e,
após, a todos os trabalhadores. Hoje, a proteção se justifica não como um direito ao
descanso, mas tem, por base, uma situação de necessidade social, provocada pela
redução da capacidade laboral, em decorrência do processo de envelhecimento, que
acarreta lentidão de raciocínio, reações mais lentas, dificuldade de aprendizado,
diminuição auditiva etc.116
Entretanto, os requisitos para a aposentação que se apresenta são
determinados, de modo diferente, para os trabalhadores urbanos e rurais.
Abaixo, serão identificadas as exigências necessárias para as três
espécies de aposentadoria por idade: do trabalhador urbano, do rural com
contribuição e do rural sem contribuição.
8.1 Aposentadoria por Idade do Trabalhador Urbano
A aposentadoria do trabalhador urbano tem, como requisitos, a idade
(sessenta e cinco anos, homem, e sessenta anos, mulher) e a carência, que é o
número mínimo de contribuições mensais indispensáveis, para que se faça jus a
qualquer benefício.
116
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 155.
111
Para a aposentadoria por idade, a carência necessária é de cento e
oitenta contribuições ou aquela prevista na regra de transição do artigo 142 da Lei
8.213/91, mencionada acima.
Como visto, antes da Lei 8.213/91, a carência para esse benefício era
de sessenta contribuições. Com o advento da legislação, o período de carência para
esse benefício saltou para cento e oitenta contribuições, se o trabalhador se filiou ao
Regime Geral de Previdência Social após a promulgação da Lei 8.213/91. Porém,
para os que já eram participantes do sistema, mas não tinham direito adquirido, i.e.,
não tinham as sessenta contribuições ou a idade necessária, estabeleceu-se uma
regra de transição, que aumenta, gradativamente, a carência até o ano de 2011,
quando ficam estabelecidas as cento e oitenta contribuições.
Para exemplificar, neste ano de 2005, a carência é de 144; em 2006,
150; em 2007, 156 etc.
A filiação não é mais necessária, pois, mesmo tendo perdido a
qualidade de segurado, o direito é preservado, se a carência foi satisfeita, o mesmo
acontecendo para a idade avançada (Lei 10.666/03).
No presente caso, há entendimentos divergentes sobre o quantum a
ser vertido, para que se tenha direito ao benefício.
Se o beneficiário perdeu a qualidade de segurado, e não tinha a idade
necessária, quando a completou, ir-se-á verificar o quantum que ele verteu.
O entendimento mais consentâneo é aquele esposado acima, isto é, é
possível a aplicação da carência gradual do artigo 142 combinada com o parágrafo
único do artigo 24, desde que os requisitos sejam atendidos simultaneamente.
Dessa forma, ainda que haja a perda da qualidade de segurado ou se os requisitos
forem preenchidos de maneira não simultânea, será imprescindível que o segurado
tenha atingido o número mínimo de 180 contribuições.
Não obstante deve-se reparar os vários entendimentos que tramitam e
que podem trazer desigualdades entre os participantes do sistema.
Julgados existem que não se atentam para a simultaneidade dos
requisitos, concedendo o benefício àquele que tem a carência e perfaz a idade,
observada a regra de transição, quando do pedido de benefício.
Outros entendem que a regra de transição deverá ser aferida, quando
alcançado o último requisito (idade ou contribuição), não importando a data do
requerimento etc.
112
O valor do benefício do trabalhador urbano é calculado sobre o saláriode-benefício, que consiste numa média aritmética simples dos maiores salários-decontribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo,
multiplicado pelo fator previdenciário.
A Lei 9.876/99 limitou o período a ser observado, tendo em vista a
conversão das moedas. Como, em tempos atrás, o país não tinha estabilidade
financeira, foram muitas as trocas de moedas, o legislador entendeu que um marco
a ser observado é a data em que o plano real foi implantado, i.e., julho de 1994.
É fato que chegará o dia em que a média será de todo o período
contributivo, pois quem ingressou no sistema, a partir de julho de 1994, terá,
realmente, todo o seu período contributivo levado em conta, observados,
logicamente, os oitenta por cento maiores salários-de-contribuição.
O trabalhador urbano tem seu salário-de-contribuição calculado com
base nas alíquotas progressivas, que são de 8, 9 e 11%, dependendo do salário
auferido.
A porcentagem a ser vertida é calculada sobre valores destacados de
salários-de-contribuição, que são reajustados todos os anos, por meio de uma
portaria ministerial.
Como informado anteriormente, a portaria n. 822/2005 fixou os valores,
para pagamento de remuneração, a partir de 1º de maio de 2005, sendo que, até R$
800,45, a alíquota é de 7,65%; a partir deste valor, até R$ 900,00, a alíquota é de
8,65%; a partir deste, até R$ 1.334,07, é de 9%; e deste, até R$ 2.668,15, é de 11%.
Os
contribuintes
que
recebem
menos
que
R$
900,00
são
compensados com o recolhimento a menor, para reparar-se o valor pago em virtude
da CPMF.
A renda mensal da aposentadoria por idade é de setenta por cento do
salário-de-benefício, mais um por cento deste, por grupo de doze contribuições, não
podendo ultrapassar cem por cento do salário-de-benefício. Aliás, só alcançará cem
por cento, se contribuir por trinta anos.
Nota-se que, aqui, diferentemente da aposentadoria por tempo de
contribuição, ambos, homem e mulher, necessitam contribuir por trinta anos, para
alcançarem 100% do salário-de-benefício.
Existe, ainda, a aposentadoria compulsória, que é requerida pela
empresa, quando o empregado completa setenta anos de idade, se homem, e
113
sessenta e cinco, se mulher. E, como sustentado no artigo 51 da Lei 8.213/91, o
empregador deverá garantir a indenização trabalhista, como se fosse despedido sem
justa causa. Portanto, não se vê justificativa para a empresa requerer a
aposentação, pois terá que indenizar o empregado, como se o tivesse demitindo.
Melhor será que a empresa o demita e, se ele quiser, poderá requerer sua
aposentadoria.
Resumindo, o trabalhador urbano deverá ter completado a carência
necessária, para requerer a aposentação, cuja idade avançada precisará ser
comprovada, sendo a renda calculada sobre o salário-de-benefício, tendo, como
alíquota, 70% daquele e mais 1% equivalente a cada ano trabalhado.
8.2 Aposentadoria por Idade do Trabalhador Rural com Contribuição
O trabalhador rural que contribui tem direito à aposentadoria por idade,
satisfazendo os requisitos: idade (sessenta anos, homem, e cinqüenta e cinco,
mulher) e a carência, que é a mesma do trabalhador urbano, isto é, cento e oitenta
contribuições ou, se estava no sistema antes da promulgação da Lei 8.213/91,
sessenta contribuições, se já havia preenchido as condições para a aposentação.
Em não tendo vertido as sessenta contribuições ou não tendo a idade ainda, mas
estando filiado, anteriormente, à legislação aludida, necessário perfazer um período
que está descrito na regra de transição do artigo 142 da Lei Previdenciária.
Nota-se que a idade, para o trabalhador rural, é reduzida em cinco
anos.
Tal fato se dá, devido ao desgaste físico a que estão submetidos tais
trabalhadores, pois se sabe que o trabalho, no campo, é mais penoso fisicamente
que o trabalho urbano e a dinâmica do trabalho rural não perdoa aquele que não tem
mais destreza para a labuta.
O corte de cana, a ordenha, o arado etc., todos são serviços braçais e
que se iniciam em horas precoces do dia, bem de madrugada e que se prolongam
por período extenso, necessitando de todo esforço físico possível do trabalhador, de
modo que aquele que adquiriu certa idade, comprovadamente, não tem mais a
destreza do jovem, razão por que não mais é interessante para os empregadores,
que necessitam do serviço a contento.
114
Mari Ângela Pelegrini117 atenta que a boa saúde física do trabalhador
rural é requisito indispensável para sua sobrevivência, pois a partir de sua
decadência física, os contratantes evitam escolhê-lo. Até para subir nos caminhões é
preciso destreza.
Assim, andou bem o legislador, ao reduzir a idade para o trabalhador
rural, em confronto com o trabalhador urbano.
O segurado especial que contribui é: o produtor, o parceiro, o meeiro e
o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado que exerçam suas
atividades individualmente ou com o núcleo familiar e, também, seus cônjuges ou
companheiros e filhos que trabalham juntos naquele mister.
No caso do segurado especial, o salário-de-benefício será calculado
sobre um treze avos da média aritmética simples dos maiores valores sobre os quais
incidiu a sua contribuição anual, correspondente a oitenta por cento de todo o
período contributivo, a partir de julho de 1994, multiplicado pelo fator previdenciário.
Este modo de calcular-se a contribuição foi uma reivindicação dos
próprios segurados especiais, que têm sua produção geralmente uma ou duas vezes
ao ano, o que lhes dificulta o recolhimento mensal. Assim, vertem contribuição
algumas vezes por ano e esse montante é dividido pelos doze meses e mais o
décimo terceiro.
Em sendo segurado especial, a contribuição incide sobre a receita
bruta da comercialização de sua produção, de 2%, mais outras prestações, como o
SAT (seguro de acidente do trabalho), que não têm pertinência para esta
explanação.
Pode ele, ainda, contribuir facultativamente, para que seu salário-debenefício seja melhorado, posto que, tendo um salário-de-contribuição maior,
conseqüentemente, o salário-de-benefício também será majorado.
O trabalhador rural, se empregado, tem seu salário-de-contribuição
calculado da mesma maneira que o trabalhador urbano, i.e., nas alíquotas de 8, 9 e
11%, bem como o salário-de-benefício é a média aritmética simples de todo o
período contributivo, desde julho de 1994, observando-se os oitenta por cento dos
maiores salários-de-contribuição.
117
PELEGRINI, Mari Ângela. Trabalhadores sem vínculo: rurais e urbanos – do cais ao campo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 86.
