Artigo 14

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Relato de Caso
Trauma faringo-laríngeo aberto
Sindeval José da Silva1
Débora Regina Pena Langoni2
Juliana Rezende2
Letícia Ribeiro Oliveira2
Marcela Ramos Oliveira2
External laryngopharyngeal trauma
RESUMO
Este trabalho se refere a um caso de trauma perfurante no pescoço
devido à chifrada de boi, em que houve fratura da cartilagem
tireóide, desinserção das pregas vocais, laceração da parede
posterior da hipofaringe e fratura de corpo vertebral (C4) sem lesão
do canal medular.
No trauma aberto de laringe, o paciente pode apresentar
alterações da voz, disfagia, dispnéia, estridor, enfizema
subcutâneo, hemoptise ou fratura da cartilagem tireóide, podendo
evoluir com estenose, disfonia, aspiração e morte. O relato do caso
é importante por ser um trauma perfurante com etiologia pouco
freqüente e, apesar da gravidade, o paciente evoluiu sem
seqüelas.
ABSTRACT
This report describes a case of a perforation trauma of neck caused
by a bull's horns attack, with fracture of the thyroid cartilage,
disinsertion of the vocal folds, laceration of the hypopharynx and
fracture of the vertebral body (C4) without lesion of the medullar
channel. A patient with laryngeal open trauma can show voice
alterations, dysphagia, dyspnea, stridor, subcutaneous
emphysema, hemoptysis, fracture of the thyroid cartilage and later
with stenosis, dysphonia, aspiration and death. The relevance of
this report is due to its low frequent etiology and, in spite of its
graveness the patient recovered without sequels.
Key words: Larynx. Pharynx. Wounds and Injuries.
Descritores: Laringe. Faringe. Ferimentos e Lesões.
INTRODUÇÃO
O trauma de laringe pode ser interno ou externo, sendo o último
relativamente raro e subdividido em penetrante e não penetrante1. O penetrante geralmente resulta de ferimentos com armas
de fogo e branca, enquanto o não penetrante ocorre quando o
órgão é comprimido entre um objeto e a coluna cervical,
podendo ocorrer deslocamento da cartilagem aritenóide e
lesão do nervo laríngeo inferior2,3. As manifestações clínicas
mais comuns são: rouquidão, dor, disfagia, odinofagia e
dispnéia e o exame físico pode mostrar sinais de equimose
cervical, orifício de entrada e saída do objeto penetrante e
perda de contorno da cartilagem tireóide4,5. O tratamento
adotado para essas lesões pode ser de natureza conservadora
ou cirúrgica, dependendo da gravidade do caso. Exames
complementares como radiografias, tomografia computadorizada de pescoço e tórax e endoscopia são imprescindíveis
para avaliar o comprometimento da laringe e estruturas
adjacentes4. O diagnóstico precoce e uma terapia adequada
têm um impacto significante no prognóstico do paciente, pois
minimiza possíveis complicações como disfonia, estenose,
fístula ou evolução para óbito1.
O presente trabalho tem como objetivo relatar o caso de uma
vítima de trauma cervical penetrante por chifrada de boi,
causando lesões de laringe e hipofaringe. O caso é de etiologia
única na literatura e foi abordado com procedimento cirúrgico.
RELATO DO CASO
Carmelo, deu entrada no HC-UFU em junho/2005 com história
de ferimento cervical por chifrada de boi há 6 horas. À admissão
encontrava-se consciente, eupneico, hemodinamicamente
estável, sem déficits neurológicos e com colar cervical. A via
aérea era mantida pérvia por meio de cânula traqueal inserida
pelo orifício da ferida (figura 1). À inspeção do pescoço,
observava-se a presença de ferimento pérfuro-contuso de 2cm
de extensão no nível da cartilagem tireóide. O exame radiológico evidenciou enfisema subcutâneo, fratura do corpo vertebral
C4 com presença de corpo estranho (CE) de densidade metálica
(figura 2) no foco da fratura, sem comprometimento do canal
medular e pneumomediastino.
Figura 1 – Cânula traqueal inserida pelo orifício da ferida.
Homem, leucoderma, 25 anos, natural e procedente de Monte
1) Professor Assistente Mestre do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Uberlândia. Chefe do Serviço de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de Uberlândia.
2) Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
Instituição: Departamento de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil.
Correspondência: Sindeval José da Silva, Rua Carajás, 701 – 38400-076 Uberlândia, MG, Brasil. E-mail : [email protected]
Recebido em: 15/09/2007; aceito para publicação em: 22/12/2007; publicado online em: 12/02/2008.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 1, p. 58 - 59, janeiro / fevereiro / março
Figura 2 – Radiografia simples de coluna cervical com presença de
corpo estranho de densidade metálica.
