Hemostasia - Rafael Fighera

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Prof. Rafael Fighera, Méd. Vet., Me., Dr., Membro CBPA
HEMOSTASIA
A hemostasia compreende as interações que ocorrem entre os vasos sanguíneos,
as plaquetas e os fatores de coagulação, a fim de que após algum dano vascular o
sangue não seja perdido para fora dos vasos sanguíneos por um longo período e
também possa fluir continuamente sem que ocorra perda de sua característica líquida,
ou seja, a hemostasia é o inibidor natural da hemorragia e da trombose. O mecanismo
hemostático é dividido em três fases: hemostasia primária (fase I), hemostasia
secundária ou coagulação (fase II) e hemostasia terciária ou fibrinólise (fase III). É
importante ressaltar que esses processos ocorrem em conjunto, basicamente ao mesmo
tempo, e são separados apenas para serem mais bem entendidos, sendo assim, qualquer
alteração em uma das fases irá obrigatoriamente alterar as outras.
Histórico
O estudo da hemostasia é, sem dúvida, complexo e muitas vezes confuso,
principalmente no que diz respeito a determinadas denominações hematológicas
utilizadas no decorrer dos anos. Dependendo da literatura consultada, principalmente
em relação ao ano em que foi escrita, muitos nomes de proteínas da coagulação e
fatores plaquetários variam significativamente. Essas mudanças causam confusão
quando se utilizam livros ou artigos de décadas diferentes. Além disso, não é incomum
que, ao estudarem hemostasia pela primeira vez, os estudantes se perguntem: por que
não existe o fator VI ou o que é fator 3 plaquetário?
Falaremos primeiramente sobre a história da hemostasia, a fim de tentar
solucionar dúvidas simples e situar o leitor em relação a alguns termos que se
consagraram ou foram abolidos com o passar do tempo. É importante lembrar que,
plagiando o cientista e filósofo francês Augusto Comte (século XIX), “para se
compreender a ciência, é necessário conhecer sua história”. Como ocorre quando se
conta qualquer história, alguns fatos podem ser omitidos e outros sobrepujados, mesmo
porque não foram presenciados, sendo aqui apenas compilados de livros e artigos
científicos antigos.
Em 1666, Malpighi descreveu que o coágulo consistia basicamente de uma rede
de filamentos brancos e não de sangue total como se pensava anteriormente. Esse
ponto parece ser o marco inicial do que se conhece hoje como hemostasia. Em 1707,
Ruysch confirmou a teoria de Malpighi, feito realizado também em 1770 por Hewson.
O uso do termo fibrina para referir-se a esses filamentos brancos só foi instituído por
Chaptal em 1795. Em 1845, Buchanan determinou que a fibrina era oriunda do
fibrinogênio e em 1861, Schmidt descreveu a trombina como a proteína sérica que
ativava o fibrinogênio. Alguns anos mais tarde (1895), o próprio Schmidt determinou
que o precursor da trombina era a protrombina. Em 1890, Arthus e Pages
demonstraram a importância do cálcio para a coagulação e em 1891 e 1896,
Pekelharing e Hammarsten, respectivamente, determinaram a ação do cálcio na
ativação da trombina.
Em 1905, Morawitz propôs um esquema de coagulação em que o tampão
plaquetário primário, descrito por Hayem em 1878, era convertido em um trombo
estável pela deposição de fibrina. Esse pesquisador utilizou as descobertas anteriores
para montar uma teoria geral, na qual afirmava que a fibrina era oriunda do
fibrinogênio após a ação de uma potente enzima chamada trombina, forma ativa da
protrombina após ativação pelo cálcio e pela tromboplastina tecidual.
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Após 30 anos, em 1935, Quick criou uma das mais clássicas e importantes
provas hemostáticas descritas até hoje, o tempo de protrombina (TP). O valor
diagnóstico desse teste já podia ser percebido no mesmo ano, em seu artigo que
determinava o TP nos pacientes humanos com icterícia obstrutiva. Ainda em 1935,
Dam utilizou esse teste para diagnosticar uma doença hemorrágica em pintos
alimentados com dietas purificadas e alguns anos mais tarde a prova serviu como
método de apoio no diagnóstico da intoxicação por trevo doce mofado em bovinos. Em
1937, Brinkhous et al. utilizaram o TP para comprovar que a doença hemorrágica do
recém-nascido era decorrente de hipoprotrombinemia. Em todos os quatro casos o
aumento do TP era resultante da deficiência de vitamina K.