115
A renda mensal igualmente é de setenta por cento do salário-debenefício e mais um por cento deste, por grupo de doze contribuições, até cem por
cento.
As diferenças entre os trabalhadores ficam por conta: da idade, do
modo em que se dá o recolhimento das contribuições, no caso do segurado
especial, e, conseqüentemente, o cálculo da renda mensal.
8.3 Aposentadoria por Idade do Trabalhador Rural sem Contribuição
O trabalhador rural “bóia-fria” não é registrado, pois trabalha para
vários empregadores, seu labor depende das safras, não verte contribuições para a
Previdência Social. Os requisitos para sua aposentação são: idade avançada
(sessenta anos, homem, e cinqüenta e cinco, mulher) e a prova do trabalho no
campo, em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, e em
número de meses idênticos à carência necessária ao referido benefício.
Dessa feita, o bóia-fria deve provar que trabalha ou que trabalhava no
campo. Não pode ter havido afastamento da área rural, quando do pedido de
aposentadoria, posto que esta é excepcional, quando o segurado não contribui, cujos
requisitos são estabelecidos na legislação previdenciária.
É fato que não se faz necessário ter laborado durante todo o período no
campo, o artigo 143 da Lei 8.213/91 determina que se deve comprovar o exercício de
atividade rural, ainda que descontínuo. Portanto, mesmo que o trabalhador não tenha
sempre exercido o trabalho nas lides rurais, tenha deixado o campo por algum
tempo, quando do pedido de aposentadoria, não pode haver o afastamento da região
agrícola, deverá estar exercendo seu mister ou ter-se afastado, somente para
requerer a aposentadoria por idade ou outro benefício por invalidez.
Porém, por força da Lei 10.666/03, estão aparecendo entendimentos de
que não é mais necessário que o trabalhador rural, que não verteu contribuições,
esteja trabalhando no campo, quando do pedido de aposentação. Somente deverá
demonstrar o trabalho no campo, no mesmo período computado para a carência e ter
a idade.
O
Desembargador
Federal
Newton
de
Lucca,
no
processo
2004.03.99.010186-4, movido por Santo Alves da Silva contra o INSS, entendeu não
116
ser necessário que o trabalhador rural estivesse laborando no campo, para fazer jus
ao benefício excepcionalizado no artigo 143 da Lei 8.213/91.
Verifica-se nos presentes autos que o apelado comprovou que
trabalhou no campo por período superior ao exigido pela lei.
Nem se argumente que o dispositivo legal retro transcrito ao aludir ao
‘período imediatamente anterior ao requerimento do benefício’, tenha
impossibilitado o pedido do benefício por parte daqueles que
comprovaram o exercício de atividade rural no tempo máximo exigido
pela lei mas não o fizeram naquele lapso temporal designado.
Fosse assim interpretada a disposição em tela e teríamos a
esdrúxula conseqüência de ser beneficiado alguém que tivesse
trabalhado em período relativamente curto – mas exatamente no
‘imediatamente anterior ao requerimento do benefício’ – injustamente
penalizados todos aqueles que, mesmo tendo exercido a atividade
em número de anos muito maior do que o exigido em lei não
tivessem mais em condições de requerer o seu benefício opportuno
tempore, isto é, no período ‘imediatamente anterior ao requerimento
do benefício’...
O enunciado está completamente equivocado.
É fato que não devem existir tratamentos desiguais a favorecerem
aquele que laborou menos tempo, mas o que se tem em mente é a transitoriedade
da norma, seu caráter excepcional.
O trabalhador rural que não teve vertidas contribuições para a
Previdência Social deve atentar para algumas situações: se ele era empregado rural,
mas o empregador não fez os recolhimentos ou se era um trabalhador eventual, cujo
recolhimento deveria ser feito pelo sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra, e não
foi efetuado, não deve ser prejudicado, porquanto aquele que emprega é o
responsável pelos recolhimentos, bem como o sindicato ou órgão que lhe faz as
vezes, ambos são os responsáveis pelo recolhimento. Nesses casos, o benefício é
devido e calculado, tendo em mente o ganho efetivo do trabalhador, a média dos
salários-de-contribuição sobre os quais deveriam ter sido pagas as contribuições
sociais.
Por outro lado, se se considerar um contribuinte individual que não
consegue comprovar seu ganho, se há toda a problemática que enreda o caso, cujo
dever de realizar as contribuições é do próprio trabalhador, não teria ele direito ao
benefício. Desse modo, cai na excepcionalidade da norma insculpida no artigo 143
da Lei Previdenciária.
117
Como exaustivamente informado, a norma é extravagante. Tentou-se
não deixar ao desamparo o trabalhador rural que não tem contribuições, numa ânsia
de fazer a Justiça, de fazer valer a eqüidade. Não se deve deixar de ter em mente
que foi elaborada para vigorar por curtíssimo espaço de tempo, i.e., por quinze anos.
Esperava-se, com isso, que a situação do trabalhador do campo, até o
final desse período, tivesse sido devidamente satisfeita, com a sua integração nas
redes de proteção social.
Mas o que se viu não foi isso. Nada mudou e o Judiciário deseja fazer
o “milagre” de tentar igualar os trabalhadores somente no tocante ao recebimento do
benefício, mas ignorando o caráter contributivo da Previdência Social. Não obstante
não é o que deseja a lei.
A legislação é clara, o trabalhador rural que não verteu contribuições
deve comprovar o trabalho no campo, no período “imediatamente anterior ao
requerimento do benefício”. Não há margem de interpretação extensiva aqui.
O artigo em comento traz uma regra transitória, posto que estabelece o
prazo de quinze anos, para que os trabalhadores rurais, empregados rurais, avulsos
ou segurados especiais, comprovem o exercício da atividade rural, ainda que de
forma descontínua, mas no período imediatamente anterior ao requerimento do
benefício, em número de meses idênticos ao da carência.
Como se viu, é norma passageira, que prevê seu final em breve.
Tentar interpretar extensivamente não resolve o problema do bóia-fria.
O que o legislador quis, quando estabeleceu a norma extraordinária,
era viabilizar o acesso do trabalhador do campo à Previdência Social e que, após o
lapso de tempo da norma, com uma fiscalização eficiente, que fizesse com que os
tomadores de serviço inscrevessem seus empregados ou, em caso de não haver
subordinação destes àqueles, a contribuição se desse de qualquer modo, por meio
do sindicato ou de algum órgão gestor de mão-de-obra ou, ainda, pelo próprio
trabalhador (contribuinte individual) tivesse sua situação resolvida.
Entende-se que a elasticidade que estão dando à norma delineada no
artigo 143 da Lei 8.213/91 não se afigura correta do ponto de vista legal, fere os
princípios da legalidade, da participação do custeio etc., apesar de ser uma tentativa
de não deixar ao desamparo o trabalhador do campo, mas não resolve o problema
do trabalhador rural, que não é empregado.
118
Ele continua à margem da lei e dependendo de interpretações
benéficas do judiciário, as quais não resolvem a questão, mesmo porque a norma
deverá ser desconsiderada em breve ou, na melhor das hipóteses, haverá uma
prorrogação da mesma.
O trabalhador rural, que não contribuiu, tem o direito ao benefício,
quando completa a idade, que é reduzida em cinco anos, em relação ao urbano, e
comprova a atividade no campo, pelo mesmo período relativo à carência do
benefício e a atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício.
Analisadas as três espécies de aposentadoria por idade: do
trabalhador urbano, do rural com contribuição e do rural sem contribuição, resta
provado que o direito à percepção do benefício encontra diferenciações em todos os
requisitos necessários à relação jurídico-previdenciária, tanto na hipótese de
incidência quanto no conseqüente.
O trabalhador urbano e o rural empregados alcançam o direito, quando
complementam a carência e a idade (para o rural a idade é antecipada em cinco
anos)
e seus salários-de-benefício são mensurados por meio de uma média
aritmética de suas contribuições, a partir de 1994. O rural, que trabalha em regime
de economia familiar, o segurado especial também tem sua aposentadoria
antecipada em cinco anos, em relação ao urbano, e contribui poucas vezes por ano,
quando há resultado da sua produção, sendo esse valor distribuído pelas doze
parcelas mensais e mais o décimo terceiro.
O trabalhador rural, que não verte contribuição, tem direito ao benefício
excepcional, após perfazer a idade e provar o trabalho no campo, no mesmo período
de carência que o benefício exige, sendo que deverá estar trabalhando ou ter
deixado as lides rurais no período imediatamente anterior ao pedido de benefício.
Dar uma elasticidade à norma, como pretendem alguns membros do Poder
Judiciário, é ilegal e não traduz a vontade do legislador de conceder benefícios
excepcionais somente aos trabalhadores rurais que estão à margem da sociedade e
por um período que considerou razoável (quinze anos), na intenção de que fossem
integrados aos quadros da Previdência Social como todo e qualquer trabalhador.
Nota-se que há uma diferenciação entre as três espécies de
aposentadorias por idade, uma vez que o trabalhador rural se aposenta cinco anos
antes do urbano e o segurado especial tem seu salário-de-contribuição calculado de
119
modo diferente, baseado na produção etc. Obrigatório analisar-se o porquê da
dissemelhança.
120
9 UM PARALELO ENTRE AS APOSENTADORIAS POR IDADE DO
TRABALHADOR URBANO E RURAL - O TRATAMENTO
DIFERENCIADO
Demonstrou-se que existe a aposentadoria do trabalhador: urbano,
rural com contribuição (o segurado especial, avulso ou o empregado) e rural sem
contribuição, comumente chamado de “bóia-fria” ou volante.
Os requisitos, para a aposentadoria do trabalhador urbano, são: a
idade (sessenta e cinco anos, homem, e sessenta anos, mulher) e a contribuição
(cento e oitenta ou aquela prevista na regra de transição do artigo 142 da Lei
8.213/91); a filiação não é mais necessária, pois, mesmo tendo perdido a qualidade
de segurado, o direito é preservado, se a carência foi satisfeita, bem como a idade
avançada (Lei 10.666/03).
