Imagem da Semana: Tomografia computadorizada Figura 1: Tomografia computadorizada contrastada de abdome Figura 2: Tomografia computadorizada contrastada de abdome Enunciado Paciente masculino, 40 anos, procura atendimento em hospital de Belo Horizonte com queixa de náusea e alguns episódios de êmese, além de dor leve em fossa ilíaca direita (FID) há cerca de 1 semana. Nega quadros semelhantes no passado. Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, afebril, sendo reconhecida massa palpável e dolorosa em FID, sem sinais de irritação peritoneal. Solicitado hemograma - que revelou ligeira leucocitose com desvio - e tomografia computadorizada abdominal contrastada. Com base nos dados clínicos e nas imagens, qual o diagnóstico mais provável e a conduta mais adequada? a) Linfadenite mesentérica, estando indicada a laparotomia exploratória. b) Hérnia de Spiegel, deve-se programar a redução cirúrgica. c) Doença de Crohn, devendo ser realizada a biópsia guiada por TC. d) Apendicite hiperplásica, deve-se internar o paciente e iniciar antibioticoterapia Análise da imagem Imagens 3 e 4: Tomografia computadorizada (TC) de abdome evidenciando coleção com densidade de partes moles, paredes espessadas e coleções aéreas e septações em seu interior - destacado em vermelho -, com volume estimado de 92,0 cm³, localizada na fossa ilíaca direita, associada a espessamento das paredes do cólon ascendente e linfonodomegalia mesentérica regional. Apêndice não visibilizado. Diagnóstico A partir da análise dos dados clínicos e da tomografia, pode-se inferir que se trata de um caso de apendicite hiperplásica. Variedade pouco frequente de apendicite aguda, esta doença é uma das maiores causadoras de complicações pós-apendicectomia e requer manejo diferenciado. A doença de Crohn, patologia inflamatória que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, cursa normalmente com cólica abdominal recorrente e diarreia, alternando períodos sintomáticos e assintomáticos. A hérnia de Spiegel é considerada a protusão de um saco peritoneal ou gordura préperitoneal entre a borda lateral do músculo reto do abdome e a linha semilunar (de Spiegel). Rara, cursa geralmente com dor abdominal, abaulamento abdominal e obstrução intestinal. A TC pode auxiliar no diagnóstico ao evidenciar se há conteúdo encarcerado. A linfadenite mesentérica é caracterizada pela hiperplasia de pelo menos 3 linfonodos abdominais, medindo pelo menos 5 mm cada, e apresenta sinais clínicos semelhantes aos da apendicite aguda. Apesar de ter sido identificada linfonodomegalia à TC, a formação de um processo inflamatório tão intenso, com palpação de massa abdominal ao exame físico, não é comum nessa doença. Caso houvesse suspeita, a coprocultura poderia ser solicitada para identificar o organismo causador da infecção. Discussão do caso A apendicite aguda, causa mais frequente de abdome agudo, consiste na inflamação do apêndice ileocecal, secundária à obstrução da luz do órgão e consequente colonização bacteriana. Em cerca de 2% a 6% dos casos de apendicite, a infecção do apêndice pode ser bloqueada por intenso processo inflamatório, que se extende a alças intestinais, mesentério e epíplon. Essa inflamação difusa, que pode levar à formação de um tumor palpável no quadrante inferior direito do abdome, denominamos plastrão apendicular, apendicite hiperplásica ou apendicite bloqueada. O paciente usualmente apresenta-se com sintomas de apendicite aguda menos pronunciados (náuseas, vômitos e febre) e dor em FID, com mais de uma semana de evolução. Ao exame físico, a identificação de massa palpável em FID orienta a realização de propedêutica complementar. A tomografia computadorizada (TC) é o método de escolha para o diagnóstico seguro de plastrão apendicular e de abcesso associado. Este último, quando presente, deve ser drenado por via percutânea. A ultrassonografia (USG) abdominal, apesar de menos sensível e específica e de ser operador-dependente, pode ser suficiente para o diagnóstico, evidenciando a presença de massa com ecogenicidade mista na fossa ilíaca direita. O tratamento da apendicite bloqueada é ainda objeto de controvérsia. A apendicectomia cirúrgica, nesta fase, é invariavelmente difícil e perigosa. A intensa friabilidade das paredes das vísceras envolvidas no processo e a ausência de plano de clivagem ocasionam a abertura acidental de vísceras, a disseminação da infecção e operações radicais como hemicolectomia direita. Estudos recentes apontam para uma maior efetividade do tratamento conservador, que consiste na antibioticoterapia intravenosa e drenagem de possíveis abcessos para diminuição do processo infeccioso. Caso haja evolução favorável, a apendicectomia eletiva é normalmente programada para 6 a 10 semanas após o desaparecimento do quadro agudo. Após o tratamento conservador, há grandes chances de que o paciente não venha a ter um novo quadro de apendicite (85%), o que vem fazendo com que muitos questionem a realização obrigatória de apendicectomia após esta abordagem. Imagem 5: Imagens coronais de TC evidenciam a apresentação inicial de outro caso de apendicite hiperplásica (A) e imagens após um tratamento conservador de 1 mês (B). A seta vermelha destaca um apendicolito. Verifica-se considerável redução do volume da massa inflamatória ceco-apendicular (B). (Demarchi GTS, Caldana R, Tiferes DA, Matsumoto CA, Blasbalg B. Apresentação radiológica das lesões da região íleo-cecoapendicular. Disponível em: http://www.spr.org.br/jpr2011_resumos/787/787.swf) Aspectos relevantes - A apendicite hiperplásica ocorre quando a infecção da apendicite aguda é bloqueada pelo processo inflamatório circundante. - O quadro clínico típico inclui sintomas de apendicite aguda menos pronunciados, com identificação de massa palpável em FID. - À TC, exame de imagem padrão-ouro para o diagnóstico, pode-se identificar sinais de apendicite aguda associados a intenso processo inflamatório local, além de coleções intraabdominais e abcessos associados. - O tratamento conservador é o mais indicado nesses casos, diminuindo a morbidade pósoperatória e até mesmo evitando a apendicectomia. Referências - Wray CJ, Kao IS, Millas SG, Tsao K, Ko TC. 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Responsáveis Júlio Guerra Domingues, acadêmico do 10º período de Medicina da FM-UFMG Lucas Diniz Machado, acadêmico do 10º período de Medicina da FM-UFMG Orientador Wilson Abrantes, médico do hospital universitário Risoleta Tolentino Neves (UFMG) Revisores Carla Faraco, Cinthia Barra, Hércules Riani, Letícia Horta, Profa. Viviane Parisotto