No final da década de 30, várias evidências surgiram para explicar que a
hemofilia era causada pela deficiência de um “fator anti-hemofílico” presente no
plasma. Uma delas era que o conteúdo de protrombina no plasma dos hemofílicos era
normal, mas sua conversão em trombina era retardada, fato esse descrito por
Brinkhous. Em 1947, Pavlovsky constatou que alguns indivíduos hemofílicos tinham
melhora no tempo de coagulação após transfusão com sangue de outros pacientes
também hemofílicos, chegando a conclusão que provavelmente existia mais de um
“fator anti-hemofílico” no plasma, o que foi comprovado por Aggeler et al., Biggs et
al. e Schulman & Smith em 1952.
Owren em 1947, após inúmeros experimentos, concluiu que um de seus
pacientes com TP aumentado não tinha deficiência de protrombina, isso fez com que
ele levantasse a hipótese de que era necessário um outro fator para ativar a
protrombina. Como já haviam sido descritos quatro fatores de coagulação
(fibrinogênio, protrombina, tromboplastina tecidual e cálcio), Owren denominou esse
novo componente de fator V e a doença causada pela sua deficiência de “parahemofilia”. A ativação desse novo fator gerava o fator VI, que foi posteriormente
abolido, já que era apenas a forma ativa do fator V.
Entre os anos de 1948 e 1960, foram descritos mais sete fatores de coagulação,
isso fez com que em 1962 fosse criado o Comitê de Nomenclatura Internacional, a fim
de padronizar seus nomes, transformando-os em números romanos. Embora essa
padronização tenha sido vantajosa e eficiente, alguns fatores são ainda hoje conhecidos
pelo nome original, como é o caso do fibrinogênio, da protrombina, da tromboplastina
plasmática e do cálcio. A letra “a” minúscula colocada ao lado de cada fator expressa
sua forma ativa. O Quadro 1 demonstra os vários nomes dos fatores de coagulação.
A descrição desses sete fatores de coagulação esteve relacionada basicamente
com as suas deficiências, mostrando a importância que teve a pesquisa das doenças
hemostáticas para o avanço da própria fisiologia. Em 1951, Alexander et al.
descreveram uma doença hemorrágica rara decorrente da deficiência de um novo fator
de coagulação, denominado então de acelerador da conversão da protrombina sérica,
fator estável ou proconvertina. Em 1953, Rosenthal et al. relataram um distúrbio
caracterizado por sangramento leve, denominado hemofilia C ou deficiência do
antecedente tromboplastínico do plasma. Em 1955, Ratnoff descreveu uma anomalia
de coagulação vista durante a preparação cirúrgica de um paciente chamado Hageman.
Ratnoff batizou o novo fator de coagulação deficiente como fator de contato, mas
algum tempo mais tarde a expressão fator de Hageman já era usual.
Em 1956, Telfer et al. demonstraram a deficiência de um novo fator de
coagulação na família Prower. No ano seguinte (1957), Hougie et al. descreveram a
mesma alteração na família Stuart, isso fez com que esse novo fator deficiente nessas
duas famílias fosse denominado fator de Stuart-Prower. Em 1960, Duckert et al.
descreveram a deficiência de um fator de coagulação descrito por Robbins em 1944.
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Esse fator, que conforme Laki-Lorand (1948) tinha a capacidade de estabilizar a
fibrina foi denominado fator estabilizador da fibrina, fibrinase ou fator de Laki-Lorand.
Em 1953, Biggs & Douglas descreveram o teste de geração de tromboplastina
(TGT), que diferentemente do TP mostrava-se alterado em ambas as formas de
hemofilia. Nesse mesmo ano, Langdell et al. introduziram o tempo de tromboplastina
parcial (TTP), um teste semelhante ao TGT, utilizado até hoje na triagem de rotina da
coagulação.
Em 1960, Hellem demonstrou que as plaquetas se ligavam fortemente quando o
sangue total citratado era passado por uma coluna de pérolas de vidro, fenômeno
denominado agregação. Essa característica plaquetária foi atribuída à liberação de um
fator eritrocitário não determinado (fator R). No ano seguinte (1961), Gaarder et al.
demonstraram que esse fator era o difosfato de adenosina (ADP). Em 1962, Born e
O’Brien desenvolveram as provas de agregação plaquetária, o que permitiu, dentre
outras coisas, a confirmação da trombastenia descrita em 1918 pelo Dr. Edward
Glanzmann.
Em 1964, após a descoberta de todos os fatores de coagulação e quando também
já era certo de que havia duas vias distintas de coagulação (via intrínseca e via