O conceito de trabalhador rural, para a Previdência Social, é bastante
amplo, abarcando o empregado rural, o produtor em regime de economia familiar
(segurado especial) e aquele que presta serviço para diversas empresas de modo
intermitente, sem relação de emprego, i.e., o avulso ou contribuinte individual (bóiafria).
O trabalhador rural (empregado ou segurado especial) que contribui
tem direito à aposentadoria por idade, satisfazendo os requisitos: idade (sessenta
anos, homem, e cinqüenta e cinco, mulher) e a carência, que é a mesma do
trabalhador urbano. Portanto, fica destacada a primeira diferenciação entre os
trabalhadores, a idade, já que o trabalhador rural se aposenta com idade inferior à
do urbano.
Tal fato se verifica tendo em vista o cumprimento do princípio da
igualdade, quando trata os desiguais desigualmente, haja vista o trabalho no campo
ser mais desgastante, fisicamente, que o trabalho urbano.
O de que o Estado, que pretende ser social, necessita é promover a
igualdade: concreta, material, corrigindo-se as injustiças sociais, para assegurar a
democracia da forma o mais abrangente possível.
O desgaste físico do trabalhador rural é comprovadamente maior que o
do trabalhador urbano, razão por que o legislador entendeu dever diminuir a idade,
para conceder a aposentadoria àquele.
121
Essa diferença também é mais um modo eficaz de equiparar os
urbanos aos rurais, como deseja a Constituição Federal, quando enuncia os
princípios da Seguridade Social no artigo 194, II, sobre a uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, posto que ao
alcançar a idade referida, regra geral, o trabalhador já estará com a capacidade
laborativa bastante reduzida e, o mercado de trabalho é dinâmico, não admitindo
pessoas nessas condições, por ser um serviço que requer força física e destreza, o
que, com a idade avançada, tende a desaparecer, como decorrência do próprio
viver.
Como dito anteriormente, o corte de cana, a ordenha, o arado etc.,
todos são serviços braçais e que se iniciam em horas precoces do dia, bem de
madrugada e que se prolongam por período extenso, necessitando de todo esforço
físico possível do trabalhador e aquele que adquiriu certa idade, comprovadamente
não tem mais a destreza do jovem e, por isso, não é interessante para os
empregadores que necessitam do serviço a contento.
Entende-se que o legislador constituinte andou bem, ao determinar tal
diferenciação que traduz a igualdade material entre os trabalhadores, uma vez que o
trabalhador rural, no Brasil, na visão de Rusinete Dantas de Lima,118 permaneceu,
por tempo considerável, despido de proteção jurídica adequada.
Antigamente, a legislação trabalhista e a previdenciária andavam
atreladas, mas aquela se desenvolveu rapidamente, deixando a Previdência Social a
desejar. Somente em 1955 é que se criou o Serviço Social Rural, Lei 1.613/55.
Porém este órgão nada fez em prol do trabalhador rural.
Depois, com a publicação da Lei 4.214/63, sobreveio o Fundo de
Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL) a ser gerido pelo
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, que foi um grande passo
dado pelo legislador, mas não se fez observar, não passando de mera formalidade.
Apesar de tão pouco ganho, em termos assecuratórios, agravou-se,
ainda mais, a situação dos rurais, quando da promulgação do Dec.-lei 276, de 28 de
fevereiro de 1967, que reduziu os direitos dos trabalhadores à assistência médica, à
maternidade, social, suprimindo os benefícios em pecúnia.
118
LIMA, Rusinete Dantas de. O trabalho rural no Brasil. São Paulo: LTr, 1992. p. 95.
122
Em 1971, a Lei Complementar n. 11 previu benefícios previdenciários,
mas esbarrou no custeio, que era insuficiente para atender a demanda, porque,
desde o início, ficou a cargo do produtor rural e só deste, deles não participando o
Estado nem o trabalhador rural.
Como era de se esperar, a fonte de custeio não foi suficiente, o que
deixava os trabalhadores bem desamparados, com a percepção de apenas meio,
até 2/3 do salário mínimo, quando da aposentação.
O quadro só se modificou com o advento da Constituição Federal de
1988, quando houve a equiparação dos trabalhadores urbanos e rurais, consoante o
artigo 194, parágrafo único, II.
Por conseguinte, o trabalhador rural sempre foi discriminado,
percebendo benefícios irrisórios, incompatíveis com a dignidade da pessoa humana.
Nota-se, ademais, que o trabalhador urbano e o rural que contribuem
têm a possibilidade de se aposentarem, mesmo havendo a perda da qualidade de
segurado, desde que satisfeitos os requisitos: idade e carência.
Mas o trabalhador rural que não verteu contribuições para a
previdência, o bóia-fria, este não terá direito à aposentação, se não estiver
prestando serviço rural no período imediatamente anterior ao pedido de benefício. É
o que diz a legislação, apesar de entendimentos do Poder Judiciário ao seu revés.
Dessa forma, se o volante não exercia mais o trabalho rural, considerase que perdeu a qualidade de segurado, não tendo direito ao benefício traduzido no
artigo 143 da Lei Previdenciária.
Tal desiderato enseja, novamente, o desequilíbrio entre os segurados.
É fato que o trabalhador rural que não contribui tem um direito
excepcional, em face do caráter contributivo da Previdência Social, mas a falta de
contribuição do bóia-fria ocorre, devido à incompetência dos órgãos governamentais
na cobrança dessa contribuição. E o prejudicado é o trabalhador do campo, que não
tem condições intelectuais de cobrar do país uma postura consentânea para
consigo.
Outra diferença entre esses trabalhadores é a maneira de contribuir. O
trabalhador urbano tem seu salário-de-contribuição calculado com base nas
alíquotas progressivas, que são de 8, 9 e 11%. O trabalhador rural, se empregado,
também tem seu salário-de-contribuição calculado dessa maneira. Porém, para o
segurado especial, a contribuição incide sobre a receita bruta da comercialização de
123
sua produção, de 2%, mais outras prestações que não interessa serem comentadas
aqui.
O segurado especial, como relatado anteriormente, são o produtor, o
parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado,
que exerçam suas atividades individualmente ou com o núcleo familiar e, também,
seus cônjuges ou companheiros e filhos que trabalham juntos naquele mister.
No caso do segurado especial, o salário-de-benefício será calculado
sobre um treze avos da média aritmética simples dos maiores valores sobre os quais
incidiu a sua contribuição anual, correspondente a oitenta por cento do período
contributivo a partir de julho de 1994, multiplicado pelo fator previdenciário. Assim,
vertem contribuição algumas vezes por ano e esse montante é dividido pelos doze
meses e mais o décimo terceiro.
Pode, ainda, o segurado especial, contribuir facultativamente para que
tenha um maior salário-de-benefício e, conseqüentemente, uma renda mensal inicial
maior.
O trabalhador rural bóia-fria não verte contribuições para a Previdência
Social por pura incompetência dos órgãos de fiscalização e pela legislação que não
consegue impor as conseqüências necessárias, para coibir a prática que se
perpetua de arregimentação de mão-de-obra por uma pessoa qualquer (comumente
chamado de “gato”), sem conceder nenhuma garantia e nenhum direito àquele
trabalhador.
O gato é o empreiteiro, ele escolhe quem vai trabalhar, agencia o
transporte, determina quanto o trabalhador vai ganhar, fiscaliza seu labor e fixa
todas as regras da relação jurídica. E é o único referencial que os trabalhadores
rurais possuem.119
Os requisitos, como se viu, são: idade avançada (sessenta anos,
homem, e cinqüenta e cinco, mulher) e a prova do trabalho no campo, em período
imediatamente anterior ao requerimento do benefício e em número de meses
idênticos à carência necessária ao referido benefício.
Dessa feita, o bóia-fria deve provar que trabalha ou que trabalhava no
campo, ainda que de modo descontínuo. Por conseguinte, mesmo que o trabalhador
não tenha sempre exercido o trabalho nas lides rurais, tenha deixado o campo por
119
SENTO-SÉ, Jair Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, 2001. p. 54.
124
algum tempo, quando do pedido de aposentadoria, não poderá haver o afastamento
da região agrícola, deverá estar exercendo seu mister ou ter-se afastado, somente
para requerer a aposentadoria por idade ou outro benefício por invalidez, uma vez
que esse benefício é excepcional, para o qual o segurado não contribui, cujos
requisitos são estabelecidos na legislação previdenciária e já foram exaustivamente
analisados.
Indaga-se se esse benefício seria um benefício previdenciário ou
assistencial, pois prescinde de contribuição.
A falta do recolhimento não retira do trabalhador o direito de ser
segurado. A filiação previdenciária se dá com a prestação de serviço, haja ou não
contribuição, que está a cargo do empregador, do tomador de mão-de-obra ou do
gestor de mão-de-obra (ou sindicato). O problema que se estabelece na relação
jurídico-previdenciária entre o “bóia-fria” e a Previdência Social é de, primeiramente,
identificar quem é o responsável pelo recolhimento da contribuição previdenciária,
pois, se esse trabalhador rural for considerado empregado, a empresa será a
responsável tributária pelos recolhimentos; se avulso, o sindicato ou órgão gestor de
mão-de-obra, que deveria existir e ser devidamente regulamentado por uma norma
eficaz; e, se contribuinte individual, o recolhimento deve ser efetuado por ele próprio.
Enquanto não se distingue e não se trata, com seriedade, a questão, a
benesse da lei dá-se, somente para não deixar ao abandono o segurado rural que,
no caso do bóia-fria, presta serviço com subordinação, preenchendo todos os
requisitos da lei trabalhista e previdenciária, quer seja empregado ou avulso, mas
não consegue comprovar rendimentos.
O que o legislador quis foi não prejudicar, ainda mais, este trabalhador
que, por não ter contribuição e nem prova do seu ganho, não consegue comprovar
valores, para computar e, assim, manter um salário-de-contribuição, para,
posteriormente, reivindicar o salário-de-benefício calculado sobre seu ganho
habitual.
