Yvete Flávio da Costa Organizadora TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS: Fundamentos e Pressupostos Yvete Flávio da Costa Organizadora TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS: Fundamentos e Pressupostos Cultura Acadêmica ISBN UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Programa de Pós-graduação em Direito - PPGD Conselho Editorial Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges (Unesp) Prof. Dr. Carlos Eduardo de Abreu Boucault (Unesp) Profa. Dra. Elisabete Maniglia (Unesp) Prof. Dr. Luiz Antonio Soares Hentz (Unesp) Mestrando Roberto Galvão Faleiros Júnior (Unesp) Endereço para correspondência : Avenida Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 – Jardim Petráglia Cep 14409-160 - Franca –SP Contato: [email protected] Diagramação: Talita Tatiana Dias Rampin, Tarcísio Rodrigues da Silva Tutela dos direitos coletivos : fundamentos e pressupostos / Yvete Flávio da Costa (organizadora). –São Paulo: Cultura Acadêmica : Editora UNESP, 2011. 176 p. Inclui bibliografia ISBN: 000-00-0000-000-0 1. Direitos coletivos – Tutela. 2. Mandado de segurança coletiva. 3. Ministério Público – Interesses individuais. 4. Direito ambiental. 5. Direito processual civil – Juizes. 6. Litispendência. 7. Ação civil pública. 8. Bioética. I. Título. II. Costa, Yvete Flávio da CDD – 341.4622 Índices para catálogo sistemático: 1. Ação civil pública..............................................341.4622 2. Bioética..............................................................340.78 3. Direito ambiental...............................................341.347 4. Direito processual civil – Juizes........................341.46226 5. Direitos coletivos – Tutela.................................341.4622 6. Litispendência....................................................341.46274 7. Mandado de segurança coletiva.........................341.2742 8. Ministério Público – Interesses individuais.......341.4622 Autores Alexandre Walmott Borges Alfredo José dos Santos Antônio Alberto Machado Caio Frederico Fonseca Martinez Perez Jete Jane Fioratti João Bosco Penna Júlio César de Lima Ribeiro Lillian Ponchio e Silva Marcelly Fuzaro Gullo Maria Carolina Florentino Lascala Michelle Junqueira Tersi Naiara Souza Grossi Paulo Henrique de Oliveira Arantes Riva Sobrado de Freitas Talita Tatiana Dias Rampin Wagner Jacinto de Oliveira Yvete Flávio da Costa APRESENTAÇÃO A presente obra é fruto das atividades desenvolvidas na disciplina “Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos”, ministrada no segundo semestre de 2009 no âmbito do mestrado em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – FCHS da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ – UNESP. A disciplina, ofertada na linha de pesquisa n.III do PPGD (Efetividade e Tutela dos Direitos Fundamentais), reflete aspecto fulcral da área de concentração do mestrado (Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania), uma vez que abre perspectivas para problematizar o ordenamento jurídico brasileiro a partir de um enfoque específico, a saber: a tutela coletiva. A obra ora veiculada ao grande público teve origem em debates travados em sala de aula pela reunião de pesquisas elaboradas pelos discentes do PPGD. Trata-se, portanto, de publicação que reflete a atual preocupação do PPGD: estruturar as pesquisas desenvolvidas para possibilitar seu compartilhamento com a comunidade acadêmica, dentro de um projeto específico de construção do conhecimento, que se preocupa com a efetividade dos direitos fundamentais em seus mais diversos níveis. Agradecemos a colaboração dos autores no preparo cuidadoso dos estudos aqui organizados, entendendo que é compartilhando responsabilidades e conhecimentos que conseguimos alcançar a excelência. Yvete Flávio da Costa Doutora e mestre em Direito pela PUC/SP; Pós-Doutora pela Universidade de Coimbra/Portugal; Docente dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UNESP 6 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos SUMÁRIO Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Yvete Flávio da Costa Talita Tatiana Dias Rampin .................................................................... 9 A tutela coletiva brasileira: análise dos procedimentos processuais coletivos e das figuras de acionamento judicial Talita Tatiana Dias Rampin ................................................................. 17 Breves reflexões sobre a legitimação do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos, no âmbito do direito da criança e do adolescente Paulo Henrique de Oliveira Arantes Antônio Alberto Machado ................................................................... 43 Uma visão mais ampla quanto ao objeto e à legitimidade ativa do mandado de segurança coletiva: comentários sobre a Lei 12.016/2009 Júlio César de Lima Ribeiro Alfredo José dos Santos ....................................................................... 55 Compromisso de ajustamento de conduta ambiental: solução acorde Caio Frederico Fonseca Martinez Perez .............................................. 77 Legitimidade no direito processual coletivo brasileiro Wagner Jacinto de Oliveira Alexandre Walmott Borges ................................................................. 87 A litispendência nas ações coletivas Maria Carolina Florentino Lascala Riva Sobrado de Freitas .................................................................... 101 Direitos difusos e coletivos: uma análise sob a perspectiva de atuação do juiz Naiara Souza Grossi Yvete Flávio da Costa ....................................................................... 113 O papel da bioética na tutela dos conflitos coletivos: reflexões sobre a ADPF 54 e anencefalia Lillian Ponchio e Silva João Bosco Penna ............................................................................. 129 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 7 Limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública Marcelly Fuzaro Gullo Jete Jane Fioratti ............................................................................... 137 A tutela coletiva no direito ambiental Michelle Junqueira Tersi .................................................................. 157 8 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS: Fundamentos e pressupostos Yvete Flávio da Costa* Talita Tatiana Dias Rampin** SUMÁRIO: Introdução 1. Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania: inserção científica. 2. Tutela dos direitos coletivos: fundamentos e pressupostos. 3. Considerações finais. REFERENCIAS. INTRODUÇÃO O presente capítulo é redigido com o objetivo geral de evidenciar e justificar os estudos reunidos e estruturados na obra ―Tutela dos direitos coletivos: fundamentos e pressupostos‖. Fruto dos debates desenvolvidos no âmbito da disciplina ―Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos‖, no Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – FCHS da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ - UNESP, os estudos nesta oportunidade apresentados refletem parte da pesquisa desenvolvida em nível de mestrado, contando com a adesão do corpo discente e docente. A proposta da disciplina, ao pretender analisar os fundamentos e pressupostos da tutela coletiva (portanto, para além dos aspectos meramente formais ou procedimentais), foi buscar uma melhor compreensão do campo de estudo que hoje se apresentar como direito processual coletivo. A inquietação inicial suscitada, sobre essa desconhecida ―tutela coletiva‖, é evidenciada pelo seguinte questionamento: trata-se de uma nova forma de tutela ou a novidade reside em seu recente incremento e uso? A hipótese trabalhada foi que a tutela coletiva remete a uma gama de direitos há muito existente e reivindicada, mas que, contudo, despertou maior interesse e atenção da comunidade jurídico-acadêmica nos últimos tempos, seja pelo incremento das formas e extensão das lesões ocasionadas em direitos coletivos, seja pela insuficiência que os estudos tradicionais de tutela processual revelaram. No presente trabalho, propõe-se uma reflexão sobre a correlação entre a área de concentração do PPGD da UNESP (Sistemas normativos e fundamentos da cidadania), para contextualizar o delineamento do estudo empreendido (Tutela dos direitos coletivos: fundamentos e pressupostos) a partir de diferentes enfoques, concebidos e construídos por cada um dos discentes envolvidos. * Doutora e mestre em Direito pela PUC/SP; pós-doutora em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal; Docente dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UNESP/Franca-SP. Líder do Núcleo de Pesquisas Avançadas em Direito Processual Civil brasileiro e comparado – NUPAD. ** Mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP. Órgão de fomento da pesquisa: CAPES. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 9 O objetivo maior é verificar e analisar os principais instrumentos e medidas colocadas pelo Direito a serviço da sociedade para fins de concretização dos direitos coletivos, entendidos como conteúdo da cidadania brasileira. Os capítulos que estruturam o trabalho convergem, todos, para o supracitado desiderato, merecendo menção pontual para melhor compreensão da organicidade da obra: o capítulo ―A tutela coletiva brasileira: análise dos procedimentos processuais coletivos e das figuras de acionamento judicial‖, de Talita Tatiana Dias Rampin, irá traçar um panorama dos procedimentos processuais coletivos, tecendo um histórico do seu afloramento normativo no ordenamento jurídico estatal brasileiro; no âmbito processual, serão analisados pontos de estrangulamento entre a forma e o conteúdo do objeto tutelado, em: ―Breves reflexões sobre a legitimação do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos, no âmbito do direito da criança e do adolescente‖, de Paulo Henrique de Oliveira Arantes; ―Uma visão mais ampla quanto ao objeto e à legitimidade ativa do mandado de segurança coletiva: comentários sobre a Lei 12.016/2009‖, de Júlio César de Lima Ribeiro; ―Compromisso de ajustamento de conduta ambiental: solução acorde‖, de Caio Frederico Fonseca Martinez Perez; ―Legitimidade no direito processual coletivo brasileiro‖, de Wagner Jacinto de Oliveira; ―A litispendência nas ações coletivas‖, de Maria Carolina Florentino Lascala; ―Limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública‖, de Marcelly Fuzaro Gullo; no âmbito material, são analisadas: ―A tutela coletiva no direito ambiental‖, de Michelle Junqueira Tersi; a atuação do magistrado como fator determinante na tutela coletiva, em ―Direitos difusos e coletivos: uma análise sob a perspectiva de atuação do juiz‖, de Naiara Souza Grossi e Yvete Flávio da Costa; além do estudo de caso envolvendo temática transdisciplinar, em ―O papel da bioética na tutela dos conflitos coletivos: reflexões sobre a ADPF 54 e anencefalia‖, de Lillian Ponchio e Silva, que também faz uma análise sobre uma das formas de ação coletiva na jurisdição constitucional. 1. SISTEMAS NORMATIVOS E FUNDAMENTOS DA CIDADANIA: INSERÇÃO CIENTÍFICA. Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, declarou-se um período de transição democrática, que logrou superar o período de exceção vivenciado com a Ditadura Militar a partir da configuração de um Estado Democrático de Direito. São vários os dispositivos constitucionais que [re]afirmam a adoção do preceito democrático: no preâmbulo, declara-se a instituição de um Estado Democrático; no artigo 1º, afirma-se ser a República Federativa um Estado Democrático de Direito; não bastasse, há a referência direta a preceitos que compõem o núcleo da democracia, destacamos, a ―cidadania‖ como fundamento desse modelo sui generis de Estado constitucional. Mas o que é a cidadania? Qual é o seu conteúdo, os seus limites e possibilidades? A CF/88 é silente sobre o conceito de cidadania, o que permite um questionamento amplo sobre seu conteúdo. Não obstante a imprecisão do termo, seu entendimento perpassa, necessariamente, sobre questões fulcrais para a organização da sociedade (p.ex., quando se discute políticas públicas voltadas para a cidadania) e, também, dos sujeitos (p.ex., quando se condiciona o gozo de um direito à comprovação da cidadania brasileira). O conceito de cidadania perpassa elementos jurídico-formais e políticos. Se por um lado serve como critério definidor dos sujeitos titulares de direitos e deveres dentro de uma órbita social determinada (historicamente, geograficamente, entre outras), por outro, designa um conjunto de interesses, direitos, deveres e garantias que devem ser efetivados. 10 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Essas indagações (anunciadas sumariamente, para contextualizar o estudo) permearam a reestruturação do PPGD da UNESP, que elegeu como objeto comum de pesquisa a interseção entre o jurídico e o político entorno da cidadania, ao estabelecer como respectiva área de concentração a temática ―sistemas normativos e fundamentos da cidadania‖. O mote comum a todos os projetos de pesquisa desenvolvidos passaram a ser a perquirição da cidadania (conteúdo, delineamento, limites, possibilidades) pelo viés normativo (efetividade das normas, leis, ordenamentos jurídicos). A proposta do PPGD, que não se prosta absoluta nem com uma ambição egoística e pretensiosa, ao investigar a cidadania, permite-nos galgar pesquisas ideologicamente firmadas em um projeto científico que propugna pela efetivação da demcracia em seus mais diversos níveis. Por essa razão, foram cogitadas três linhas de pesquisa, que nada mais são do que especificações ou dimensões de debate sobre a cidadania: I - Direito, Mercado e Relações Internacionais; II - Direito, Sociedade e Políticas Públicas; e III - Efetividade e Tutela dos Direitos Fundamentais. A presente pesquisa está inserida na terceira linha, que investiga a efetividade e a tutela dos direitos fundamentais, mas abre-se em diálogo com as demais propostas, inclusive, com seus respectivos pesquisadores. A temática dos direitos fundamentais, por si, implica uma gama vasta de digressões teóricas. Serão eles direitos humanos positivados? Conseguem eles expressar toda a complexidade cultural, étnica e histórica existente dentro de um mesmo território? Servem eles à emancipação dos sujeitos ou, ao contrário, instrumentalizam um projeto de plasmação de interesses, alinhados como elementos de conformação frente à uma forma de dominação específica? Essa diversidade de questionamentos suscitados demonstra a complexidade temática, motivo pelo qual foi necessário estabelecer um núcleo central de problematizações que fosse apto a dar coesão aos projetos de pesquisa abarcados pela linha, que tem a seguinte descrição: A legislação no estado democrático de direito deixa de se preocupar somente com a tutela formal dos direitos, para também deter-se na construção de condições que garantam o acesso à justiça no sentido da efetivação dos direitos fundamentais. Neste sentido, o processo deixa de ser um simples instrumento de aplicação do direito material e passa a ser entendido como um meio capaz de aplicar e concretizar o direito substancial na busca da promoção doa mais diferentes direitos. O processo passa a ser, segundo a doutrina, um instrumento de resultados políticos, sociais e jurídicos impregnados por valores éticos. Pode-se, mesmo dizer, que o processo passa a objetivar a plena e tempestiva satisfação dos titulares desses direitos. Procura-se, ainda, estudar a tutela jurisdicional coletiva e sua efetivação. Com a gradual disciplina das ações coletivas pelo direito brasileiro, passou-se a desenvolver uma via adicional para a tutela dos direitos e interesses coletivos, muito alem da tradicional visão de proteção dos direitos individuais. A preocupação com a tutela dos direitos coletivos e respectiva efetivação de tais direitos, reforçou a noção de uma verdadeira função social do direito que deve ser melhor entendida e discurtinada no âmbito da pesquisa acadêmica.1 1 Disponível em: http://www.franca.unesp.br/posdireito/interno-posdir-projetospesquisa.php Acesso aos 27 de junho de 2011. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 11 De modo que o crivo de reunião das pesquisas é mesmo a temática da efetividade da tutela dos direitos fundamentais, perpassando aspectos do acesso a justiça, no qual, destaca-se a questão da instrumentalização ou judicialização das demandas. Uma vez que fragmentação ou pulverização de conflitos é um catalisador da negação de direitos e sujeitos, houve a necessidade de erigir um projeto que conseguisse dar conta do fenômeno da coletivização de litígios, que, em termos materiais, trabalhamos com a hipótese de servirem melhor para a concretização da cidadania do que a litigação individual. Imbuídos dessas aspirações, foi concebida disciplina e proposta de investigação científica ―Tutela dos direitos coletivos: fundamentos e pressupostos‖, que centraliza o debate a partir da especificidade do direito processual como campo de estudo, bem como, o projeto ―Processo coletivo: acesso a justiça e direitos sociais‖, que permite uma análise a partir da contingência meta ou transindividual. 2. TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS: FUNDAMENTOS E PRESSUPOSTOS. O segundo movimento para melhor compreensão do objeto de estudo remete aos contornos que a pesquisa ―Tutela dos direitos coletivos: fundamentos e pressupostos‖ adquiriu ao longo de seu desenvolvimento, sempre, liderado pela professora e pesquisadora responsável, doutora Yvete Flávio da Costa. A pesquisa reuniu pesquisadores das diferentes linhas, o que permitiu uma oxigenação do debate, inclusive, no tocante aos direitos materiais envolvidos. Foi a partir das experiências profissionais e do histórico de pesquisa trilhado por cada um dos discentes envolvidos que foi possível estabelecer estudos interdisciplinários, que culminaram com as pesquisas nesta oportunidade veiculadas. Os temas escolhidos para dissertação não foram aleatórios, na verdade, cada capítulo explora um diferente aspecto da tutela coletiva, compartilhando do mesmo objetivo geral que é verificar a sua efetividade, no âmbito científico, formal-processual e material. O primeiro estudo colacionado é ―A tutela coletiva brasileira: análise dos procedimentos processuais coletivos e das figuras de acionamento judicial‖ de Talita Tatiana Dias Rampin. Por ele, busca-se compreender a sistematização da pluralidade normativa que regula os bens coletivos e conflitos deles decorrentes. Investiga-se a gênese da tutela dos direitos coletivos e da tutela coletiva de direitos no Brasil, pontuando os principais procedimentos e legislação aplicável no microssistema integrado e autônomo de regulação. São analisados os procedimentos processuais coletivos especiais e comuns, com base na categorização realizada por Gregório Assagra de Almeida, com enumeração dos instrumentos de acionamento judicial disponíveis. O segundo estudo é “Breves reflexões sobre a legitimação do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos, no âmbito do direito da criança e do adolescente”, de Paulo Henrique de Oliveira Arantes, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo e que possui um histórico de pesquisa e atuação no âmbito material específico dos direitos e interesses da criança e do adolescente. O objetivo geral do trabalho é investigar a legitimação do parquet para a defesa de uma gama específica de direitos coletivos da criança e do adolescente, qual seja: os individuais homogêneos. Destacamos a linha ideológica perfilhada pelo autor, que preconiza a superação de uma cultura que reifica o menor, e pela emergência de uma postura de concreta tutela, atendendo ao preceito de proteção integral, de fundamento constitucional e infraconstitucional. 12 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Ainda em temática transversal sobre a legitimação para agir, Júlio César de Lima Ribeiro, orientado por Alfredo José dos Santos, investiga mutação legislativa no tocante ao mandado de segurança coletivo, em ―Uma visão mais ampla quanto ao objeto e à legitimidade ativa do mandado de segurança coletiva: comentários sobre a Lei 12.016/2009”. Nota-se, com ele, a preocupação no acompanhamento crítico da alteração, em nível nacional, do regramento jurídico-estatal sobre um dos mais tradicionais instrumentos democráticos de acesso a justiça: o mandado de segurança. A hipótese trabalhada é que a edição Lei 12.016 de 07 de agosto de 2009 sedimentou, em nível legislativo, aspectos fulcrais no tocante a aplicabilidade do writ, que, cogita-se, pode ter representado resultados negativos e paralelamente positivos, para os aplicadores do direito e de modo geral, para toda a sociedade. O quarto trabalho é ―Compromisso de ajustamento de conduta ambiental: solução acorde”, de Caio Frederico Fonseca Martinez Perez e Élcio Trujillo , que guarda pertinência com a questão da legitimação para agir na medida em que problematiza a firmação de compromissos de ajustamento de conduta (TAC) no âmbito material do direito ambiental. Fechando o bloco temático sobre a legitimação, Wagner Jacinto de Oliveira traça em ―Legitimidade no direito processual coletivo brasileiro” os principais aspectos do instituto, tendo como pano de fundo a hipótese brasileira. Passa-se, então, ao debate de outros institutos processuais, os quais têm revelado constituírem pontos nevrálgicos da tutela coletiva: em ―A litispendência nas ações coletivas”, Maria Carolina Florentino Lascala, membro da Advocacia Geral da União, lotada na comarca de Ribeirão Preto/SP, sob orientação da professora doutora Riva Sobrado de Freitas, propugna pela adaptação das regras de processo civil a partir da problematização da repetição de ações em curso, que, segundo a ótica específica da tutela coletiva, impõe a adoção de uma postura diversa da tradicional processualística vigente, qual seja, a reunião das ações para julgamento conjunto; Marcelly Fuzaro Gullo, orientada por Jete Jane Fiorati, em ―Limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública”, trilha as mesmas premissas teóricas que postulam pela adequação de certos institutos processuais à realidade e amplitude dos processos coletivos, sua hipótese de trabalho é que a oponibilidade da coisa julgada e o alcance de seus limites subjetivos tiveram que ser adaptados às particularidades que envolvem a tutela dos direitos coletivos, de forma a garantir a efetiva proteção dos sujeitos prejudicados. Em ―Direitos difusos e coletivos: uma análise sob a perspectiva de atuação do juiz”, estudo elaborado em coautoria por Naiara Souza Grossi e Yvete Flávio da Costa, a análise sofre alteração de perspectiva, revelando uma preocupação das autoras em não somente analisar o conteúdo normativo do direito posto, como, principalmente, o uso que os profissionais do Direito podem fazer dele. Nesse sentido, a hipótese levantada é que a atuação do magistrado, atrelado a concepção principiológica erigida pelo Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição Federal de 1988, pode contribuir sobremaneira para efetivação dos direitos difusos e coletivos. Após a investigação jurídico-formal, de tez nitidamente processual, passa-se ao estudo de formas de tutela que repercutem, ou melhor, que sofrem ingerência direta do conteúdo material do objeto de tutela: a influência da bioética por Lillian Ponchio e Silva, orientada por João Bosco Penna, em ―O papel da bioética na tutela dos conflitos coletivos: reflexões sobre a ADPF 54 e anencefalia”; e o direito ambiental em “A tutela coletiva no direito ambiental‖, de Michelle Junqueira Tersi. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 13 A inserção da pesquisa no PPGD da UNESP permitiu uma delimitação inicial dos estudos realizados, que voltaram seu enfoque para um sistema normativo específico: o brasileiro, instituído a partir da promulgação da CF/88 e preconizando a efetivação do preceito democrático a partir da concretização e desvelamento do conceito de cidadania. Nesse sentido, todas as propostas apresentadas buscaram dialogar com os mandamentos constitucionais, bem como, com a legislação infraconsticional. Optou-se em estabelecer uma forma de análise crítica, que buscasse identificar os limites ou limitações que a positivação de direitos acarreta, inclusive, apontando mudanças específicas que pudessem [possam] ser realizadas. Os estudos colacionados possuem alguns pontos de convergência que merecem ser destacados: a) As contigências coletivas, sejam elas difusas, coletivas em sentido estrito ou individuais homogêneas, impõem uma releitura dos institutos e regras processuais existentes; b) Referida releitura, em um Estado que se afirma Democrático de Direito, impõe a bservação dos elementos que o estruturam, dos quais destacamos o conceito dinâmico de ―cidadania‖; c) Como crivo ideológico comum, é possível depreender a efetividade como enfoque adotado, o que reflete uma preocupação dos autores em tornar realidade as intenções e objetivos expostos em nível constitucional e infraconstitucional; d) As problematizações que podem ser feitas a partir da contigência coletiva, perpassam, necessariamente, pela investigação em um campo científico peculiar, que vem adquirido, nos últimos anos, certa autonomia em relação á tutela individual de direitos: o direito processual coletivo ou tutela coletiva; e) Não se trata de problematizações novas, senão, temáticas que somente contemporaneamente vem despertado atenção e curiosidade do universo científico, o que indica um momento fecundo para a o aprofundamento na temática, haja vista a incipiente construção de seus fundamentos científicos. 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Revista dos Tribunais, 2008. 16 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos A TUTELA COLETIVA BRASILEIRA: análise dos procedimentos processuais coletivos e das figuras de acionamento judicial Talita Tatiana Dias Rampin* SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1 O MICROSSISTEMA AUTÔNOMO DE REGULAÇÃO BRASILEIRA. 2 INSTRUMENTOS DE JUDICIALIZAÇÃO DE DIREITOS COLETIVOS. 2.1 As espécies de tutelas existentes. 2.2 Os procedimentos processuais coletivos. 2.2.1 O procedimento comum coletivo. 2.2.2 O procedimento comum especial. 3 AS PRINCIPAIS FIGURAS DE ACIONAMENTO JUDICIAL. 3.1 Ação direta de inconstitucionalidade. 3.2 Ação direta de constitucionalidade. 3.3 Arguição de descumprimento de preceito fundamental. 3.4 Mandado de segurança coletivo. 3.5 Mandado de injunção. 3.6 Ação civil pública. 3.7 Ação popular. 3.8 Ação de impugnação de mandato eletivo. 3.9 Dissídio coletivo. REFERÊNCIAS. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A inserção da tutela coletiva na hipótese brasileira merece destaque, pois o modo com que foi realizada contribuiu para o incremento do distanciamento entre a teoria e prática da tutela, refletindo, pois, sobre a (in)efetividade da mesma. Sérgio Cruz Arenhart2 afirma que o Brasil trilhou a orientação do direito continental europeu de introduzir a tutela coletiva por iniciativa legislativa e não pela prática forense, característica esta que explica na dificuldade de sua aceitação pela jurisprudência, bem como, a timidez de seu manejo no foro. Segundo o autor, o primeiro diploma concebido especificamente para a tutela dos interesses da coletividade foi a Lei n.4.717, de 29 de junho de 1965 (LAP)3, não obstante, leis anteriores previam a legitimidade de associações para a proteção coletiva de interesses de seus membros, como a Lei n.1.134, de 14 de junho de 19504 e o primitivo Estatuto da OAB5. ―Entretanto, a Lei da Ação Popular foi a primeira que * Mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP. Órgão de fomento da pesquisa: CAPES. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. (Temas Atuais de Direito Processual Civil, 6). p. 151. 3 BRASIL. Lei n.4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 jul. 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 4 BRASIL. Lei n.1.134, de 14 de junho de 1950. Faculta representação perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária aos associados de classes que especifica. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:lei:1950-06-14;1134>. Acesso em: 28 jul. 2011. 5 BRASIL. Lei n.4.215, de 27 de abr. 1963. Dispõe sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Revogada pela Lei nº 8.906, de 04 jul. de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 jul. 1994. p. 10093. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8906.htm#art87>. Acesso em: 28 jul. 2011. 2 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 17 efetivamente procurou oferecer tutela coletiva a interesses metaindividuais, razão suficiente para ser considerada marco na história nacional das tutelas de massa‖.6 De fato, antes da LACP, foram poucas as leis que dispuseram sobre direitos difusos ou coletivos, configurando um quadro de pontual proteção dos direitos metaindividuais que contava com uma legitimação e objeto limitados. Essa proteção pontual é evidenciada também por Pedro Lenza, ao explicar que até o advento da LACP7 na década de 80, a doutrina cogitava diferentes maneiras de resolução para cada uma das situações de proteção aos ―bens coletivos‖. Conclui o autor que ―Ao que se percebe, em relação ao art.6 do CPC, as poucas permissões legais autorizavam fosse pleiteado em nome próprio direito material alheio marcadamente coletivo, mas, em nenhuma das hipóteses difuso‖8. Referida tutela poderia ser encontrada com a promulgação da LAP, na década de 60. Gregório Assagra de Almeida9, analisando o processo coletivo sob um prisma metodológico no direito processual, parte de um marco divisor posterior: a edição da LACP, com ulterior complementação pelo CDC10 Encampando o mesmo posicionamento, encontramos Elton Venturi, que assevera que a implementação da LACP conjugada com o CDC deve ser considerada como ―marco fundador de um verdadeiro sistema processual coletivo‖11. De nossa parte, entendemos que a tutela coletiva pôde contar com um tratamento processual sistemático a partir da conjugação da LACP com o CDC. Contudo, leis setoriais que foram editadas antes da década de 90 merecem ser analisadas, haja vista sua relevância para a efetivação do conteúdo material dos direitos coletivos. Cumpre ressaltar, também, que esta análise permite uma melhor visualização do processo de alargamento dos bens jurídicos tutelados via coletiva, regramento este que, inclusive, continua parcialmente em vigor. Na década de 40, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 01 de maior de 194312, previu em seu artigo 513, alínea ―a‖, ser prerrogativa dos Sindicatos representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida. Previu também, em seu artigo 856 e seguintes, o instituto do Dissídio Coletivo, que nada mais é do que uma forma de tutela coletiva de direitos trabalhistas. 6 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. (Temas Atuais de Direito Processual Civil, 6). p. 152. 7 BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 jul. 1985. p. 10649. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 8 Ibid., p. 143. (grifo do autor). 9 ―No Brasil, o movimento do processo coletivo somente foi realmente levado a efeito no campo da legislação com a Lei n.7.347, de 24 de julho de 1985, que instituiu a denominada ação civil pública, porém, ele se consagrou na democrática Constituição de 5 de outubro de 1988 e se aperfeiçoou com a Lei n.8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), que inclusive adotou, com algumas adaptações especialmente no que se refere à legitimidade ativa, o modelo da class action do sistema norte-americano‖. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 43. 10 BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 11 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 17. 12 BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 ago. 1943. p. 11937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 18 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Na década de 50, a Lei n.1.134, de 14 de junho de 1950 facultou a representação perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária aos associados de classes que especifica. Nos termos de seu art.1, foi facultada, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária, a representação coletiva ou individual dos associados de associações de classes sem nenhum caráter político, fundadas nos termos do Código Civil e enquadradas nos dispositivos constitucionais, que congreguem funcionários ou empregados de empresas industriais da União, administradas ou não por ela, dos Estados, dos Municípios e de entidades autárquicas, de modo geral. Na década de 60, duas leis se destacam na defesa de direitos coletivos: a LAP, através da qual são tutelados direitos coletivos, mais especificamente, ―difusos‖, por intermédio do cidadão para a impugnação de ato ilegal e lesivo ao patrimônio público; e o Estatuto da OAB, que previa, no art.1, legitimação da OAB na representação em juízo e fora dele dos interesses gerais da classe13. Na década de 70, a Lei n.6.708, de 30 de outubro de 197914, facultou aos sindicatos, independente da outorga de poderes dos integrantes da respectiva categoria profissional, apresentar reclamação na qualidade de substituto processual de seus associados com o objetivo de assegurar a percepção dos valores salariais corrigidos (art.3, §2º). Na década de 80, outros dois instrumentos normativos trataram da tutela coletiva, enfocando, contudo, a atuação ministerial: a Lei n.6.938, de 31 de agosto de 1981 15, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e prevê a possibilidade do ajuizamento de ação com pedido reparatório por danos causados ao meio ambiente; e a Lei Complementar Federal n. 40, 14 de dezembro de 1981, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LOMP) e previa, em seu artigo 3º, inciso III, o ajuizamento da ação civil pública como uma das funções institucionais do Ministério Público. Nessa mesma década, observamos, ainda, a implementação do sistema de proteção dos direitos coletivos lato sensu, qual seja: o microssistema de tutela coletiva, que é composto pela LACP c/c CDC. É importante ressaltar que a promulgação da CF/88 abriu oportunidade para a oxigenação da tutela coletiva, pois seus princípios, direitos e garantias fundamentais permitem o questionamento da instrumentalidade do processo, da promoção da justiça social, da efetivação dos direitos coletivos e do descompasso existente entre a teoria e a prática processual. É a leitura constitucional da coletivização do processo como meio renovatório de acesso à Justiça16. 