extrínseca), Davie & Ratnoff e Macfarlane propuseram a cascata de coagulação. Em
1970, definiu-se o conceito de que o fator X era ativado na presença dos fatores IXa,
VIIIa, cálcio e fator 3 plaquetário (complexo tenase); e que o fator II era ativado na
presença dos fatores Xa, Va, cálcio e fator 3 plaquetário (complexo protrombinase).
Em 1965, Hathaway et al. constataram uma anormalidade no tempo de
coagulação e no TGT em uma família de Kentucky, chamada Fletcher. Esses achados
laboratoriais não estavam associados a distúrbios hemorrágicos. Alguns anos mais
tarde comprovou-se que essa alteração era decorrente da deficiência congênita de précalicreína, também denominada fator de Fletcher, em homenagem à família afetada.
Em 1967, foram descritos vários casos de doença do grupamento de reserva, o
que só foi possível pelos testes realizados com o agregômetro desenvolvido por Born e
O’Brien em 1962, demonstrando que a falha no armazenamento ou liberação de ADP
era um fator importante no desenvolvimento de doenças hemorrágicas. Em 1968,
Howard & Firkin descreveram o uso da ristocetina, um antibiótico inadequado para
uso clínico, como potente agregador plaquetário nas provas para determinação de
trombocitopatias por déficit na adesão.
Nos anos 1975 e 1976, Coleman et al., Donaldson et al., Matheson et al. e Saito
et al. descreveram uma deficiência congênita do cininogênio de alto peso molecular
em vários pacientes. Essa anormalidade era vista como uma exacerbação do TTP
durante exames de rotina e não estava associada à nenhuma manifestação clínica.
Foram utilizados vários epônimos para se referir a essa proteína, como fator de
Fitzgerald, Flaujeac, Williams e Reid, todos nomes de pacientes acometidos.
Hemostasia primária
A hemostasia primária compreende basicamente a interação entre os vasos
sanguíneos e as plaquetas com a finalidade de formar um tampão inicial conhecido
como trombo branco, plugue plaquetário, rolha primária ou rolha plaquetária. Para
melhor entender esse processo podemos dividi-lo em cinco fases, uma vascular e
quatro plaquetárias: vasoconstrição, marginação, adesão, reação de liberação e
agregação. Os mecanismos que não permitem a formação precoce e/ou desordenada do
trombo branco, conhecidos como mecanismos antitrombóticos relacionados à
hemostasia primária, são importantes para o entendimento da patogênese de várias
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situações clínicas que culminam em trombose ou hemorragia e serão também aqui
abordados.
Após o dano vascular com exposição do subendotélio ocorre um breve período
de vasoconstrição arteriolar mediado por mecanismos neurogênicos reflexos. Esse
processo é passageiro e assim necessita ser estimulado por endotelinas, que são
potentes vasoconstritores secretados por células endoteliais adjacentes às que sofreram
agressão. A ação das endotelinas está relacionada com a indução na contração do
músculo liso. A vasoconstrição tem a função de diminuir a chegada de sangue,
evitando assim uma perda maior, além disso, essa vasoconstrição redireciona o fluxo
sanguíneo no local.
O fluxo do sangue dentro dos vasos ocorre de uma maneira axial, ou seja, os
componentes sólidos estão dispostos ao centro, isso é necessário para que as plaquetas
não tenham contato constante com o endotélio e para que as demais células sanguíneas
não se fragmentem ao baterem repetidas vezes na parede do vaso. Esse fluxo é
conhecido como fluxo axial, fluxo laminar ou fluxo centrípeto. Quando ocorre
vasoconstrição, associada à hemorragia, esse fluxo laminar é quebrado, ocasionando a
marginação de toda a coluna celular que estava no centro do vaso. Sendo assim, a
quebra do fluxo axial é um evento crucial para o início da interação da plaqueta com a
matriz extracelular presente no subendotélio vascular. Essa matriz é constituída
principalmente por colágeno; outras proteínas presentes na matriz extracelular incluem
laminina, fibronectina e proteoglicanos.
Para que ocorra o início da formação do plugue plaquetário é necessária a
ligação da plaqueta ao colágeno subendotelial; inicialmente essa união é frágil e direta
através de receptores plaquetários específicos para o colágeno (21). Com a liberação
de fibronectina e trombospondina por plaquetas já estimuladas, como será visto
adiante, essa ligação passa a ser mais forte, mas ainda lábil, mediada pelos receptores