A falha dos órgãos governamentais e mesmo de uma legislação
específica e esclarecedora, bem como da fiscalização prejudicam o trabalhador que,
por não conseguir provar seu salário, acaba tendo que requerer a aposentadoria nos
moldes do artigo 143 da Lei 8.213/91, i.e., o benefício do salário mínimo. E mais,
prejudicam, também, a Seguridade Social, que não vê recolhidas as contribuições
sociais do empregador e do trabalhador.
125
A Previdência Social é contributiva, mas o fato de não haver
recolhimento das contribuições não afeta o direito do segurado empregado e
trabalhador avulso.
A Lei Maior deseja equiparar trabalhadores urbanos e rurais, tratandoos de forma isonômica, selecionando os riscos que merecem atenção. O artigo 30
da Lei 8.212/91 determina que a empresa arrecade as contribuições dos seus
empregados e daqueles que lhe prestam serviços como avulsos. Portanto, a
obrigação de arrecadar e repassar para os cofres da Previdência Social as
contribuições devidas à Seguridade Social é da empresa, e não do trabalhador a seu
serviço. E este não pode ser prejudicado, se não há o repasse dos valores
descontados de seu salário.
É fato que alguns doutrinadores entendem deva o próprio trabalhador
efetuar seu recolhimento, identificando-o como contribuinte individual. Mas é um
pensar equivocado, posto que não há a prestação do labor por conta própria.
O bóia-fria é um trabalhador avulso ou um empregado. Não há espaço
para o entendimento esposado acima. Existe, muitas vezes, a subordinação e a
reiteração da prestação laboral, configurando-se a relação empregatícia. Outras
vezes, em face da grande rotatividade no campo, os requisitos, para se configurar
relação de emprego, ficam prejudicados, todavia não se pode chegar ao
entendimento de que o trabalhador seja autônomo.
Até mesmo a Previdência Social, em suas explicações, não se faz
explícita. O Guia do trabalhador Rural 120 enquadra-o nas seguintes categorias:
empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial.
O empregado, para ela, é quem trabalha para empresa ou proprietário
rural, inclusive os denominados: safrista, volante, eventual ou temporário, devendo
ter carteira assinada; o contribuinte individual é aquele que presta serviço a uma ou
mais pessoas sem vínculo empregatício, exercendo atividades eventuais, sendo
eles: volantes, temporários ou bóias frias; o segurado especial é aquele que trabalha
em regime de economia familiar, sem empregados; o trabalhador avulso é aquele,
sindicalizado ou não, que presta serviço de natureza rural, sem vínculo
empregatício, a várias empresas ou pessoas físicas, obrigatoriamente, por meio de
sindicato da categoria. Exemplifica com os ensacadores de café e cacau.
120
BRASIL. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Guia do Trabalhador rural. Saiba como utilizar o
seu seguro social. Brasília: Ministério da Previdência Social, 2003. p. 10/11.
126
Tem-se que a Previdência Social não reconhecerá o bóia fria como
trabalhador avulso, se prestar serviço a diversas empresas, se o sindicato não fizer a
mediação entre o trabalhador e o explorador da mão-de-obra, o que é um erro.
É fato que muitos entendimentos vão nesse sentido, mas não se resta
idôneo. O bóia-fria caracteriza-se como empregado ou trabalhador avulso, mesmo
não tendo um sindicato que deveria fazer, dignamente, seu mister, i.e., a colocação
do trabalhador, o recebimento dos valores pagos pela empresa e o repasse da
contribuição social, como fazem os sindicatos da estiva, por exemplo.
Se se considerar o bóia-fria um empregado, a relação da empresa com
a Seguridade Social deverá ser fiscalizada pelo INSS e pelos fiscais trabalhistas. Se
o órgão arrecadador não consegue identificar o não-repasse, não é culpa do
trabalhador, que não pode ficar prejudicado. O seu direito é garantido, pois houve o
desconto, pela empresa, em seus vencimentos; ou, se não aconteceu, a empresa é
a responsável tributária. Trata-se de substituição passivo-tributária ou sujeito passivo
indireto, que é um terceiro que é eleito como devedor da obrigação tributária121.
Considera-se empresa, para efeitos previdenciários, a firma individual
ou sociedade que assume o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins
lucrativos ou não. Em tendo prestado serviço a uma empresa rural, em caráter não
eventual, ele é considerado empregado, tendo direito aos benefícios que a lei lhe
faculta.
Se o “bóia-fria” prestou serviço a muitas empresas, sem que se possa
identificá-las, deverá ser considerado trabalhador avulso, segurado obrigatório da
previdência social, como determina o artigo 11, VI, da Lei 8.213/91: “como
trabalhador avulso: quem presta a diversas empresas, sem vínculo empregatício,
serviço de natureza urbana ou rural definido no Regulamento”, cujas contribuições
deverão ser objeto de desconto em sua remuneração; desconto que deveria restar a
cargo do contratante da mão-de-obra ou atribuído ao sindicato competente; ou,
ainda, outra instituição determinada por lei.
Várias são as tratativas sobre o assunto, mas nada se tem feito, para
sanar o descompasso existente.
Até mesmo os doutrinadores não são unânimes quanto ao conceito
jurídico do bóia-fria. Uns entendem ser empregado, outros avulsos, sendo que, de
121
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 293.
127
todo modo, estará estabelecida a relação com a previdência, pois, prestando serviço
remunerado, o trabalhador é filiado à Previdência Social e terá seus direitos
garantidos; ou, ao menos, deveria tê-los acautelados.
A própria legislação trabalhista reconheceu a atuação do empreiteiro
neste processo de intermediação da mão-de-obra rural. É o que se
pode aferir do que preceitua o art. 4º da Lei 5.889/73, que estabelece
que se equipara ‘ao empregador rural pessoa física ou jurídica que,
habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros,
execute serviços de natureza agrária mediante utilização do trabalho
de outrem’.122
E o autor, com relação ao “gato”, entende que “ele não passa de um
mero arregimentador de mão-de-obra, autêntico testa-de-ferro vinculado que está ao
dono da terra e a ele subordinado juridicamente, pois não passa, também, de um
empregado do proprietário rural”.
Mari Ângela Pelegrini123 cita Pedro Paulo Teixeira Manus, que entende
ser o bóia-fria sempre um empregado rural, ainda que temporário, mas seu
posicionamento é contrário a ele.
A autora navega por várias doutrinas, demonstrando que o Decreto
3.048/99 define o avulso como “aquele que, sindicalizado ou não, presta serviços, de
natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a
intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra ou do sindicato da
categoria”.
O Desembargador Juiz Nóbrega Salles, em acórdão do Tribunal de
Alçada Civil, Apelação Civil, 23.169/SP, conceituou o trabalhador avulso como “o
que presta serviços sob subordinação e mediante salário, em trabalho não eventual,
portanto permanente, mas a empregadores diversos”.
Mari Ângela Pelegrini arrisca-se (para citar sua expressão) a uma
conceituação atual de avulso:
Avulsos são os trabalhadores urbanos ou rurais que prestam
trabalhos contínuos em relação à execução dos mesmos; mas,
normalmente intermitente em relação ao mesmo tomador, que via de
regra se alternam, que, por suas condições peculiares de trabalho,
têm seus interesses necessariamente representados pelo sindicato
da categoria, que intermediará sua colocação a diversos
interessados, ou, por meio do OGMO (Órgão Gestor de Mão-de122
SENTO-SÉ, Jair Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, 2001. p. 55.
PELEGRINI, Mari Ângela. Trabalhadores sem vínculo: rurais e urbanos – do cais ao campo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 41.
123
128
obra), quando a lei impuser, desde que preenchidos os requisitos
para a inserção no quadro dos sindicatos de trabalhadores avulsos e
outras exigências definidas em legislação própria para o
gerenciamento da mão-de-obra, estando aos mesmos sujeitos,
inclusive no que tange ao ingresso, permanência, penalidades e
desligamento, equiparados a empregados para o gozo dos direitos
trabalhistas e previdenciários.
O que se vê unânime, no conceito de avulso, é a necessária
representação do trabalhador, seja por um sindicato, seja por meio de um órgão
gestor de mão-de-obra (OGMO).
E aí reside o maior problema com relação à prestação de serviço
desses trabalhadores.
O sindicato não se sente capacitado para tal empreitada, seja porque o
trabalhador não consegue alcançar a importância de estar filiado e cobrar uma
atitude do sindicato ou porque o sindicato não está suficientemente forte, para
exercer seu mister; ou porque, ainda, é o que se acredita, a falta de legislação
específica, que obrigue tais trabalhadores a se unirem e forçarem seus sindicatos ao
trabalho em prol de seus filiados.
A inércia dos sindicatos é pública e notória, conforme se verifica em
diversos relatos trazidos à colação na obra citada da Juíza Mari Ângela Pelegrini124,
cuja pesquisa de campo demonstra, bem, o torpor.
“Entrevistado: João Altino Cremonezi, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Presidente Prudente – Nossos trabalhadores não olham o
sindicato com bons olhos. Na verdade, só nos procuram na ‘idade’ e na
‘doença’...Além do mais os sindicatos não têm estrutura financeira. Quem tem que
assumir este compromisso é o governo, o município.”
Todos os relatos encartados na obra da autora trazem a preocupação
com a condição do trabalhador rural sem registro em carteira e, como dito
anteriormente, acredita-se que a solução deve partir da lei.
Os avulsos deveriam organizar-se com a intervenção estatal e dos
sindicatos ou por órgão gestor, porém ficou comprovado que somente por meio de
lei com força coativa e com uma mudança na cultura desses trabalhadores é que se
poderá vê-los agasalhados pela Previdência Social.
124
PELEGRINI, Mari Ângela. Trabalhadores sem vínculo: rurais e urbanos – do cais ao campo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 95.