13 Cf. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. (Temas atuais de direito processual civil, 6). p. 151-152; LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 142. 14 BRASIL. Lei n.6.708, de 30 de outubro de 1979. Dispõe sobre a correção automática dos salários, modifica a política salarial e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 out. 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6708.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 15 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 set. 1981. p. 16509. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 16 No que tange a compreensão das ondas renovatórias de acesso à justiça remetemos a leitura da obra de referência mundial de autoria de Mauro Cappelletti e Bryan Garth, intitulada ―Acesso à Justiça‖. Nesse estudo, Cappelletti e Garth indicam ao menos três ondas renovatórias do acesso à justiça: justiça aos pobres, coletivização dos processos e efetividade do processo. Como obstáculos a serem transpostos pela ciência processual em sua fase instrumentalista são apontados: (a) de natureza econômica: pobreza, acesso à informação e representação adequada; (b) de natureza organizacional: interesses de grupo (de titularidade difusa); e (c) de natureza procedimental: instituição de meios alternativos de resolução de conflitos. Cf. CAPPELLETTI, Mauro; CARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Sérgio Antônio Fabris, 1998. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 19 A preocupação hodierna revela uma tendência pós-moderna, em que a atuação estatal se volta mais à realização do que à declaração dos direitos coletivos. A partir da superação do individualismo liberal e sob inspiração do humanismo solidário do Estado do bem-estar social, cremos que a tutela coletiva pode cumprir, a contento, o seu desiderato, principalmente no tocante à instrumentalização da afirmação do Estado democrático de direito. São inúmeros os diplomas infraconstitucionais que tratam de direitos ou interesses coletivos. A título de exemplificação, enumeramos: a Lei n.6024, de 13 de março de 197417, que trata de intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras (artigos 45 e 46); a Lei n.6938/81, que disciplina a política nacional do meio ambiente; a LACP; a Lei n.7.853, de 24 de outubro de 198918, que do artigo 3 ao 7 disciplina a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos das pessoas portadoras de deficiência; a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o estatuto da criança e do adolescente (ECA), cujos artigos 208 a 224 disciplinam a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos das crianças e adolescentes; o CDC, que em seus artigos 81 a 104 disciplina a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos dos consumidores; e a Lei n.10.741, de 1 de outubro de 200319, que institui o estatuto do idoso e disciplina, através de seus artigos 69 a 92, a tutela dos direitos e interesses coletivos e individuais das pessoas idosas. Nos termos do artigo 1 da LACP, a ACP é instrumento adequado para a proteção dos direitos ou interesses difusos ou coletivos referentes: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; VI – à ordem urbanística. João Batista de Almeida aponta20 ainda que tanto a CF/88, como a legislação infraconstitucional, apontam pela tutela coletiva lastreada em: a) o patrimônio público e social (CF/88, art.129, III); b) os direitos e interesses das populações indígenas (CF/88, art.129, V); c) as pessoas portadoras de deficiência (lei n.7.853/89); d) os investidores no mercado imobiliário (lei n.7.913/89); e) o consumidor (CDC); f) o patrimônio público em caso de enriquecimento ilícito de agente ou servidor público (lei n.8.429, de 2 de junho de 1992)21; g) a criança e o adolescente (ECA); h) o idoso (estatuto do idoso); i) o torcedor (lei 17 BRASIL. Lei n. 6.024, de 13 de março de 1974. Dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 mar. 1974. p. 2865. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L6024.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 18 BRASIL. Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 out. 1989. p. 1920. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7853.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 19 BRASIL. Lei n.10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 out. 2003. p.1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 20 ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 47. 21 BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 jun. 1992. Suplemento, p.6993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 20 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos n.10.671, de 15 de maio de 2003)22; j) os serviços públicos (lei n. 8.078/90); e k) a ordem urbanística (lei n.10.257, de 10 de julho de 2001)23. Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto apontam como normas que disciplinam a aplicação dos direitos coletivos, as leis acima mencionadas e, também, a LAP e a lei de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica (lei n. 8.884, Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994)24, que, juntas, formam um ―único sistema interligado de proteção‖25. 1 O MICROSSISTEMA AUTÔNOMO DE REGULAÇÃO BRASILEIRA Conforme foi exposto, a tutela coletiva no Brasil teve como marco inicial a edição da LACP em 1985 e do CDC em 1990, instrumentos estes que formam um sistema integrado e autônomo de regulação dos direitos coletivos e que conta com leis esparsas complementares. Esta integração decorre de expressa disposição de lei, a saber, o artigo 21 da LACP determina a aplicação do Título III do CDC na defesa dos direitos e interesses coletivos, e o artigo 90 do CDC, que prevê a aplicação da LACP e do CPC naquilo que não contrariar suas disposições. Isto posto, podemos afirmar com absoluta certeza que a célula nuclear da tutela coletiva repousa no LACP c/c CDC. O desafio desse sistema integrado é a aplicação conjunta ou suplementar de outras leis igualmente relevantes, pois outros instrumentos normativos foram posteriormente editados e de imprescindível relevância à tutela coletiva (v.g., o ECA, a lei antitruste e o estatuto do idoso). Por expressa permissão legal (CDC, art.83), admite-se toda e qualquer espécie de ação na tutela de direitos coletivos, entendidos em seu sentido amplo. Segundo o magistério de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio da Cruz Arenhart26: A ação coletiva [...] pode veicular quaisquer espécies de pretensões imagináveis, sejam elas inibitória-executiva, reintegratória, do adimplemento na forma específica, ou ressarcitória [...] Todas podem ser prestadas por qualquer sentença adequada (inclusive, portanto, pelas sentenças mandamental e executiva). Admitem, ainda, pretensões declaratórias e constitutivas. Conforme o provimento pretendido, o autor da ação coletiva poderá propor ação popular, ação civil pública, mandando de segurança coletivo, enfim, qualquer espécie de 22 BRASIL. Lei n.10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 maio 2003. p.1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/2003/L10.671.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 23 BRASIL. Lei n.10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2011. Diário eletrônico, p.1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 24 BRASIL. Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE em autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 jun. 1994. p.8439. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8884.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 25 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. A nova lei da ação civil pública e do sistema único de ações coletivas brasileiras: projeto de lei n.5.139/2009. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre/RS, n.27, p. 5-21, jun/jul. 2009. p. 6. 26 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 731 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 21 ação admitida no direito processual civil, inclusive as cautelares e o pedido de antecipação de tutela. A inexistência de um regramento único revela um processo coletivo por vezes incompleto e até mesmo extemporâneo, impondo ao exegeta uma interpretação sistemática e lógica das diversas normas que compõem o microssistema de regulação vigente. Uma codificação do processo coletivo não seria necessária, bastando uma utilização ampla dos provimentos jurisdicionais existentes e em consonância às aspirações coletivas, para, assim, restar satisfeita e, porque não, avançada a tutela coletiva no Brasil. Nesse sentido, manifesta-se Elton Venturi27: [...] o emprego da interpretação sistemática, teleológica e pragmática da técnica processual brasileira, necessariamente derivada de uma atenta leitura do princípio constitucional da efetividade e da inafastabilidade da prestação jurisdicional visando à proteção de direitos individuais, coletivos e difusos, acrescida de um mínimo de sensibilidade social e preparo técnico do aplicador do Direito, por si só já seria suficiente para oxigenar a revolução paradigmática do processo civil. Nota-se, pois, que o desafio do direito processual civil moderno consiste em conviver com uma multiplicidade de fontes materiais e formais, hipercomplexidade normativa esta que, quando não manejada adequadamente, obstacuraliza a concretização dos direitos. Além dos entraves dogmáticos e hermenêuticos, convive-se com um processo atrelado ao modelo do Estado liberal, cuja instrumentalidade remete à resolução dos conflitos individuais e se volta a interesses patrimoniais disponíveis. Esse paradigma individualista condiciona e restringe o acesso à Justiça, inibindo a confirmação da solidariedade e da dignidade da pessoa humana como epicentro axiológico da ordem constitucional vigente. No que tange ao processo coletivo, o paradigma vigente condena-o à ineficácia, dada sua inaptidão em servi-lo satisfatoriamente. Para envidenciar a insuficiência do paradigma processual vigente em servir às aspirações coletivas, remetemos à análise de Elton Venturi28 em temática crucial dentro da teoria geral do processo, qual seja, as condições da ação: a legitimação ativa nas ações coletivas impõe o abandono do critério da titularidade da pretensão material reclamada; o interesse processual adquire novos contornos, e embora o binômio utilidade e adequação sirva ainda como critério balizador da admissibilidade em juízo, é imperioso observar que o magistrado deve apreciar a inicial de uma ação coletiva sob o ponto de vista do interesse e relevância social do objeto tutelado, primando sempre pela proteção do bem judicializado e preterindo a extinção do feito em decorrência de formalismos procedimentais; a possibilidade jurídica do pedido também é redimensionalizada, pois devem ser admitidos todos os tipos de pedidos que se apresentem adequados para a tutela dos direitos meta-individuais (CDC, art.83). Para Ada Pellegrini Grinover vários são os celeumas derivados da aplicação das normas de processo civil à tutela coletiva, pois nesta o objeto da proteção estatal é o Homem, e não somente o direito, a finalidade da ação é servir como meio de participação política do povo no Estado, a função jurisdicional não se limita a dizer o direito ao caso concreto, mas, antes, adquire contornos promocionais da consciência coletiva e social, o 27 28 VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 39-40. Ibid. 22 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos processo coletivo não se esvai na solução de conflitos, mas, antes, atua como meio de apropriação coletiva de bens comuns e relevantes, desde dotado da necessária efetividade. 2 INSTRUMENTOS DE JUDICIALIZAÇÃO DE DIREITOS COLETIVOS Observamos, inicialmente, no Brasil coexistem diferentes normas cujo objeto é algum aspecto (formal ou material) da tutela coletiva. Dentre as leis setoriais apontadas, notamos uma oscilação no conteúdo predominante: algumas se destacam pelo bem jurídico que logram tutelar (v.g. o ECA visando a proteção integral da infância e da juventude e o estatuto do idoso visando a proteção do processo de envelhecimento com dignidade); outras se destacam, para além da relevância material, pela repercussão procedimental (v.g., a LACP instituindo o procedimento comum coletivo, que é a ACP). Notamos, também, que o fundamento normativo de cada um dos instrumentos dispostos igualmente oscila: alguns instrumentos possuem lastro constitucional (v.g. mandado de segurança - MS e ADPF); outros, infraconstitucional (v.g. CDC e LAP). Estas percepções inicias contribuem para evidenciar a relevância de, para além da verificação dos mecanismos dispostos, investigarmos a estrutura jurídico-processual na qual se inserem. É dizer: não basta identificar a descrever as ações existentes, antes, cumpre verificar as tutelas possíveis e necessárias, sistematizando-as para que atendam aos escopos do processo coletivo, os quais sofrem profunda influência do direito material. Para alcançar os objetivos propostos, enfrentamos três pontos de discussão: espécies de tutela existentes (administrativa, normativa e jurisdicional), com destaque para o estudo da reclassificação da modalidade jurisdicional lastreada na dimensão total da ação; espécies de procedimentos processuais dispostos; e principais figuras de acionamento judicial. 2.1 As espécies de tutelas existentes Quando falamos em tutela de direitos coletivos estamos remetendo a uma ordem de proteção que supere a pauta normativa positivada e se demonstre efetiva no plano fático, real. Sob esta perspectiva, podemos cogitar diferentes espécies de tutela, as quais se manifestam de diferentes maneiras. Outro aspecto que se deve ter em vista é que a tutela de direitos coletivos está inserida no bojo dos direitos e garantias fundamentais do Estado democrático de direito, o que impõe, por parte do Estado, uma proteção integral desses interesses, preferencialmente, de modo a colocá-los a salvo de qualquer lesão ou ameaça. De fato, inclusive no plano do acionamento judicial, urge priorizar formas de tutela que atuem antes da violação dos direitos coletivos, dado as dimensões catastróficas (muitas vezes irreparáveis) decorrentes das respectivas lesões. Urge, também, perceber que não só o Judiciário, no exercício de sua função precípua constitucional de prestar a atividade jurisdicional, é responsável pela tutela de direitos. Luiz Guilherme Marinoni29 assevera que o Estado deve, antes de tudo, proteger os direitos fundamentais mediante normas de direito, que constitui a tutela normativa. Esta forma de tutela se caracteriza por estabelecer parâmetros jurídico-legais para proteção de direitos, e encontra no exercício da atividade legislativa seu meio de atuação por excelência. Importante destacar que a tutela normativa não age tão somente impondo sanções para os casos em que houver a violação de direitos, pelo contrário: as normas podem impor deveres e obrigações à 29 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 241. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 23 sociedade, aos particulares, às empresas e iniciativas privadas e, inclusive, ao próprio Estado, em suas diversas manifestações30. Portanto, a positivação do direito é uma das vias pelas quais o Estado também exerce seu poder-dever de tutela, sem, contudo, esgotá-lo nela. Entendemos que reduzir o âmbito da tutela ao normativo é incorrer em risco de perpetrar uma postura de conformação enquanto conformismo, tendo em vista que o ordenamento disposto funciona também como instrumento de dominação. Mediado pelo manto da racionalidade e da legitimação política, as normas (leis) atuam de forma estratégica, construindo uma realidade pré-determinada e cuja existência é construída para atender finalidades bem definidas (projeto hegemônico do capital). Desvelar o conteúdo normativo e propugnar por uma tutela que supere a pauta positiva é atitude indispensável para se concretizar os direitos coletivos, sejam eles considerados direitos humanos, direitos fundamentais, direitos sociais, etc. Percebemos que o sistema jurídico, via de regra reduzido ao âmbito normativo-positivado, atua como uma moldura na qual a classe dominante pretende que toda a sociedade de enquadre. Trata-se de estratégia de conformação na qual as expectativas sociais são contidas em nome da ordem e do progresso, e a dominação estrutural é mascarada sob a véstice da legalidade (sempre, formal; nunca, substancial). Boaventura de Sousa Santos utiliza a metáfora do espelho31 para questionar essa racionalidade instrumental, que age construindo uma miragem de realidade que, ao final, adquire vida própria, oprimindo o homem real e ocultando as tramas sociais. Assim, o espelho substitui a própria realidade, fazendo da miragem uma imagem de um super-sujeito que em nada corresponde ao real, provocando o que David Sanchez Rubio denomina como ―desorientação social‖. ―[...] La sociedade no llega a conocerse em ella porque deja de mostrar imágenes creíbles. La estatua tiene una morada vacía y opaca, ciega que, con vida propia trata mirarse a sí misma, a los pies que la sostienen. Se tambalea, se desequilibra y cae‖32. Tal como advertido ficcionalmente por José Saramago em sua obra ―Ensaio sobre a cegueira‖33, também no direito é preciso considerar a latente cegueira provocada pela miragem da completude da lei. A cegueira é o drama de nossos tempos. Deixar a tutela coletiva à espécie normativa é condená-la à inércia. Pois bem. Para além da tutela normativa, encontramos a tutela administrativa, cujo conteúdo central é o exercício, pelo Estado, de atividade fiscalizatória sobre o cumprimento do teor das normas, impondo sua observância, removendo os efeitos concretos decorrentes de sua inobservância e sancionando o seu descumprimento34. Notadamente, percebemos o exercício dessa atividade por meio dos agentes do Estado em suas diversas Luiz Guilherme Marinoni exemplifica a tutela normativa da seguinte maneira: ―É o que ocorre, por exemplo, quando se pensa na legislação de proteção ao meio ambiente e na legislação de defesa do consumidor. A norma que proíbe a construção em determinado local e a norma que proíbe o despejo de lixo tóxico em certo lugar, constituem normas de proteção ou de tutela do direito fundamental ao meio ambiente‖. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 241. 31 ―Graças à investigação e à teoria feministas, sabe-se hoje que os espelhos, sendo um objecto de uso corrente desde há muitos séculos, são sados de modo diferente pelos homens e pelas mulheres e que essa diferença é uma das marcas da dominação masculina. Enquanto os homens usam o espelho por razões utilitárias, fazem-no pouco frequentemente e não confundem a imagem do que vêem com aquilo que são, as mulheres têm de si próprias uma imagem mais visual, mais dependente do espelho, e usam-no mais frequentemente, para construir uma identidade que lhes permita funcionar numa sociedade em que não ser narciístico é considerado não feminino [...]‖. SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. v. 1. p. 47. 32 RUBIO, David Sánchez. Repensar derechos humanos: de la anestesia a la sinestesia. Sevilla, España: Editorial MAD, 2007. (Universitaria Textos Jurídicos). p. 20. 33 SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 34 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 241. 30 24 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos estruturas, sendo o Executivo elemento fulcral da sua concretização (por meio de suas chefias – prefeituras, governos estaduais, secretarias, ministérios, entre outras). Por fim e não menos importante identificamos a tutela jurisdicional, que atuará de diferentes maneiras, conforme as particularidades do caso concreto. Tendo já traçado, anteriormente, os principais delineamentos da tutela de direitos35, e pressupondo que a atividade jurisdicional é monopólio do Estado e exercido através do Poder Judiciário, enfocaremos os tipos de tutela disponíveis no Brasil. Para tanto, recorremos aos estudos de Sérgio Cruz Arenhart36, em teoria construída a partir das novas perspectivas da tutela em face do direito material37. O autor inicia sua abordagem teórica discorrendo sobre o problema da efetividade da tutela de direitos, apontando, como causa, a crise de legitimidade pela qual o Estado atravessa e a constante tensão existente entre a realidade (ser) e a atuação estatal (dever ser). Esse descompasso, sentido em todos os ramos do Direito, contribui para a edição de normas processuais (dever ser) esparsas e obsoletas, atualizadas somente de modo reflexo e mediato ao Direito Civil (ser), como se deste fosse mero apêndice. Desta postura decorre, lógica e invariavelmente, a ineficácia e inaptidão do processo em servir de instrumento à consecução e acesso à justiça. Segundo Arenhart, os escopos meta-jurídicos (elementos ideológicos sociais, políticos, econômicos, históricos, culturais) que incidem sobre o Direito não podem ser ignorados, pois é a partir dos mesmos que é possível esboçar um panorama das tutelas baseado na dimensão total da ação. Nesse sentido, o autor não só critica a classificação tradicional das tutelas (baseada nos efeitos), mas também propõe uma nova classificação fundada no objeto tutelado e na forma protetiva da pretensão, distinguindo, dentre os provimentos existentes, aqueles que atuam no plano jurídico (declaratório, constitutivo e desconstitutivo) e os incidentes no mundo concreto (mandamentais ou executivos). O aludido autor denuncia, ainda, que a opção pátria em adotar majoritariamente provimentos condenatórios para a solução dos conflitos revela-se postura não só ineficaz, por não satisfazer os interesses imediatos das partes no mundo sensível, como também injustificável em se tratando de pretensões coletivas. Considerando que os direitos adquiriram uma nova tônica molecular (direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos), exige-se do intérprete uma nova mentalidade, seja pela relevância dos interesses, seja pela extrema lesividade que suas eventuais violações (irressarcíveis e irreparáveis) possam conter. Para romper com a hegemonia da divisão clássica das ações, Arenhart resgata a tutela mandamental como categoria autônoma que, numa concepção atual, não se limita a acenar o direito e acaba por emanar uma ordem (com força de ato de império) que opera concretamente (compelindo a prestação exigida). Nesse sentido, o autor extrai das tutelas de prestação concreta o seu real sentido e alcance38, optando por focalizar 35 Cf. p. 122 et seq do presente trabalho (item 2.1.1 Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos). Cf. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 21-136. (Temas atuais de direito processual civil, 6). 37 Cf. RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Resenha: ARENHART, Sergio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Revista de Estudos Jurídicos da UNESP, Franca, ano 14, n. 19, p. 397-399, jan./jun. 2010. 38 Arenhart aprofunda-se na seara das Ações Civis Públicas realçando sua qualidade de instrumento de exercício da democracia participativa direta, no qual o juiz exerce, paralela à atividade jurisdicional, nítida função política. É que as demandas coletivas trazem em seu bojo, na maioria das vezes, conflito de interesses igualmente constitucionais, não hierarquizados, fazendo da conjugação do binômio princípio da proporcionalidade (ponderação do resultado prático mais vantajoso, exigível e adequado) e sensibilidade do magistrado (numa atividade discricionária e política) a verdadeira pedra de toque para o julgamento da ação. Nesse sentido (peculiaridades na apreciação de ações coletivas) é notável a proposta do autor para um novo sistema de valoração de provas (com aplicação do princípio da preponderância diante confrontos de direitos relevantes), em que a noção de verdade adquire um novo papel no 36 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 25 uma (a inibitória) das ditas novas tutelas (reintegratória, ressarcitória e de adimplemento), distinguindo quais as que se dirigem ao dano (ressarcitória) e quais atacam o ilícito (a reintegratória e a de adimplemento atuando de modo repressivo, e a inibitória e a preventiva executiva de modo preventivo). Não é excessivo afirmar que a análise da tutela jurisdicional influi, inexoravelmente, na ação. É através da ação que se obtém a tutela jurisdicional do direito. A ação é instrumento, é meio pelo qual se afirma um direito ou situação jurídica, chamando a apreciação judicial ao caso para concretizá-lo, individualizando a tutela em uma situação específica. Esse instrumento (a ação) se realiza de um modo específico: o procedimento. O exercício do direito de ação impõe um modo de agir, de proceder, pré-determinado ou determinável. O procedimento atua como técnica processual de efetividade, pois é nele que os atos se concatenam, se realizam, se encaminham para que a tutela pretendida se realize, concretizando o direito judicializado. Crucial, pois, analisar como esse procedimento pode ser desenvolvido e em que medida essa técnica efetiva o direito. 2.2 Os procedimentos processuais coletivos A propugnada autonomia do direito processual coletivo não nega a unidade do direito processual, contudo, sua afirmação frente à tradicional dicotomia processual (civil/penal) é imprescindível para que possamos efetivar a tutela jurisdicional de direitos coletivos. ―Caso contrário, a forma e precisamente o instrumento não corresponderão aos anseios e às necessidades do objeto‖.39 Gregório Assagra de Almeida sistematiza o direito processual coletivo a partir das especificidades do objeto tutelado, cindindo-o em direito processual coletivo especial (responsável pela tutela jurisdicional do direito objetivo) e direito processual coletivo comum (responsável pela tutela jurisdicional do direito subjetivo coletivo em sentido amplo), sendo que cada um desses ramos-objeto contam com um procedimento processual específico40. Essa iniciativa do autor é única na doutrina nacional, e remonta à sua dissertação de mestrado defendida no ano 2000, tendo sido publicada no formato de livro em 2003. Curioso notar que, desde então, sua obra permanece inédita, já que nenhum outro jurista brasileiro se propôs a sistematizar o direito processual coletivo tal como o fez Assagra. De fato, nenhum outro jurista sequer se propôs a fazer qualquer outro tipo de sistematização do direito processual coletivo como um todo, o que comprova, ainda hoje, a persistência de uma grande lacuna no conhecimento, bem como, a inércia dos doutrinadores no campo de estudo da tutela coletiva, que persistem em investigar os principais pontos de estrangulamento da matéria (v.g. coisa julgada coletiva, legitimação para agir, transação de direitos coletivos, entre outros) sem enfrentar o desafio de perquirir as estruturas desse novo ramo da ciência processual. Ao nosso ver, é acertada a manutenção das premissas da teoria geral do processo como aplicáveis ao direito processual coletivo, porém, as especificidades da tutela coletiva impõe uma releitura dos institutos jurídicos correlatos. Negar-se a enfrentar esse desafio, esquivando-se em comentários à leis setoriais, é permanecer em um estado letárgico que só endossa a perpetração de mais e maiores violações à direitos coletivos. Nesse momento, oportuno distinguir um e outro procedimento coletivo. processo: meio retórico voltado à legitimação da decisão judicial. Cf. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. (Temas atuais de direito processual civil, 6). 39 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 139 et seq. (grifo do autor). 40 Ibid., p. 139-140. 26 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 2.2.1 O procedimento comum coletivo O direito processual coletivo comum conta com procedimentos específicos, previstos na CF/88: a ação popular (art.5º, LXXIII), a ação civil pública (art.129, III), o mandado de segurança coletivo (art.5º, LXX), o mandado de injunção (art.5º, LXXI), a ação de impugnação de mandato eletivo (art.14, §§ 10 e 11) e o dissídio coletivo (art.114). Estes procedimentos visam judicializar a tutela do direito subjetivo coletivo em sentido amplo, e conta como regramento-base o microssistema integrado e autônomo composto pela LACP e pelo CDC. Trata-se de tutela que tem por objeto a resolução de lides coletivas decorrentes dos conflitos coletivos que ocorrem no plano da concretude41, e tem por característica maior a capacidade de instrumentalizar a proteção de direitos coletivos de toda e qualquer categoria (difuso, coletivo em sentido estrito e individual homogêneo) e natureza (v.g. meio ambiente). 2.2.2 O procedimento comum especial O direito processual coletivo especial, como foi dito, se destina a tutelar o direito objetivo, ou seja, a lei ―em tese‖, abstrata. É por meio dessa vertente que se estuda as ações de controle concentrado de constitucionalidade, as quais logram realizar a manutenção da higidez constitucional, através da extirpação de leis e/ou interpretações de leis inconstitucionais do ordenamento jurídico brasileiro. Importante notar que o direito processual coletivo especial não se confunde com o direito constitucional processual42, já que este se aplica indistintamente a todos os ramos do direito processual (processo civil, processo penal e processo coletivo) e tem por composição o conjunto de garantia e princípios constitucionais que lhes são aplicáveis (v.g. princípio do devido processo legal, previsto na CF/88, art.5, LIV). Os instrumentos que compõem o procedimento coletivo especial estão previstos na CF/88 nos artigos 102, I, ―a‖ (ADIn e ADECON); 36, III (ADIn interventiva); 103, §2º (ADIn por omissão); e §1º (ADPF). Como se observa, são todas ações de controle concentrado de constitucionalidade, de modo que podemos afirmar a existência ―de interesse coletivo objetivo legítimo, tendo em vista que a tutela jurisdicional neste caso é objetiva e não subjetiva – não se julga lide no controle concentrado da constitucionalidade das leis, mas se protege, no plano abstrato, a ordem constitucional [...]‖43. Essa espécie de tutela, que atua no plano objetivo das normas, constitui um dos mecanismos que o Estado democrático de direito brasileiro possui para configurar seus objetivos e fundamentos, mormente porque é através dela que conseguirá garantia a supremacia da ordem constitucional, bem como, os preceitos fundamentais que estão dispostos na CF/88. Trata-se de espécie de instrumento de garantia de ordem enquanto ordenamento, que encontra no império da lei um de seus balaustres. O Supremo Tribunal Federal, na hipótese de controle concentrado de constitucionalidade, assume relevância destacada, já que é este tribunal o responsável pelo seu processamento e julgamento, atuando mesmo como ―guardião da constituição‖. 41 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 140. Sobre a distinção entre direito constitucional processual e direito processual constitucional, cf.: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2. ed. rev. aum. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995. 43 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 140-141. (grifo do autor). 42 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 27 Identificamos dois temas nevrálgicos na temática dos procedimentos coletivos especiais: o primeiro, diz respeito ao predomínio de uma cultura anestésica e delegativa quanto à constitucionalidade das leis, que delega ao Judiciário (controle difuso) e ao STF (controle concentrado) a função de analisar o conteúdo das normas, mas em uma sociedade cujo processo de elaboração das leis, supostamente democrático, deve merecer maior atenção por parte dos cidadãos, haja vista que majoritariamente são as leis elaboradas e aprovadas pelos representantes eleitos que serão, posteriormente, objeto de controle de constitucionalidade; o segundo apontamento diz respeito à hipertrofia do pilar da normatização nas sociedades contemporâneas, que adquirem força própria, tamanho o fetiche desenvolvido entorno da ideia de lei. A efetivação dos objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil passa por outros lugares, que não o campo restrito do judicial-conformador. Quando está em pauta a proteção dos direitos fundamentais, dos objetivos do estado, dos direitos humanos e dos coletivos, deve-se analisar de uma série de atos que, concatenados, desencadeiam em sua efetivação ou violação. São atos que tem início com a postura assumida por cada um dos sujeitos-cidadãos em suas práticas cotidianas, e que culminam com a perpetração ou não de uma cultura que reconhece direitos em suas mais diversificadas facetas e formas de manifestação. Trata-se de um processo que tem inicio com o despertar do sujeito em seu contexto histórico, cultural, social, econômico e político, passando pelo processo da abertura de sua cognição para ―o outro‖, para outras formas de existência, de relacionamento e de convívio, as quais podem ou não contar com a tutela normativa do Estado, mas que independem disso para existir, para ser real. 3 AS PRINCIPAIS FIGURAS DE ACIONAMENTO JUDICIAL Tendo sido sumariamente expostas as espécies de procedimentos existentes no direito processual coletivo brasileiro (comum e especial), importa indicar as ações dispostas. 