Foi submetido à traqueostomia de urgência e cervicotomia
exploradora (figura 3). Os achados foram: fratura da cartilagem
tireóide, desinserção das pregas vocais na comissura anterior
e laceração da parede posterior da hipofaringe de 4cm de
extensão. Durante o procedimento cirúrgico, foi retirado CE de
C4 e realizado a reconstrução da faringe e laringe, com
manutenção de uma prótese endolaríngea. Foi passada sonda
naso-enteral (SNE) para alimentação no pós-operatório (P.O.),
drenagem cervical e antibioticoterapia profilática com clindamicina.
encontrado em 39% dos pacientes1.
A radiografia simples do pescoço com penetração para partes
moles evidencia a presença de enfisema subcutâneo e a
localização de CE. A tomografia computadorizada tem valor
limitado no traumatismo penetrante, pois não necessariamente
influencia na escolha do tratamento4.
O tratamento dos ferimentos perfurantes cervicais continua a
ser um assunto controverso, especialmente quando há lesão da
hipofaringe que, nesses casos, é incomum3. A determinação do
procedimento a ser usado, muitas vezes, é difícil devido à
tamanha complexidade da anatomia dessa região5.
O tratamento clínico é indicado quando o ferimento acarreta
pequenas lesões com laceração da mucosa que não envolvam
a comissura anterior, edema leve e pequenos hematomas, sem
comprometimento da mobilidade da prega vocal e na ausência
de distúrbios respiratórios4.
Quando há lesões da comissura anterior, lesões que provoquem exposição da cartilagem, fraturas múltiplas da cartilagem
cricóide, fraturas com desvio da cartilagem tireóide ou com
paralisia da prega vocal ou que provoquem obstrução respiratória em que seja necessário intubação ou traqueostomia, o
paciente deve ser tratado cirurgicamente. O tratamento
cirúrgico deve ser feito também quando há lesões do recesso
piriforme ou da parte dorsal e caudal às cartilagens aritenóides;
lesões maiores que 2cm em qualquer sub-região da hipofaringe
ou qualquer lesão envolvendo duas ou mais sub-regiões
adjacentes4. Ambos os estudos justificam o tratamento adotado
no caso apresentado.
O relato que apresentamos no presente trabalho é um dos
casos de trauma externo de laringe causado por objetos
cortantes, em que a limpeza do ferimento com remoção de CE
seguidos de uma cuidadosa reconstrução das estruturas
lesadas pôde prevenir complicações como as estenoses3
Os traumas externos de laringe são raros, têm origens diversas
e podem provocar desde feridas simples, sem repercussão
clínica, até lesões severas potencialmente letais. Apesar de
gravidade do caso, o paciente evoluiu bem.
REFERÊNCIAS
Figura 3 – Cervicotomia exploradora mostrando fratura da cartilagem
tireóide.
1. Kleinsasser NH, Priemer FG, Schulze W, Kleinsasser OF. External
trauma to the larynx: classification, diagnosis, therapy. Eur Arch
Otorhinolaryngol. 2000;257(8):439-44.
2. Kandogan T, Olgun L, Gültekin G, Aydar L, Mercan B, Ozuer ZM.
External laryngeal trauma. Swiss Med Wkly. 2003;133(25-26):372.
3. McConnell DB, Trunkey DD. Management of penetrating trauma to
the neck. Adv Surg. 1994;27:97-127.
4. Maisel RH. Blunt and penetrating trauma to the neck. In: Cummings
CW. Otolaryngology Head and Neck Surgery. 3rd ed. Philadelphia:
Library of Congress; 1998. pp.2535-43.
5. Cervantes O, Abrahão M. Diagnóstico e conduta no trauma de
laringe. In: Carvalho MB. Tratado de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e
Otorrinolaringologia. 1ª ed. São Paulo: Atheneu; 2001. pp.1161-73.
Recebeu alta hospitalar no 11º P.O. com SNE, traqueostomia e
colar cervical. Permaneceu com a sonda por 43 dias. No 50º
P.O. foi realizado controle videolaringoscópico, com resultados
dentro dos limites das normalidades e retirada cânula de
traqueostomia. No 12º mês de evolução, paciente apresenta
apenas disfonia leve.
DISCUSSÃO
O trauma externo da laringe é raro e, por vezes, fatal. A
prevalência varia de 1/5000 a 1/42. 528, sendo mais freqüente
em jovens4. O diagnóstico de trauma penetrante de laringe é
clínico e o único sinal diagnóstico é a presença de ar vazando
através do ferimento no pescoço, o que fica mais evidente com
a tosse. Em um estudo retrospectivo com 57 pacientes que
apresentavam lesões decorrentes de trauma laringotraqueal
penetrantes, o enfisema subcutâneo foi o sinal mais comum –
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