129
A autora acredita que, para a condição de avulso rural, via
intermediação sindical, não há, atualmente, nenhum impedimento legal. Mas
reconhece que houve fraudes que acabaram com o intento das partes, que a má-fé
de uns e o preconceito de muitos impediu que a legislação já existente servisse de
suporte para uma forma inegavelmente benéfica de contratação dos volantes no
meio rural.
Há um grande temor de que, em se criando mecanismos de
contratação via sindicato ou OGMO, se desvirtue o procedimento que deve ser
restrito aos trabalhadores que prestam serviço a vários empregadores por curto
espaço de tempo, e não ao empregado rural que se perpetua na prestação de
serviço a um mesmo empregador. Esse é empregado rural: aquele contratado
diretamente pelo empregador rural, para prestar serviço de forma não eventual, sob
subordinação e mediante remuneração, como descreve o artigo 11, I, a, da Lei
8.213/91.
Acredita-se o contrário, pois, existindo um órgão competente para a
colocação desse pessoal, a fiscalização se traduz de modo mais eficaz, podendo
identificar, nos recolhimentos, a prestação laboral, porque, se o trabalhador prestou
serviço a uma mesma empresa por vários períodos, restará qualificado como
empregado, e não avulso.
Assim, sendo regulamentado o trabalho do rural como avulso, será
muito mais fácil, para identificar as fraudes que podem ocorrer por meio dos
recolhimentos que o órgão gestor de mão-de-obra faz. Pode, até mesmo, identificar
a quais empresas o mesmo prestou serviços e por quanto tempo ficou vinculado
àquele produtor rural.
O avulso traduz, ainda, alguns requisitos do empregado, tais como: a
subordinação, remuneração etc. Entretanto, a diferença é a eventualidade dessa
prestação e a rotatividade dos trabalhadores nas empresas rurais. Fatores que
acabam por não gerar o vínculo trabalhista ou não tornar possível uma fiscalização
eficiente, que favoreça a descrição do trabalho como de relação empregatícia una.
Outro problema que se avizinha é o teor do art. 11, V, g, da Lei
8.213/91, que enuncia a pessoa que presta serviço de natureza urbana ou rural, em
caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, que,
comparado ao inciso VI, trabalhador avulso, parece identificar a mesma coisa.
Mas este não deve ser o entendimento.
130
O trabalhador rural dificilmente será um contribuinte individual,
exceções como a dos feirantes que produzem e comercializam alimentos em escala
diminuta, pois não exerce o mister por conta própria. Acaba por ser arregimentado
pelo “gato” e presta serviço, muitas vezes, em condições degradantes, com salários
irrisórios, num desrespeito à dignidade da pessoa humana.
Necessário um novo pensar, uma fiscalização rigorosa e uma
legislação consentânea a colocar o trabalhador rural, que, por ora, ainda resta
discriminado no seio da proteção assecuratória.
A Constituição Federal deu o primeiro passo, ao equiparar urbanos e
rurais, de modo a não deixar o rural na situação de outrora, onde seus direitos eram
irrisórios, numa afronta à dignidade da pessoa humana.
Mas o que se vê é a inércia dos órgãos políticos, para fazerem valer os
direitos da categoria.
O Plenário do Conselho de Previdência Social, em Presidente
Prudente, em sua 8ª reunião ordinária, realizada no dia 17 de dezembro de 2004, no
uso das atribuições que lhe são conferidas pelo Regimento Interno aprovado pela
Resolução n. 1.234, de 17 de dezembro de 2003, do Conselho Nacional de
Previdência Social, considerando a necessidade de melhoria na qualidade do
atendimento e a facilidade/eficácia na comprovação da atividade rural dos
considerados bóias-frias, fez uma moção ao Conselho Federal, recomendando:
alteração da legislação previdenciária no que se refere à
comprovação da atividade rural de bóias-frias, deliberando a criação
de meios para que os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais realizem
cadastro e controle desses trabalhadores, nos moldes dos
trabalhadores avulsos.
Não obstante a resposta veio em repúdio por seus pares:
Quanto à recomendação nº 3 desse CPS, informo que, em contato
com acessor da Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Agricultura – Contag, essa medida será inócua face à falta de
estrutura dos sindicatos rurais, além dessa medida não resolver o
problema. Ele garantiu que as negociações coletivas de trabalho são
mais produtivas, bem como a informação aos bóias-frias em
contribuir para a previdência. Além disso, afirmou que a proposta de
redução da alíquota de 20% para 11% sobre quem contribui com um
salário mínimo será um incentivo para essa classe de trabalhadores.
Informo ainda que a opinião converge com a opinião da Secretaria de
Previdência Social.
131
João Lins de Albuquerque Sento-Sé 125 , relatando sobre o trabalho
escravo no Brasil, identifica que essa situação dos bóias-frias é determinada pela
dominação econômica, pois “o interesse econômico é a mola mestra que impulsiona
a existência da escravidão contemporânea na zona rural brasileira.”
Para o autor, o trabalho escravo atual concorre para se consolidar a
idéia da existência de uma maior concentração do capital nas mãos daqueles que
detêm o domínio econômico, os detentores de imensas propriedades rurais, os
latifundiários.
E continua:
Uma vez que não tem acesso à terra para produzir e, ainda que a
tivesse, sem dispor de um incentivo governamental para cultivá-la e
enfrentar as intempéries próprias da atividade agropecuária – seca,
queda de preço da safra etc.-, o rurícula se vê obrigado a aceitar a
proposta de trabalho que lhe é formulada pelo fazendeiro, por meio
do “gato”. Quer dizer, não tem ele outra opção.
O doutrinador não é o único a sentir o grande problema que assola o
bóia-fria. A Dra. Mari Ângela Pelegrini 126 faz um alerta para a necessidade de
mudança, principalmente analisando o problema do sistema de Previdência Social,
que é contributivo e necessita dos recolhimentos para sua sobrevivência.
A sociedade tem que providenciar, com urgência, mecanismos
efetivos de arrecadação previdenciária, no sistema universal, de
maneira que o sistema de contrapartida seja financiado de forma
indistinta, para que se recolham as contribuições previdenciárias
para os cofres da previdência social, por meio dos tomadores de
serviços, indireta e compulsoriamente, de forma impositiva e sem a
possibilidade de a esse ato se furtarem, principalmente na
atualidade, quando as categorias com vínculo estão sendo
empurradas para as previdências complementares, o governo vai e
deve ter espaço para se dedicar a estas categorias menos
favorecidas.
Concorda-se com a autora, quando alerta os sindicatos, para
repensarem o abandono da categoria. A idéia é a de um sindicato atuante, ou
melhor, legalmente atuante, posto que deverá haver uma norma para regulamentar a
intermediação, como se vê nos operários da estiva, posto que, somente desse modo
125
SENTO-SÉ, João Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: Ltr, 2001. p. 79/81.
PELEGRINI, Mari Ângela. Trabalhadores sem vínculo: rurais e urbanos - do cais ao campo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 228.
126
132
é que poderá haver um equilíbrio entre os trabalhadores, para satisfazer os
princípios da justiça e da dignidade da pessoa humana.
E o pior é o entendimento do próprio órgão previdenciário, que se deixa
levar pela inércia dos sindicatos.
É notório que os sindicatos não têm estrutura adequada. Mas como
aceitar-se que um “gato” faça suas vezes, isto é, arregimenta, faz colocação de
pessoal, paga seu salário etc? Somente uma pessoa consegue estabelecer-se como
organizador da mão-de-obra rural. E o sindicato não vê condições para tanto.
É um contra-senso aceitar-se tal condição.
A juiza doutrinadora127 desabafa:
até quando o Poder Judiciário terá que usar dos artifícios da
eqüidade e princípios gerais de direito para justificar o injustificável e
repassar à população o custo da má administração e baixa
arrecadação das contribuições previdenciárias no mercado informal,
que, como se
sabe, é altamente volumoso em proporções
numéricas, devido à dispersão dos trabalhadores sem vínculo de
emprego protegido?
É lamentável a situação que se arrasta sem uma visão positiva de seu
final. A norma insculpida no artigo 143 da Lei 8.213/91 é transitória. A intenção do
legislador era ver a posição do rurícola regulamentada num espaço de quinze anos.
Porém os anos foram se passando e a inércia parece não ter fim.
Tudo está como sempre fora. A proteção do trabalhador rural não é
satisfatória nem sua participação para o custeio do sistema securitário nacional.
Essa diferenciação discriminatória entre rurais e urbanos deve
continuar por muito tempo; talvez, numa visão mais pessimista, nunca terá fim, o que
se lamenta.
Porém pretende-se, neste estudo, chamar a atenção para o problema,
demonstrando, como se provou, que há solução e que esta depende somente de
uma legislação regulamentadora e de tomada de posição política.
A conclusão a que se chega é a de que o bóia-fria é um segurado
obrigatório, ora empregado, ora avulso, que deve participar do sistema, não como
uma forma excepcional, para perceber um benefício especial de um salário mínimo,
127
PELEGRINI, Mari Ângela. Trabalhadores sem vínculo: rurais e urbanos - do cais ao campo. São Paulo:
LTr, 2004. p. 237.
133
que tende a desaparecer, em face do caráter contributivo da legislação
previdenciária, bem como do caráter efêmero da norma em comento.
É necessário que ele seja reconhecido como um empregado, quando
prestar serviços a um empregador em tempo em que se fixe a relação empregatícia,
tendo registro em carteira e recolhimentos das contribuições calculados com base no
seu salário real, ou, quando prestar serviços para diversos empregadores que haja
um sindicado ou um organismo apto a fazer a intermediação entre o contratante da
mão-de-obra e o bóia-fria, recolhendo daquele os valores referentes à contribuição
social e repassando os pagamentos das mesmas, mensalmente, ao Instituto
Nacional do Seguro Social.