3.1 Ação direta de inconstitucionalidade Inserida no bojo da jurisdição constitucional, que promove o controle concentrado da constitucionalidade das leis, a ADIn apresenta-se em duas modalidades: a ação de inconstitucionalidade por ação ou genérica (CF/88, art.102, I, a); e a ação de inconstitucionalidade por omissão (CF/88, art.103, §2º). Seu regramento está contido na Lei n.9.868, de 10 de novembro de 199944, que também dispõe sobre a ação declaratória de constitucionalidade. Em linhas gerais, trata-se de procedimento pelo qual exerce-se o controle repressivo da constitucionalidade de leis e atos normativos que se apresentem conflitantes ou contrários ao conteúdo da CF/88, em judicialização que revê rol exaustivo dos legitimados ativos. 3.2 Ação direta de constitucionalidade A ADECON, por sua vez, consiste em espécie da jurisdição constitucional que igualmente instrumentaliza o controle concentrado da constitucionalidade, porém, em campo 44 BRASIL. Lei n.9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 nov. 1999. p. 10093. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 28 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos mais reduzido que o da ADIn, uma vez que somente admite a tutela em abstrato de lei ou ato normativo federal (a ADIn permite a tutela de lei ou ato normativo federal e/ou estadual). Trata-se de hipótese cuja pretensão é a declaração, pelo STF, de que a norma em comento é constitucional, fazendo com que sua presunção de constitucionalidade se torne uma certeza absoluta. Para sua admissão, exige-se a comprovação de controvérsia jurisdicional (jurisprudencial), pois somente assim fica constatada o estado de incerteza que sonda determinada norma. É por meio desta ação que se consegue afastar o controle difuso de constitucionalidade exercido pelos tribunais inferiores e juízes monocráticos, pois a decisão da ADECON tem efeito vinculante. 3.3 Arguição de descumprimento de preceito fundamental A ADPF é uma medida judicial que tem por objeto o controle de constitucionalidade de lei e atos normativos que descumpram, para além da própria CF/88, um dos seus preceitos fundamentais. Está prevista no artigo 102, § 1º, da CF/88, e é regrada pela Lei n. 9.882, de 03 de dezembro de 199945. A particularidade desse mecanismo são as suas hipóteses de cabimento: (a) evitar lesão a precento fundamental, resultante de ato do Poder Publico; (b) reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Publico e (c) quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, Incluídos os anteriores à própria Constituição. O desafio maior é delimitar o conteúdo de um preceito fundamental, haja vista que nem a CF/88 e nem a lei infraconstitucional externam o seu conteúdo. Segundo José Afonso da Silva46: Preceitos Fundamentais não é expressão sinônima de princípios fundamentais. É mais ampla, abrange a este e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de ‗direitos e garantias constitucionais‘. Trata-se de instrumento passível de ajuizamento na forma preventiva, repressiva ou por equiparação. Na primeira, caberá preventivamente ADPF perante o STF com o objetivo de se evitar lesões a princípios, direitos e garantias fundamentais previstos na CF/88. Quando a hipótese repressiva para repará-las quando causadas pela conduta comissiva ou omissiva de qualquer um dos poderes públicos. O STF ainda poderá, de forma rápida, geral e obrigatória – face a possibilidade de liminar e da existência de efeitos erga omnes e vinculantes – evitar ou fazer cessar determinadas condutas do poder público que possam colocar ou estar colocando em risco os preceitos fundamentais da República, e, em especial a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1, III) bem como os direitos e garantias fundamentais47. 45 BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do §1º do art. 102 da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 06 dez. 1999. p.1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 46 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 98. 47 Frise-se que em face ao artigo 4º, caput, § 1º, da Lei 9.882/99, que veda a admissão da ADPF quando não for o caso ou quando houver outro meio igualmente eficaz e apto a sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao STF na escolha das argüições que deverão ser processadas e julgadas, podendo, ante seu caráter de subsidiariedade, deixar Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 29 Já na hipótese de ADPF do parágrafo único do artigo 1 da lei n.9.882/99, o legislador ordinário, por equiparação legal, considerou como descumprimento de preceito fundamental qualquer controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal incluídos os anteriores à CF/88. 3.4 Mandado de segurança coletivo Ao lado do Mandado de Injunção (MI), podemos afirmar que esta garantia constitucional possui natureza ambivalente, servindo tanto para amparar pretensão individual (MS individual) como coletiva (MS Coletivo). O MS Coletivo não constitui figura inovadora no ordenamento brasileiro, senão hipótese diferenciada de legitimação pra a causa. É que o MS Coletivo deve atender aos mesmos requisitos do MS individual, conforme dispõe o art. 5º, da CF: LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Segundo Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery48, o adjetivo ―coletivo‖ não é o mérito, o objeto, o direito pleiteado por meio do MS Coletivo, mas, sim, a ―ação‖, entendida enquanto instituto processual com requisito de legitimidade específico. Se o que a diferencia é sua legitimação ad causam, tratemos, pois, de especificar quem são os impetrantes legitimados. O MS foi inserido pela primeira vez no texto de uma Constituição brasileira em 1934, tendo sido posteriormente regulamentado em 1936 por legislação infraconstitucional. Até então, não havia um instrumento hábil a defender os direitos fundamentais ameaçados ou lesionados pelo abuso de poder ou ilegalidade do poder público. Seu delineamento foi diverso dos modelos que lhe inspiraram originariamente (Juicio de Amparo do sistema mexicano e o Writ of Certiorari norte-americano), mormente no tocante a possibilidade de concessão de liminar. Em 1939 é editado o CPC, com previsão do MS em seu corpo de texto, posteriormente, aos 31 de dezembro de 1951, a lei n.1.533 disciplina integralmente o writ, revogando o regramento contido no CPC. Mais recentemente, a Lei n.12.016, de 7 de agosto de 200949, revogou a antiga lei de MS, instituindo novo regramento. Com a CF/88, o objeto e aspiração do MS foram reafirmados, conforme delineamento do inciso LXIX do artigo 5º. Trata-se de ação constitucional, que consubstancia um direito fundamental pensado como mecanismo de defesa rápida contra abusos. Seu cabimento limita-se à defesa de direito líquido e certo, desde que não amparado por Habeas Data ou Habeas Corpus, motivo pelo qual diz-se ser um instrumento de uso residual. Recentemente foi editada uma nova lei de MS (lei n. 12.016/2009), que revogou as disposições legais então em vigor e sistematizou o regramento para essa ação de rito de conhecê-las quando concluir pela inexistência de interesse publico, sob pena de tornar-se uma nova instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores e inferiores. 48 Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. p. 82. 49 BRASIL. Lei n.12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 ago. 2009. p.2. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12016.htm#art29>. Acesso em: 5 ago. 2011. 30 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos especial. A nova lei foi editada em um contexto alcunhado de ―Segundo Pacto Republicano‖, em um esforço conjunto dos presidentes dos três Poderes constituídos, a saber: presidente da República, Sr. Luis Inácio Lula da Silva; presidente do Congresso Nacional, Sr. José Sarney; e presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes. Em certa medida, a lei captou o que jurisprudência e doutrina em uníssono ventilavam, sem tecer maiores inovações. É importante ressaltar que a hermenêutica constitucional demanda interpretação não restritiva dos direitos fundamentais, tal como o MS, e as disposições infraconstitucionais que lhe forem afetas não devem jamais restringi-lo, sequer impondo requisitos não previstos na CF/88. Nesse sentido, apontamos um retrocesso que não foi superado com a edição da nova lei: a imposição do prazo decadencial de 120 dias para a impetração do writ. Sua estrutura procedimental diverge, em termos, na doutrina. Nelson Nery50 Junior afirma que ―O tratamento genérico dado aos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais, pela norma do art.21 da LACP, faz com que os sistemas processuais do CDC e da LACP possam ser, de imediato, aplicáveis ao mandado de segurança coletivo‖. Antônio Gidi, por sua vez defende a existência de um sistema híbrido, formado pela fusão das leis do MS, da ACP e do CDC51. Quanto à distinção entre o MS individual e o coletivo, Antônio Gidi52 chega a afirmar que um está tão distanciado do outro ―quanto uma ação coletiva está de uma ação individual‖. Isso por que, embora ―parte do procedimento e os pressupostos de admissibilidade sejam os mesmos para ambos, o MS Coletivo, como ação coletiva que é, ―deverá ter certas peculiaridades no que diz respeito ao pedido, ao procedimento, à sentença, à coisa julgada, à liquidação e à execução, por exemplo‖. O objeto do MS Coletivo é proteger direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, quando a lesão causada por ato ilegal ou abusivo de autoridade. Nesse sentido, importante ressaltar a disposição de legislação infraconstitucional contida no artigo 212, parágrafo 2º do ECA, que ampliou o objeto do MS: ―Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.‖ Referido artigo está no capítulo VII do ECA, intitulado ―Da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos‖. Sendo assim, aplica-se, nesse caso, a legitimação contida no artigo 210, que arrola como legitimados ativos concorrentes: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os territórios; III – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano, e que incluam em seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta lei [ECA], dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária. Segundo a CF (art.5º, inciso LXX) o MS Coletivo pode ser impetrado por: (a) partido político com representação no Congresso Nacional; e (b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Neste último caso, o STF já se pronunciou, através da súmula 629, no sentido de que a atuação de entidade de classe em favor dos associados independe de autorização destes. 50 NERY JUNIOR, Nelson; et.al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. p. 997. 51 GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 79. 52 Ibid., p. 79. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 31 A legitimação contida na alínea ―a‖ (partidos políticos) é mais ampla do que a da ―b‖ (organização sindical, entidade de classe ou associação), pois a CF/88 não impôs à atuação dos partidos políticos qualquer tipo de restrição, podendo agir na defesa de interesses que extrapolam aos dos seus membros ou associados. Já as associações e sindicatos podem impetrar o MS Coletivo em defesa dos interesses de seus membros ou associados, mas tão somente em nome destes. 3.5 Mandado de injunção O MI é uma garantia processual cabível sempre que a falta de uma norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, conforme dispõe o artigo 5º, inciso LXXI da CF/88. De fato, essa ação é única, tal como delineada no ordenamento brasileiro, e sua previsão data a 1988, por ocasião da promulgação da CF. Há confusão quanto à caracterização do MI e da ADIn por Omissão. Para Rodrigo Reis Mazzei53, o mandado de injunção tem por finalidade sanear o problema específico de omissão legislativa que ―não permita o exercício de direitos e liberdades asseguradas constitucionalmente; ou impeça a efetivação das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania já afirmadas em legislação (mesmo que infraconstitucional)‖. Transcrevemos quadro comparativo elaborado por Rodrigo Reis Mazzei: Quadro 1 – Quadro comparativo entre o mandado de injunção e ADIn por omissão COMPARATIVO MANDADO DE INJUNÇÃO Pressupostos Competência Legitimação Ativa Objeto Existência de direito subjetivo previsto constitucionalmente, ou vinculado a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mesmo que essas prerrogativas não emanem diretamente da Constituição, mas inviabilizado de ser efetivado por omissão normativa integradora. 1. Tribunais Superiores: artigos 102, I, ―q‖ e II, ―a‖; 105, I, ―h‖; e 121, parágrafo 4º, V. Qualquer sujeito de direito que tenha seu direito previsto constitucionalmente obstado por omissão normativa: indivíduos, grupos, partidos políticos, organismos sindicais, entidades de classe, Ministério Público. Conforme a teoria da resolutividade: resolver concretamente a situação de insegurança criada pela omissão. 2. Tribunais da Justiça Estadual: artigos 125, parágrafo 1º. Resultado desejado Amparo ao exercício do direito subjetivo. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO 53 MAZZEI, Rodrigo Reis. Mandado de Injunção. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Ações Constitucionais. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 212. 32 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Existência de direito subjetivo previsto constitucionalmente, mas inviabilizado de ser efetivado por omissão normativa integradora. Privativa do Supremo Tribunal Federal: artigo 102, I, ―a‖. Sujeitos enumerados pelo artigo 103. 1. Cientificar o Poder Legislativo de seu estado de inércia; ou Amparo à efetividad e constituci onal. 2. Estabelecer prazo de 30 dias para a Administração Pública emitir o ato normativo integrador, sob pena de responsabilidade. Fonte: MAZZEI, Rodrigo Reis. Mandado de Injunção. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Org.). Ações Constitucionais. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2008. p.237-238. Não há um regramento procedimental específico para o MI, motivo pelo qual aplica-se-lhe, por expressa determinação legal (Lei n.8.038, de 28 de maio de 199054, artigo 24, parágrafo único), as normas do MS, naquilo que lhe couber. O MI possui algumas particularidades: desconhece dilação probatória, razão pela qual a prova documentada deve ser carreada no momento da propositura da ação; e é figura jurídica ―transitória‖, no sentido de que conforme as omissões legislativas forem sanadas, referido instrumento perderá sua razão de ser. Sobre a sua natureza, há divergência doutrinária e jurisprudencial. Segundo a teoria da subsidiariedade, o MI possui caráter meramente declaratório, no sentido de que em sua decisão o órgão julgador deve se limitar a declarar a mora legislativa, cientificando o ente omisso e que seja o responsável pela edição normativa necessária. Outra corrente sustenta a teoria da independência jurisdicional, segundo a qual a natureza da sentença prolatada em sede de MI possui natureza constitutiva erga omnes, devendo o julgador editar uma norma geral, de natureza abstrata. Por fim, relatamos a existência de uma terceira teoria, a da resolutividade55, que considera a decisão final do MI como constitutiva inter partes, isto é, o órgão julgador, no exercício da atividade integradora do Judiciário, deve decidir o caso, lastreado, claro, nos ditames constitucionais, para que, assim, possa efetivar o direito subjetivo judicializado56. Após observar os requisitos e hipóteses de cabimento do MI, notamos que suas repercussões afetam, muito possivelmente, um sem número de beneficiados. Assim sendo, podemos afirmar que o MI destina-se a tutela de direitos ou interesses coletivos, sendo por este viés processual mais adequadamente tutelado. 54 BRASIL. Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990. Institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 29 maio 1990. p.10159. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8038.htm>. Acesso em: 28 jul. 2011. 55 Cf. jurisprudência MI n.6, impetrado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 1990. 56 Rodrigo Reis Mazzei aponta uma corrente mista, que conjuga as teorias da subsidiariedade e da resolutividade, que poderia ser uma possível tendência do STF. Ibid. p. 227 et seq. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 33 3.6 Ação civil pública Concebida pela LOMP (art.3, inc. III) e posteriormente regulada pela LACP, foi somente sob a vigência da CF/88 que ocorreu a erição da ACP à categoria de garantia fundamental, sendo que seu objeto passou a abranger um número maior de interesses. Carlos Henrique Bezerra Leite57 sintetiza que a ACP é ―o meio (a), constitucionalmente assegurado (b) ao Ministério Público, ao Estado ou a outros entes coletivos autorizados por lei (c), para promover a defesa judicial (d) dos interesses ou direitos metaindividuais (e)‖. Em linhas constitucionais (art.129, III da CF/88), trata-se da proteção do ―patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos‖, interesses estes que suscitam dissenso doutrinário cerca de sua conceituação, delineamento e aplicabilidade. O CDC inovou no ordenamento jurídico ao detalhar as categorias de direitos coletivos tuteláveis via ação coletiva e, consequentemente, via ACP, haja vista a disposição do seu artigo 81, in verbis: Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos [...] os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos [...] os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum; 3.7 Ação popular Eurico Ferraresi58 explica que no direito romano a ação popular possuía um caráter supletivo, já que o autor popular ―representava‖ o poder público. Já no direito brasileiro, a ação popular é corretiva, sendo proposta em face do poder público. A natureza da ação popular é objeto de controvérsia histórico-doutrinária, e ao menos duas teses são comumente debatidas, a saber: a que o autor popular atua como procurador, na defesa de interesse público; e a que o autor age, ao mesmo tempo, em interesse próprio e público. Apesar dessas discussões suscitadas, podemos identificar um núcleo ou consenso sobre dois aspectos das ações populares romanas. Primeiro: foram ações que veiculavam interesses que não meramente individuais. Segundo: traziam em seu bojo a tutela do interesse público, da coisa pública. Referidos aspectos caracterizam, ainda hoje, as ações populares, particularmente, a ação popular constitucional brasileira. As ações populares possuem uma dimensão democrática, de instrumentalização da cidadania. Este escopo pode ser constatado tanto no Direito Romano como na ordem jurídica brasileira. Para José Afonso da Silva59 ―Só o retorno ao sistema de participação do povo na vida pública, poderia criar as condições necessárias ao ressurgimento desse instrumento de democracia, que é a ação popular [...]‖. No Brasil, foi somente com a Constituição Imperial de 1824 (período após a 57 58 59 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direto processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1053. Ibid., loc. cit. SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 30-31. 34 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos declaração da Independência do país em relação a Portugal, aos sete de setembro de 1822), que a ação popular integrou, em termos expressos, o ordenamento jurídico nacional60. Antes disso, havia indicações do uso da ação popular com base nas Ordenações portuguesas, porém é de se notar que referido período o país era submetido a uma ordem jurídica estrangeira, pois se submetida a Portugal. Nos termos do artigo 157 da Constituição de 1824, ―Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo próprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei‖ 61. Proclamada a República, aos quinze de novembro de 1889, a nova Constituição, promulgada aos 24 de fevereiro de 1891, não prevê a ação popular, que somente terá constitucionalizado o seu tratamento em 1934, mais precisamente, no inciso 38 do artigo 113, dispondo que ―Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou annullação dos actos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios‖. Posteriormente, a ação popular é suprimida pela ordem constitucional instaurada em 1937, fato este que revela o caráter anti-democrático do Estado desse período. Seu ressurgimento ocorre em 1946, através do inciso 38 do artigo 141: ―Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista‖. A previsão permanece na Constituição de 1967, que, inclusive, utiliza redação quase idêntica no parágrafo 31 do artigo 150, com a diferença de adotar o termo genérico ―entidades públicas‖. A disposição persiste na Constituição de 1969. A LAP foi editada nesse período, e suas disposições, ainda vigentes, estão estruturadas da seguinte maneira: Da Ação Popular (art.1º ao 4º), Da Competência (art.5º), Dos Sujeitos Passivos da Ação e dos Assistentes (art.6º), Do Processo (art.7º a 19) e Disposições Finais (art.20 a 22). Nos termos da LAP, qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público (art.1º), este, considerado como sendo os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico. A legitimação ativa fica restrita àquele que possa comprovar sua cidadania (através do título de eleitor) e o procedimento a ser observado é o ordinário (art.7º), nos moldes do Código de Processo Civil, com modificações pontuais. A CF/88 amplia o seu objeto de tutela, ao dispor, no inciso LXXIII do artigo 5º, que a ação popular pode visar ―anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural‖. Assevera, ainda, que fica ―o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência‖. O interesse tutelado por esta via constitucional, sem dúvida é o direito coletivo de ver e ter o patrimônio público administrado com probidade. Este direito ou interesse adquire contornos bem específicos nos dias de hoje, pois a CF/88 abriu possibilidade (pela sua própria topografia) para interpretação da ação popular como garantia individual, como direito fundamental. Segundo Gregório Assagra62: 60 Para Eurico Ferraresi, até a promulgação do Código Civil de 1916 não se pode falar em Direito brasileiro, pois as regras jurídicas eram oriundas de Portugal, motivo pelo qual o período anterior àquele é melhor referido com a expressão Direito no Brasil. Cf. FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 171. 61 COMPANHOLE, Hilton Lobo; COMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 829. 62 ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 300. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 35 com a implantação do Estado de Direito e do Regime Democrático na Idade Contemporânea, a ação popular ressurgiu com uma nova e moderna fisionomia: é hoje garantia constitucional essencial para a democracia, concebida como direito político de participação popular e também como garantia instrumental preventiva e corretiva dos atos da administração pública Em linhas gerais, a ação popular tem por objeto a declaração da invalidade do ato impugnado e a condenação dos responsáveis pelo ato ao pagamento de perdas e dados. 3.8 Ação de impugnação de mandato eletivo A ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) constitui numa garantia constitucional de direito à lisura do pleito eleitoral, salvaguardando que as eleições sejam livres e isentas de fraudes. Trata-se de instrumento inovador trazido à baila pela CF/88, nos termos do artigo 14: §10. O mandado eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. § A ação de impugnação de mandado tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou manifesta má-fé. A AIME é disponibilizada ao candidato, partido político e Ministério Público, para que provoque a atuação da Justiça Eleitoral no sentido de obter, judicialmente, a subtração do mandato de quem se utilizou, para sua obtenção, de fraude, corrupção, abuso do poder econômico ou político63. Sobre a legitimação ativa, a jurisprudência do STF tem sido restrita, aceitando tão somente aqueles mencionados no artigo 3º da Lei Complementar nº 64/90, quais sejam: Ministério Público, partidos, coligações partidárias e candidatos64. Seu rito deve obedecer, por analogia, ao rito sumário da Ação de Impugnação do Registro de Candidatura, conforme determina a Resolução nº 21.634/04 do TSE. Esta Resolução inovou no direito eleitoral e processual ao estabelecer que, diante lacuna, somente se deve recorrer ao direito processual ―comum‖ (CPC e legislação esparsa) em caráter supletivo, quando esgotadas todas as possibilidades de uso da analogia com o micro-sistema da LC nº 64/90. 3.9 Dissídio coletivo Os conflitos em direito trabalhista podem ser individuais ou coletivos. Nas relações individuais de trabalho a controvérsia diz respeito ao contrato individual de trabalho e, portanto, cingem à relação de um empregado determinado com o seu empregador, nos limites de seus respectivos interesses. Já nas relações coletivas de trabalho, os sujeitos são grupo de pessoas abstratamente consideradas. Pode-se dizer que os sujeitos coletivos dos trabalhadores são: as categorias (representadas pelos sindicatos); as federações e confederações; as centrais sindicais, quando representam os sindicatos; os delegados sindicais, representando os sindicatos; as comissões 63 64 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: anotações e temas polêmicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2000. p. 135. Cf. Resolução do TSE n.21.355/2003, originária do pedido de impugnação do mandato eletivo do Presidente Lula e do seu vice, José Alencar, formulado por José Feliciano Coelho, e datada de 06.03.2003. 36 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos de representantes de empresas e o representante eleito pelos trabalhadores da empresa. Como sujeitos coletivos dos empregadores, encontramos: as categorias econômicas; as empresas quando agem sem intermediação sindical; as federações; as confederações e centrais sindicais. Nos casos em que houver interesse coletivo envolvido, eventuais conflitos poderão ser dirimidos por duas formas de solução: a autocomposição e a heterocomposição. A primeira caracteriza-se pela resolução da controvérsia pelas próprias partes conflitantes, por meio de acordos ou convenções coletivas e, ainda, pela mediação. Já a segunda distingue-se por ser um meio dotado de imposição da vontade ou entendimento de terceiro ao conflito, seja por via judicial (jurisdição trabalhista) ou extrajudicial (arbitragem). O dissídio coletivo insere-se na órbita heterocompositiva judicial, que se destina à solução de conflitos coletivos do trabalho, por meio de pronunciamentos normativos constitutivos de novas condições de trabalho, como se fosse uma espécie de regulamentação específica aos grupos conflitantes. O dissídio atende à pretensão de uma coletividade genérica em interpretar ou criar normas a ela pertinentes e, conforme classificação do Regimento Interno do TST (art.216), sua natureza pode ser econômica (para instituir normas e condições de trabalho), jurídica (para interpretação de cláusulas ou instrumentos negociais coletivos ou sentenças normativas), originária ou revisional (conforme prévia existência de normas e condições coletivas de trabalho) e de declaração sobre paralisação de trabalho (casos de greve). O dissídio coletivo é de extrema relevância à Justiça do Trabalho (JT), já que a dota de poder normativo como função anômala deste ―ramo‖ do Judiciário. Conforme indica Carlos Henrique Bezerra Leite65, o poder normativo da JT encontra fundamento no §2° do art.114 da CF/88, cuja redação fora inovada pela EC n°45/04. O dispositivo retro permite à JT, por intermédio dos TRT como órgãos jurisdicionais de competência originária a apreciar estas demandas coletivas, proferir sentenças normativas que vinculam toda a categoria ou classe envolvida. Quanto à legitimidade para ajuizar esta demanda coletiva encontramos os sindicatos, as empresas, os Presidentes dos Tribunais do Trabalho66 (art.856 da CLT) e o Ministério Público do Trabalho67 (MPT), nos termos do §3° do art.114 da CF/88 (conforme redação introduzida pela EC n°45/04). Aspecto importante do dissídio é a exigência de, para o seu ajuizamento, haver prévio exaurimento das vias negociais coletivas e impossibilidade de submissão das partes à arbitragem, fato este que revela a seletividade rigorosa a que sua instauração se submete. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos 65 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direto processual do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 940. A legitimidade dos Presidentes dos Tribunais do Trabalho para instaurar dissídio coletivo é hoje discutida por não restar expressamente transcrito em linhas constitucionais, sendo seu respaldo somente infraconstitucional. 67 A legitimação do MPT para ajuizar dissídios coletivos, hoje inconteste graças a nova redação do art.114 da CF/88, outrora tinha por fundamento o art.83, inciso VIII da LC n°75/93 e art.127, caput da CF/88. 66 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 37 Tribunais, 2003. (Temas Atuais de Direito Processual Civil, 6). BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. 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Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 41 42 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos BREVES REFLEXÕES SOBRE A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, NO ÂMBITO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Paulo Henrique de Oliveira Arantes* Antônio Alberto Machado ** SUMÁRIO: 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. 2. A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NO ÂMBITO DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA. 2.1. Noções Introdutórias. 2.2. A necessidade de rompimento do paradigma político liberal no âmbito do Direito para a efetividade da tutela jurisdicional coletiva. 2.3. A legitimação ativa no âmbito da tutela jurisdicional coletiva no Direito Brasileiro. 3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGENEOS. 4. O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGENEOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. REFERÊNCIAS. 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Conhecer a história é muito importante, por diversas razões. Dentre elas, pode-se afirmar que a compreensão da história permite a não repetição de erros do passado, a percepção de que as ―coisas‖ mudam e de que o sentido das mudanças depende das lutas sociais 68. Em outras palavras, a história permite analisar o passado e compreender o presente para perceber (projetar) as alternativas do futuro. A história a respeito da forma como o direito tratou das relações entre crianças e adolescentes e o mundo adulto pode ser dividida, grosso modo, em quatro fases, quais sejam: a) absoluta indiferença; b) mera responsabilidade criminal; c) sistema tutelar (situação irregular); d) sistema de proteção integral69. Inicialmente, não interessava ao mundo do direito as relações entre as crianças e adolescentes e os adultos. Houve épocas em que o chefe da família tinha o direito de vender * Mestrando em Direito pela UNESP,Franca-SP. Promotor de Justiça do Estado de São Paulo; Membro do Movimento pelo Ministério Público Democrático; Membro da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude. ** Livre docente em Direito. Doutor e mestre em Direito pela PUC-SP. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em direito da UNESP, Franca-SP. 68 Sobre o direito e as lutas sociais, vale conferir LYRA FILHO, Roberto. O que é o Direito, pp. 83 e seguintes. Nesse sentido, GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada, pp. 11/22. Para uma análise mais aprofundada a respeito desse histórico do Direito da Criança e do Adolescente, MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos, pp. 25/54. 69 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 43 os filhos e filhas como escravos, podendo até decidir sobre sua vida ou morte. Eles eram ―coisas‖ (assim também as mulheres...). Em determinado momento da história, inicia-se um processo de criação de leis para que os ―menores‖ respondessem pelos crimes que eles cometiam. Não havia maiores distinções, todos respondiam por crimes. Os ―menores‖, apenas, recebiam uma pequena diminuição das penas aplicadas. Posteriormente, já no início do Século XX, constrói-se a idéia de que os ―menores‖ em situação irregular necessitavam de proteção. No entanto, para protegê-los, foram retiradas todas as suas garantias. O ―menor‖ foi visto como objeto de compaixãorepressão. Por fim, inicia-se um movimento mundial pela mudança da forma de o Direito encarar as relações entre crianças e adolescentes e o mundo adulto, reconhecendo que existem interesses de crianças e adolescentes que devem ser respeitados, podendo exigir esse respeito da família, da sociedade e do Estado. Concebe-se, então, a doutrina da proteção integral. Pode-se, resumidamente, afirmar que a doutrina da proteção integral está assentada em três pilares, quais sejam: o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direitos; o reconhecimento da criança e do adolescente como seres humanos em condição peculiar de desenvolvimento; a prioridade absoluta para respeito e concretização dos direitos da criança e do adolescente. No Brasil, a Constituição da República Federativa de 1988 adotou a doutrina da proteção integral, em seu artigo 227: ―É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão‖ (redação original). Esse artigo, quando estava sendo construída/pactuada a Constituição, foi resultado de muitas lutas sociais. Ele teve origem em emenda de iniciativa popular, assinada por mais de duzentos mil eleitores e apresentada pelos movimentos sociais ―Criança Constituinte‖ e ―Criança – Prioridade Nacional‖. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) é uma lei avançada que, na direção determinada constitucionalmente, adota a doutrina da proteção integral e serviu de modelos para muitos outros países, notadamente latino-americanos. As críticas que são feitas a ele, em regra, decorrem de desconhecimento da lei ou de interesses em que a situação da infância brasileira não mude. A Lei n. 8.609/1990 possui três dimensões básicas: a) regulamentação dos direitos fundamentais estabelecidos no artigo 227 da Constituição Federal; b) definição das políticas obrigatórias para atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes (educação, saúde, assistência social, programas especiais de proteção, dentre outras); c) previsão de instrumentos para exigir o cumprimento dos direitos. Importante destacar que as políticas de atendimento possuem, como características, a descentralização político-administrativa (a grande maioria delas deve ser concretizada no município), a participação popular (por exemplo, a existência dos conselhos de direitos da criança e do adolescente e dos conselhos tutelares) e a exigibilidade (podem e devem ser cobradas). Para o que interessa mais de perto, frise-se que uma característica fundamental da doutrina da proteção integral consiste na possibilidade de exigir o cumprimento dos direitos 44 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos das crianças e adolescentes brasileiros, inclusive no âmbito do Sistema de Administração da Justiça. 2. A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NO ÂMBITO DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA. 2.1. Noções Introdutórias. Depois de passar pelo chamado sincretismo metodológico (confusão entre os planos substancial e processual) e pela fase autonomista (autonomia da relação jurídicoprocessual e distinção - com o amadurecimento da reflexão - a respeito dos institutos processuais fundamentais, quais sejam, jurisdição, ação, defesa e processo), pode-se afirmar que o atual momento metodológico do direito processual se caracteriza pela noção de instrumentalidade. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, autor de obra fundamental a respeito do tema, o terceiro momento metodológico do direito processual caracteriza-se pela consciência da instrumentalidade como pólo de irradiação de idéias e coordenador dos diversos institutos, princípios e soluções. Afirma-se a permeabilidade do sistema processual aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material e reconhece-se sua inserção no universo axiológico da sociedade a que se destina70. Para se compreender a dimensão e os desafios desse momento metodológico, com a preocupação de se garantir efetivamente o acesso à Justiça, pode-se recorrer à idéia de que o sistema processual passou pelo que se convencionou chamar de três ondas renovatórias (Mauro Cappelletti). A primeira onda renovatória buscou enfrentar o desafio de garantir assistência judiciária àqueles que não podiam arcar com os custos econômicos do acesso à Justiça. A segunda onda trata exatamente da garantia de acesso à Justiça para tratar de conflitos coletivos (com a ―molecularização‖ das demandas judiciais, na sugestiva expressão cunhada por Kazuo Watanabe). A terceira onda renovatória diz respeito ao modo de ser do processo, buscando alcançar a sua efetividade. Note-se, com José Marcelo Menezes Vigliar, que esse movimento não se tratou de uma superação das ondas renovatórias anteriores, eis que ainda se pode avançar significativamente no que diz respeito ao aperfeiçoamento da assistência judiciária aos hipossuficientes e da chamada tutela jurisdicional coletiva71. No que diz respeito mais de perto ao presente trabalho, que trata de um aspecto da tutela jurisdicional coletiva, pode-se afirmar que a ampliação do acesso à Justiça para abarcar a tutela jurisdicional coletiva consiste efetivamente em um passo significativo para a construção da cidadania. Explica-se. Fazendo um recorte histórico para situar o tema na época moderna, a partir da formação dos chamados Estados-nação, vale anotar o conceito de cidadania proposto por Carlos Nelson Coutinho, segundo o qual a ―cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as 70 71 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, pp. 21/24. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela Jurisdicional Coletiva, p. 20, nota 15. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 45 potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado‖72. A cidadania consiste, portanto, em um status que decorre de um processo histórico de ampliação objetiva e subjetiva de direitos. Nesse campo, a construção clássica é a de T. H. Marshall, que em sua obra ―Cidadania, classe social e status‖ propõe que a cidadania é composta de três elementos (ou partes), quais sejam, o civil, o político e o social73. Ora, a partir do momento em que os conflitos transindividuais (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) passam a poder ser deduzidos no âmbito do Sistema de Administração da Justiça, ganhando visibilidade e possibilidade de uma solução adequada, tem-se um passo decisivo para o processo de ampliação de direitos supramencionado. Assim, justificada a afirmação da relação direta entre a efetiva tutela jurisdicional coletiva e a construção da cidadania. Além disso, cumpre concordar com Gregório Assagra de Almeida, para quem ―o direito processual coletivo é um novo ramo do direito processual brasileiro‖, dada a sua especificidade de objeto e método, sem perder de vista a unidade substancial do direito processual, advinda de seu vínculo constitucional74. A concepção teórica e prática da tutela jurisdicional coletiva é decorrente da necessidade de se garantir que conflitos de massa, que efetivamente estavam presentes na sociedade, pudessem ser enfrentados pelo Sistema de Administração da Justiça. Para isso, foram necessárias diversas alterações técnicas na própria concepção da sistemática processual, mas ganha relevo e importância as alterações operadas em relação à legitimação para agir e ao regime da coisa julgada75 76. Mas antes de avançar propriamente na questão relativa à legitimação para agir, cumpre destacar a necessidade de se avaliar de forma crítica o paradigma político (liberal) que informa a concepção de Direito ainda vigente, que influenciou decisivamente o processo civil tradicional. Isso porque o pensamento liberal é notadamente insuficiente para dar conta da complexidade dos conflitos coletivos, dos quais se ocupam o processo civil coletivo. 2.2. A necessidade de rompimento do paradigma político liberal no âmbito do Direito para a efetividade da tutela jurisdicional coletiva. O liberalismo se constituiu na referência política para a ciência do direito nos Séculos XIX e XX, influindo decisivamente nas construções teóricas produzidas e, em conseqüência, na prática dos juristas. O liberalismo adota como ponto de partida o indivíduo. Tem-se, pois, uma concepção individualista da sociedade. Segundo Norberto Bobbio, ―o liberalismo considera o Estado como um conjunto de indivíduos e como o resultado da atividade deles e das relações por eles estabelecidas entre si‖77. 72 COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre a Cidadania e Modernidade, publicado em: Contra a Corrente: ensaios sobre democracia e socialismo, p. 50. 73 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status, pp. 63/64. 74 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro, pp. 613 e 615 75 Nesse mesmo sentido, VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Op. cit., p. 55. 76 A sistemática da coisa julgada em relação às ações coletivas não será objeto de análise neste texto. No entanto, vale indicar as pertinentes reflexões (e preocupações) realizadas sobre esse tema pela Professora Ada Pellegrini Grinover, em texto sugestivamente intitulado ―A ação civil pública refém do autoritarismo‖. 77 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia, pp. 45/46. 46 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Ainda segundo o mesmo autor, ―o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de direito; a noção corrente para representar o segundo é Estado mínimo” 78. O Estado de direito é aquele no qual os poderes públicos são regulados (controlados) por normas gerais, refletindo a velha doutrina da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens. Quanto ao Estado mínimo, vale observar que a doutrina liberal considera o Estado como um mal necessário e, por isso, deve se intrometer o menos possível na esfera de ação dos indivíduos. Em última análise, a liberdade individual é o fim único do Estado (este, portanto, é um meio, e não um fim em si mesmo). Essa liberdade é entendida como uma esfera privada, onde os sujeitos (individualmente considerados) podem buscar e defender seus interesses (privados), apropriando-se de bens e direitos, sem que haja intervenção estatal (leia-se, com intervenção estatal para garantia da segurança e previsibilidade no âmbito da esfera privada). Trata-se, pois, da defesa da liberdade negativa (ou liberdade dos modernos), e não da liberdade positiva ou de participação (chamada de liberdade dos antigos). Essa distinção entre liberdade dos antigos e liberdade dos modernos foi proposta pelo pensador liberal Benjamin Constant79. A partir dessa visão de mundo, no campo econômico, o liberalismo propõe, em síntese, a defesa da propriedade privada e do mercado enquanto esferas adequadas para a distribuição da riqueza produzida socialmente. Quanto à concepção de Estado, frise-se que este deve intervir o menos possível, apenas o necessário para a garantia das chamadas ―regras do jogo‖. Para o controle do poder, foram engendrados mecanismos tais como a tripartição de poderes e a positivação de direitos individuais. No campo da ciência do direito, o paradigma liberal espraia-se por diversos espaços teóricos. Assim, a concepção formal do princípio da isonomia (igualdade de todos perante a lei), a defesa da autonomia da vontade (e, em decorrência, da liberdade contratual), a defesa dos direitos individuais e o primado da lei (entendida como representação – neutra – da vontade geral) podem ser apontados, metaforicamente, como ―colunas ou vigas-mestras cuja fundação é constituída essencialmente de material liberal‖. Anote-se que o respeito incondicionado à tripartição dos poderes contribui para o esvaziamento do papel político do jurista. Se ao jurista cabe considerar a norma como um dado, não é sua tarefa a valoração desse dado (eis que essa função caberia ao legislador)80. Acrescente-se que categorias fundamentais da teoria do direito, tais como aquelas de relação jurídica e de direito subjetivo, foram forjadas a partir do pensamento liberal. No campo processual civil, o artigo 6º do Código de Processo Civil Brasileiro adota, de forma bastante clara, essa concepção liberal e individualista reinante no campo do Direito. Dispõe este dispositivo que ninguém pode vir a Juízo, em nome próprio, pleitear direito alheio, salvo quando autorizado por lei. 78 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 17. Sobre o caráter ideológico da divisão entre liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos, COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das idéias, pp. 15/16. 80 Nesse ponto, percebe-se como o paradigma político (liberal) e o paradigma científico (normativista-positivista) da ciência do direito (hegemônicos no Século XX), não somente são compatíveis entre si, mas operam um reforço recíproco. 79 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 47 Ora, para se pensar em composição de conflitos coletivos, em acesso de classes e grupos sociais, de forma coletiva, ao Sistema de Administração da Justiça, faz-se necessário romper com esse paradigma político liberal81. Acrescente-se, porque oportuno, que por ocasião da análise da tutela jurisdicional coletiva fica claro que o fenômeno jurídico possui múltiplas dimensões. Para Antônio Alberto Machado, ―(...) o direito é um fenômeno multidimensional, integrado por fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e normativos. Aqui, o fator normativo surge apenas como epifenômeno da realidade ôntica do direito, não a sua única manifestação, num reconhecimento de que o ‗ser‘ jurídico resulta mesmo de uma composição complexa e multifacetada, com uma dimensão formal (norma) e outra substantiva (socioeconômicapolítica e cultural)‖82 83. 2.3. A legitimação ativa no âmbito da tutela jurisdicional coletiva no Direito Brasileiro. Para o seguro enfrentamento do tema da legitimação ativa nas ações coletivas, cumpre fixar uma premissa básica, qual seja, a de que o direito de ação coletiva se trata de garantia constitucional, estabelecida no artigo 5º, inciso XXXV, da CR/1988, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Tratando-se de uma garantia constitucional, ela deve ser interpretada segundo os postulados interpretativos da máxima efetividade ou eficiência e da força normativa da constituição. Isso não implica que não se possa condicionar esse acesso à Justiça. Quanto às condições da ação, elas são legítimas até o ponto em que representam ―limitação natural e legítima ao exercício do direito de ação‖84. Quanto à natureza da legitimação para agir no âmbito do processo civil coletivo, pode-se afirmar que as correntes existentes podem ser divididas em três principais (com variações no interior de cada uma), conforme lição de Susana Henriques da Costa85. Assim, uma primeira corrente de pensamento entende que se trata de hipótese de legitimação ordinária, eis que aqueles que atuam em defesa de interesses de um grupo, categoria ou classe de pessoas, também atuam em defesa de seu próprio interesse, interpretando de forma flexível o já mencionado artigo 6º do CPC. Essa corrente, no entanto, sustenta que o argumento acima é válido para a defesa de interesses difusos e coletivos em sentido estrito, mas não para a defesa de interesses individuais homogêneos86 – quando então se estaria diante do fenômeno da substituição processual. 81 No mesmo sentido, entendendo que a regra do art. 6º do CPC não é idônea para solucionar o problema da legitimação para a causa na tutela dos direitos transindividuais, NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal, p. 192. 82 MACHADO, Antonio Alberto. Ensino Jurídico e Mudança Social, p. 31. 83 Breve reflexão sobre a dimensão social, política e jurídica da tutela jurisdicional dos interesses transindividuais é encontrada em GRINOVER, Ada Pellegrini, Op. cit., pp. 236/238. 84 NERY JÚNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Constituição Federal Comentada e legislação constitucional, p. 179. 85 COSTA, Susana Henriques da (coordenação). Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular, p. 386/389. 86 Não será objeto de análise neste texto a diferenciação entre os direitos ou interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, a não ser quando seja imprescindível para a explanação do argumento. Sobre as características e diferenciação entre essas categorias, vale conferir Kazuo Watanabe, no Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, pp. 721/731. 48 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos A segunda corrente, por sua vez, sustenta que a legitimação nas ações coletivas se trata de hipótese característica de legitimação extraordinária ou substituição processual, uma vez que os interesses deduzidos são metaindividuais e, assim, de titularidade de uma coletividade. Por fim, surge uma terceira corrente, que sustenta que a tentativa de enquadramento da legitimação entre ordinária e extraordinária se trata de um ―preconceito individualista‖, que não percebe a diferença entre a tutela individual e a coletiva. Esses autores, baseados principalmente na doutrina alemã, sustentam que se trata na hipótese de uma legitimação autônoma para a condução do processo. Ainda em relação à legitimação para as ações coletivas, vale anotar que no direito positivo brasileiro, a legitimação é concorrente (existe mais de um legitimado para a defesa do direito) e disjuntiva (cada legitimado pode, de forma isolada, ingressar em Juízo, sem depender dos demais co-legitimados), com a adoção de um rol de legitimados ativos para as demandas coletivas. Analisando o microssistema normativo da tutela jurisdicional coletiva (formado pela combinação entre o artigo 21 da Lei n. 7.347/1985 e o artigo 90 da Lei n. 8.078/1990), o rol de legitimados ativos pode ser encontrado no artigo 5º da Lei n. 7347/1985 (com a redação determinada pela Lei n. 11.448/2007) e no artigo 82 da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Assim, podem ser elencados como legitimados ativos para demandas coletivas no Direito Brasileiro: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; as autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista; as associações que, concomitantemente, estejam constituídas a pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil e incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção do meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos coletivos87. Feitas essas considerações de ordem bem geral a respeito da legitimidade ativa para as demandas coletivas, passa-se à análise específica de um dos legitimados ativos, quem seja, o Ministério Público. 3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGENEOS. O Ministério Público88, ―instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado‖, que possui como incumbências constitucionais ―a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis‖ (artigo 127 da CR/1988), surge como um dos atores fundamentais para a efetivação dos direitos ou interesses metaindividuais89. 87 Tema interessante diz respeito à análise da representatividade adequada e da pertinência temática em relação a cada um dos legitimados ativos para as demandas coletivas. O presente texto não abordará essa questão de forma direta. 88 Para uma compreensão adequada do Ministério Público a partir de 1988, no âmbito da sociedade civil, desenvolvendo essa idéia a partir do conceito de ―Estado ampliado‖ do pensador italiano Antônio Gramsci, ver Marcelo Pedroso Goulart, ―Ministério Público e Democracia – Teoria e Práxis‖, notadamente pp. 95-98. 89 Avaliando de forma crítica a pouca participação dos demais legitimados ativos na prática judicial brasileira, vale conferir o texto de MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Projetada Participação Equânime dos Co-legitimados à propositura da Ação Civil Pública: da Previsão Normativa à Realidade Forense, pp. 215/250, publicado em ―Tutela Coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, 15 anos do Código de Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 49 Anote-se que o texto constitucional faz expressa menção a essa função, quando em seu artigo 129, inciso III, dispõe que dentre as funções institucionais do Ministério Público está aquela de ―promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos‖. Uma consideração deve ser feita em relação ao tema: a defesa dos direitos ou interesses metaindividuais pelo Ministério Público não se faz apenas com o ajuizamento de ações judiciais, havendo alternativas importantes e eficazes para a sua atuação (cite-se, por exemplo, o inquérito civil, os compromissos de ajustamento de conduta e as recomendações expedidas no âmbito dos procedimentos administrativos)90. Sobre a legitimidade do Ministério Público para a tutela dos interesses metaindividuais em geral (incluindo aqui os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos), podem ser identificadas quatro correntes principais91. A primeira delas sustenta que o parquet pode defender todo e qualquer interesse metaindividual. Uma segunda corrente nega a legitimidade para a defesa dos interesses individuais homogêneos, sustentando que essa legitimidade é irrestrita em relação aos interesses ―essencialmente coletivos‖ - difusos e coletivos em sentido estrito. Outra corrente argumenta que tem o Ministério Público legitimidade para a defesa de todos os interesses difusos e coletivos stricto sensu, havendo restrições em relação aos interesses individuais homogêneos. Por fim, uma quarta corrente sustenta a legitimidade do parquet para a defesa de todos os interesses difusos, apresentando restrições (mais ou menos significativas) quanto aos interesses coletivos e individuais homogêneos. No que diz respeito mais de perto ao objeto do presente texto, pode-se afirmar, como decorrência do acima mencionado, que três são as correntes a respeito da legitimação do Ministério Público para a defesa dos interesses individuais homogêneos. Há aqueles que negam essa legitimidade, outros afirmam que essa legitimidade é irrestrita e, por fim, há aqueles que sustentam que a legitimidade depende da análise do caso concreto. Tentando resumir os argumentos dessas correntes, tem-se que aqueles que negam a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses individuais homogêneos adotam uma interpretação literal (que lembra a da Escola da Exegese francesa) do artigo 129, inciso III, da CR/1988. Sustentam, ainda, que se tratam apenas de interesses individuais que, em virtude de terem origem comum (artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor), podem ser tutelados de forma coletiva, sem perderem a natureza de interesses individuais92. Aqueles que sustentam que a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses individuais indisponíveis depende do caso concreto sustentam que a norma adequada para orientar essa análise é aquela do artigo 127, caput, da Constituição da República de 1988. Assim, a legitimidade do parquet dependeria da relevância social do caso concreto. Nessa linha, o Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo editou a Súmula n. 07, que estabelece que ―o Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou o acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) Defesa do Consumidor‖. Sob outra ótica, analisa esse fenômeno ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit., pp. 512/513. Nesse sentido, diversos autores vêm sustentando a necessidade de se adotar um modelo de Ministério Público resolutivo, e não apenas demandista. Quem primeiro tratou do tema no Brasil foi GOULART, Marcelo Pedroso, op. cit. 91 COSTA, Susana Henriques da (coordenação), op. cit., p. 393, nota 19. 92 Criticando esse posicionamento, vale conferir ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit., p. 494. 90 50 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico‖. Por fim, aqueles que sustentam a legitimidade do parquet para a defesa de todos e quaisquer interesses individuais homogêneos argumentam que existe, em todos os casos, o interesse social em garantir e facilitar o acesso à Justiça aos interessados, evitando a proliferação de demandas individuais (o que tem o potencial de acarretar a demora nos provimentos jurisdicionais) e o descrédito da Justiça em virtude da possibilidade de decisões conflitantes em casos idênticos. 4. O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGENEOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Como foi visto no texto, o direito brasileiro adotou a doutrina da proteção integral em relação às crianças e adolescentes (artigo 227 da CR/1988 e Lei n. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente). Também já foi apontado que uma característica fundamental da doutrina da proteção integral consiste na possibilidade de exigir o cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes brasileiros, inclusive no âmbito do Sistema de Administração da Justiça. Restou pontuado, ainda, que existe um microssistema normativo brasileiro que, atualmente, viabiliza a obtenção de tutela jurisdicional coletiva (formado por diversas normas constitucionais e notadamente pelas Leis n. 7.347/1985 e n. 8.078/1990)93. Além da necessária superação do paradigma político (liberal) que orientou teoria e prática relacionadas ao Direito (inclusive o processual), mudanças na técnica processual viabilizaram o acesso ao Sistema de Administração de Justiça em relação aos direitos ou interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dentre as quais deve ser ressaltada a questão relacionada à legitimação para agir nas ações coletivas. Também restou assentado que uma das instituições legitimadas para a defesa dos interesses metaindividuais no Brasil é o Ministério Público, havendo certa divergência em relação à extensão dessa legitimação, notadamente quanto aos interesses individuais homogêneos (os chamados ―acidentalmente coletivos‖). O que resta sustentar é que, se essa discussão ainda não está superada em relação a diversos ramos de direito material, ela não se coloca em relação ao direito da criança e do adolescente, pois, neste caso, o Ministério Público ostenta legitimidade para a defesa de quaisquer interesses individuais homogêneos. Um primeiro argumento a justificar essa assertiva é o de que, ao adotar a proteção integral, concebendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos oponíveis à família, à sociedade e ao Estado, esses direitos (interesses juridicamente protegidos) tem a nota característica da indisponibilidade. Segundo GARRIDO DE PAULA, ―todos os direitos da criança e do adolescente são indisponíveis. Todos, sem exceção, são compostos de uma parte individual e de outra pública, que os caracterizam como insuscetíveis de qualquer forma de renúncia ou transação. A indisponibilidade decorre da condição especial de seus titulares – crianças e adolescentes – e da proteção integral a eles devida, abrangendo a totalidade de seus direitos, estabelecidos 93 Defendendo a adoção de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, com o objetivo de reunir, sistematizar e aperfeiçoar as regras sobre as ações coletivas, vale conferir GRINOVER, Ada Pellegrini, ―Rumo a um Código Brasileiro de Processos Coletivos – Exposição de Motivos‖, pp. 1/6, publicado em ―Tutela Coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, 15 anos do Código de Defesa do Consumidor‖. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 51 em razão do interesse social em garantir efetivo atendimento às necessidades básicas da infância e da juventude‖94. Assim, em virtude do disposto no artigo 127, caput, da CR/1988, segundo o qual cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses individuais indisponíveis, e sendo os direitos das crianças e adolescentes todos eles indisponíveis (homogêneos ou não), cabe ao parquet o dever-poder de defesa desses direitos homogêneos dos infantes brasileiros. Além desse argumento, vale destacar que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) estabeleceu em seu artigo 201, inciso V, que compete ao Ministério Público ―promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos e coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição Federal‖. Sem entrar na discussão a respeito da impropriedade terminológica contida no enunciado normativo acima transcrito, claro está que a norma estabelece, de forma cristalina, que cabe ao Ministério Público, sem qualquer restrição, a defesa de interesses individuais homogêneos de crianças e adolescentes. Resta ressaltar a importância de efetivação de todos os direitos das crianças e adolescentes brasileiros, para a construção da democracia econômica e social projetada na Constituição da República de 1988, notadamente em seu artigo 3º. É certo que o Ministério Público Brasileiro pode contribuir decisivamente com esse processo democrático, defendendo todos os interesses metaindividuais (inclusive os individuais homogêneos) das crianças e adolescentes brasileiros. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um Novo Ramo do Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 2003. 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O Ministério Público e os Direitos da Criança e do Adolescente, publicado em ―Funções Institucionais do Ministério Público‖, p. 316. 52 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e Democracia – Teoria e Práxis, Leme, SP, LED Editora de Direito, 1998. GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005. _______. [et. al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. LUCON, Paulo Henrique dos Santos (coordenação). Tutela Coletiva: 20 anos da Lei da Ação Civil Pública e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, 15 anos do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2006. LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito – coleção primeiros passos. 10. reimpressão da 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. MACHADO, Antônio Alberto. Ensino Jurídico e Mudança Social. 2. Ed. – São Paulo: Atlas, 2009. 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OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU E DIREITOS DIFUSOS 3. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA 3.1 Partidos políticos com representação no congresso nacional 3.2 Organização sindical, entidade de classe e associações 4. Considerações finais REFERÊNCIAS INTRODUÇÃO À primeira impressão, a simples análise da terminologia da expressão ‗mandado de segurança coletivo‘, sugere que este remédio constitucional representa uma importante e eficaz ferramenta de proteção e tutela dos Direitos metaindividuais. No entanto, sem grande esforço investigativo é possível perceber que, em verdade, o writ coletivo se presta a muito menos do que se afere a primeiro plano. Isso porque sua aplicabilidade, seja pela previsão legal que o disciplina, seja pela interpretação dada por parte da doutrina e da jurisprudência, é muito restrita. Nesse aspecto veja-se que o mandado de segurança coletivo apareceu pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional, com a sua previsão no artigo 5º, inciso LXX da Constituição Federal, que definiu as linhas mestras para a sua aplicação. Em torno deste dispositivo constitucional construíram-se entendimentos em diversos sentidos, seja em favor da ampliação da aplicação deste remédio constitucional, seja em defesa da limitação de sua aplicabilidade, sempre marcados por calorosas, porém enriquecedoras discussões. Tudo, ressalte-se, em busca de se permitir uma aplicação direcionada ao que se mostrasse melhor à toda coletividade. Ocorre que, desde o início, principalmente na aplicação prática do mandado de segurança coletivo, parece ter prevalecido, apesar da influência maciça da doutrina especializada em sentido contrário, o entendimento mais restritivo ou seja que limitava o âmbito de aplicabilidade do writ coletivo. Atualmente, seguindo esta linha que vinha sendo traçada pela jurisprudência nacional e por parte da doutrina especializada, o legislador infraconstitucional inseriu o writ coletivo na nova lei de mandado de segurança, que levou o número 12.016 e foi publicada * Mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP. Advogado. Doutor em Direito. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UNESP, Franca-SP. ** Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 55 em 7 de agosto de 2009, de forma a regulamentar o que até então era discutido pelos doutrinadores e aplicadores do direito. Destaque-se que os pontos principais trazidos pelo legislador infraconstitucional, alocam-se tanto no objeto e na matéria atinente à coisa julgada, quanto na legitimidade para sua impetração, disposições estas delineadas nos artigos 21 e 22 da nova lei do mandado de segurança. A esse respeito, as linhas traçadas pelo legislador serão abordadas ao logo deste estudo, com destaque para a matéria do objeto do writ coletivo, bem como para legitimidade ativa, em que se pondera sobre as posições da doutrina e da jurisprudência em paralelo com o entendimento adotado pelo legislador, bem como sobre as possíveis perspectivas que cercam a matéria. Importa ressaltar, entretanto, que os pontos aqui discutidos se voltam a uma interpretação mais ampliativa à aplicabilidade do mandado de segurança coletivo, pois à despeito do que se calcou no ordenamento jurídico nacional, o writ coletivo, assim como será demonstrado, poderia e ainda pode, em termos de futuro, consubstanciar-se em uma importante e efetiva ferramenta de tutela dos direitos metaindividuais. 1. O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO O mandado de segurança coletivo surgiu no ordenamento jurídico brasileiro e, consequentemente, na prática forense, com o advento da Constituição Federal de 1988, que previu pela primeira vez este remédio constitucional para a defesa de interesses coletivos ou, como posteriormente definiu a Lei 12.016/2009, para a defesa coletiva de interesses individuais e coletivos stricto sensu. Como aponta Vicente Greco Filho95, o legislador constitucional inseriu o writ coletivo com dois principais propósitos; a redução do número de demandas para a proteção de mesmos direitos, porém de indivíduos diferentes e, paralelamente, para atenuar o número de decisões conflitantes; o que atualmente representa um grande problema para a administração da justiça. Alguns autores apontam, ainda, como objetivo da inserção do mandado de segurança coletivo no ordenamento jurídico, o fortalecimento das organizações classistas, que poderiam, por meio deste remédio constitucional, majorar significativamente a representatividade e a defesa dos direitos de seus membros. O mandado de segurança coletivo leva consigo os mesmos fundamentos atinentes ao writ individual ou seja se presta a proteger direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, que eventualmente seja ameaçado por ato ou omissão ilegal ou abuso de poder; porém, como aponta a própria nomenclatura eleita pelo legislador constitucional, majorado de forma a refletir pretensões metaindividuais. Para que não reste dúvida quanto à definição e à forma de aplicação do mandado de segurança coletivo, Vicente Grecco Filho define de forma simples, porém bastante clara, o caminho e a base para a sua interpretação; ―O mandado de segurança coletivo é mandado de segurança, e, portanto, deve ser interpretado à partir dele‖96. ―A repetição de medidas judiciais de proteção de direitos vinha causando excessivo acúmulo de serviço para os órgãos judiciais e, conseqüentemente, demora na prestação jurisdicional. Ademais, a repetição de pedidos individuais pode causar o incômodo fenômeno de decisões conflitantes que os mecanismos recursais nem sempre conseguem corrigir‖. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p.326. 96 Ibidem. p. 327. 95 56 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Pois bem. Até o mês de agosto do ano passado o único dispositivo legal que tratava do mandado de segurança coletivo era tão somente a previsão inscrita no artigo 5º, inciso LXX97, da Constituição Federal, que apenas traça de modo geral em que se baseia o writ e quais os legitimados a impetrá-lo; o que forçava a doutrina e a jurisprudência a definir, em calorosas, porém enriquecedoras discussões, o seu objeto (extraído por interpretação do dispositivo constitucional) e o seu procedimento (guiado por meio de analogia aos dispositivos infraconstitucionais atinentes ao writ individual). Com as alterações trazidas pela lei 12.016/2009, como já se apontou, mais alguns pontos relativos ao objeto, à legitimidade e à coisa julgada do mando de segurança coletivo foram aclarados, guiando de forma mais concreta o caminho a ser seguido pelos operadores do Direito na sua aplicação prática. Entretanto, mesmo não havendo de início uma legislação específica para definilo, assim como ocorria, também até o mês de agosto de 2009, com as Leis 1.533 de 31-121951 e Lei 4.348 de 26-6-1964, para o mandado de segurança individual, cunhou-se no meio forense o entendimento de que o writ coletivo poderia perfeitamente ser aplicado, por estar previsto (com base na classificação de José Afonso da Silva98), em uma norma constitucional de eficácia plena. Normas de eficácia plena, segundo Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior ―(...) São aquelas que não necessitam de qualquer integração legislativa infraconstitucional. Produzem todos os seus efeitos de imediato‖99. Deste modo, ainda que não houvesse regulamentação própria, o mandado de segurança coletivo poderia e deveria ser exercitado ou aforado, uma vez que a Constituição Federal o previa expressamente e já delimitava as linhas mestras para a definição de sua aplicabilidade. Como no dispositivo do referido artigo, especificamente nas alíneas ―a― e ―b‖, o legislador Constitucional apontou aqueles que poderiam enveredar judicialmente o mandamus coletivo, conclui-se que o seu ajuizamento se engedra por meio da figura da substituição processual, o que significa permitir o pleito de direitos alheios por terceiros, desde que devidamente assim legitimados. Ainda que alguns autores tenham considerado que, no caso específico dos sindicatos e entidades associativas, poderia imperar a interpretação de que sua atuação se daria por meio da representação processual, parece que qualquer possibilidade neste sentido foi descartada pelo legislador infraconstitucional, que utilizou pontualmente, no caput do artigo 22, da Lei 12.016/2009100, a expressão ―substituídos‖, ao se referir a todos os indivíduos protegidos pelos entes legitimados. ―Art. 5º. (...) LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;‖. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. 98 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 89. 99 ARAÚJO, Luiz Aberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 19. 100 ―Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante‖. BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 97 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 57 A substituição processual, importante esclarecer, é possível de ser aplicada de acordo com a exceção prevista no artigo 6º do Código de Processo Civil101, que permite o pleito de direito alheio, por outrem, desde que autorizado por lei, assim como expressamente dispõe o texto constitucional. No caso do mandado de segurança coletivo, quem representa o interesse alheio, assim como relacionou o dispositivo constitucional, são os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, as organizações sindicais e as entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. Essa regra, importante acrescentar, sofreu algumas alterações trazidas pela nova Lei de Mandado de Segurança, publicada em agosto de 2009; alterações estas que, em parte, ampliaram a possibilidade de aplicação do writ coletivo e que, por outro lado, em alguns pontos, também restringiram sua aplicabilidade. Essas alterações serão posteriormente pormenorizadas, para que se demonstre o que representa resultados positivos e paralelamente o que pode ser considerado negativo, na prática, para os aplicadores do direito e em amplo espectro, para toda a sociedade. De início é relevante para o objeto deste estudo apontar uma discussão doutrinária e jurisprudencial que perdurou até a edição da nova Lei do Mandado de Segurança, que colocou um ponto final à questão, mas que ainda pode gerar inquietação no meio jurídico, para a sua modificação; a questão do objeto do mandado de segurança coletivo. 2. OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU E DIREITOS DIFUSOS Logo que o mandado de segurança coletivo apareceu pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, registrou-se um significativo esforço doutrinário no sentido de discutir sua esfera de proteção, pois havia dúvida se o writ seria meio de se assegurar apenas os direitos líquidos e certos individuais homogêneos e os coletivos stricto sensu ou se também seria impetrável para a defesa de direitos difusos. A distinção entre essas espécies de direitos pode ser extraída do Artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor102, que trouxe delineada pela primeira vez na legislação uma distinção e uma definição dos direitos metaindividuais: - direitos difusos como transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Seriam, por exemplo, os direitos relacionados ao meio ambiente, aos bens de valor artístico, histórico, turístico, etc. ―Art. 6º. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por Lei‖. BRASIL. Código de Processo Civil: promulgada em 11 de janeiro de 1973. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. 102 ―Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum‖. BRASIL. Código de defesa do consumidor: promulgado em 11 de setembro de 1990. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. 101 58 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos - direitos coletivos stricto sensu como transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou como a parte contrária por uma relação jurídica base. A título de exemplo, pode-se indicar os direitos de um determinado grupo de trabalhadores a melhores condições de salubridade. Veja-se, neste caso, que, ainda que o direito seja indivisível, os trabalhadores estão ligados entre si e com o empregador. - direitos individuais homogêneos, como os decorrentes de origem comum. Tais direitos são, por exemplo, o direito de diversas pessoas, determináveis, que compraram um automóvel com um defeito relacionado à segurança. Todas essas pessoas, individualmente ou em conjunto, têm direito à reparação deste defeito. Pois bem. A questão pode ser considerada relativamente delicada, pois, dependendo do seu espectro de aplicação, o mandado de segurança coletivo poderia representar um importante instrumento de tutela de interesses de toda a coletividade, propiciando a impugnação de qualquer ato que se mostrasse avesso aos interesses difusos de toda sociedade ou tão somente um meio de se defender em um único processo o interesse de diversos, porém identificáveis, indivíduos. Todavia, com a sedimentação de diversas ideias, a maior parcela da doutrina acabou por construir um entendimento majoritário voltado à restrição da aplicação do mandamus coletivo tão somente à proteção dos direitos daqueles que fossem identificáveis ou, ainda, relativamente determináveis. Ou seja, um instrumento para a tutela de direitos individuais homogêneos e direitos coletivos strictu sensu. Uadi Lamêgo Bulos, por exemplo, antes mesmo de qualquer definição legislativa sobre o assunto, já sinalizava no sentido de que os direitos difusos estariam distantes de proteção por meio do mandado de segurança coletivo. No que pesem as opiniões nesse sentido, afigura-se-nos, impertinente a utilização do writ coletivo para tutelar interesses difusos, os quais são perfeitamente protegidos por outros meio processuais (...)103. O que já preconizava a doutrina, portanto, é que o mandado de segurança coletivo se consubstancia em uma ferramenta de defesa coletiva de direitos e não como a nomenclatura do writ também pode sugerir ou seja, como um instrumento de defesa de direitos coletivos. Esse entendimento, segundo explica Ernane Fidélis dos Santos104, deu-se por opção do próprio legislador constitucional, que, no texto do dispositivo, ao prever o mandado de segurança coletivo, não lhe deu extensão tal que também passasse a ser forma de proteção de interesses difusos propriamente ditos. 103 BULOS, Uadi Lamêgo. Mandado de segurança coletivo. Em defesa dos partidos políticos, associações, sindicatos, entidades de classe. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.p. 64. ―O que, na verdade, aconteceu é que a lei constitucional, ao admitir o mandado de segurança coletivo, não lhe deu extensão tal que também passasse a ser forma de proteção de interesses difusos propriamente ditos. Continua o mandamus a ser forma própria para deduzir pretensão de reconhecimento de direitos individuais, podendo apenas haver a proteção de tais direitos dimensionados coletivamente, isto é, direito que o indivíduo, parceladamente, com pretensão própria, pode defender, mas que, em visão conjunta, revela interesse de todo um grupo determinado, ainda que seja toda a coletividade‖. DOS SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual Civil. Procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e voluntária. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v3. P 236-237. 104 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 59 O Autor, ainda, menciona, como já se apontou, que o writ coletivo se presta tão somente a deduzir pretensão de reconhecimento de direitos individuais, podendo apenas haver a proteção de tais direitos dimensionados coletivamente105. Apesar de este ser o entendimento doutrinário dominante, havia e ainda subsiste uma parcela da doutrina que caminha em sentido contrário ou seja, que advoga pela aplicação do mandado de segurança em amplo espectro, de modo a tutelar não só os direitos individuais homogêneos e os direitos coletivos stricto sensu, mas, também e principalmente, os direitos difusos. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, por exemplo, acreditam ser necessária a ampliação do objeto do mandamus coletivo, defendendo, portanto, sua impetração para a defesa de qualquer Direito metaindividual. (...) a locução ‗mandado de segurança coletivo‘ indica que o instrumento constitucional deveria servir à defesa de qualquer direito coletivo, em sentido amplo, vale dizer, direitos difusos, coletivos em sentido próprio e direitos individuais homogêneos, sem qualquer espécie de restrição106. Ainda nessa linha de entendimento, há posicionamentos pontuais na jurisprudência dos Tribunais Superiores, tal como o registrado no voto da Ministra Ellen Gracie, no Recurso Extraordinário 196.184-8, também em defesa da aplicação do mandado de segurança coletivo para a proteção de direitos difusos. A previsão do art. 5º, LXX, da Constituição objetiva aumentar os mecanismos de atuação dos partidos políticos no exercício de seu mister, (...) não podendo, portanto ter esse campo restrito à defesa de direitos políticos, e sim de todos aqueles interesses difusos e coletivos que afetam a sociedade. (...) À agremiação partidária, não pode ser vedado o uso do mandado de segurança coletivo em hipóteses concretas em que estejam em risco, por exemplo, o patrimônio histórico, cultural ou ambiente de determinada comunidade. Assim, se o partido político entender determinado direito difuso se encontra ameaçado ou lesado por qualquer ato da administração, poderá fazer uso do mandado de segurança coletivo, que não se restringirá apenas aos assuntos relativos a direitos políticos e nem a seu integrantes107. Essa posição, importante que se pondere, não foi compartilhada pelos demais Ministros que avaliaram o Recurso Extraordinário em comento. Todos os demais julgadores, como se extrai do inteiro teor do Acórdão, acataram a tese que foi avalizada pela nova legislação ou seja, a que afasta os direitos difusos do rol de aplicação do mandado de segurança coletivo. De qualquer forma, como se verifica da posição da Ministra Ellen Gracie, havia e, ressalte-se, ainda subsiste a possibilidade de se interpretar o dispositivo constitucional de modo a tornar o mandado de segurança coletivo instrumento de tutela dos direitos difusos, o 105 Ibidem. p. 237. ARAÚJO, Luiz Aberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 117. 107 STF, RE 196.184-8, j. 27.10.2004, 1ª. T., rel. Min. Ellen Gracie, Dj 18.02.2005. 106 60 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos que foi difundido pontualmente, como se comprova com este registro, entre a doutrina e jurisprudência nacionais. O que se conclui, dessa discussão doutrinária e jurisprudencial, portanto, é que a figura do mandado de segurança coletivo, ao ser inserida no texto constitucional, poderia ser interpretada de duas formas. Uma mais restritiva, em que se exclui a defesa dos direitos difusos e outra mais ampla, em que se assegura a proteção desses direitos. A interpretação eleita pela maioria, infelizmente, foi no sentido de se limitar o rol de aplicação do mandado de segurança coletivo. Entretanto, o que se lamenta é que a outra interpretação, mais ampla, era plenamente passível de ser aplicada e, de acordo com o que se demonstrou, parecia ser a melhor opção a ser tomada, pois propiciaria maiores garantias à tutela dos direitos da coletividade. Essa discussão, como já mencionado, infelizmente teve um fim, pelo menos quanto à interpretação do dispositivo constitucional, em agosto de 2009, com a edição da Lei 12.016/2009, que trouxe, no parágrafo único de seu artigo 21, o seguinte texto expresso sobre a questão, que acatou a posição defendida pela maior parte da doutrina: Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; II – individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação epecífica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante108. Restou bastante clara, na letra do dispositivo legal, a vontade do legislador, de limitar expressamente o mandado de segurança coletivo à proteção dos direitos coletivos strictu sensu e aos direitos individuais homogêneos, afastando terminantemente qualquer interpretação que subsistia, no sentido de se lançar mão deste remédio constitucional para a tutela de direitos difusos. Todavia, mesmo com esta definição legislativa, importante que se paute que os debates a esse respeito continuam, pois ainda há muitos argumentos positivos à favor da ampliação do objeto deste importante remédio constitucional. Entre esses argumentos destaca-se a possível violação, em se mantendo a visão mais restritiva (que tolhe a defesa de direitos difusos por meio de mandado de segurança coletivo), do princípio da inafastabilidade, inscrita no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal109. De acordo com o que guisa este princípio, nenhuma afirmação de lesão ou de ameaça de lesão a direito pode ser afastada da apreciação do Poder Judiciário. Assim, impedir a utilização do mandado de segurança coletivo para a defesa de direitos difusos representaria o descumprimento deste preceito constitucional. 108 BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 109 ―Art. 5º (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito;‖ BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 61 Importante que se registre o conta-argumento daqueles que defendem uma aplicação mais restritiva ao mandado de segurança coletivo, que afirmam que a defesa dos direitos difusos pode perfeitamente ser demandada por meio de ação civil pública ou ação popular. De acordo com essa visão, o preceito do inciso XXXV do artigo da 5º da Constituição Federal não estaria sendo desrespeitado, em vias da existência destes outros meios processuais, não havendo a necessidade de mais um instrumento, tal como o writ coletivo, para a tutela desses direitos. Entretanto, o que vai de encontro com esta interpretação e pode ser a linha mestra em busca da ampliação do writ coletivo para a tutela também dos direitos difusos, é a idéia de que a proteção dos direitos metaindividuais, assim como a de qualquer outro direito ou interesse da coletividade, deve ser a mais ampla possível, mesmo que por mais de uma via ou meio processual. Em artigo publicado na revista de Direito Constitucional e Internacional, Marta Maria Gomes Silva e Lucas de Souza Lehfeld, ressaltam exatamente essa necessidade de tutela dos interesses metaindividuais por tantos meios quanto bastem para a sua efetiva proteção. (...) não nos mostra procedente que um instrumento processual anule, exclua, afaste o uso de outro se o intuito deve ser exatamente o oposto, qual seja: o de dotar o ordenamento jurídico de instrumentos efetivos de tutela coletiva, mesmo que isso venha a implicar a existência de mais de um meio processual para a defesa dos mesmos direitos.110 Importante que se ressalte, entre tudo o que vem sendo discutido pela doutrina e pela jurisprudência à respeito do assunto, que é justamente esta possibilidade de defesa dos direitos difusos por meio do writ coletivo e do esforço doutrinário e jurisprudência que subsiste nesse sentido, que interessa a este estudo. Isso porque, como se apontará nos tópicos subseqüentes, ao que consta dos estudos doutrinários relativos à matéria, o legislador infraconstitucional, quando da edição da lei 12.016 de agosto de 2009, perdeu grande oportunidade de ampliar a aplicação do mandado de segurança coletivo, tanto no que se refere ao seu objeto, que poderia abarcar os direitos difusos, quanto no que atine aos legitimados a impetrá-lo, que além de serem em um número consideravelmente limitado, ainda tiveram parte de sua habilitação tolhida por esse novo texto legal. O que se defende, portanto, com este estudo, é que o legislador poderia ter apontado um número maior de entes ou indivíduos habilitados a engendrar o writ coletivo, bem como o seu limite de atuação. E, na mesma construção lógica de raciocínio, que a legislação poderia ter contemplado a ampliação da defesa dos direitos coletivos, notadamente pela inclusão expressa no texto legal da tutela dos direitos difusos por meio deste memorável remédio constitucional. Deste modo, urge ressaltar que, em detrimento dos entendimentos daqueles que apontam como desnecessária tal proteção, em virtude da existência de outros meios para a defesa dos interesses difusos, assim como a ação civil pública e a ação popular, o mandado de segurança coletivo poderia, sem qualquer dúvida, ter sido consagrado como um método 110 SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza. A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo e a lei 12.016/2009. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 18. Janeiro-Março. 2010. 70. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 62 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos eficaz de proteção de todos os direitos e interesses metaindividuais, proporcionando mais uma garantia de efetivação de justiça à toda coletividade. A esse respeito, importa acrescentar que a regra imposta pelo legislador infraconstitucional, infelizmente, para alguns, parece ter poucas chances de ser alterada, pois, ao que consta, este entendimento vem sendo assente na prática forense e parece ter, principalmente após a edição da lei, se firmado em uma maciça maioria no Poder Judiciário. Isso é o que pondera, à título de exemplo, Fernando da Fonseca Gajardoni, ao comentar o artigo 22 da lei 12.016/2009; Dificilmente interpretação diversa, com base em disposições constitucionais, há de vingar, até porque, como asseverado anteriormente, a jurisprudência anterior à lei 12.016/2009 já se inclinava pela negativa de cabimento do mandado de segurança coletivo em prol dos interesses difusos111. De qualquer forma é importante que se registre a relevância que o mandado de segurança coletivo poderia representar, caso os direitos difusos fossem abarcados por seu rol de aplicabilidade, bem como a oportunidade que o legislador perdeu, quando da edição da Lei 12.016/2009, para direcionar essa importante garantia constitucional à defesa e proteção dos interesses de toda a coletividade. Espera-se, portanto, nessa linha, que a ampliação da aplicação deste importante remédio constitucional seja uma realidade próxima, de modo a propiciar a defesa de todos os direitos e interesses metaindividuais, em especial aqueles não individualizáveis, notadamente conhecidos por direitos difusos. Feita esta primeira análise acerca do mandado de segurança coletivo, em que já se nota uma aplicação legislativa mais restritiva quanto ao seu objeto, já é possível estender o estudo, para que se analise a questão da legitimidade, onde se notará, mais uma vez, a opção do legislador por restringir a aplicação do writ, principalmente no que se refere ao rol de habilitados para viabilizarem o seu aparalhemento em juízo. Mais uma vez, nesse aspecto, ressalte-se, a legislação editou-se em prejuízo de toda a coletividade. 3. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA A legitimidade no mandado de segurança coletivo talvez tenha sido a principal preocupação do legislador constitucional quando da elaboração do artigo 5º, inciso LXX, pois nele definiu-se, expressamente, nas alíneas ―a‖ e ―b‖, os entes habilitados a demandar o writ em defesa dos aclamados direitos metaindividuais. A principio, como se extrai da letra do dispositivo constitucional, são quatro os entes legitimados, com algumas particularidades; - partido político com representação no Congresso Nacional; - organização sindical, as entidades de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; 111 FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio Henrique Mendes da. Comentários à nova lei de mandado de segurança. Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Método, 2009. p. 109. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 63 Ocorre que, da simples análise do texto eleito pelo legislador, já surgem diversas dúvidas quanto ao objeto, o que já foi abordado anteriormente e, principalmente, quanto ao âmbito de atuação de cada um dos entes constitucionalmente habilitados. As primeiras dúvidas que surgem são à respeito do âmbito de atuação dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional. Estariam estes entes habilitados à defender os interesses de toda à sociedade ou sua legitimação se limitaria tão somente à defesa dos direitos de seus membros? E quanto aos direitos defendidos pelos partidos políticos. Estariam limitados somente a direitos políticos ou se faria possível qualquer demanda, por estes entes, em defesa de direito de qualquer natureza? Dúvidas também despontaram no que se refere à alínea ―b‖ do referido dispositivo legal, no tocante à figura da substituição processual, visto que há, também na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXI112, dispositivo que restringe a atuação das entidades associativas à autorização expressa de seus membros. Deste modo, estariam estes entes, especificamente no caso da impetração de mandado de segurança, habilitados a aforar o writ sem a ratificação expressa de cada um dos indivíduos cujos direitos se reclama ou tal autorização, do mesmo modo se imporia? E quanto aos direitos protegidos? Seriam eles restritos à pertinência temática de subsistência do ente associativo ou seria possível pleitear qualquer direito de seus membros ou associados? Essa respostas foram, ao longo do desenvolvimento do assunto, sendo construídas pela doutrina e jurisprudência nacionais, que se revezavam apresentando diferentes posicionamentos à respeito do tema; alguns mais restritivos, de modo a limitar a aplicação do writ coletivo e outros mais amplos, buscando a sua aplicação em um âmbito mais extenso. O legislador infraconstitucional, todavia, assumiu posição em diversas dessas questões, impondo limites e trazendo respostas ao dispor sobre a habilitação de cada um dos legitimados pela norma constitucional. O artigo 21 da nova lei de mandado de segurança assim dispõe: Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial113. Note-se que o legislador infraconstitucional nada mais fez do que repetir as alíneas ―a‖ e ―b‖, do inciso LXX, do artigo 5º, da Constituição Federal, inserindo, após a ―Art. 5º. (...) XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;‖ BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. 113 BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 112 64 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos menção de cada um dos legitimados, respostas aos questionamentos gerados em torno do assunto. Ocorre que, como se pretende demonstrar com um esboço à respeito do significado da representatividade de cada um dos legitimados para a impetração do writ coletivo, é que a opção do legislador infraconstitucional, em muitos dos casos, não parece ter sido a mais acertada. Isso porque, além de eleger o caminho mais restritivo, ao editar a nova Lei de Mandado de Segurança, no que toca ao writ coletivo, o que se afere é que o legislador perdeu uma grande oportunidade de conceder à toda coletividade um importante remédio constitucional de defesa de seus interesses e direitos, senão ampliando o âmbito de atuação dos legitimados, ao menos flexibilizando o que já se podia interpretar em favor da coletividade, do que se extrai do texto constitucional. 3.1. Partidos políticos com representação no congresso nacional Os partidos políticos, regulamentados pelo artigo 17 da Constituição Federal, podem ser definidos como associações que reúnem indivíduos com as mesmas ou semelhantes orientações políticas e que visam influenciar na organização e administração do governo. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino em seu dicionário de política definem a expressão a ‗partido político‘ da seguinte forma: (...) o partido compreende formações sociais assaz diversas, desde grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações complexas de estilo burocrático e impessoal, cuja característica comum é a de se moverem na esfera do poder político. (...) na noção de partido, entrem todas as organizações da sociedade civil surgidas no momento em que se reconheça teórica ou praticamente ao povo o direito de participar na gestão do poder político. É com este fim que ele se associa, cria instrumentos de organização e atua114. Os partidos políticos funcionam, portanto, como verdadeiras organizações voltadas à defesa dos interesses da coletividade, já que buscam orientar a condução política do governo do País, Estados e Municípios, de acordo com a vontade e orientação política de seus membros. A ideologia formatada pelos partidos políticos, como se sabe, pode ser aplicada em defesa dos interesses da sociedade com a participação efetiva de membros no governo, através da eleição a cargos no poder ou por meio de influência política na condução do governo, atuando na conhecida e tradicional oposição. Daí extrai-se o motivo do legislador constitucional ter habilitado os partidos políticos a aparelharem o mandado de segurança coletivo, como meio processual de assegurarem a condução política do governo, sem a supressão de direitos da coletividade. É certo que optou bem o legislador em limitar essa legitimidade às agremiações com representação no Congresso Nacional, pois é justo que somente os partidos com determinada força política, possam pleitear em juízo em defesa dos direitos da sociedade. 114 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de Sã Paulo, 2000. V. 2. p. 899. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 65 Ocorre que, até a edição da Lei 12.016/2009, ainda havia dúvidas quanto aos limites da atuação dos partidos políticos, no que se refere à aplicação do mandado de segurança coletivo. O que, por certo, assim como preconiza este estudo, poderia tomar uma via muito mais ampla e conseqüentemente mais robusta no sentido de se proteger os direitos de toda a coletividade. Isso porque, como se verifica do dispositivo constitucional, inserto na alínea ―a‖ do inciso LXX do artigo 5º da Constituição Federal, o legislador somente aponta os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, como legitimados a impetrar o writ coletivo, sem estabelecer nenhuma restrição. Deste texto legal, era possível interpretar a habilitação legada a essas associações, como consideravelmente ampla ou seja no sentido de efetivamente aforar mandado de segurança coletivo sempre que qualquer direito individual homogêneo ou coletivo stricto sensu (considerando-se, nesse ponto, superada a questão outrora posta em pauta, no que atine ao possível alcance, também, dos direitos difusos), desde que líquido e certo e não amparável por habeas corpus ou habeas data, fosse ameaçado. A doutrina apontava, inclusive, assim como pondera Fernando da Fonseca Gajardoni115, que tal interpretação era lógica, pois se o legislador constitucional tivesse a intenção de restringir a atuação dos partidos políticos, teria inserido como limite, assim como o fez ao habilitar as organizações sindicais, entidades de classe e associações, a necessidade de que o objeto do mandamus tivesse como fim tão somente os interesses de seus membros. Essa interpretação, segundo sugeria o próprio texto constitucional, também poderia ser estendida no que se refere à pertinência temática do mandado de segurança coletivo eventualmente impetrado por um partido político com representação no Congresso Nacional. Isso porque, se não havia nenhum limite na Carta Constitucional, o writ poderia defender qualquer direito em âmbito coletivo que fosse ameaçado, mesmo que divergente, em seu objeto, dos fins e dos interesses relativos àquela organização política. Ocorre que, assim como também aponta Fernando da Fonseca Gajardoni, ao longo da aplicação do mandado de segurança coletivo na prática forense, o Superior Tribunal de Justiça limitou o poder, nesse aspecto, dos partidos políticos. (...) o STJ (Superior Tribunal de Justiça) passou a perfilhar a tese de que a impetração por partido político tem que guardar correspondência com os valores que devam ser tutelados por eles, tudo conforme o caput do art. 17 da Constituição Federal, e artigo 1º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995)116. Em síntese, ao revés do que poderia se interpretar em favor da ampliação do âmbito do mandado de segurança coletivo, o Superior Tribunal de Justiça passou a considerar necessário, para o aparelhamento do writ coletivo por este ente legitimado, que a questão objeto da lide versasse exclusivamente sobre: - o interesse do regime democrático; - a autenticidade do sistema representativo; e 115 FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio Henrique Mendes da. Comentários à nova lei de mandado de segurança. Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Método, 2009. p. 96. 116 Ibidem. p. 97. 66 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos - a defesa dos direitos fundamentais definidos na Constituição Federal, que são as matérias apontadas pelo artigo 1º da Lei 9.096/1995117, como fins precípuos à existência dos partidos políticos. .A justificativa para essa opção jurisprudencial, assim como também defende Athos Gusmão Carneiro, seria a necessidade de ―(...) mantença do principio da vinculação entre as finalidades, em termos gerais, da entidade substituta, com os interesses das pessoas substituídas‖118. O que se afere portanto, é que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, que, por interpretação, teriam a possibilidade de litigar em favor de toda a coletividade, sempre que um direito individual homogêneo ou coletivo stricto sensu estivesse ameaçado, tiveram, na prática forense, tolhido parte de seu espectro de atuação. As agremiações passaram então a ver barrados, nesse sentido, os pleitos que não guardassem relação íntima com essas questões, não podendo, por exemplo, assim como ressalta Fernando da Fonseca Gajardoni119, impetrar mandado de segurança coletivo em matéria tributária, visto tratar-se de questão não considerada pela maior parte da doutrina como de ordem fundamental. Não bastasse esse caminho restritivo eleito pela jurisprudência, os Tribunais passaram a interpretar também, em desfavor de uma visão mais ampla, o âmbito de atuação dos partidos políticos como limitados à defesa tão somente dos direitos de seus membros, assim como decidiu o Superior Tribunal de Justiça em Acórdão de Embargos de Declaração oposto em sede do Mandado de Segurança Coletivo 197/DF, de relatoria do Ministro Garcia Vieira. Assim, a exemplo dos sindicato e das associações, também os partidos políticos só podem impetrar mandade de segurança coletivo em assuntos integrantes de seus fins sociais em nome de filiados seus, quando devidamente autorizado pela Lei ou por seus Estatutos. Não pode ele vir a Juízo defender direitos subjetivos de cidadão a ele não filiados ou interesses difusos e sim direito de natureza política, como por exemplo, os previstos nos artigos 14/16 da Constituição Federal120. A doutrina especializada, todavia, sempre se mostrou totalmente avessa a essa posição, de modo a defender a legitimidade dos partidos políticos para a defesa de toda a coletividade ou seja, muito além dos interesses do próprio partido e de seus filiados. Assim se posiciona, por exemplo, Alexandre de Morais: ―Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal‖. BRASIL. Lei 9.096: promulgada em 26 de setembro de 1995.. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. 