51 e CD36 (GPIV), respectivamente. Uma adesão perfeita ocorre quando da ligação
do fator de von Willebrand ao receptor plaquetário chamado glicoproteína Ib (GPIb).
Esse fator de coagulação é sintetizado nas células endoteliais, onde permanece nos
grânulos de Weibel-Palade, sendo liberado gradualmente em condições fisiológicas e
abruptamente quando necessário. O fator de von Willebrand funciona como um elo de
ligação entre a plaqueta e o colágeno subendotelial, impedindo o desprendimento das
plaquetas pelas forças de cisalhamento. Após o processo de adesão, a plaqueta
necessita se ligar a outras plaquetas para formar um trombo no local da lesão, isso só
ocorre com a ativação da plaqueta que irá desencadear uma reação de liberação e assim
possibilitar a agregação.
A reação de liberação ou secreção é o processo pelo qual a plaqueta é ativada,
mudando de forma e liberando seus grânulos com a finalidade de iniciar a agregação.
Além disso, muitas substâncias liberadas dos grânulos plaquetários irão reforçar a
adesão e estimular a hemostasia secundária (coagulação). A reação de liberação é
ainda um fenômeno chave para a preparação da plaqueta, que servirá como base para a
deposição dos fatores de coagulação, em uma situação conhecida por nucleação.
A plaqueta é ativada quando ocorre sua primeira ligação ao colágeno
subendotelial ou quando se elevam os níveis de trombina, difosfato de adenosina
(ADP) ou fator ativador plaquetário (PAF). O colágeno é um fraco indutor da ativação
plaquetária e necessita para esse fenômeno do auxílio da prostaglandina H 2 (PGH2). É
importante salientar que tanto o colágeno quanto a trombina possuem receptores
próprios na membrana plaquetária, que são: 21 para o primeiro e complexo
glicoprotéico IIb/IIIa (GPIIb/IIIa) e GPIb para o último. A estimulação dos receptores
referidos ativa a via do inositol-lipídio, um sistema de transdução de sinal. A ligação
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das moléculas acima descritas a seus respectivos receptores induz a ativação da
fosfolipase C, uma potente hidrolase que metaboliza fosfolipídios da camada externa
plaquetária, principalmente o fosfatidilinositol (PIP 2). Com a hidrólise do
fosfatidilinositol são formados diacilglicerol (DAG) e trifosfato de inositol (IP 3), além
disso, ocorre exposição da camada interna plaquetária, principalmente do fosfolipídio
fosfatidilserina, que servirá como base para a nucleação dos fatores de coagulação.
A estimulação dos receptores leva ainda à ativação da fosfolipase A2, que
hidrolisa a fosfatidilcolina e a fosfatidiletanolamina formando ácido araquidônico, que
por sua vez sofre ação da enzima ciclooxigenase formando os endoperóxidos
prostaglandina G2 (PGG2) e posteriormente PGH2. A PGH2 é metabolizada pela
enzima tromboxano-sintetase, dando origem ao tromboxano A2. Além disso, a PGH2
aumenta a disponibilidade do colágeno em estimular plaquetas. O tromboxano A2
reforça a agregação plaquetária e estimula uma maior vasoconstrição no local da
injúria. A ação da fosfolipase A2 sobre a fosfatidilcolina gera um produto residual
chamado PAF que tem um importante efeito agregador e ativador plaquetário.
Os metabólitos formados através da hidrólise do fosfatidilinositol são a peça
chave para a mudança na forma, a contração e a desgranulação plaquetária. O trifosfato
de inositol em excesso difunde-se no citoplasma da plaqueta, associando-se a canais de
cálcio na membrana do sistema tubular denso, o que leva a um aumento nos níveis de
cálcio plaquetário. Parte desse cálcio elevado liga-se à calmodulina, uma proteína
ligante de cálcio, desencadeando um mecanismo de fosforilação da cadeia leve da
miosina que causa contração dos microfilamentos plaquetários. Essa contração da
plaqueta é de suma importância para a desgranulação, mas também é, em parte,
responsável pela mudança na forma da célula, que passa de um disco para uma esfera
com numerosos pseudópodes. Além disso, o aumento nos níveis citoplasmáticos de
cálcio estimula a avidez e a afinidade do complexo GPIIb/IIIa pelo fibrinogênio.
O aumento nos níveis de diacilglicerol na membrana plaquetária ocasiona
ativação de uma protease associada à membrana, a proteinaquinase C, essa enzima
fosforila proteínas plaquetárias específicas, principalmente a pleckstrin, levando à