Somente dessa maneira é que o bóia-fria deixará de ser um
beneficiário à margem da legislação, bem como da sociedade, que percebe
benefício de um salário mínimo somente, por não conseguir comprovar seu ganho, e
corre o risco de ficar fora do sistema de previdência, num total desrespeito ao
legislador constituinte, que o quis equiparar ao trabalhador urbano, para que tivesse
os mesmos direitos.
Tal fato fere os princípios constitucionais previdenciários já invocados e
prejudicam o trabalhador rural. E, ainda, demonstram que o rural sempre foi
discriminado e continua a sê-lo, num flagrante desacato ao direito da dignidade da
pessoa humana, bem como à justiça, tão invocada, mas, ao mesmo tempo,
desprezada.
Faz-se necessária uma tomada de posição governamental. Uma
solução para o problema, que não se afigura insolúvel, porém que tende a se
arrastar e, possivelmente, obrigará o governo a estender a norma excepcional do
artigo 143 da Lei previdenciária por mais, quem sabe, quinze anos.
Invoca-se que haja uma legislação que determine a filiação dos
avulsos por meio de um órgão competente, seja sindicato ou organismo gestor de
mão-de-obra, que faça a intermediação entre as diversas empresas e os prestadores
de serviço rural.
Sabe-se que só uma legislação pode não ser suficiente. Importante a
modificação da mentalidade, da inércia em que se encontram os sindicatos e uma
fiscalização eficiente.
Todos os fatores devem estar conjugados: os sindicatos atuantes,
cumprindo a norma, que deveria determinar a arregimentação dos volantes, que
134
deverão ser classificados como avulsos, quando prestarem serviços a diversas
empresas rurais, ou, se não o forem, serão empregados, quando prestarem serviços
a uma empresa por um tempo razoável a caracterizá-los como empregados e a
fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social, bem como do Ministério do
Trabalho.
Só assim se poderá alcançar a completa equiparação entre urbanos e
rurais, onde não haverá distinção e aquele que trabalhou, que é segurado obrigatório
da previdência social, seja abraçado pelo sistema. E, quando adentrar um dos riscos
sociais, especialmente quando se encontrar com a idade avançada, e não puder tirar
da sua força de trabalho o seu sustento, possa encontrar-se em paz e restar
colhendo um direito seu: a aposentadoria por idade, cuja renda será auferida a partir
de seus rendimentos da atividade, nos mesmos moldes dos outros trabalhadores,
para que na sua velhice, perceba valores compatíveis com sua vida laboral.
Somente desse modo se verificará um país mais justo, que realmente
queira atentar para os princípios constitucionais e que deseja ver seus trabalhadores
sendo tratados de forma isonômica.
Sintetizando, tem-se:
1-
A idade: primeiro fator de diferenciação entre os segurados
urbanos e rurais, pois estes se aposentam cinco anos antes
daqueles;
2-
A carência: o trabalhador urbano e o rural que verteu
contribuição precisam ter pagado cento e oitenta contribuições,
para ter direito à aposentadoria por idade, a não ser que já
participavam do sistema antes da Lei 8.213/91 e se enquadram
nas regras de transição, que variam de sessenta a cento e
oitenta cotas pagas. O rural, bóia-fria, não precisa ter vertido
nenhuma contribuição, mas deverá comprovar o trabalho no
campo, no período igual ao da carência e imediatamente anterior
ao pedido de benefício;
3-
Perda da qualidade de segurado: não prejudica o direito dos
segurados urbanos e rurais que verteram contribuição, mas
impede o acesso do rural que não contribuiu, pois este deve
135
estar trabalhando ou ter-se afastado do campo no período
imediatamente posterior ao pedido de benefício;
4-
Maneira de contribuição: o urbano e o rural empregados
contribuem da mesma maneira, cujas alíquotas são variáveis,
enquanto o segurado especial contribui poucas vezes no ano,
com base na sua produção e o montante é dividido em treze
prestações.
136
10 O TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE APOSENTADORIAS:
POR IDADE E POR INVALIDEZ
Afora o tratamento diferenciado entre os trabalhadores urbanos e
rurais, o que fere os princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça, da
equidade na participação do custeio, na equiparação entre urbanos e rurais etc,
existe outra diferença discriminatória que se estabelece entre a aposentadoria por
idade e a por invalidez.
Compreende o art. 194, II, da Constituição Federal a uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e, assim, em
congruência com os outros princípios destinados a assegurar os direitos sociais, a
aposentadoria por invalidez é concedida aos trabalhadores: urbano e rural, quando
da incapacitação para o trabalho.
A aposentadoria por invalidez pode ser decorrente de acidente, comum
e do trabalhador rural.
Cumpre alertar que a aposentadoria do trabalhador especial, em
regime de economia familiar, se distingue das demais, não com relação a
incapacitação, mas no modus probandi da relação previdenciária, pois o art. 39, I,
enuncia que lhe será devido o benefício se provar o exercício da atividade rural em
período igual ao de carência exigida. Portanto, somente se a invalidez for por
doença comum é que terá que fazer prova do tempo em que exerce a atividade no
meio rurícula pelo período de 12 meses (a carência), mas não, se a invalidez for
acidental, posto que, aqui, não terá carência, devendo demonstrar a espécie do
trabalho laboral, ou seja, rural, tal qual acontece com a aposentadoria por idade.
Mattia Persiani128 entende que aquele que se acha em condições de
necessidade devido ao próprio trabalho, merece, de fato, uma consideração especial
e, por conseguinte, uma tutela mais acentuada, quase compensatória da
circunstância que o reduziu a tais condições, por haver contribuído para o bem-estar
de toda a coletividade.
O
autor
distingue
os
trabalhadores
protegidos
com
vínculo
empregatício ou sem vínculo empregatício e entende que, para a aplicação da tutela
contra os acidentes do trabalho, não é suficiente o exercício de uma das atividades
128
PERSIANI, Mattia. Diritto della previdenza sociale. Padova: CEDAM, 2002.
137
ora descritas, seja essa considerada perigosa em si, devido à maquina que a
envolve, ou, ainda, devido à exposição ao risco ambiental, mas que essa tutela
esteja, de uma maneira ou de outra, limitada aos trabalhadores que desenvolvem a
sua atividade em posições particulares.
Assim sendo, o legislador elegeu, como eventos sociais a serem
suportados por toda a sociedade, a invalidez e a idade avançada do trabalhador
rural e, mesmo se este não verter contribuições para os cofres públicos, o benefício
lhe será devido.
A aposentadoria por invalidez acidentária é aquela que decorre de uma
doença ou lesão que se relaciona com o trabalho. Para esta, não há carência,
porquanto, como entende Mattia Persiani129, o fundamento da tutela previdenciária
contra os acidentes do trabalho não pode mais ser individualizado no risco
profissional. Essa tutela, não diferentemente das demais, é, enfim, expressão da
solidariedade de toda a coletividade organizada no Estado a favor de quem venha a
se encontrar em situação de necessidade. A função que, mediante ela, se pretende
não é mais a de ressarcir um prejuízo, mas a de eliminar as situações de
necessidade, que barram o efetivo e pleno gozo dos direitos civis e políticos.
Quanto a esse benefício, pode-se afirmar que a carência seria
completamente descabida, já que o trabalhador contribui, para garantir-se de
eventos danosos e, esse risco de acidente, é totalmente imprevisível.
Por fim, a invalidez comum, aquela decorrente de doença contraída
fora dos campos laborais, para a qual há carência de doze contribuições, i.e., o
beneficiário deverá verter aos cofres públicos doze contribuições, para adquirir o
direito ao benefício. Não tendo contribuído nesse total e atingindo-lhe uma
contingência que lhe prejudique a saúde, tornando-o incapaz para o trabalho, estará
completamente desamparado pela Previdência Social.
Acredita-se que isso é totalmente incongruente com a concepção que
se pretende adotar.
Wagner Balera130, referindo-se à carência, afirma:
A legislação exige algo que se ajusta à técnica do seguro (a carência
é instituto típico do contrato de seguro), mas completamente
desconforme com o ideário da seguridade social (que quer proteger a
todos, nos termos do princípio da universalidade da cobertura e do
129
130
PERSIANI, Mattia. Diritto della previdenza sociale. Padova: CEDAM, 2002.
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. São Paulo: LTr, 2002. p. 17/19.
138
atendimento). Todos os benefícios de risco imprevisível não
deveriam depender de qualquer carência, como decorrência
elementar proteção da seguridade que decorre do referido princípio
fundamental.
É fato que, como explica Mattia Persiani131, as diversidades, quando
ainda subsistem, atendem, por vezes, a avaliações de política legislativa que dizem
respeito à importância a ser atribuída às condições em que o sujeito protegido se
encontra, ao verificar-se o evento; por vezes, atendem, ao contrário, a exigência de
garantir a compatibilidade e a adequação dos tratamentos dispensados às situações
de necessidade.
Mas, no presente caso, a condição (risco) em que o sujeito está é a
mesma em que qualquer cidadão poderá acabar-se envolvendo. As doenças
atingem a qualquer ser humano indiscriminadamente e devem ser tratadas de forma
a não fazerem nenhuma discriminação, mormente quando a dignidade da pessoa
humana, assim como sua vida podem ser afetadas consideravelmente.
É verdade que deve haver previsão de tratamentos diferentes em
relação à diversidade das espécies (casos concretos) que lhe determinam o direito.
Mas, como entende o autor, tal diversidade deve ser explicada exclusivamente em
relação a avaliações de política legislativa, que dizem respeito não tanto aos
objetivos visados com a distribuição desses tratamentos, mas às modalidades e à
amplitude da tutela a ser efetivada e à exigência de uma equilibrada distribuição dos
recursos financeiros disponíveis.
Dessa forma, ainda que distribuídos em diversas condições e em
relação à ocorrência de eventos diferentes, bem como determinados no seu
montante, com base em diferentes critérios, os benefícios cumprem a mesma função
e têm a mesma natureza. Trata-se de benefícios econômicos devidos pelas
entidades previdenciárias, para livrar da necessidade os sujeitos protegidos e
atender, assim, a um interesse que se refere, ao mesmo tempo, a esses sujeitos e a
toda a coletividade organizada no Estado.