118 ―Os partidos políticos podem, destarte, atuar como substitutos processuais e assim, ajuizar mandamus coletivo, se os direitos afirmadamente violados (ou ameaçados) forem aqueles sob direta e imediata tutela constitucional, ou seja, os direitos fundamentais relativos à generalidade dos cidadãos, acima de agrupamentos pertinentes a interesses de classe, profissionais e assim por diante‖. CARNEIRO. Athos Gusmão. Anotações sobre o mandado de segurança coletivo, nos termos da Lei 12.016/2009. Revista de Processo. RePro 178. Ano 34. Dezembro. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 119 FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio Henrique Mendes da. Comentários à nova lei de mandado de segurança. Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Método, 2009. p. 97. 120 STJ, EDMS 197/DF (198/0009631-1), j. 11.09.1990, rel. Min. Garcia Vieira, Dj 15.10.1990. 117 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 67 Data venia, não nos parece a melhor solução. (....) Cercear essa legitimação somente para seus próprios interesses ou de seus filiados é retirar dos partidos políticos a característica da essencialidade em um Estado Democrático de Direito e transformálo em mera associação privada, o que, certamente, não foi a intenção do legislador constituinte121. De certa forma, portanto, ainda que houvesse a possibilidade, acima aventada, de que a legitimidade dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional fosse interpretada de forma significativamente ampla, a jurisprudência nacional acabou por trilhar caminho diametralmente diverso, limitando o objeto da impetração aos fins do partido (artigo 1º. da Lei 9.9096/1995) e os beneficiados por essa habilitação, de modo a limitar o alcance deste legitimado para a defesa tão somente dos direitos do partido propriamente ditos e de seus filiados. O legislador infraconstitucional, em seqüencia, diante dessa discussão doutrinária e jurisprudencial e, paralelamente, da oportunidade de ampliar o âmbito de aplicação do mandado de segurança coletivo, aproveitando-se daquela que parece ter sido uma opção do legislador constituinte, acabou por acatar o entendimento jurisprudencial e edificar em texto de lei os limites outrora impostos pelos Tribunais Superiores. O artigo 21, da Lei 12.016/2009, trouxe expressas referidas restrições aos partidos políticos. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária (...)122. A opção legislativa, contudo, como já se pautou, fere não só o posicionamento majoritário outrora exposto pela doutrina relacionada ao assunto, como também e principalmente toda a coletividade que vê, com esta opção, tolhido aquele que podia ser o único meio, constitucionalmente previsto, para que os seus direitos fossem defendidos por meio de mandado de segurança coletivo. Fernando da Fonseca Gajardoni123 prevê que certamente haverá, a esse respeito, forte crítica da doutrina, se não até ajuizamento de Ação Direita de Inconstitucionalidade, nos moldes do artigo 103 da Constituição Federal, contra as restrições estabelecidas no artigo 21 da Lei 12.016/2009. O mesmo autor ressalva, contudo, um ponto importante sobre o qual o legislador felizmente se omitiu; a interpretação de que a legitimidade para impetração da segurança por partido político se dê em todas as suas esferas. Assim, fica salvaguardada, ao menos, esta benesse em favor da coletividade, de que, em outras palavras, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado tanto por diretórios nacionais, estaduais e municipais das agremiações, no âmbito de sua respectiva representação124. 121 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 142. BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 123 FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio Henrique Mendes da. Comentários à nova lei de mandado de segurança. Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Método, 2009. p. 98. 124 Ibidem. p. 99. 122 68 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos De qualquer forma, o que parece é que a despeito do que trazia a Constituição Federal, a Lei 12.016/2009, pelo menos neste ponto, relativo à legitimidade dos partidos políticos, trouxe muito mais prejuízos do que inovações, restringindo o pouco que ainda não havia sido tolhido nesta via processual, para a defesa dos direitos metaindividuais. O que se espera, todavia, na linha que se segue com este estudo, é que as questões relativas à ampliação da aplicabilidade do mandado de segurança coletivo, em vista dos fortes argumentos em benefício de toda a coletividade, mesmo com a opção restritiva do legislador, continuem em pauta entre a doutrina especializada, de modo a propiciar, por meio de debates, possíveis e importantes alterações. 3.2. Organização sindical, entidade de classe e associações As organizações sindicais, também conhecidas apenas por sindicatos, são organizações devidamente registradas no Ministério do Trabalho, constituídas por trabalhadores de uma mesma profissão, voltadas, de acordo com o inciso III, do artigo 8º, da Constituição Federal, à defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas125. As entidades de classe, por outro lado, assim como define Uadi Lamêgo Bulos, ―são pessoas jurídicas, públicas ou privadas, com personalidade jurídica própria, cuja finalidade é representar um agrupamento de associados, os quais se submetem à disciplina imposta em seus estatutos‖126. Por fim, as associações, previstas no artigo 5º, inciso XXI127, da Constituição Federal, são organizações que reúnem indivíduos com os mesmos propósitos e que se organizam por meio da definição de seus objetivos e fins em seus respectivos estatutos sociais. Essas organizações têm em comum a reunião de diferentes pessoas com objetivos comuns que, assim como exige a legislação, são registradas e regulamentadas em estatutos sociais e instrumentos constitutivos. Daí, por certo, extrai-se o motivo em razão do qual o legislador constituinte delegou a esses órgãos a legitimidade para impetração do writ coletivo, que se consubstancia na permissão a essa essas entidades de proteger, na prática, por meio de um remédio constitucional, os seus direitos, os de seus membros e, em uma interpretação extensiva, de defender tudo o que estivesse devidamente preconizado em seus estatutos. Pois bem. A primeira questão que surgiu quando da previsão constitucional do mandado de segurança coletivo no que se refere a estas entidades associativas, baseava-se na necessidade ou não de autorização expressa dos membros, para o aforamento do writ, de forma a cumprir o que preconiza o artigo 5º, inciso XXI da Constituição Federal. ―Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;‖ BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. 126 BULOS, Uadi Lamêgo. Mandado de segurança coletivo. Em defesa dos partidos políticos, associações, sindicatos, entidades de classe. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 52. 127 ―Art. 5º (...) XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;‖ BRASIL. Op.cit. 125 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 69 Isso porque, de acordo com referido dispositivo, as entidades associativas poderiam, sim, representar seus membros judicial e extrajudicialmente, porém, precisariam da autorização expressa de cada um deles. A questão, entretanto, foi pacificada pelos Tribunais Superiores, em um sentido mais flexível, onde restou autorizado o aparelhamento do mandado de segurança, sem a necessidade de anuência dos respectivos filiados, conforme foi edificado com a Súmula 629 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: ―A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes‖128. O que se verifica, nesse sentido, é que a jurisprudência nacional, ao menos neste caso, elegeu a opção mais ampla, de forma a retirar da figura do writ coletivo, a necessidade de cumprimento de mais um requisito, que certamente restringiria ainda mais o espectro de atuação das entidades associativas quando do uso deste instrumento. Felizmente, quando da edição da Lei 12.016/2009, o legislador infraconstitucional acatou a Súmula 629, tornando concreta essa posição no ordenamento jurídico nacional, com a inserção do seguinte texto, no artigo 21 da referida Lei, ao tratar da legitimidade das entidades associativas: ―(...) dispensada, para tanto, a autorização especial‖129. Importa destacar, que esta solução acabou por esclarecer outra questão também posta em dúvida pela doutrina no que atine à legitimidade desses entes associativos para a impetração do writ coletivo; que se baseava na incerteza se estes legitimados demandavam em favor dos seus filiados por meio da substituição ou da representação processual. Ora, se essas entidades estão autorizadas a impetrar mandado de segurança coletivo em nome de seus membros, independentemente de autorização, fica claro, visto que não há necessidade de cumprimento do inciso XXI, do artigo 5º da Constituição Federal, que esta demanda processual não se valida por meio da representação, mas, sim, da substituição processual. De outro modo, o legislador infraconstitucional estaria caminhando em total desencontro à orientação constitucional. Tal posição, inclusive, foi também ratificada, como já se apontou, pelo artigo 22 da Lei 12.016/2009, que, ao usar o termo ―substituídos‖, para se referir a todos os protegidos pelos legitimados das alíneas ―a‖ e ―b‖ do artigo 21 da mesma lei, afastou terminantemente qualquer interpretação no sentido de que os legitimados estariam representando seus membros. Fica claro, ainda, nessa mesma linha de raciocínio, que caso estes entes pretendam demandar em favor de seus filiados por meio de outros instrumentos processuais, estarão eles, então, exercendo a representação processual e, nestes casos, precisarão, sim, da autorização prevista no inciso XXI, do artigo 5º da Constituição Federal. Outra questão que também prevaleceu em sentido mais flexível, foi a objeto da Súmula 630, também do Supremo Tribunal Federal, que definia a possibilidade de impetração do mandado de segurança coletivo, tanto para toda a entidade associativa, quanto apenas para parte de seus membros. 128 STF. Sumula 629. Sessão Plenária de 24/09/2003. DJ de 9/10/2003, p. 1; DJ de 10/10/2003, p. 1; DJ de 13/10/2003, p. 1. 129 BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 70 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Súmula 630 - A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria130. O legislador constitucional, do mesmo modo, em favor do que se mostrou como melhor posição acatou o entendimento do Supremo Tribunal Federal e inseriu no artigo 21 da Lei 12.106/2009, a expressão ―(...) em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados (...)‖131; tornando também concreto este entendimento favorável ao mandado de segurança coletivo. O ponto que se segue na discussão acerca da legitimação das organizações sindicais, entidades de classe e associações, talvez seja o mais importante no que se refere a estes entes habilitados, pois trata exatamente do espectro de atuação desses membros na demanda do mandado de segurança coletivo. De acordo com o dispositivo constitucional que prevê o writ coletivo, os entes associativos poderiam impetrar mandado de segurança coletivo ― (...) em defesa do interesses de seus membros ou associados‖132. Deste excerto constitucional, conclui-se de plano que os entes associativos não estão habilitados a demandar em favor de qualquer outro indivíduo que não seja seu membro ou associado; o que afastou, desde o início, qualquer discussão a esse respeito. Isso se considera, aqui, afastada, também, aquela discussão acerca da ampliação do mandado de segurança para a defesa de interesses difusos, o que certamente implicaria na alteração dessa restrição, pois seria impossível às entidades associativas demandar em favor de direitos difusos tão somente de seus membros ou associados. Pois bem. Por meio da análise do mesmo dispositivo, porém sob um diferente aspecto, era possível concluir que ainda que estes legitimados somente pudessem demandar em defesa de seus membros e associados, os direitos a serem tutelados não eram limitados por qualquer restrição, podendo ser de qualquer ordem. Ocorre que, uma parcela considerável da doutrina se posicionou em sentido diverso, apontando como necessária um pertinência temática entre o objeto do mandado de segurança coletivo e a finalidade estatutária da entidade associativa, assim como apontam Marta Maria Gomes Silva e Lucas de Souza Lehfeld. Para uma vertente doutrinária as associações, os sindicatos e as entidades de classe se vêem necessariamente compelidos à comprovação de uma pertinência temática, vez que o objeto alvo da segurança deverá estar atrelado aos seus objetivos institucionais. Nesse sentido, prevalece a noção de que a defesa coletiva através desses legitimados ativos volta-se essencialmente, aos direitos da categoria, do grupo de membros filiados133. 130 STF. Sumula 630. Sessão Plenária de 24/09/2003. DJ de 9/10/2003, p. 1; DJ de 10/10/2003, p. 1; DJ de 13/10/2003, p. 1. 131 BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 132 BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 133 SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza. A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo e a lei 12.016/2009. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 18. Janeiro-Março.2010.70. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 153. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 71 Para essa parcela da doutrina, de acordo com o que se apontou, o mandado de segurança coletivo somente poderia ser aforado caso o direito demandado guardasse relação com os fins previstos em seus respectivos estatutos. Esses mesmos autores, concordando com outra parte da doutrina especializada, entendem incongruente essa orientação, pois limitaria a aplicação do writ coletivo tão somente àquelas matérias que eventualmente fossem abordadas nos estatutos, limitando consideravelmente o que este ente legitimado poderia litigar judicialmente em favor de seus membros. (...) não nos parece adequado e compatível com a garantia constitucional a redução do seu campo de proteção, pura e simplesmente, a este mínimo alcance consubstanciado no resguardo dos direitos dos membros diante dos objetivos institucionais estabelecidos pelo ente colegitimado, pois aquele já constitui a finalidade impulsionadora da agremiação quando resolve pela sua criação e conseqüente atuação em juízo134. Esse entendimento, acrescente-se, não só limita demasiadamente o âmbito de atuação dos entes associativos, como não faz muito sentido, pois bastaria às entidades associativas alterarem seus respectivos estatutos, quando tivessem a necessidade de demandar, por meio do writ coletivo, em favor de seus membros ou associados. Essa restrição, como já se demonstrou, foi acatada pela Lei 12.016/2009, que trouxe expressa a necessidade de pertinência do objeto do mandado de segurança com o que dispõe os estatutos dos entes legitimados. Art. 21. (...) ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial135. Sobre essa posição, ainda que restritiva, há quem ainda veja um lado positivo, pois o legislador não indicou como necessária uma ligação estreita do direito defendido com o objeto institucional da entidade, assim como explica Fernando da Fonseca Gajardoni. (...) o objeto do writ não precisa estar diretamente atrelado ao objetivo institucional da entidade. Basta que tenha relação com o móvel organização e proto: os direitos dos filiados podem ser defendidos pelo mandado de segurança coletivo. Assim, embora não se afaste a pertinência temática – como era sustentado por alguns, sob o fundamento de que o direito a ser tutelado era dos associados, independentemente dos fins da entidade – admite-se que 134 SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza. A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo e a lei 12.016/2009. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 18. Janeiro-Março.2010.70. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 154. 135 BRASIL. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. 72 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos o mandado de segurança coletivo se preste para a tutela de direitos que não sejam próprios, característicos da categoria136. Deste modo, basta que quando da constituição da entidade associativa ou da elaboração de seu estatuto, se amplie o objeto social, elencando o máximo possível de objetivos relacionados, mesmo que não guardem relação estrita de seu fim precípuo. Assim, como também conclui o mesmo autor, ―quanto mais amplo for o objeto social da entidade ou associação, maior será a legitimidade para a impetração coletiva em favor dos associados‖137. De qualquer forma, o que se conclui é que melhor seria se não houvesse restrição alguma, de modo a se permitir que o mandado de segurança fosse engendrado sempre que os direitos dos membros associados destes entes legitimados fossem ameaçados, assim como se tem ponderado com este estudo. O que se conclui, portanto, no que se refere a estes entes legitimados é que a Lei 12.016/2009 parece ter mantido o entendimento que já vinha sendo aplicado pela jurisprudência nacional. Nessa linha, apesar de, em alguns pontos, ter traçado o caminho mais restritivo, em outros edificou posicionamentos positivos acerca do tema, notadamente pela permissão do aforamento sem a expressa anuência dos membros e associados dos entes associativos, pela concretização da possibilidade de se demandar em favor do total, bem como de parte dos filiados e, finalmente, pela definição da questão da pertinência temática, que apesar de ter trazido alguns obstáculos, sob outro aspecto, pode ser positivo, pois com a devida previsão estatutária é possível tornar mais robusta a proteção dos direitos dos membros deste legitimado. Espera-se, todavia, que as discussões relacionadas à legitimidade desses entes continuem, de forma a enriquecer os debates e trazer novas ideias, tais como a de majorarem o espectro de atuação dos legitimados ou, ainda, de aumentarem o rol dos habilitados a impetrarem o writ coletivo. 4. Considerações finais Realizada uma análise pormenorizada do objeto e da legitimidade ativa do mandado de segurança coletivo, à luz de sua previsão legislativa, das considerações traçadas pela doutrina especializada e dos parâmetros delineados pela jurisprudência, é possível concluir que este remédio constitucional poderia se transformar em uma importantíssima ferramenta de proteção dos direitos metaindividuais. As linhas que regem a aplicabilidade do writ coletivo, entretanto, o definiram de forma a restringir a sua aplicação tão somente a uma determinada ordem de direitos, notadamente os direitos individuais homogêneos e os direitos coletivos stricto sensu, excluindo-se a possibilidade de defesa dos direitos difusos, além de limitar o número, bem como o âmbito de atuação dos legitimados a aparelhá-lo judicialmente. Nesse aspecto, a inserção constitucional do mandado de segurança coletivo, como se demonstrou, permitia e até mesmo, em determinados aspectos, orientava o 136 FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio Henrique Mendes da. Comentários à nova lei de mandado de segurança. Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Método, 2009. p. 100-101. 137 Ibidem. 101. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 73 legislador infraconstitucional e o aplicador do direito, a uma interpretação mais ampla no que atine à aplicabilidade deste remédio constitucional. Essas orientações calcadas pelo legislador constituinte, ressalte-se, foram objetos de inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudências que construíram entendimentos diversos, tanto no sentido de se ampliar a aplicação do writ coletivo, quanto em vias de restringi-lo, porém sempre com a possibilidade, na aplicação prática que prevalecesse o melhor para toda a coletividade. Contudo, o legislador infraconstitucional, quando da edição da Lei 12.016/2009, lamentavelmente, como se pautou, optou por edificar, pelo menos na maior parte do que disciplinou sobre o assunto, o caminho mais restritivo, limitando muito do que poderia ser interpretado em um sentido mais amplo. Assim, o mandado de segurança coletivo, que poderia se transformar em um remédio constitucional de ampla defesa dos direitos metaindividuais, permanece engessado nos dispositivos trazidos pela nova Lei, o que impossibilita, em muitos pontos, a defesa de toda a coletividade, assim como havia sido previsto e fundamentado pela doutrina especializada com base nos excertos constitucionais. O que se espera, todavia, como detalhadamente demonstrado, é que a discussão a respeito do assunto permaneça, pois há muitos fundamentos e pontos favoráveis à ampliação da aplicabilidade do writ coletivo, como se viu, por exemplo, no caso da possibilidade de defesa dos direitos difusos ou então da majoração do número ou ao menos do espectro de atuação dos legitimados para o seu ajuizamento. Por fim, espera-se que, em termos de futuro, o mandado de segurança, sem prejuízo das outras vias ou meios processuais de semelhante ou comparável importância, possa ser utilizado como efetiva ferramenta de tutela dos direitos metaindividuais. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Aberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de Sã Paulo, 2000. V. 2. BRASIL. Código de defesa do consumidor: promulgado em 11 de setembro de 1990. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. _______. Código de processo civil: promulgada em 11 de janeiro de 1973. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. _______. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. _______. Lei 9.096: promulgada em 26 de setembro de 1995.. Vade Mecum 800 em 1. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. _______. Lei 12.016, publicada em 07 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Consulta em 10/08/2010. BULOS, Uadi Lamêgo. Mandado de segurança coletivo. Em defesa dos partidos políticos, associações, sindicatos, entidades de classe. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. 74 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos CARNEIRO. Athos Gusmão. Anotações sobre o mandado de segurança coletivo, nos termos da Lei 12.016/2009. Revista de Processo. RePro 178. Ano 34. Dezembro. 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio Henrique Mendes da. Comentários à nova lei de mandado de segurança. Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Método, 2009. p. 109. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. Processo de conhecimento (2.. parte) e procedimentos especiais. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 2. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. LENZA. Pedro. Direito constitucional esquematizado. 8. ed. São Paulo: Método, 2005. MONTENEGRO, Cesar. Dicionário de prática processual civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2.. ed. São Paulo: Atlas, 1997. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e voluntária. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. _______. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza. A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo e a lei 12.016/2009. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 18. Janeiro-Março. 2010.70. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. 3. STF, RE 196.184-8, j. 27.10.2004, 1. T., rel. Min. Ellen Gracie, Dj 18.02.2005. STF. Sumula 629. Sessão Plenária de 24/09/2003. DJ de 9/10/2003, p. 1; DJ de 10/10/2003, p. 1; DJ de 13/10/2003, p. 1. STF. Sumula 630. Sessão Plenária de 24/09/2003. DJ de 9/10/2003, p. 1; DJ de 10/10/2003, p. 1; DJ de 13/10/2003, p. 1. STJ, EDMS 197/DF (198/0009631-1), j. 11.09.1990, rel. Min. Garcia Vieira, Dj 15.10.1990. THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil. Procedimentos especiais.36. ed. São Paulo: Forense, 2006. v. 3. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 75 76 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA AMBIENTAL: Solução acorde Caio Frederico Fonseca Martinez Perez* SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 1. Meio Ambiente 2. Desajustes 3. Readequação 4. Transação sobre interesses indisponíveis? 5. O Termo (ou Compromisso) de Ajustamento da Conduta. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO A Constituição da República, de 1988, de forma inovadora em seu artigo 2251, elevou o bem jurídico meio ambiente ecologicamente equilibrado à categoria de interesse constitucionalmente protegido. Com isto, concretizou a Lei Fundamental esse valor que vinha assumindo posição de importância desde meados do século XX. Por ser um bem jurídico indivisível, impossível de apropriação ou mesmo de avaliação monetária, enfim, difuso por excelência, mereceu determinadas provisões, aplicáveis somente a esta categoria de bens. Por esta razão, um dos instrumentos idealizados pelo legislador ordinário, de forma sui generis, é o Compromisso ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O presente trabalho visa a apontar alguns de seus pontos mais relevantes, trazendo contribuições ao estudo deste instrumental (extra)judicial para a preservação ou restauração do meio ambiente, na sua vertente difusa. 1. Meio Ambiente O artigo 3º, inciso I, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (L. 6.938/1981), dispõe que o meio ambiente abarca ―o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas‖. Então, o que se tem é a conjugação de elementos bióticos e abióticos que em sua harmônica interação permitem a vida em geral e, mais especificamente, a humana2. Não se olvide, porém, que este meio onde o homem se insere envolve mais do que elementos de flora e fauna (meio ambiente natural). Há a produção artística, cultural (vinda do intelecto, em base material ou imaterial), e também a própria interferência artificial do homem no ambiente (a cidade e seus arranha-céus como maiores exemplos), * Mestrando em Direito pela UNESP, Franca-SP; Advogado; professor universitário. Art. 225, caput, CF/88: ―Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.‖ 2 Fala-se muito da proteção ambiental em relação ao homem, este o produtor do Direito e, logo, destinatário das normas de resguardo da ambiência. 1 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 77 que também compõem o locus humano. Eles também são levados em consideração não apenas como interferências relevantes, mas, a depender do caso, também como objetos de proteção de leis ambientais3. Por fim, há também a previsão do meio ambiente do trabalho, quando se fala do local onde se desenvolve a atividade laborativa da pessoa humana, inclusive com previsão constitucional a respeito (art. 200, VIII, CF/884). 2. Desajustes Quando ocorre um desequilíbrio neste bem jurídico, i.e. o meio ambiente saudável e equilibrado, há um desrespeito a uma norma constitucional e uma ofensa a um valor que compõe, sim, a dignidade da pessoa humana, conforme lição de Paulo de Bessa Antunes, ao dizer que ―Os diferentes princípios aplicáveis ao [Direito Ambiental] giram em torno de um princípio constitucional básico, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, e devem ser compreendidos e, sobretudo, aplicados à luz daquele que é um dos próprios fundamentos da CF e da própria República Federativa do Brasil‖5. Assim, não se trata de eventual ofensa a um bem privatístico que atinge a esfera de um ou de uns poucos envolvidos. O dano advindo da aquisição de um produto viciado geralmente resume-se às partes envolvidas. A poluição de um rio, porém, prejudica a cidade que dele capta a sua água, os peixes que nele vivem, o mar onde ele deságua... ou seja, o dano se propaga e são inúmeros os prejudicados. Daí porque mesmo os métodos de resolução de ilícitos na esfera ambiental fogem do tradicional. Na preleção daquele mesmo autor: Os chamados ‗novos direitos, dentre os quais o [Direito Ambiental] é um dos mais eminentes, que vêm surgindo a partir da década de 60 do século XX, são essencialmente direitos de participação, ou seja, direitos que se forma em decorrência de uma crise de legitimidade da ordem tradicional que não incorpora a manifestação direita dos cidadãos na resolução de seus problemas imediatos. O movimento de cidadãos conquista espaços políticos que se materializam em leis de conteúdo, função e perspectivas bastante diversos dos conhecidos pela ordem jurídica tradicional6. Mas quando são verificados esses ―desajustes‖? Elementos objetivos podem ser utilizados na busca de uma resposta. A própria Lei 6.938/1981 já mencionada, em atenção ao controle constitucional ―de produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente‖7, traz a necessidade, por exemplo, de padrões de qualidade ambiental (Art. 9º, I), estabelecidos, em regra, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) através de resoluções que fixam limites quanto a elementos 3 Tome-se por exemplo o tombamento ou a previsão de crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (arts. 62 a 65) na Lei 9.605/1998. 4 ―Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.‖ 5 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental – 12.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009. pp. 50/51, destaques no original. 6 Ibidem. p. 20. 7 Art. 225, § 1º, V, CF/1988. 78 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos químicos ou energias a serem lançadas nos recursos ambientais. Ao se afastar destes limites, causa-se poluição8 e, com isto, surge a incidência sancionatória do Direito Ambiental. 3. Readequação Ora, quando a conduta não se coaduna com as expectativas erigidas pelo ordenamento jurídico, é necessário que a correção tenha lugar. E essa correção pode vir tanto de mandamento judicial quanto de acordo entre as partes envolvidas. Sabe-se que o eventual desfecho de uma lide leva tempo, dinheiro e nem sempre se revela como a melhor solução, visto que, mesmo com a participação das partes, aquela vem como uma resolução de terceiro (o Estado-juiz), sempre com um insatisfeito (o sucumbente). Melhor seria que as próprias partes envolvidas resolvessem o litígio, sem provocação do pesado aparato jurisdicional estatal. Uma retomada da autocomposição9. Neste sentido: A experiência demonstrou, todavia, que a disposição do responsável pelo dano de se adequar às exigências da lei ou de satisfazer integralmente acabava por atender, finalisticamente, aquilo que se seria de se buscar ou já se estaria postulando na via judicial, por meio da ação civil pública.‖10 Assim, vem à tona o instrumento originariamente previsto na Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu artigo 211, que assim diz: ―Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial‖11. Tem-se que, pela disposição legal, a tutela alcança tão somente um direito coletivo, qual seja, o bemestar dos menores. Eis outras definições da Lei 6.938/1981: ―poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.‖ (art. 3, in. III e IV) 9 Não se olvida da necessária participação de algum órgão público, in casu, o parquet, conforme se verá mais adiante, dada a indisponibilidade do bem (meio ambiente ecologicamente equilibrado). 10 VIEIRA, Fernando Grella. A transação nos interesses difusos e coletivos. In MILARÉ, Edis (org.). Ação Civil Pública – 2.ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.268 11 ―A Procuradora Regional da República Geisa de Assis Rodrigues indica como antecedente do ajuste de conduta o parágrafo único do artigo 55 da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (7.244/84), que dispunha: ‗Valerá como título executivo o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público". Tal dispositivo foi precursor da possibilidade de atuação extrajudicial do Ministério Público gerar um título executivo extrajudicial. Para a Procuradora Regional da República, o referido dispositivo ‗permitiu que se imaginasse uma nova amplitude para a atuação do Ministério Público. De outro modo, influenciou sobremaneira o legislador de processo, estando hoje prevista não só na Lei de Juizados Especiais norma de mesmo conteúdo, como também no elenco de títulos executivos extrajudiciais do artigo 585, inciso II, do CPC. E essa é uma contribuição muito relevante quando vige no nosso sistema o princípio da tipicidade dos títulos executivos, cabendo a convergência da manifestação da vontade dos figurantes, para criar a cláusula executiva‘.‖ (http://www.webartigos.com/articles/5233/1/termo-deajustamento-de-conduta-e-efetividade-na-tutela-dos-direitos-transindividuais/pagina1.html, acesso em jan.2010). Todavia, mantém-se a originalidade do acordo não somente referendado mas proposto pelos órgãos públicos legitimados na hodierna Lei de Menores. 8 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 79 Inovava-se o ordenamento jurídico com vistas à realização do direito sem a intervenção da jurisdição estatal, no espírito da vontade que mais tarde direcionaria a reforma constitucional do judiciário (cf. Emenda n. 45/2004), impingindo-se maior agilidade na resolução do ilícito, resultando num título executivo extrajudicial – ou seja, um documento já exequível no caso de descumprimento das obrigações nele inscritas. No entanto, tal instrumental não ficou restrito ao âmbito da legislação infantojuvenil; antes, foi incorporado ao microssistema processual coletivo por meio da Lei 8.078/1990 (Código de defesa do consumidor) que o trouxe para o texto da lei protetiva do consumidor e também para a lei da ação civil pública (LACP – Lei 7.347/1985), onde figura no artigo 5º, § 6º. A partir daí, o Termo de ajustamento de conduta passa a ser aplicado na defesa de todo e qualquer interesse difuso ou coletivo12. 