liberação dos grandes grânulos plaquetários (corpos densos e grânulos alfa) através do
sistema canalicular aberto. Além disso, o diacilglicerol aumenta a avidez e a afinidade
do complexo GPIIb/IIIa pelo fibrinogênio. Os corpos densos são grânulos ricos em
ADP, cálcio, serotonina e epinefrina. O ADP é responsável pela atração plaquetária,
fazendo com que mais plaquetas sejam mobilizadas para o local de formação do
trombo. Além disso, a liberação de ADP e sua ligação aos receptores de outras
plaquetas faz com que haja um aumento da avidez e da afinidade do receptor
plaquetário GPIIb/IIIa pelo fibrinogênio, bem como ocasiona o início da ativação
plaquetária. O cálcio é de suma importância, pois atua como coenzima na ativação dos
fatores X (fator de Stuart-Prower) e II (protrombina). A serotonina induz
vasoconstrição. Os grânulos alfa são ricos em trombospondina, fibronectina, fator de
von Willebrand, fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), fator Va
(proacelerina) e fibrinogênio. Os primeiros três irão atuar reforçando a adesão, já o
fator Va ficará disponível para a coagulação e o fibrinogênio atuará como ponte na
ligação entre as plaquetas, ou seja, é peça fundamental para a agregação. A liberação
dos corpos densos e dos grânulos alfa era antigamente denominada de liberação 1 e
liberação 2, respectivamente.
A agregação ou coesão plaquetária é o fenômeno pelo qual uma plaqueta liga-se
a outra, utilizando para isso o fibrinogênio, consolidando o tampão plaquetário
primário. Para que possa ocorrer o processo de agregação é necessário que a plaqueta
tenha sido ativada e tenha ocorrido a reação de liberação. A união entre o fibrinogênio
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e a plaqueta ocorre através de um complexo de glicoproteínas receptoras, GPIIb/IIIa,
que se liga a uma sequência de aminoácidos da molécula de fibrinogênio constituídos
por arginina, glicina e aspartato (Arg-Gli-Asp). Essa ligação é reforçada pelo PAF e
pelo tromboxano A2, metabólitos produzidos quando da ativação da plaqueta. O
término da agregação é tido como o ponto final da hemostasia primária. Deve-se
ressaltar que, para o sucesso da ligação do complexo GPIIb/IIIa com fibrinogênio são
importantes os estímulos externos, como o ADP e a trombina; e os estímulos internos,
como o aumento do cálcio citoplasmático e do diacilglicerol. Isso porque em condições
normais o complexo receptor GPIIb/IIIa tem pouca afinidade pelo fibrinogênio.
Mecanismos antitrombóticos relacionados à hemostasia primária
Existem vários mecanismos controladores da hemostasia primária, o principal
deles consiste da manutenção do endotélio íntegro, que funciona como uma barreira
natural contra a adesão plaquetária. Alguns patologistas comparam essa barreira
natural ao efeito de revestimento antiaderente que o teflon exerce em uma panela de
alumínio. A manutenção do fluxo axial, ou seja, a persistência do fluxo celular no
centro do vaso, sem tocar no endotélio, é de suma importância para a não formação de
trombo. A liberação de metabólitos por células endoteliais estimuladas pela trombina
se constitui num eficiente mecanismo antitrombótico, esses metabólitos são o óxido
nítrico, a adenosina-difosfatase e a prostaciclina (PGI2).
O óxido nítrico (NO) é um gás que quando liberado causa vasodilatação, por um
mecanismo de indução do monofosfato de guanosina (GMP), e inibição da agregação
plaquetária por diminuir os níveis citoplasmáticos de cálcio. A adenosina-difosfatase é
uma enzima que atua degradando o ADP e assim inibindo o recrutamento de mais
plaquetas para o processo de agregação. A prostaciclina é um metabólito do ácido
araquidônico que ativa a adenilato-ciclase, uma enzima que aumenta a quantidade de
monofosfato de adenosina cíclico (AMPcíclico); e inibe a fosfodiesterase, uma enzima
que degrada o AMPcíclico. Assim, a prostaciclina inibe indiretamente a capacidade da
plaqueta de ser estimulada por trombina e colágeno, pois inviabiliza a hidrólise do
fosfatidilinositol. Além disso, a prostaciclina induz vasodilatação pela ação do
AMPcíclico. É importante salientar que o metabolismo de síntese da prostaciclina é
muito semelhante ao do tromboxano A2, assim a célula endotelial pode utilizar a PGH2
liberado pela plaqueta na circulação para produzir a prostaciclina.
Outro mecanismo muito importante na manutenção do estado não trombótico