E finaliza que a pretensão de atribuir-se uma diversa função aos
benefícios previdenciários econômicos individuais se deve apenas e tão somente no
sentido de fazer perdurar as originais concepções securativas-mutualistas que levam
a conferir uma importância específica a cada risco particular, assim como à opinião
131
PERSIANI, Mattia. Diritto della previdenza sociale. Padova: CEDAM, 2002.
139
segundo a qual o fundamento do direito a tais benefícios seria individualizar,
exclusivamente no pagamento das contribuições previdenciárias, o que não se
coaduna com os princípios adrede expostos.
Urge a necessidade de se eliminarem as desigualdades, a fim de que
se alcance o verdadeiro bem-estar social. Não se pode admitir tratamento
diferenciado em fatos tão incertos, que independem de previsão, trazendo ao
beneficiário e à sua família a exclusão do sistema em hora de extrema necessidade.
E, como a história conduz, o Relatório Beveridge anunciava: “A seguridade social
tem por objeto abolir o estado de necessidade.”132
Para arrematar o entendimento, o legislador, editando a Lei 10.666/03,
dispõe que a perda da qualidade de segurado, no tocante às aposentadorias por
idade, especial e por tempo de contribuição, não impedirão a concessão desses
benefícios se tiverem sido vertidas as contribuições relativas à carência e outros
requisitos específicos àqueles benefícios, que, no caso da idade é a idade
avançada; especiais são as condições da prestação do labor etc., em desprezo à
aposentadoria por invalidez.
Ora, por todo o exposto acima, tal diferenciação ofende, igualmente, os
princípios ideários da Seguridade Social.
É de conhecimento que a Constituição Federal determinou que, para a
majoração, criação de benefício, se faz necessário fonte de custeio, como enunciado
nos princípios acima. Mas, se necessário for, a Carta Magna, art. 195, § 4º, abre
espaço, para se buscarem outras fontes de custeamento.
Para tal questionamento sobre a contributividade e a necessidade da
contrapartida (a fonte de custeio), esclarece-se que, como nas aposentadorias
acima, a carência já foi satisfeita, no caso de invalidez comum, pois a acidentária
independe de carência.
Tal fato, a falta de contribuição, no caso de acidente e lesão decorrente
do trabalho não deveria ser impeditivo, pois toda a sociedade contribui, como
observa Celso Barroso Leite:133
O objetivo fundamental da seguridade social é dar às pessoas e às
famílias a tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de suas
vidas não sofrerão, dentro do possível, redução significativa por força
de alguma contingência social ou econômica.
132
133
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 69.
LEITE, Celso Barroso (trad.). A seguridade social na perspectiva do ano 2000. São Paulo: LTr, 1985. p.107.
140
Não se pretende enfatizar o que alude Mario Deveali134, quando afirma
que um excesso de seguridade anula o sentido de responsabilidade pessoal e reduz
o desejo das pessoas de economizarem para o futuro.
Tem-se, em mente, o status quo do país em que se vive, onde a
poupança é privilégio de poucos, posto que a maioria da população sequer pode
viver com o salário ganho, e não se deseja o assistencialismo que se anuncia no
governo atual, mas a cobertura concreta dos eventos que se desdobram, de forma
imprevisível e contundente, para o beneficiário da Previdência Social.
Necessário eliminarem-se as desigualdades, por que se alcance o
verdadeiro bem-estar social. Não se pode admitir tratamento diferenciado em fatos
tão incertos, que independem de previsão, trazendo ao beneficiário e à sua família a
exclusão do sistema em hora de extrema necessidade.
A Lei 10.666/03 trouxe, em seu bojo, uma desigualdade impar, que não
pode ser aceita atualmente, posto que os princípios constitucionais estudados
enunciam a igualdade entre os segurados, de modo que o participante do sistema
que adoece deverá ter os mesmos direitos daquele que alcança a velhice.
Portanto, invocando os princípios da igualdade, da justiça, da
dignidade da pessoa humana, da equiparação entre os urbanos e rurais, dentre
outros, entende-se que a perda da qualidade de segurado não deve impor restrições
aos pedidos de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, igualmente como se
dá com a aposentadoria por idade.
Mesmo com todo o exposto acima, ou seja, que os riscos devem ser
escolhidos pelo legislador, e, em sendo relacionados com saúde, não devem ser
precedidos de períodos de carência, se o problema é de caixa, do montante a ser
contribuído, talvez se pudesse se analisar perfazer-se a mesma carência exigida
para a aposentadoria por idade, i.e., cento e oitenta contribuições ou aquelas
elencadas no artigo 142 da Lei 8.213/91.
Desse modo, sendo a carência completada ou não sendo necessária, o
benefício seria concedido e aquele segurado que ficou inválido ou está doente
poderia ver seu risco coberto tal qual o é na aposentadoria por idade, e não ficaria à
mercê dos infortúnios que podem acometer qualquer pessoa.
134
DEVEALI. Mário L. Alguns princípios básicos em matéria de previdência social. Traduzido de “Seguridad
Social”, publicação bimestral das Secretarias-Gerais da conferência Interamericana de Seguridade Social e da
Associação Internacional de Seguridade Social. Ano IX, n. 4, Época III, jul/ago, 1960, México, D.F. p. 21.
141
Inevitável um repensar, para que a injustiça não paire sobre os
integrantes do regime Geral de Previdência Social, onde a desigualdade está
imperando.
Os benefícios por incapacidade deverão ter maior atenção e jamais se
poderá deixar a desigualdade, que se estabeleceu com a legislação aventada,
continuar reinando.
Obrigatória uma isonomia entre os integrantes do sistema de
previdência social. Aliás, entre todos os cidadãos, para que se faça um país justo,
tendente a alcançar o bem-estar social.
Outro estudo que deve aflorar é a Medida Provisória, recentemente
editada, n. 242, de 24 de março de 2005, que, em seu artigo 3º, suprime, do
ordenamento jurídico, o parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91.
Tal normatização diz respeito à perda da qualidade de segurado:
Art. 24.
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as
contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito
de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à
Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de
contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para
o benefício a ser requerido.
Ora, em sendo eliminado o parágrafo único do artigo mencionado, não
se levará em conta a perda da qualidade de segurado, de forma que, em tendo o
inválido as doze contribuições necessárias, o benefício deverá ser concedido.
Porém a Medida Provisória acrescenta uma locução que, entendem os
legisladores, afastará o pedido para aquele que não está filiado.
Art. 59.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que
se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença
ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a
incapacidade, após cumprida a carência, sobrevier por motivo de
progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
A novidade, na legislação, é a expressão “após cumprida a carência”;
e, na exposição de motivos, os legisladores deixaram claro que, para conseguir-se o
benefício por invalidez, se faz necessário estar filiado e ter vertido contribuições
novamente (o total da carência), depois adoecer, para perfazer o direito.
142
A legislação atual acoberta o direito a qualquer cidadão que fique
sem contribuir para o RGPS por mais de 10 ou 20 anos e que
retornando a contribuir para o sistema faça um grupo de apenas 4
contribuições, bastando que a DII seja fixada a contar do segundo
dia do quarto mês desta nova vinculação.
Além disso, a legislação prevê os mesmos critérios para a
manutenção da qualidade de segurado mencionada no subitem
anterior. Assim, o segurado que perde seu vínculo com a Previdência
Social tem 12, 24 ou até 36 meses para requerer um auxílio-doença
e caso seja caracterizada a DII neste lapso de tempo o direito ao
benefício será reconhecido.
Cabe ressaltar que o inciso II do artigo 26 da Lei no 8.213, de 1991
prevê a isenção de carência somente para concessão dos benefícios
de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de
acidente de qualquer natureza ou causa, e de doença profissional ou
do trabalho, bem como, nos casos de segurado que, após filiar-se ao
RGPS, seja acometido de uma das afecções e doenças
especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Previdência
Social e do Trabalho e Emprego.
Vê-se então que, como regra geral, o segurado precisa cumprir
carência e ser acometido da doença após filiar-se. Está correto. A
seqüência obrigatória é filiar-se, para então adoecer e finalmente
tornar-se incapaz antes de completar a carência, nos casos do inciso
II do art. 26. Nos demais casos, o direito será devido se o segurado
adoecer, filiar-se, completar a carência e só então tornar-se incapaz.
Assim, torna-se necessário compatibilizar os dispositivos, dando ao
art. 59, parágrafo único, redação adequada que reconheça o direito
após cumprida a carência, igualando, assim, as situações.
Tal entendimento fere os princípios constitucionais aventados,
principalmente da isonomia, da dignidade da pessoa humana e da justiça.
Como exaustivamente exposto, os benefícios por invalidez devem ter
tratamento consentâneo, e não deixar o trabalhador desamparado.
Em prevalecendo tal entendimento, a injustiça irá arraigar-se sobre os
integrantes do regime Geral de Previdência Social, onde a desigualdade está
imperando e será muito maior e mais latente.
Os benefícios por incapacidade deveriam ter maior atenção, e jamais
se poderá deixar a desigualdade que se estabeleceu ou que se estabelecerá, ainda
mais com a transformação da Medida Provisória em lei.
Há de ser observado que a intenção do legislador poderá voltar-se
contra si mesmo, uma vez que, sendo revogado o parágrafo único do artigo 24 da
Lei previdenciária, se poderá entender que não é mais necessária a carência de um
terço, para se ter direito a algum benefício. E, que a interpretação a ser dada para os
143
benefícios por incapacidade é a mesma que se tem para os outros benefícios, nos
termos
da
Lei
10.666/03,
isto
é,
tendo
sido
filiado
e
ficando
doente,
independentemente de ser filiado atualmente ou não, o beneficiário deverá perceber
a aposentadoria por invalidez ou o auxílio-doença.
Em que pese o Supremo Tribunal Federal ter concedido liminar, para
suspender a eficácia da Medida Provisória, no tocante ao parágrafo único do artigo
59, não se vislumbrou, no caso, base que conduzisse à suspensão do preceito.
Argumentou-se que a exigência de cumprimento de carência não contraria os
princípios do bem-estar, da justiça social, da universalidade da cobertura e do
atendimento. Neste particular, a medida foi indeferida.
Ousa-se discordar. Com efeito, a carência para benefícios por
incapacidade poderá deixar o segurado ao desamparo, violando os princípios da
dignidade da pessoa humana, da justiça etc.
Resta aguardar-se a transformação ou não da Medida Provisória em
lei, para se verificarem os entendimentos dos estudiosos da matéria, sendo que se
alerta para as conseqüências da novel legislação.
Obrigatória uma isonomia entre os integrantes do sistema de
previdência social. Aliás, entre todos os cidadãos, para que se faça um país justo,
tendente a alcançar o bem-estar social.
144
11 DA REGRA-MATRIZ DA APOSENTADORIA POR IDADE
Hipótese de incidência:
Critério Material:
Após ter a carência necessária, o trabalhador urbano deverá alcançar a
idade de sessenta e cinco anos, se homem, e sessenta anos, se mulher, com a
diminuição de cinco anos para os trabalhadores rurais, ou seja, sessenta anos, se
homem, e cinqüenta e cinco, se mulher.
Critério temporal:
Para os segurados empregados, inclusive o doméstico, a partir da data
do desligamento do emprego, quando requerida até noventa dias; depois dessa data
ou do requerimento, quando não houver o rompimento do vínculo empregatício; para
os demais segurados, inclusive o rural sem contribuição, da data do requerimento.
Se não houver requerimento administrativo, e, sim, judicial, o início geralmente será
fixado na data da citação, que é quando a Autarquia tomará ciência dos fatos. O
término ocorrerá com a morte do segurado, que poderá ter dependentes, que
passarão a receber pensão por morte.
Critério espacial:
Território
brasileiro,
não
se
esquecendo
os
casos
de
extraterritorialidade.
Conseqüente:
Critério pessoal:
Sujeito Passivo – Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Sujeito ativo - segurados (art. 11 da Lei 8.213/91) mantidos na
qualidade de segurados (art. 15 da mesma lei), bem como os que perderam a
qualidade de segurado, mas adentraram o critério material (Lei 10.666/03).
145
Critério quantitativo:
Para os segurados urbanos e rurais: empregados (inclusive os
domésticos), avulsos, segurados especiais e contribuintes individuais - base de
cálculo- salário-de-benefício: média aritmética simples dos maiores salários-decontribuição correspondentes a oitenta por cento de toda a vida contributiva do
segurado, a partir de julho de 1994, multiplicada pelo fator previdenciário, dentro dos
limites legais, observando-se que não será inferior a um salário mínimo nem superior
ao limite máximo do salário-de-contribuição na data do início do benefício; ou a
média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, como era anteriormente,
desde que mais favorável ao segurado.
O fator previdenciário será calculado, considerando-se a idade,
expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado, ao se aposentar,
mediante a fórmula:
F = Tc x a X 1 + [(id = Tc x a)]
Es
100
Onde: f = fator previdenciário;
Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria (obtida pela tábua
completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE);
Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria;
Id = idade no momento da aposentadoria
e
a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31.
Alíquota: 70% + 1% para cada grupo de doze contribuições até 100% do salário-debenefício.
O trabalhador rural que não verteu contribuições não terá cálculo a
efetuar-se, pois seu benefício será de um salário mínimo.
146
12 CONCLUSÃO
1- Pelo Princípio da Solidariedade Humana, todos devem ter
assegurados os meios essenciais à vida, um padrão mínimo de bem-estar, de forma
que, quando o risco se torna iminente, a comunidade deve ceder parte de sua
renda, para que se consiga cobri-lo, pois a contingência atinge não só o indivíduo
mas também toda a sociedade.
2- O problema do seguro social, no Brasil, é que o mesmo está ligado à
percepção de salário, é uma substituição ao salário do trabalhador, quando
determinados riscos se apresentam. Essa restrição, de substituir o ganho do
trabalhador, retira da seguridade social seu caráter universal, tornando-a incapaz de
resolver os problemas que nascem em sociedade.
3- A Constituição Federal Brasileira de 1988 foi o grande marco da
Seguridade Social no país porque inseriu, em seu texto, os Princípios
Constitucionais Previdenciários a determinarem a igualdade entre os trabalhadores
urbanos e rurais, a seletividade e distributividade dos benefícios e serviços etc. E
aparece, no contexto, a aposentadoria por idade, que é um benefício de natureza
previdenciária, portanto, restrito aos contribuintes/trabalhadores do sistema, com
exceção da aposentadoria por idade do trabalhador rural que não verteu
contribuições e que o legislador achou, por bem, agasalhar, porém não o fez de
modo satisfatório.
4- A aposentadoria por idade tem por meta proteger o risco do
envelhecimento, o alcance da idade avançada, que acarreta a perda ou diminuição
da capacidade laboral. O risco que se apresenta é incerto, na medida em que pode
não acontecer, i.e., conhece-se a data do alcance da idade, mas não se pode
precisar se a mesma ocorrerá, pois poderá instalar-se outro risco, como, por
exemplo: a morte, a invalidez etc.
5- Os requisitos para a aposentadoria do trabalhador urbano são: a
idade (sessenta e cinco anos, homem, e sessenta anos, mulher) e a contribuição
(cento e oitenta ou aquela prevista na regra de transição do artigo 142 da Lei
8.213/91); a filiação não é mais necessária, pois, mesmo tendo perdido a qualidade
de segurado, o direito lhe será preservado se a carência for satisfeita e, também, a
idade avançada (Lei 10.666/03). O trabalhador rural, por sua vez, se aposenta cinco
147
anos antes do urbano e a carência é a mesma, salvo a do trabalhador rural que não
verteu contribuições, que deverá provar o trabalho no campo, no período
imediatamente anterior ao pedido de benefício, e comprovando-o no mesmo período
de carência, apesar de a regra estar sendo ignorada por alguns órgãos do Poder
Judiciário, que determinam a concessão do benefício, mesmo havendo a perda da
qualidade de segurado, o que se afigura ilegal.
6- No tocante à perda da qualidade de segurado, devem-se distinguir
duas situações em relação à carência da aposentadoria por idade: a) é possível a
aplicação da carência gradual do artigo 142, combinada com o parágrafo único do
artigo 24, desde que os requisitos sejam atendidos simultaneamente, ainda que haja
a perda da qualidade de segurado; e b) se os requisitos forem preenchidos de
maneira não simultânea, será imprescindível que o segurado tenha atingido o
número mínimo de 180 contribuições, para que não haja displicência com as
contribuições, pois, se o beneficiário verificar que adquiriu a carência, poderá deixar
de participar do sistema, aguardando alcançar a idade, a fim de solicitar o benefício,
o que fere o princípio da solidariedade.
7- A relutância entre os órgãos governamentais e a Previdência Social,
bem como os sindicatos e confederação dos sindicatos rurais em modificar a
legislação, para dar entendimento diferenciado ao rural “bóia-fria”, deixa-o à margem
da sociedade, fazendo com que, muitas vezes, não consiga o reconhecimento de
sua situação (ora empregado, ora avulso) e, como conseqüência da não
comprovação da filiação, acaba por ter seu direito violado. Ele é um empregado ou
avulso e, como tal, deverá ser tratado. Necessária uma legislação que determine a
filiação dos avulsos por meio de um órgão competente, seja sindicato ou organismo
gestor de mão-de-obra, que faça a intermediação entre as diversas empresas e os
prestadores de serviço rural.
8- Existem diferenças entre os trabalhadores urbanos e os rurais, que
ora são salutares, como a idade, quando o trabalhador rural se aposenta cinco anos
antes do trabalhador urbano, por força do desgaste físico do trabalhador rural, que é
maior que o do urbano; e a concessão do benefício ao bóia-fria, mesmo que não
tenha vertido contribuições. Porém existem distinções discriminatórias. Como
exemplo: a falta de legislação eficaz, para sanar o problema da contribuição e do
reconhecimento dos salários do trabalhador rural e o descaso dos órgãos de classe
do mesmo.
148
9- A conclusão a que se chega é de que o bóia-fria é um segurado
obrigatório, ora empregado, ora avulso, que deve participar do sistema, não como
uma forma excepcional, para perceber um benefício especial de um salário mínimo,
que tende a desaparecer, em face do caráter contributivo da legislação
previdenciária, bem como do caráter efêmero da norma em comento, mas um
trabalhador, empregado ou avulso, cujo montante do salário deverá ter aferição real
e sobre ele recaírem as contribuições sociais, tanto do empregador ou tomador de
mão-de-obra quanto dele próprio.
10- Quanto à diferenciação entre aposentados por idade e por
invalidez, entende-se que todos os benefícios de risco imprevisível (auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez) não deverão depender de qualquer carência, como
decorrência elementar de proteção da seguridade baseada nos princípios
fundamentais. Entretanto, a Lei 10.666/03 dispõe que a perda da qualidade de
segurado, no tocante às aposentadorias por idade, especial e por tempo de
contribuição, não impedirá a concessão desses benefícios, se tiverem sido vertidas
as contribuições relativas à carência e outros requisitos específicos àqueles
benefícios, que, no caso da idade, são a idade avançada, em desprezo à
aposentadoria por invalidez, perpetuando a desigualdade ao arrepio dos objetivos
constitucionais norteadores.
11- Faz-se necessária uma evolução da seguridade social, a fim de
que não seja apenas a proteção mínima, mas a proteção máxima: escopo supremo
no qual todas as situações de risco encontrem proteção, manto que seja apto a
suplantá-las. Patamar que não pode ser reduzido ao apenas imaginário, irrealizável.
É o que se espera de uma sociedade justa, fraterna e solidária, destinada a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, o bem-estar e a justiça como
valores supremos.
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