consiste na ativação da bomba de cálcio dentro da plaqueta. Para se entender esse
processo, é importante lembrar que, quando ocorre hidrólise do fosfatidilinositol pela
fosfolipase C, há formação de diacilglicerol e trifosfato de inositol. Esse trifosfato de
inositol aumenta os níveis de cálcio. Esse mineral, ao ligar-se com a calmodulina,
estimula a fosforilação da cadeia leve da miosina, o que culmina na mudança da forma
da plaqueta e em contração dos microfilamentos. Ocorre que, quando há aumento no
nível de cálcio, um mecanismo reflexo induz a ativação de uma bomba de cálcio, que
tem função de expulsar o mineral da célula, essa bomba ativa a proteinaquinase A,
uma enzima que aumenta os níveis de AMPcíclico. O AMPcíclico em excesso deixa a
plaqueta menos sensível à ativação pela trombina e pelo colágeno, pois inviabiliza a
hidrólise do fosfatidilinositol. Além disso, o AMPcíclico ativa a adenilato-ciclase e
leva a uma auto-estimulação na síntese de mais AMPcíclico a partir de trifosfato de
adenosina (ATP). O controle nos níveis de AMPcíclico é dado pela enzima
fosfodiesterase, que degrada esse metabólito.
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Hemostasia secundária (coagulação)
A hemostasia secundária ou coagulação é o processo pelo qual proteínas inativas,
na forma de pró-enzimas, interagem na circulação, mais especificamente no local da
lesão vascular, convertendo-se por proteólise em proteínas ativas, na forma de
enzimas, e culminando na transformação de fibrinogênio em fibrina, ou seja, na
coagulação propriamente dita. Essa rede de fibrina formada irá consolidar o trombo
primário, formando o chamado trombo secundário, trombo estável, selo hemostático,
trombo vermelho ou tampão permanente. Para melhor entender a hemostasia
secundária dividi-se essa em vias de coagulação, que são: via intrínseca, via extrínseca
e via comum. Deve-se ressaltar que essas vias ocorrem simultaneamente, se interrelacionando e assim havendo uma dependência mútua, o que leva a deduzir que
muitas discrasias de proteínas de coagulação específicas de uma via podem refletir em
alterações laboratoriais também das outras vias.
No passado, acreditava-se que ambas as vias eram responsáveis pela ativação
sequencial dos mecanismos da coagulação, entretanto, muitos autores suspeitavam que
a coagulação in vivo não seguia necessariamente os mesmo caminhos da coagulação in
vitro. Atualmente, acredita-se que a via extrínseca seja a única responsável pela
ativação in vivo dessa cascata e que a via intrínseca funcione apenas como uma via
amplificadora desse processo. A base para essa afirmação inclui o fato de que, pelo
menos em humanos, deficiências hereditárias em proteínas ativadoras de contato (fator
XII, pré-calicreína e cininogênio) não causam doença hemorrágica. Além disso,
análises cinéticas recentes demonstraram que a via extrínseca sozinha consegue formar
uma pequena quantidade de trombina e que essa trombina atua amplificando a
coagulação através das vias intrínseca, extrínseca e comum. Cabe ressaltar que não se
sabe até que ponto essas afirmações podem ou não serem verdadeiras para animais
domésticos, já que cães e equinos, diferentemente de humanos, desenvolvem
hemorragia quando apresentam deficiência hereditária de pré-calicreína. Entretanto,
cães e gatos com deficiência hereditária do fato XII também não desenvolvem
hemorragia.
Os mecanismos que não permitem a formação precoce e/ou desordenada do
trombo vermelho, conhecidos como mecanismos antitrombóticos relacionados à
hemostasia secundária, são bastante importantes para o entendimento da patogenia de
várias situações clínicas que culminam em trombose ou hemorragia e serão também
aqui abordados.
No instante da lesão endotelial e consequente exposição do colágeno e de outros
elementos da matriz extracelular subendotelial ocorre ativação da via intrínseca da
coagulação, mais especificamente a passagem do fator XII (fator de Hageman)
inativado para sua forma ativa. Esse processo é de suma importância na inflamação,
pois converte pré-calicreína (fator de Fletcher) em calicreína, que ativa o cininogênio
de alto peso molecular, transformando-o em bradicinina. O fator XII ativado
transforma o fator XI (antecedente da tromboplastina plasmática) inativo na sua forma
ativa e, esse, ativa o fator IX (fator de Christmas).
No mesmo instante em que a lesão endotelial expõe o colágeno e assim
desencadeia a ativação da via intrínseca, ocorre liberação de um fator pró-coagulante
ligado à membrana celular, chamado fator III (tromboplastina tecidual ou fator
tecidual). Esse pró-coagulante é liberado principalmente pelo endotélio lesado, mas,
dependendo do local do corpo, também por outras células, como, por exemplo, pelos
hepatócitos de uma área de necrose hepática. Vale lembrar que em situações
patológicas, altos níveis de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1 podem
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induzir a liberação de tromboplastina tecidual pelas células endoteliais. A
tromboplastina tecidual ativa o fator VII (proconvertina), que por sua vez ativa o fator
IX e o fator X (fator de Stuart-Prower). Como o fator IX é um dos responsáveis por
ativar o fator X e o fator XI ativa o fator IX, pode parecer irrelevante a ação do fator
VII na ativação do fator IX. Entretanto, como existe pouco fator tecidual durante o
processo, a extensão da ativação do fator X pelo fator VII é insuficiente. Isso pode ser
comprovado pelo fato de pacientes com hemofilia B desenvolverem hemorragias
graves.
Para se entender melhor a ativação da via comum é importante lembrar que a
hidrólise por parte da fosfolipase C na camada externa da membrana plaquetária, que
leva à destruição do fosfatidilinositol e exposição da fosfatidilserina, é extremamente
importante nessa fase do processo, pois sobre essa superfície plaquetária irá ocorrer a
deposição dos fatores de coagulação, fenômeno descrito por alguns autores como
nucleação.
O fator IX ativado atua como uma enzima, metabolizando o fator X inativo, que
no processo funciona como um substrato. O fator VIII (fator anti-hemofílico) ativado
atua como coenzima nessa reação, que só ocorre na presença do cálcio (fator IV). A
integração do fator VIIIa, do fator IXa, do cálcio e da fosfatidilserina forma o chamado
complexo tenase.
O fator X ativado, por um processo semelhante, transforma o fator II inativo
(protrombina) em fator II ativo (trombina), tendo o fator V (proacelerina) ativado
como coenzima da reação, que também só ocorre na presença do cálcio. A integração
do fator Va, do fator Xa, do cálcio e da fosfatidilserina forma o chamado complexo
protrombinase. A trombina formada irá converter o fator I inativo (fibrinogênio) em
sua forma funcional, a fibrina, e ainda ativar o fator XIII (fator estabilizador da
fibrina).
A trombina é a proteína chave no processo de coagulação, não só porque
inicialmente transforma fibrinogênio em fibrina e estabilizada o coágulo através da
ativação do fator XIII, mas principalmente porque amplifica todo o processo de
coagulação. A iniciação da cascata de coagulação, que atualmente em humanos
acredita-se ser mediada apenas pela via extrínseca, é um processo limitado que precisa
ser amplificado para atingir o objetivo final, ou seja, a formação da rede de fibrina.
Essa amplificação é iniciada pela trombina, que ativa os fatores XI e VII, ativando a
via intrínseca e reativando a via extrínseca, respectivamente. Além disso, acredita-se
que durante a ativação inicial da via comum, as coenzimas das reações de ativação do
fator X e da protrombina (fatores VIII e V, respectivamente) não participam da reação,
pois estão inativas. Após a formação de trombina, esses dois fatores são ativados e
permitem a formação dos complexos tenase e protrombinase. Além disso, o aumento
nos níveis de trombina desencadeia a reação de liberação plaquetária, o mecanismo
fibrinolítico e os mecanismos antitrombóticos, demonstrando a complexidade das
reações hemostáticas (Esquema 1).
Mecanismos antitrombóticos relacionados à hemostasia secundária
Existem três mecanismos de controle da hemostasia secundária, ou seja,
mecanismos que não permitem que a coagulação seja desencadeada a qualquer
momento e atue apenas no local da lesão, não se propagando. Devemos lembrar que a
manutenção do endotélio íntegro, o que não permite a ativação do fator XII, nem a
liberação do fator III, é uma circunstância chave para a não formação do trombo.
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À medida que aumentam os níveis de trombina, as células endoteliais adjacentes
à lesão expressam uma proteína de membrana que se liga a esse fator de coagulação,
essa proteína é conhecida por trombomodulina. A ligação da trombomodulina com a
trombina ativa a proteína C, na presença da proteína S, formando proteína C ativada,
que cataboliza os fatores Va e VIIIa, esse mecanismo antitrombótico é conhecido por
degradação das proteases não-serinas. As proteases serinas (fatores XII, XI, X, IX, VII
e II) são metabolizadas pela antitrombina III, uma proteína sintetizada no fígado e
ativada localmente por ligar-se a moléculas semelhantes à heparina na superfície das
células endoteliais. O terceiro e último mecanismo antitrombótico diz respeito ao
próprio processo de hemostasia terciária, a fibrinólise, que será descrita adiante.
Hemostasia terciária (fibrinólise)
A hemostasia terciária ou fibrinólise é o processo pelo qual o organismo não
permite a propagação da coagulação. Esse mecanismo, junto aos outros já descritos em
hemostasia primária e secundária formam os chamados antitrombóticos naturais. Ao
contrário do que se possa pensar, a fibrinólise inicia exatamente no momento da lesão
vascular, ou seja, seu controle ocorre junto com a formação dos trombos primário e
secundário. É importante ressaltar que esse mecanismo não atua apenas no controle do
trombo, mas também irá destruí-lo em uma sequência perfeita junto à regeneração do
tecido lesado, particularmente do vaso. Em humanos, o processo de formação e
posterior destruição do trombo dura em torno de sete a 10 dias.
À medida que aumentam os níveis de trombina local, ocorre liberação por parte
de células endoteliais de uma proteína chamada ativador tecidual do plasminogênio (tPA), essa proteína é modulada até certo ponto por um inibidor, o chamado inibidor do
ativador tecidual do plasminogênio (PAI), produzido por plaquetas. Quando em
excesso, o t-PA transforma o plasminogênio em plasmina e assim ocorre a degradação
da fibrina, do fibrinogênio, do fator V e do fator VIII, sendo liberados os produtos de
degradação da fibrina (PDF). Níveis baixos de plasmina podem ser controlados por
proteínas produzidas no fígado, principalmente a -2-antiplasmina e a -2macroglobulina. O aumento nos níveis de calicreína, decorrente da ativação da précalicreína pelo fator XIIa, leva também à transformação do plasminogênio em
plasmina. Esse mecanismo é importante, pois explica porque na deficiência hereditária
de fator XII pode ocorrer trombose e não hemorragia. O ativador do plasminogênio
semelhante à uroquinase (u-PA) presente no plasma, também ativa o plasminogênio
(Esquema 2). Nos artigos mais antigos, o plasminogênio é referido como
profibrinolisina e a plasmina como fibrinolisina.
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Quadro 1 - Nomes originais, sinônimos e abreviações dos fatores de coagulação
descritos pelo Comitê de Nomenclatura Internacional reunido em 1962.
Fator I
Fator II
Fator III
Fator IV
Fator V
Fator VII
fibrinogênio
protrombina
tromboplastina tecidual ou fator tecidual
cálcio
proacelerina, globulina plasmática ou fator lábil
proconvertina, acelerador da conversão da protrombina sérica (SPCA) ou
fator estável
Fator VIII fator anti-hemofílico (AHF) ou globulina anti-hemofílica (AHG)
Fator IX
fator de Christmas ou componente tromboplastínico plasmático (PTC)
Fator X
fator de Stuart-Prower
Fator XI
antecedente da tromboplastina plasmática (PTA)
Fator XII fator de Hageman ou fator de contato
Fator XIII fator estabilizador da fibrina (FSF), fator de Laki-Lorand ou fibrinase
Esquema 1 - Resumo da hemostasia secundária (coagulação).
Fator XII
pré-calicreína
liberação do Fator III



colágeno  




Fator XIIa
calicreína
Fator VIIFator VIIa


Fator IIa 
 cininogênio  bradicinina



Fator XI  Fator XIa

Fator IIa

 
 

Fator IX  Fator IXa



Fator VIII  Fator VIIIa  cálcio

Fator IIa
 
Fator X  Fator Xa

cálcio  Fator Va  Fator V

Fator IIa

Fator II  Fator IIa 


 Fator XIII  Fator XIIIa

Fator I  Fator Ia
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Esquema 2 - Resumo da hemostasia terciária (fibrinólise).
aumento da trombina sérica local

ligação nas células endoteliais

liberação do ativador tecidual do plasminogênio

pré-calicreína
 inibidor do ativador tecidual do plasminogênio
 Fator XIIa

(plaqueta)


calicreína  plasminogênio  plasmina  -2-antiplasmina


-2-macroglobulina
u-PA

fibrina
fator V
fator VIII
fibrinogênio


produtos de degradação da fibrina
(PDF)
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