4. Transação sobre interesses indisponíveis? Antes, porém, de se avançar ainda mais no estudo do Compromisso (ou Termo, conforme o jurista) de Ajustamento de Conduta, examina-se também sua juridicidade. Ele existe (está previsto no ordenamento), tem tido relativa eficácia (é aceito e cumprido espontaneamente, na maioria das vezes), mas questiona-se a sua legitimidade: poderia a legislação ter previsto uma forma contratual de resolução sobre conflitos envolvendo bens de natureza coletiva latu sensu e, portanto, indisponíveis13? Parece que a resposta é afirmativa, ainda mais quando se tem em mente os princípios que regem o Direito Ambiental, todos a apontar para a necessidade de se proteger os ecossistemas essenciais à continuidade biológica das espécies ou mesmo os artefatos que compõem a identidade e a cultura de uma nação. Isto porque na ideia básica de princípios no ordenamento jurídico, relembra-se a lição de Alexy ao asseverar que estes são as normas-base que indicam a direção do dado ordenamento, podendo ser entendidos como comandos gerais, abstratos e de otimização dos demais regramentos. Logo, os princípios estabelecem o alicerce e a amplitude normativa e, por isso, orientam a aplicação do Direito, que se consubstanciará em regras quando e para o caso concreto ocorrido no meio social14. E quais são os princípios de Direito Ambiental relevantes para a discussão proposta? Apontem-se alguns, à guisa de ilustração: Princípio da Precaução, definido na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (Eco-92), nos seguintes termos: ―Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 12 Cf. Art. 1º, IV, também da LACP. A definição de direitos indisponíveis renderia, por si só, outro trabalho. Em poucas linhas, são os direitos sobre os quais a declaração de vontade de seu eventual titular, quanto à sua disposição, não é relevante. Exemplo disso é o direito a alimentos: alguém pode não exercê-lo, mas eles são sempre devidos enquanto durar a relação jurídica que obriga a sua prestação. No mesmo sentido – e mais ligado ao assunto aqui desenvolvido –, o direito ao meio ambiente puro e sadio: a União, detentora de rios que banhem mais de um Estado (art. 20, III, CF/1988), não pode aliená-lo para outra nação vizinha, ou dispor que seu uso, gozo e degradação se farão em benefício de uma determinada empresa. O rio é administrado pela União, mas não é seu privatisticamente. Dele não pode dispor. Como bem, também é, neste sentido, indisponível. 14 ALEXY, Robert. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. – São Paulo: Malheiros. p. 87. 13 80 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Princípio do Desenvolvimento Sustentável, definido na seguinte ilustração de JeanMichel Cousteau: ―Devemos considerar o planeta como um capital posto à nossa disposição. Quando geramos esse capital de forma limpa, podemos viver dos seus lucros. Mas, se continuarmos a agir como agimos hoje, acabaremos indo além daquilo que a natureza é capaz de produzir e iremos consumir o próprio capital. Isso, como sabemos, leva à falência‖15. Princípio da Eficiência, que, embora não setorial ao direito ambiental como os demais, é válido para a análise em tela. Diz que a atuação do agente público deve ser organizada, desempenhada e operacionalizada da melhor maneira possível, visando alcançar a prestação com maior nível de qualidade possível. Princípio da interpretação da norma administrativa conforme o fim público a que se dirige, trazido por Wellington Pacheco Barros que, também aplicável à ciência da Administração em geral, diz que ―deve o intérprete administrativo aplicar a norma administrativa tendo como norte o fim público a que a norma se dirige‖16 Tais princípios ilustram o caráter sui generis da tutela ambiental, indicando a necessidade de se repensar alguns institutos jurídicos e seu regramento, com o fim de se permitir uma tutela eficaz e um apaziguamento social racional e efetivo, razão final do próprio Direito. A conservação da natureza e da espécie humana teima em não depender, de per si, das orientações advindas dos alfarrábios jurisprudenciais ou doutrinários... Forte em Alexy e ainda sobre o mesmo tema: ... a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza.17 Como se vê, é da própria natureza do princípio a ideia de proporcionalidade e sopesamento em relação a outras diretrizes principiológicas, com o fim de se atingir o bem comum e a máxima efetividade da teleologia normativa. In casu, se o desiderato é a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente, os princípios tomam as rédeas e direcionam as decisões político-jurisdicionais. Aí, em se tendo uma colisão de princípios, nos dizeres do mesmo Alexy, será feito o sopesamento para que ―um dos princípios [tenha] precedência em face do outro sob determinadas condições‖18, sem que se anule qualquer deles. É uma adaptação ou, como se diz, uma exceção à ―regra‖ (aqui entendida como norma). Um dos princípios terá mais peso no caso em concreto, sem que aquele preterido perca sua força. 15 http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cultura/jean-michel-cousteau-roda-viva-sustentabilidade-preservacao525315.shtml, acesso em jan.2010. 16 Curso de Direito Ambiental – 2.ed. – São Paulo: Atlas, 2008. p. 92 17 Opus cit. p. 117. 18 Idem. p. 93 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 81 É o que ocorre, aliás, no caso do embate entre o caráter ―imexível‖19 dos direitos coletivos e a avença entre partícipes interessados na preservação ambiental (entes legitimados e infratores) que faz com que se restabeleça o equilíbrio ambiental perdido com muito mais rapidez, economia e satisfação para todos. Mas há disposições legais que expressamente afastam conseqüências que, doutro modo, recairiam normalmente sobre determinados fatos a elas sujeitos, tal como a ausência de presunção de veracidade quando da revelia processual, em se tratando a lide de direitos indisponíveis (arts. 319 e 320, II, do Código de processo civil), ou, no mesmo caso, em ocorrendo a confissão (art. 351). Neles, os direitos indisponíveis estão ―postos a salvo‖. Até mesmo o Código civil já traz a advertência: ―Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação‖ (Art. 841). Para os demais, a lei. Seria simplória, porém, a fria interpretação literal ou meramente gramatical. O Direito não pode se ater a um dogmatismo pobre quando está em jogo um direito fundamental como o de um meio ambiente ecologicamente equilibrado que, quando rompido, deve retornar ao status quo ante da melhor maneira possível, referencialmente com a colaboração (e não a coação) de todos. Assim, se a composição amigável e participativa dos envolvidos traz a recomposição – tanto quanto possível – do meio ambiente danificado com menos dispêndio e maior velocidade, não há porque se rejeitar esta alternativa diante de uma pseudo-negativa terminológica. De novo, a disposição civilista tem o viés do negócio privado, do patrimonialismo, do mercado e suas regras. Não podemos trasladar seus conceitos para a discussão no espaço público sem que as necessárias adequações sejam feitas. O ordenamento jurídico quer evitar uma relativização, ou melhor dizendo, uma mercantilização daquilo que não se pode valorar. Ninguém quer dar preço ao ar puro ou ao feto que vai nascer, assim como não há dinheiro que compre a dignidade de uma pessoa. Então, o que não se quer é uma capitalização de bens indisponíveis – que não se podem dispor, com o perdão da redundância. O Direito não quer uma ―tabela de preços‖ para a poluição de um rio ou para se permitir a extração de árvores até a desertificação completa. Neste ponto, então, não se negocia. Não se transaciona. 5. O Termo (ou Compromisso) de Ajustamento da Conduta Todavia, não é esta a visão que norteia o TAC. Na verdade, o que se tem é a preservação do meio ambiente por meio de um instrumento legal, firmado entre os órgãos legitimados para a propositura de Ação Civil Pública e o eventual infrator ambiental, que estabelecerá formas e condições especiais de se prevenir danos e de reparar outros, tudo dentro dos padrões já prefixados. Reitera-se: é justamente fazer valer as disposições ambientais, e não infirmá-las. Por isto a precisa lição de Mazzilli, sumarizando o tópico: Por último, não é preciso insistir em que o compromisso de ajustamento a que alude o § 6º do art. 5º da LACP, tomado extrajudicialmente, não impede que qualquer dos co-legitimados ativos possa discutir em juízo o próprio mérito do acordo celebrado. Esse compromisso tem o valor de garantia mínima em prol do grupo, classe ou categoria de pessoas atingidas; não pode ser garantia máxima de responsabilidade do causador 19 O neologismo, de conhecimento público, aqui é empregado como recurso de reforço da ideia. 82 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos do dano, sob pena de admitirmos que lesões fiquem sem acesso jurisdicional. Entender-se ao contrário seria dar ao compromisso extrajudicial que versa interesses difusos da coletividade a mesma concepção privatista que tem a transação no direito civil, campo em que a disponibilidade é a característica principal. Graves prejuízos decorreriam para a defesa social, a admitir esse entendimento. Não sendo os órgãos públicos referidos no dispositivo os verdadeiros titulares do interesse material lesado, o compromisso de ajustamento que tomam passa a ter o valor de determinação de responsabilidade mínima; não constitui limite máximo para a reparação de uma lesão ao meio ambiente ou a qualquer outro interesse de que cuida a Lei n. 7.34720. Com isso, se é a missão do Direito regular as relações sociais e as destas com o meio ambiente, é certo que, quando ocorre a violação do dever de conduta esperado, as correções necessárias devem ser efetivadas, para o bem do meio ambiente e da própria sociedade que dele usufrui, ―ecologicamente equilibrado‖ e ―essencial à sadia qualidade de vida‖ (Art. 225, caput, CF/1988). Assim, por este prisma, o Termo de ajustamento de conduta (TAC) seria análogo a um ―reconhecimento jurídico do pedido‖ em termos processuais, isto é, o indigitado autuado concorda com a incorreção de sua conduta (comissiva ou omissiva) e, ato contínuo, dispõe-se a adequá-la novamente aos padrões esperados, nos termos avençados por ele e outro órgão legitimado para a avença. Isto porque o TAC tem lugar quando há, de fato, o descumprimento de alguma norma ambiental. Neste sentido, a jurisprudência: TAC. Termo de Ajustamento de Conduta. Inequívoca a presunção de assunção de responsabilidade por prática de infração ambiental de quem firma TAC, pois a proposta de se ajustar a uma conduta compatível com os preceitos ecológicos traz em si a evidência de que, anteriormente ao compromisso, a conduta era desajustada dos ideais ambientais. (Apelação Cível n. 198.392-5/7. Câm. Especial do Meio Ambiente. Apte.: Roberto Sampaio Garcia. Apda.: Fazenda do Estado de São Paulo. Rel. Des. RENATO NALINI. Destaquei). Desta forma, em se tendo o meio ambiente conspurcado por uma atividade vedada pelo ordenamento, dá-se a oportunidade de readequação dessa conduta para que tanto o degradador quanto o responsável pela proteção ambiental possam desfrutar de uma ambiência hígida. Vale lembrar, entretanto, que o acerto entre os entes legitimados e o infrator não tem o condão de, por si só, arrefecer inconformidades passadas. É o que se colhe de precedente jurisprudencial lembrado: Multa. Autuações sucessivas. É legítima a imposição de sanções sucessivas se a conduta infracional perdura no tempo. A assinatura de termo de ajuste de conduta não impede a execução das multas lavradas antes dele. LF n. 9.605/98, art. 79-A (...) (Ap. n. 572.939.5/0-00, Câm. Especial do Meio Ambiente. Apte.: Curtidora Catanduva X/A Indústria e 20 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo – 5.ed. – São Paulo: RT, 1993. p. 215. Sem destaques no original. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 83 Comércio. Apdo.: Fazenda Estadual. Rel. Dês. TORRES DE CARVALHO. Destaquei.) A razão é clara: o ajustamento olha para o futuro. Todavia, se não fosse a ação do degradador, o meio ambiente não teria sido afetado. Logo, não houve uma perpetuação da situação anterior (equilibrada), o que exige não somente uma readequação de conduta para a frente, mas também a recuperação do status quo ante, em favor da restauração da harmonia perdida. Mas quem averigua a correição de determinado TAC? Quem deve assegurar que o ajuste não será utilizado para fraudar a lei ambiental ou mesmo em conluio entre as partes envolvidas, tão-somente para fingir-se que se está preservando o meio ambiente? A resposta se encontra no artigo 127, caput, do texto constitucional, onde se lê que: ―O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis‖ (destaquei). Portanto, ao Parquet cabe a função precípua de velar pela proteção ao meio ambiente, direito difuso por excelência e bem ―essencial à sadia qualidade de vida‖ de todos. Essa atribuição é reforçada ainda na Constituição, em seu art. 129, III, que fala da promoção da Ação Civil Pública para a proteção da ambiência. No campo da legitimidade para a propositura da ACP, não há dúvida que divide espaço com outros entes igualmente autorizados pela norma para a provocação jurisdicional, mas com uma particularidade relevante: embora as outras associações ou entidades públicas possam eventualmente participar da Ação Pública proposta, sua iniciativa ou presença é eventual. No caso do Ministério Público, porém, não há discricionariedade: ele sempre estará presente em juízo como autor ou como fiscal da lei (art. 5º, § 1º, da LACP). Entretanto, cabe outro questionamento, qual seja, a necessidade de participação do MP no acordo extrajudicial. É necessária a sua presença quando se firma TAC de que não tenha participado? Há divergência. Tome-se por exemplo precedente jurisprudencial acerca do tema, envolvendo Ministério Público Federal (MPF), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Agência Nacional de Petróleo (ANP) e Petrobrás S/A: Assim, é preciso ressaltar que a previsão legal estabelece a possibilidade de intervenção do MPF. Desta forma, apesar de aconselhável, desejável, a intervenção do MPF é desnecessária na elaboração do referido TAC. Logo, sua ausência não acarreta, portanto, nulidade do mesmo, por não haver dispositivo legal que imponha tal presença. (AC /415974, TRF – 2. Região. Sétima Turma, Rel. REIS FRIEDE. DJ 13.jan.2009. Destaquei). Nesse caso, entendeu-se que a participação do Ministério Público seria prescindível por se estar diante de uma mera permissibilidade. Numa outra vertente, tem-se que a hipótese não é de simples faculdade, mas constitui um verdadeiro munus público, indeclinável de per si. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro tem por ilógica a exigência de acompanhamento de processos judiciais pelo MP e, ao mesmo tempo, a dispensabilidade deste acompanhamento pelo parquet quando formalizado o instrumento, que tem o mesmo objetivo, com o envolvimento apenas do degradador e de um dos entes legitimados na dicção da LACP. Segundo o mesmo autor: 84 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos É justamente na atividade realizada fora do processo, não pública, que a intervenção do Ministério Público seria mais importante e conveniente, não só para verificar os limites do compromisso, seu cumprimento, bem como adotar, desde logo, as medidas judiciais necessárias à eventual execução pelo seu descumprimento21. Porém, Luis Roberto Proença pondera em sentido diverso, apontando que a avença extrajudicial de ajustamento de conduta, diferentemente do resultado do instrumento processual da ação civil pública, não faz coisa julgada e, logo, não vincula nem o MP e nem qualquer outro legitimado, caso o TAC se revele insuficiente ou impróprio22. Ou seja, o acordo realizado não petrifica a situação jurídica, podendo ser trazida a questão ao Judiciário, sem qualquer vinculação. Assim, visando-se a uma solução mais segura, deve-se chamar o maior número de legitimados para a assinatura do TAC, com especial atenção ao Ministério Público legitimado23, para que o acordo adquira corpo, dê a lídima segurança jurídica esperada (sempre nos limites da legalidade e do interesse público) e também possa atingir sua finalidade precípua, qual seja: resolver o desajuste da forma mais rápida e eficaz possível, com a menor possibilidade de percalços no caminho. Quais são as cominações24 que devem fazer parte do TAC? São as mesmas que eventualmente seriam os pedidos na ACP: condenação em dinheiro para reversão ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos25 ou obrigação de fazer (v.g. reflorestar área desmatada) ou não fazer (não realizar novo desmatamento)26. Sem qualquer delas, o próprio ato perde o sentido. Evidente que tanto a parte que se beneficiará dele precisa que as medidas a serem tomadas sejam claras e possíveis, quanto a parte que cuidará de sua elaboração e fiscalização, para que o faça de modo estritamente legal e eficiente. Em tempo, repete-se: o meio ambiente maculado exige a restauração do dano de forma integral e plena. A indenização pecuniária surge como um escape na impossibilidade de retorno à situação de origem, vindo, em ordem de imposição, apenas após as obrigações 21 A proteção dos direitos difusos através do compromisso de ajustamento de conduta previsto na lei que disciplina a ação civil pública. Tese apresentada e publicada nos anais do 9º Congresso Nacional do Ministério Público, Bahia, 1992, in Livro de Estudos Jurídicos nº 6, do Instituto de Estudos Jurídicos, 1993. Fernando Grella Vieria comunga do mesmo entendimento, com base no art. 5º, § 1º, da LACP, que trata da atuação a título de custos legis do MP, cf. ―A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento de conduta‖ In MILARÉ, Édis (org.). A ação Civil Pública: Lei 7.347/85 A ação Civil Pública: Lei 7.347/85 – 2.ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. pp. 221-249. 22 Inquérito Civil. São Paulo: RT, 2001. p. 128. 23 Para melhor compreensão, declinam-se as palavras de Hugo Nigro Mazzili: ―Unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe; indivisibilidade significa que seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente, mas segundo a forma estabelecida na lei. Nesse sentido, não há unidade ou indivisibilidade entre os membros de Ministérios Públicos diversos; só há, dentro de cada Ministério Público, e assim mesmo, apenas dentro dos limites da lei‖ (Introdução ao Ministério Público à luz da Reforma do Judiciário. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.66. Destaque no original). Idem para Alberto Nogueira Júnior, onde se lê: ―...não será lícito admitir-se a intervenção do Ministério Público Federal e do Ministério Público estadual em Ação Civil Pública proposta perante Judiciário estadual; e, vice- versa, não será lícito ao Ministério Público Estadual, individualmente ou em conjunto com o Ministério Público Federal, litigar perante a Justiça Federal. Haveria, em contrário, ofensa ao princípio federativo de repartição constitucional de competências entre entes políticos federal e locais‖ (disponível em http://jusvi.com/artigos/27191, acesso em abr.2010). 24 Do verbo cominar: impor a condição de; prescrever; ameaçar com pena por desobediência à lei (Dicionário Houaiss). Ver também art. 5º, § 6º, parte final, LACP 25 Ver Decreto 1.306/1994. 26 Arts. 3º e 13, LACP. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 85 de fazer e não-fazer que, infrutíferas ou incapazes de recondicionar a ambiência afetada, não possam trazer de volta a situação de equilíbrio harmônico de outrora. Por isso que, também nesta esteira, reafirma-se, na natureza indisponível dos direitos difusos ambientais objetos da presente reflexão, que as cominações de fazer ou não fazer serão aquelas previstas na lei, mesmo que com um determinado prazo para sua realização. Não é possível, por exemplo, que o acordo preveja a dispensa de uma obrigação legal. O que se pode, v.g., é a obrigação de se obter licenciamento para determinada atividade que esteja assim funcionando irregularmente, mas nunca a dispensa desta necessidade. CONCLUSÃO Em suma, o instrumento do TAC revela grande potencial para solucionar com maior rapidez e eficiência as eventuais irregularidades em relação ao meio ambiente, prescindindo-se da tutela judicial e abrindo-se caminho para a resolução acordada entre entes de defesa desse direito difuso e a parte agressora. Assim, tem-se uma avença melhor, mais objetiva e mais plenamente aceita – e cumprida – pelos envolvidos. Porém, não se pode dizer que o órgão legitimado para sua propositura estaria ―negociando‖ o cumprimento da legislação ambiental, mas sim que estão, ele e a parte adversa, adequando as condutas às regras vigentes, sem necessidade de citação, dilação probatória, vai-e-vem processual, dentre outros. Simplifica-se e acelera-se o processo de restabelecimento do equilíbrio perdido, de forma mais consensual entre os integrantes da querela. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. – São Paulo: Malheiros, 2008. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental – 12.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009. BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Ambiental – 2.ed. – São Paulo: Atlas, 2008. PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito Civil – São Paulo: RT, 2001. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo – 5.ed. – São Paulo: RT, 1993. MILARÉ, Édis (coord.). A ação Civil Pública: Lei 7.347/85 – 2.ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. INTERNET: http://www.webartigos.com/articles/5233/1/termo-de-ajustamento-de-condutae-efetividade-na-tutela-dos-direitos-transindividuais/pagina1.html, acesso em abr.2010; _________, http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cultura/jean-michel-cousteau-rodaviva-sustentabilidade-preservacao-525315.shtml, acesso em abr.2010; _________, http://jusvi.com/artigos/27191, acesso em abr.2010. 86 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos LEGITIMIDADE NO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO Wagner Jacinto de Oliveira* Alexandre Walmott Borges** SUMÁRIO: 1. Introdução. 1.1. Sobre a natureza jurídica da legitimidade de agir. 2. Representatividade adequada: a influência das class actions norte-americana e o modelo legislativo do Brasil. 2.1. As class actions e o requisito da adequacy of representation. 2.2. A representatividade adequada no ordenamento jurídico brasileiro. 3. legitimidade Passiva. 4. Conclusão 5. Referências. 1. INTRODUÇÃO Na atualidade enfrentamos o problema referente à tutela jurisdicional dos chamados direitos coletivos. Nesse viés há que se discutir em especial sobre os legitimados para a defesa desses direitos. e interesses. Ao se admitir a proteção jurídica aos interesses transindividuais, cabe solucionar a legitimidade para agir, a quem cabe a propositura da ação judicial no afã de alcançar a tutela pretendida. Tomando como referência a evolução legislativa no direito pátrio, podemos citar a Lei da Ação Civil Pública, instituindo um rol de legitimados o que pode ser percebido posteriormente pelo Código de Defesa do Consumidor. O Código de Defesa do Consumidor inaugura uma nova forma de institucionalização dos legitimados em interesses metaindividuais. Em regra temos que a legitimação ativa às ações coletivas é atribuída ao Ministério Público; à União, Estados ou Municípios e ao Distrito Federal; às autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista; às associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos e às entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos. Na nossa Carta Maior além de haver previsão sobre a atuação dos sindicatos e das comunidades indígenas, previu ainda o mandado de segurança coletivo que pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação constituída legalmente e em funcionamento há pelo menos um ano, sempre em defesa dos interesses daqueles que são membros e dos que são associados. Há outro instrumento a disposição do cidadão que é a Ação Popular. * Mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP; advogado; professor universitário. Doutor em Direito pela UFSC, Florianópolis-SC; professor do curso de pós-graduação em Direito da UNESP, FrancaSP; Coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia. ** Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 87 A história do direito oletivo tem evoluído muito, de maneira que a lei e a jurisprudência caminham nessa evolução no afã de ampliar o rol de legitimados em defesa dos direitos metaindividuais. 1.1 Sobre a natureza jurídica da legitimidade de agir È de suma importância a aferição sobre a natureza jurídica da legitimação para agir nas ações coletivas: a doutrina processual discute se seria hipótese de legitimidade extraordinária, ordinária ou, ainda, de uma espécie de legitimidade especialmente adequada à tutela dos direitos coletivos. Numa análise histórica a discussão sobre ações coletivas já foi feita por vários doutrinadores. Uma das primeiras foi tecida pela corrente doutrinária liderada por José Carlos Barbosa Moreira defendia haver legitimidade extraordinária (substituição processual). Para o processualista, a tutela jurisdicional dos direitos transindividuais independia de autorização da legislação processual. Num outro viés, a concepção de uma segunda teoria concebida por Kazuo Watanabe que procurou extrair do próprio sistema jurídico vigente, através de uma interpretação flexiva do art. 6º do CPC, uma legitimidade ordinária por parte das entidades criadas no seio da sociedade com a finalidade de defesa dos direitos metaindividuais. Numa postura de superação da clássica dicotomia nasce um terceiro posicionamento que foi introduzido por Nelson Nery Junior1, em uma evidente tentativa de superação da clássica dicotomia. Para esse teórico processualista, a legitimação para a causa deve ser vista ―como instituto ligado ao direito material individual a ser discutido em juízo‖ e, dessa forma, ―não se pode ter esse mesmo enfoque quando se fala de direitos difusos, cujo titular do direito material é indeterminável‖. No âmbito das ações coletivas haveria, então, uma ―legitimação autônoma para a condução do processo‖. Criticando a corrente doutrinária que entende ser extraordinária a legitimação para agir no âmbito dos interesses supraindividuais, identificando-a com o fenômeno da substituição processual, afirma o doutrinador: Os casos de substituição processual determinados pela lei se distinguem dos de legitimação para as ações coletivas, pois naqueles o substituto busca defender direito alheio de titular determinado, enquanto nestas o objetivo dessa legitimação é outro, razão por que essas ações têm de ter estrutura diversa do regime da substituição processual.2 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário ao art. 5º da LACP, determinam: Para as ações coletivas na tutela de direitos difusos e coletivos, tratase de legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige prozeβführungsbefugnis), ordinária. Quando a ação coletiva for para a tutela de direitos individuais homogêneos, haverá substituição processual, isto é legitimação extraordinária.3 1. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 116 a 123 2 Idem, nota (198), p. 117 3 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 5 ed. São Paulo: RT, 2001, p. 1530 88 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Nelson Nery Junior reafirma tal posicionamento ao comentar o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor: A dicotomia clássica legitimação ordinária-extraordinária só tem cabimento para a explicação de fenômenos envolvendo direito individual. Quando a lei legitima alguma entidade a defender direito não individual (coletivo ou difuso), o legitimado não estará defendendo direito alheio em nome próprio, porque não se pode identificar o titular do direito. Não poderia ser admitida ação judicial proposta pelos ―prejudicados pela poluição‖, pelos ―consumidores de energia elétrica‖, enquanto classe ou grupo de pessoas. A legitimidade para a defesa dos interesses difusos e coletivos em juízo não é extraordinária, mas sim legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige prozeβführungsbefugnis): a lei elegeu alguém para a defesa de direitos porque seus titulares não podem individualmente fazê-lo. 4 No entendimento de Antonio Gidi, o sistema de classificação da legitimidade processual em ordinária e extraordinária não pode ser aplicado às ações coletivas, e tem seu posicionamento ―(...) uma espécie anômala de substituição processual (que, por sua vez já é considerada uma legitimidade anômala) secundum eventum litis, em que o substituído seria apenas atingido pela coisa julgada da sentença favorável‖.5 No tocante à legitimação dos interesses difusos e coletivos, embora pareça que a maioria da doutrina posiciona-se pelo o entendimento segundo o qual, estar-se diante de legitimidade extraordinária, havendo substituição processual da coletividade, o tema ainda desperta discussões. Por outro lado, a doutrina parece concordar quanto à natureza extraordinária da legitimação para agir no âmbito da tutela dos interesses individuais homogêneos. Cândido Rangel Dinamarco, ao tratar da tutela coletiva e da legitimidade adequada das entidades previstas nos arts. 5º da LACP e 82 do CDC, observa: ―a idoneidade dessas entidades qualifica-as como legitimas substitutas processuais dos interessados e sua participação satisfaz às exigências do contraditório‖.6 Prestigiando posição semelhante, Pedro da Silva Dinamarco conclui: o interesse poderá pertencer a pessoas determinadas ou indetermináveis, mas sempre pertencerá a terceiros que não fazem parte da relação jurídica processual. E é isso que importa para caracterizar a legitimidade como extraordinária, pois alguém será substituto processual sempre que a lei autorizar essa pessoa a ajuizar uma demanda em nome próprio para defender direito alheio, conforme previsão genérica do art. 6º do Código de Processo Civil. Assim, nessas hipóteses as partes legitimas não correspondem aos integrantes da relação de direito material controvertida, ou seja, não correspondem precisamente a uma situação legitimante. 7 4 Idem, p. 1.885 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, p. 44 6 Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo: Malheiros, 2001, vol 1, p. 219 7 Ação Civil Pública, p. 204 e 205 5 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 89 Alguns doutrinadores, contudo, realçam a presença da legitimação ordinária quando alguém, ainda que legitimado extraordinariamente para defender em juízo interesses de terceiros, também esteja a defender interesse próprio. Dentro dessa linha de raciocínio, Rodolfo de Camargo Mancuso sustenta que se trata de verdadeira legitimação ordinária quando o Ministério Público, os entes políticos, seus órgãos descentralizados e as associações, em nome próprio, propõem ações judiciais em defesa de interesses que lhes são próprios. 8 Não se pode deixar de reconhecer que, quando se trata de tutela coletiva, sempre haverá defesa, em nome próprio, de interesse alheio da coletividade. Na ação civil pública ou coletiva, os legitimados ativos, ainda que atuem de forma autônoma e possam também defender interesses institucionais, estão sempre na defesa de um direito alheio de uma coletividade, substituído-a. Em estudo sobre o tema, Hugo Nigro Mazzilli sintetiza tal entendimento: Com efeito, não é apenas em matéria de interesses individuais homogêneos (e, portanto, divisíveis) que se dá a substituição processual dos lesados pelos co- legitimados ativos às ações de caráter coletivo. Na verdade, também nas ações civis públicas que versem interesses coletivos em sentido estrito, temos a defesa de uma soma de interesses individuais, ou seja, os interesses coletivos, conquanto indivisíveis, não passam de interesses individuais somados, tanto que cada um dos lesados pode defender seus interesses uti singuli. (...) Por fim, até mesmo nas ações civis públicas que versem a defesa de interesses difusos, o legitimado ativo não está apenas defendendo interesse próprio, mas sim agindo no zelo de interesses compartilhados por cada um dos integrantes do grupo de indivíduos lesados.9 No que se refere à ação popular, na qual o cidadão busca ―a tutela jurisdicional de interesses que não lhe pertence, ut singuli, mas à coletividade‖.10 Embora a discussão doutrinária ainda persista, como já visto, a referida problemática perdeu muito da sua importância prática com o advento da Lei 7.347/85 e das que lhe seguiram. Pedro Lenza comenta essa nova realidade, caracterizada pela existência de previsão legal no que se refere à legitimidade de agir na tutela dos interesses coletivos: A partir do advento dos dispositivos legais já relacionados, contudo, a preocupação que se deve ter não é tanto com a natureza jurídica da legitimação, mas, em particular, com a problemática da efetividade do processo, buscando-se saber se as alterações propostas cumpriram o seu objetivo maior que era o de proporcionar uma adequada representação jurídica dos interesses transindividuais. 11 Superada a discussão acerca da natureza jurídica da legitimação em sede de interesses transindividuais, cumpre, ainda, dizer que esta também se caracteriza por ser concorrente, no sentido de que todas as entidades são simultânea e independentemente legitimadas para agir; disjuntiva, pois qualquer uma das entidades co-legitimadas poderá 8 Interesses Difusos, p. 261 A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 62 10 AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional positivo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 439 11 Teoria Geral da Ação Civil Pública, p. 174 9 90 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos propor a ação coletiva sem necessidade de formação de litisconsórcio ou de autorização por parte dos demais co-legitimados; exclusiva, porque somente aquelas entidades taxativamente previstas em lei podem ajuizar ação coletiva; e autônoma, pois a presença do legitimado ordinário, quando identificado, é totalmente dispensada. 12 2. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA – A INFLUÊNCIA DAS CLASS ACTIONS NORTE-AMERICANAS E A OPÇÃO LEGISLATIVA DO BRASIL 2.1 As class actions e o requisito da adequacy of representation De maneira bastante simplificada, pois não se pretende analisar o instituto de maneira minuciosa, pode-se dizer que a class action norte-americana, regulada, no âmbito federal, pela Regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure, é originária do direito inglês e foi criada pelo Bill of Peace do século XVII. O instituto exerceu, sem dúvida, grande influência na elaboração da Lei da Ação Civil Pública, em uma tentativa de adaptar os esquemas do Direito norte-americano a realidade nacional. Por essa razão, o estudo de algumas das suas peculiaridades é fundamental a uma melhor compreensão da tutela coletiva no Brasil. A class action do sistema norte-americano pressupõe ―a existência de um número elevado de titulares de posições individuais de vantagem no plano substancial, possibilitando o tratamento processual unitário e simultâneo de todas elas, por intermédio da presença, em juízo, de um único expoente da classe‖.13 Remetendo-se à doutrina norte-americana, Pedro da Silva Dinamarco, sistematiza os requisitos necessários para que seja admitida uma class action: em qualquer dessas demandas a jurisprudência exige a presença simultânea de sete requisitos, quatro deles expressamente previstos na alínea (a) da mencionada Regra: (1) haver uma classe; (2) o candidato a representante da classe ser um membro dela; (3) a classe ser tão numerosa que a reunião de todos os membros (ainda que por meio litisconsórcio) seja impraticável; (4) haver questões de fato ou de direito comuns a todos os membros da classe representada; (5) os pedidos ou defesas dos litigantes serem idênticos aos pedidos ou defesas da própria; (6) estar configurada a representatividade adequada, ou seja, o autor deve ser capaz de defender adequadamente os interesses dos membros da classe que estejam ausentes no processo; e, finalmente, (7) estar configurada alguma das hipóteses contidas nas alíneas (b)(1), (b)(2) ou (b)(3). 14 O requisito da representação adequada (adequacy of representation) interessa de maneira particular os objeto do presente estudo, pois retrata o sistema de legitimação adotado pelo direito norte-americano para as class actions. 12 Tal classificação leva em consideração a sistematização proposta por José Carlos Barbosa Moreira para a legitimação extraordinária, conforme exposto no Capitulo primeiro desse trabalho. 13 Vincenzo Vigoriti, Interessi collettivi e processo: la legittimazione ad agire Milão, Giuffè, 1979, p.254 14 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública.São Paulo: Saraiva, 2001, p.125 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 91 Como pressuposto da class action, está a legitimidade, pois, submetida à análise do magistrado, a quem cumpre avaliar se a possibilidade de representação conferida pela lei está, no caso concreto, justificada na medida em que for exercida devida e adequadamente. Antonio Gidi observa que ―caso algum interessado se sinta prejudicado pela forma como a ação coletiva foi conduzida, ingressará com a sua ação individual demonstrando preliminarmente a inadequada representação‖.15 Para um membro representar adequadamente a classe ele também deve ter pretensão similar aos demais membros da classe. A representação adequada poderia ainda ser constatada pela existência de algum motivo relevante que leve a acreditar que o autor esteja bastante motivado por outros fatores não relacionados à causa em si, como cobiça, vingança ou perseguição de uma vantagem competitiva.16 A respeito da exigência, para fins de representação adequada, de que tenha o representante seu interesse próprio e individual semelhante ao interesse compartilhado pelos demais membros, José Rogério Cruz e Tucci17 afirma que: De modo assemelhado à legitimação ativa conferida para a ação popular de nosso sistema jurídico, o demandante, na class action, apresenta-se como legitimado ordinário concorrente – real party in interest -, buscando tutelar interesse próprio e, ainda, como ―representative” dos membros componentes de toda a categoria da qual faz parte.18 No mesmo sentido, observou Márcio Flávio Mafra Leal: (...) no caso do sistema anglo-americano, em que um ou mais indivíduos representam a classe inteira, a legitimação é ordinária em relação ao direito próprio em jogo e extraordinária, por substituição processual, em relação ao direito dos demais membros da classe .19 Comentando o requisito da representação adequada, Pedro da Silva Dinamarco afirma que: O fator mais critico a ser esmiuçado da apuração da adequacy of representation é se existe relevante conflito ou antagonismos de interesses entre o representante e os outros membros da classe, devendo a atuação dos representantes exprimir os anseios da categoria, ainda que não haja unanimidade dos integrantes da classe sobre a pessoa do representante20 Ainda sobre o tema, salienta Marcelo Abelha: 15 GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 238 citação de Pedro da Silva Dinamarco (p. 134) 17 TUCCI, José Rogério Cruz e. “Class Action” e Mandado de Segurança Coletivo. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 21 18 Embora acertada em relação ao requisito na representatividade adequada, a observação feita pelo doutrinador em relação à legitimação na ação popular parece equivocada, pois o autor popular não deve ser visto como legitimado ordinário concorrente e sim como legitimado extraordinário. 19 LEAL, Marcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: historia, teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p.127 20 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública.São Paulo: Saraiva, 2001, 135 16 92 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Assim, em relação ao membro da classe sobre o qual recairá a condição de adequado representante, deve o magistrado pesquisar se ele persegue em juízo, além do direito da classe, um direito seu e, até mesmo se ―esse seu direito‖ representa importante parcela do todo. 21 Feitas essas breves considerações acerca do instituto da representatividade adequada, pode-se concluir que, nos Estados Unidos da América, a legitimidade ativa ou passiva para a propositura da class action é de qualquer integrante da categoria, independentemente de autorização especifica ou de consenso unânime da classe representada. O direito brasileiro, por sua vez, optou por especificar, em lei, aqueles legitimados à defesa dos interesses metaindividuais. Assim, enquanto nas class actions norte-americanas a legitimidade é do individuo, para que ele exerça a representatividade adequada da coletividade, examinada pelo juiz em cada caso concreto, aqui o autor é um representante institucional, previsto em abstrato pelo legislador. Comparando os dois sistemas legais, Kazuo Watanabe arrisca uma explicação para o fato de não ter a LACP adotado, no que se refere à legitimação das partes, o regramento norte-americano das class actions: Todavia, não se chegou ao ponto de legitimar a pessoa física às ações coletivas, talvez pela insegurança gerada pela falta de norma expressa sobre a aferição, pelo juiz, da ―representatividade adequada‖, talvez para se manter um ponto de distanciamento em relação à legitimidade para a ação popular.22 Contudo, algumas exigências e previsões trazidas pela legislação pátria ensejam algumas discussões acerca da representatividade adequada no direito brasileiro. 2.2 A representatividade adequada no ordenamento jurídico brasileiro A problemática da representatividade adequada é, no que se refere ao rol de legitimados proposto pelo art. 5º da LACP, mais agudamente sentida quando se questiona da legitimação das associações. Versando sobre o assunto, merece transcrição o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli, que entende tratar-se a exigência de verdadeiro pressuposto processual: Para ajuizar ações civis públicas ou coletivas, ou intervirem na qualidade de litisconsortes ou assistentes litisconsorciais no pólo ativo, as associações civis precisam deter representatividade adequada do grupo que pretendam defender em juízo. Essa representatividade é aferida à vista do preenchimento de dois requisitos: a) pertinência temática – requisito indispensável, que corresponde à finalidade institucional compatível com a defesa judicial do interesse; b) pré-constituição há mais de um ano – requisito que o juiz pode dispensar por interesse social, conforme a dimensão ou as 21 22 ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 26 WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 800 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 93 características do dano, ou conforme a relevância do bem jurídico a ser defendido.23 Em posição diametralmente oposta, Pedro da Silva Dinamarco pontua que: entre nós não existe um verdadeiro requisito da representatividade adequada para que os legitimados possam ajuizar uma ação civil pública, ao contrário do que sustentam alguns doutrinadores. Dizem eles que as associações teriam de demonstrar essa qualidade mediante tempo mínimo de constituição e autorização expressa em seus estatutos ou por deliberação em assembléia. (...) Entretanto, esse requisito nada tem que ver com a representatividade adequada, que exprime um conjunto de fatores que demonstrariam concretamente ao juiz, durante todo o curso do processo, ser o autor pessoa idônea, que irá despender eficazmente todos os esforços necessários para a defesa dos interesses das pessoas ausentes do processo. Por outro lado, aquela autorização interna da associação é apenas requisito abstrato para que esteja plenamente satisfeita a legitimidade extraordinária em cada caso, não significando que a entidade irá realmente defender de forma adequada os interesses dos substituídos. É condição da ação, portanto, e não pressuposto processual. 24 A discussão ganhou fôlego com a ampliação do rol de legitimados da LACP pelo CDC que, em seu art. 82, § 1º, admite a dispensa pelo juiz do requisito da pré-constituição, quando ―haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido‖. A questão é saber, portanto, se cabe ao juiz brasileiro o controle da representatividade adequada do ente legitimado. Sobre o tema, discorre Ada Pellegrini Grinover: O Projeto de Lei Flávio Bierrenbach, que resultou dos trabalhos da comissão constituída por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Junior, havia escolhido a via do controle expresso da representatividade adequada pelo juiz. No entanto, a Lei n. 7.347/85 (a chamada ‗Lei da Ação Civil Pública‘) acolheu, nesse ponto, o substitutivo do Ministério Público paulista, preferindo a formula da legitimação ope legis acima referida, sem referência expressa à adequação da representatividade. A seguir, quer a Constituição de 1988, quer o Código de Defesa do Consumidor de 1990, seguiram o mesmo caminho. Todavia, problemas práticos têm surgido pelo manejo de ações coletivas por parte de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não apresentam a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma defesa processual válida, dados sensíveis esses que constituem as características de uma ―representatividade‖ idônea e adequada. E, mesmo na atuação do Ministério Público, têm aparecido casos concretos em que os 23 24 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo, p. 267 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública.São Paulo: Saraiva, 2001, p. 201-202 94 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos interesses defendidos pelo parquet não coincidem com os verdadeiros valores sociais a classe de cujos interesses ele se diz portador em juízo. Assim, embora não seja esta a regra geral, não é raro que alguns membros do Ministério Público, tomados de excessivo zelo, litiguem em juízo como pseudo-defensores de uma categoria cujos verdadeiros interesses podem estar em contraste com o pedido. Para casos como esse, é que seria de grande valia reconhecer ao juiz o controle sobre a legitimação, em cada caso concreto, de modo a possibilitar a inadmissibilidade da ação coletiva, quando a ―representatividade‖ do legitimado se demonstrasse inadequada. 25 Afirma, ainda, a doutrinadora: O art. 82, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor permite ao juiz dispensar a associação do requisito da pré-constituição há pelo menos um ano, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. A análise atribuída ao juiz no caso concreto, para o reconhecimento da legitimação, está muito próxima do exame da representatividade adequada, podendo-se afirmar que, a contrario sensu, o juiz pode negar a referida legitimação, quando entender não presentes os requisitos da adequação. 26 Parece correto afirmar, portanto, que o sistema brasileiro, embora não o afirme expressamente, não é avesso ao controle da representatividade adequada, pelo juiz, em cada caso concreto. Admitir posição em contrário, como o faz Nelson Nery Junior, que chega a afirmar que o juiz está proibido de avaliar a adequação do representante27, significa dizer que o juiz está obrigado a aceitar a situação do passivamente, por mais clara que seja a incompetência ou a negligência do representante do grupo durante o desenrolar do processo coletivo. No particular, a lição de Antonio Gidi é a seguinte: É verdade que o juiz brasileiro não tem os mesmos poderes que o juiz americano para controlar a adequação do representante em uma ação coletiva. Todavia, embora se reconheça que essa atividade seja desenvolvida de uma forma precária pelo juiz brasileiro, a representação adequada dos interesses do grupo não pode ser deixada completamente fora do controle judicial. Embora seja claro que o papel do juiz brasileiro é diferente do juiz americano, isso não significa que nosso juiz seja completamente inerme e esteja incapacitado de exercitar algum controle de adequação do representante, especialmente se auxiliado por instrumentos cuidadosamente concebidos para facilitar sua tarefa.(...) Apesar de não estar expressamente previsto em lei, o juiz brasileiro não só pode como tem o dever de avaliar a adequada representação 25 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações Coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. In Revista Forense, 301, p. 3-12 26 Idem 27 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. p. 1886 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 95 dos interesses do grupo em juízo. Se o juiz detectar a eventual inadequação do representante, em qualquer momento do processo, deverá proporcionar prazo e oportunidade para que o autor inadequado seja substituído por outro, adequado.28 Por fim, cumpre salientar que, prestigiando o instituto, o Anteprojeto do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-America prevê a exigência da representatividade adequada de forma expressa: Art 2o. São requisitos da demanda coletiva: I – a adequada representatividade do legitimado; (...) Par.2o. Na análise da representatividade adequada o juiz deverá analisar dados como: a – a credibilidade, capacidade, prestígio e experiência do legitimado; b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos dos membros do grupo, categoria ou classe; c – sua conduta em outros processos coletivos; d – sua capacidade financeira para a condução do processo coletivo; e – a coincidência entre os interesses dos membros do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda; f – o tempo de instituição da associação e a representatividade desta ou da pessoa física perante o grupo, categoria ou classe. 3. LEGITIMIDADE PASSIVA O pólo passivo da lide nas ações coletivas poderá ser preenchido, de modo geral, por qualquer pessoa física, jurídica ou ente dotado de personalidade jurídica, bastando que, conforme observou José Marcelo Menezes Vigliar, ―(...) realize, ou ameace realizar um conduta que cause lesão a quaisquer dos interesses transindividuais: meio ambiente, consumidor, patrimônio público, patrimônio cultural etc.‖29 O problema se coloca, contudo, quando se analisa a possibilidade da propositura de eventual ação contra a classe, a denominada defendant class action do direito americano. O Direito norte-americano prevê, de forma expressa, a defendant class action na alínea (a) (3), da Rule 23, das Federal Rules of Civil Procedure, ou seja, autoriza que uma ação coletiva seja ajuizada em face de representante de interesses de toda uma classe. Conforme bem salientado por Ada Pellegrini Grinover, a questão do reconhecimento ao juiz de poderes para aferir a representatividade adequada é de suma importância para a ação coletiva passiva: Condição sine qua non para a admissibilidade da ação contra a classe, em qualquer ordenamento, é a de atribuir ao juiz o papel central de identificar a referida classe, e isto porque a adequacy of representation, nesse caso, é efetivamente condição necessária e suficiente para que a sentença possa vincular todos os componentes 28 29 GIDI, Antonio. A representação adequada nas ações coletivas brasileiras: uma proposta. Revista de Processo. São Paulo: 108, p. 61-70, outubro-dezembro, 2002 José Marcelo Menezes Vigliar Ação Civil Pública, 4 ed, p. 85 96 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos da classe, independentemente de sua participação individual no processo. 30 Nesse particular, merece destaque a lição de Pedro Lenza: Valendo-se da experiência norte-americana, falar-se em ações coletivas a serem promovidas em face da classe implica revitalizar o papel do juiz como o verdadeiro protagonista, que deverá assumir a imprescindível missão de identificação da classe (defining function) e de controle sobre a efetiva capacidade de representação (adequacy of representation). 31 Conforme já visto, muito embora o ordenamento jurídico brasileiro não traga previsão expressa sobre a questão, o controle judicial sobre a representatividade adequada pode ser inferido do sistema. Dessa forma, resta saber se o ordenamento jurídico brasileiro também admite a possibilidade de ação coletiva a ser movida em face da classe. Arruda Alvim comentando o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor e perquirindo a possibilidade de os legitimados do art. 82 serem réus em ações autônomas, ou em reconvenção, conclui que os entes legitimados no art. 82 não podem ser réus em ação, coletiva ou individual.32 Em sentido aparentemente contrário, Rodolfo de Camargo Mancuso admite a legitimidade ad causam passiva de determinadas associações que representam os direitos da comunidade.33 Assim, parece correto o posicionamento que admite a possibilidade da propositura de ação em face de classe no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, conclui Pedro Lenza: ―Reconhece-se que esse tipo de ação não é comum. Não se pode, contudo, ignorála‖.34 4. CONCLUSÃO Os bens coletivos são caracterizados por sua indivisibilidade (fruição do bem por um agente não impeça a dos demais em qualidade e quantidade equivalentes) e caráter público (não admitem parcelamento para apropriação privada). A defesa em juízo desses bens coletivos encontra um problema operacional quando relegada ao patrocínio de indivíduos: na maioria das vezes o desequilíbrio entre o proveito individual que proporciona ao autor não é compatível com os custos de propositura. Isso porque os custos envolvem gastos para reunir o maior número de pessoas possível, de obter conhecimento técnico e científico para compreender a situação, divulgação dos problemas levantados, contratação de profissionais capacitados, etc. Tal incompatibilidade gera o chamado efeito carona (ou free riding), onde os custos para a defesa do bem são limitados a uma pessoa, mas o benefício é difuso na sociedade. Mesmo quem não concorre para tutela dos bens é beneficiado. Essa conseqüência cria 30 Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. Revista Forense, v. 98, n. 361, p. 3-12, Rio de Janeiro, maio-jun. 2002 Teoria Geral da Ação Civil Pública, p. 199 32 ARRUDA ALVIM, José Manoel de et al. Código do Consumidor comentado 2 ed, São Paulo, RT, 1995, p. 346347 33 Interesses difusos, conceito e legitimação para agir. 2 ed. São Paulo: RT, 1991, p. 134-136 34 Teoria Geral da Ação Civil Pública, p. 203 31 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 97 ambiente contrário à tutela coletiva, porque haveria um impulso natural para imobilidade dos agentes. Essa não é uma barreira intransponível, quando consideradas as motivações ideológicas sempre presentes na tutela coletiva. Mas trata-se de uma barreira econômica importante, sempre colocada na balança na hora de se propor medidas de interesse coletivo. Esse é um sério problema para o sistema americano de ações coletivas, baseado na propositura da ação por indivíduos. Para solucioná-lo utiliza-se um sistema de incentivos a que propõe a ação: as verbas de sucumbência, regularmente altas, são pagas pelo réu em benefício do autor e advogados, de maneira que recebem por prestar serviço ao grupo social. Além disso, tenta-se reduzir os custos da ação para tornar interessante sua propositura. O sistema legal brasileiro é diferente por usar de mecanismos públicos (entidades estatais e Ministério Público) e privados (associações privadas) para defesa de direitos coletivos. A prevalência da defesa através de ações judiciais movidas por órgão público no Brasil se deve a avaliação econômica do custo, mais facilmente suportado pelo Estado que pelo particular. Tanto assim é que o número de ações coletivas propostas pelo Ministério Público é infinitamente maior do que aquelas propostas por entidades privadas. Os mecanismos públicos de defesa dos interesses sociais funcionam como um redutor de custos, amenizando o efeito carona. Apesar dessa ser uma boa razão para atribuir aos entes públicos legitimidade para propositura ações coletivas, é necessário avaliar quão legítimo é esse mecanismo. A conta de diferenças de impacto e percepção social sobre o bem coletivo a mera legitimação institucional não protege necessariamente os direitos coletivos. Dessa forma, ao se optar pela legitimação institucional é imperativo criar meios de controle de atuação, franqueando participação da sociedade nos processos internos de decisão. A legitimidade processual não pode ofuscar a legitimidade política da defesa do bem comum. 5. REFERÊNCIAS ARRUDA ALVIM, José Manoel de et al. Código do Consumidor comentado 2 ed, São Paulo, RT, 1995. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo. n. 61. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan-mar/1991. GIDI, Antônio. A Representação Adequada nas Ações Coletivas Brasileiras: uma proposta. Revista de Processo. n. 108. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações Coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada. Revista Forense. nº. 361. 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O Grupo como Legitimado Passivo no Direito Norte-Americano e no Brasil. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília, jan-mar/2004. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Defendant Class Action Brasileira: limites impostos para o ―Código de Processos Coletivos‖. In: Ada Pellegrini Grinover et al. (coord.) Direito Processual Civil e o Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 99 100 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos A LITISPENDÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS Maria Carolina Florentino Lascala* Riva Sobrado de Freitas** SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Considerações iniciais sobre a litispendência. 3. Ações coletivas propostas por legitimados diversos. 4. Efeitos da litispendência nas ações coletivas. 5. Conexão, continência e litispendência. 6. Litispendência nas ações coletivas com procedimentos variados. 7. A relação entre ações coletivas e ações individuais. 8. Considerações finais. REFERÊNCIAS. 1. INTRODUÇÃO No início da década de 1970, especialmente após os trabalhos de Mauro Cappelletti1, ampliou-se o reconhecimento da necessidade de uma tutela jurisdicional própria para os interesses transindividuais, cujas regras tradicionais de processo civil já não os atendiam com eficiência. Essa necessidade de princípios processuais específicos para a tutela coletiva justifica-se pelas particularidades dos interesses difusos, coletivo (stricto sensu) e individuais homogêneos, que são interesses que transcendem a esfera particular do indivíduo, abrangendo grupos de pessoas determináveis ou mesmo indetermináveis. No Brasil, a primeira vez que se pensou sobre a defesa do interesse coletivo foi com o surgimento da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) e, mais tarde, com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85). Também a Constituição Federal de 1988 trouxe sua imensa contribuição, principalmente com a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX). Mas foi somente com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) que as ações coletivas ganharam força e notoriedade2. A partir de então, muitas outras leis foram criadas e as ações coletivas vêm obtendo cada vez mais destaque no Direito Processual Brasileiro, privilegiando os princípios da economia processual e da efetividade da jurisdição. Em evento realizado pela Advocacia-Geral da União, em junho de 2008, formou-se uma comissão especial de juristas para estudar o aperfeiçoamento da tutela coletiva no Brasil, que culminou, em março de 2009, com o encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei n. 5139/09, que reestrutura a Ação Civil Pública, objetivando a adequação das regras processuais para todo o sistema de direitos coletivos. * Mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP; Advogada Geral da União. Doutora em Direito professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UNESP, Franca-SP. 1 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 2 ALVIM, Eduardo Arruda. Coisa julgada e litispendência no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: www.arrudaalvim.com.br/pt/artigos/15.asp?id=artigos&lng=pt ** Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 101 De fato, o processo coletivo precisa de normas que atendam satisfatoriamente às peculiaridades do direito material por ele instrumentalizado, especialmente em relação à legitimação das partes, à competência, à coisa julgada e à litispendência, que o Projeto de Lei n. 5139/09 resolveria, em boa parte, com suas disposições bem elaboradas. 2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A LITISPENDÊNCIA A litispendência é um dos pressupostos processuais negativos prevista no artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil, como causa de extinção do processo sem resolução do mérito. De acordo com o §1º do artigo 301 do Código de Processo Civil, verifica-se a litispendência quando se reproduz ―ação anteriormente ajuizada‖. Isso nos leva à conclusão de que a litispendência ocorre quando os três elementos da ação forem idênticos: partes, pedido e causa de pedir. O réu pode alegar a litispendência a qualquer tempo, mesmo após a contestação, e o juiz, ainda que de ofício, deve conhecê-la. Na prática processual e na maioria das vezes, quem tem possibilidade de reconhecer a litispendência é o réu que está sendo demandado em duplicidade. Mas nem sempre é fácil identificá-la de imediato, principalmente quando uma das partes é o Ministério Público ou pessoa jurídica de direito público (ex: União, Estados), defendida por milhares de procuradores diversos. Veja o exemplo de um dano ambiental que extrapola os limites de um dado município. Pode ocorrer de o promotor de justiça de uma das comarcas afetadas pelo dano propor ação civil pública em defesa do meio ambiente e um outro promotor de justiça, do município vizinho, sem conhecimento da atuação de seu colega, propor ação idêntica. Em ambas as ações a parte ativa é o Ministério Público. O réu (causador do dano) também será o mesmo. Ainda considere igual a causa de pedir (dano ambiental) e o pedido (de reparação). Havendo tríplice identidade entre os elementos da demanda, pode-se afirmar com certeza a existência de litispendência. Neste exemplo, o mais provável é que o réu identifique estar sendo demandado pela segunda vez pelo mesmo motivo e comunique aos juízes das causas. Porém, em sendo o réu pessoa jurídica de direito público defendida por procuradores diferentes, pode ocorrer de a litispendência não ser tão facilmente identificada. Como se não bastasse a dificuldade de se encontrar a litispendência em processos cuja identidade de elementos da ação é indiscutível, considere-se que ―a tríplice identidade dos elementos da demanda é apenas o caso mais emblemático de litispendência. Trata-se do exemplo mais claro do fenômeno. Mas não é o único‖ 3. Explica Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti Jr.4 que a litispendência ocorre quando pendem processos com o mesmo conteúdo, quando a mesma situação jurídica controvertida DIDIER Jr. Fredie e ZANETTI Jr. Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. vol. 4, 4. ed., Salvador: JusPodium, 2009, p. 170. Neste ponto, os autores, citam José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2001, p.213): ―Assim, diante de tais situações excepcionais, que revelam a insuficiência da teoria dos tria eadem, duas regras devem ser observadas quanto à sua incidência prática: a) não constitui ela um critério absoluto, mas, sim uma “boa hipótese de trabalho”, até porque ninguém se arriscou a apontar outra que superasse; e b) quando for inaplicável, perante uma situação concreta, deve ser relegada a segundo plano, empregando-se, em seu lugar, a teoria da identidade da relação jurídica‖. 4 Idem, p. 170. 3 102 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos é posta em mais de um processo para ser resolvida pelo Poder Judiciário. E o exemplo5 que eles trazem extraído de um brilhante texto de José Carlos Barbosa Moreira é bastante explicativo: Qualquer um dos condôminos pode propor demanda para proteger o condomínio. Se o condômino ―A‖ e o condômino ―B‖ propuserem demanda para a proteção do bem condominial, fundada na mesma causa de pedir, dando origem a processos diversos, haverá litispendência, mesmo sem identidade da parte autora. Nota-se que, no campo da legitimação extraordinária, ainda que a ação seja proposta por autor diferente, o titular do direito material estará igualmente representado, havendo, portanto, repetição da causa em juízo. Sendo assim, conclui-se haver litispendência se houver identidade material das partes, apesar de alguns doutrinadores rechaçarem esta divisão entre parte material e parte processual. Para fins de exame da litispendência nas ações coletivas é indispensável considerar que o legitimado ativo está sempre defendendo direito alheio e que, por isso, o pólo ativo pode ser preenchido por qualquer um dos legitimados (Ministério Público, União, associação civil, etc), havendo identidade de ações se o pedido e a causa de pedir forem coincidentes. 3. AÇÕES COLETIVAS PROPOSTAS POR LEGITIMADOS DIVERSOS De acordo com o artigo 5º da Lei n. 7.347/85, são legitimados para a propositura da ação civil pública o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e associações representativas. Já o legitimado clássico da ação popular é o cidadão (artigo 1º da Lei n. 4.717/65). Do mandado de segurança coletivo é legitimado partido político com representação no Congresso Nacional, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Considerando a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade como ação coletiva, pois tutelam interesses transindividuais, tem-se no artigo 103 da Constituição da República Brasileira o rol de seus legitimados Enfim, é pressuposto deste estudo admitir serem vários os legitimados ativos das ações coletivas o que, sem dúvidas, pode gerar a propositura da mesma ação coletiva por mais de um legitimado. Vale lembrar que a legitimação ativa nas ações coletivas é extraordinária, concorrente e disjuntiva, havendo a defesa de interesse alheio em nome próprio, sendo que qualquer legitimado pode propor sozinho a ação, sem necessidade de autorização ou comunicação aos demais. No caso de um dano difuso ao consumidor brasileiro, considere a propositura de uma ação civil pública pelo Ministério Público Federal e ainda outra ação civil pública, com 5 Ibidem, p. 171. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 103 mesmo pedido e mesma causa de pedir, pela União. Seriam ações diversas? Conexas talvez? Em verdade, são ações idênticas e não conexas, porque o Ministério Público não atua em defesa de direito próprio, mas de toda a coletividade. Também a União não busca tutelar direito próprio, da pessoa jurídica de direito público, mas tutela direito de todos os consumidores brasileiros. Portanto, pode ocorrer de mais de um legitimado propor a mesma ação coletiva, para defesa do mesmo interesse coletivo (lato sensu). Como no exemplo acima, o legitimado ativo está defendendo direito alheio, pois ele representa a coletividade. Logo, se mais de um legitimado ativo propõe ação para a defesa do mesmo direito coletivo, conclui-se pela configuração da litispendência. 4. EFEITOS DA LITISPENDÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS Um dos efeitos da litispendência (e o mais conhecido deles) é a extinção do segundo processo sem julgamento de mérito. No entanto, no campo das demandas coletivas, há que se observar algumas peculiaridades. É que, nem sempre, a extinção de um dos processos será a mais inteligente das soluções, podendo o juiz optar pela reunião dos processos para julgamento conjunto. Como qualquer legitimado ativo pode intervir no processo a qualquer tempo na qualidade de assistente litisconsorcial, é muito mais vantajoso reunir os processos e aproveitar os atos já realizados em ambos, principalmente quando já se produziu elevado número de provas (testemunhais, periciais, documentais, etc). Este efeito de reunião dos processos litispendentes nas ações coletivas não é comum nas ações que tutelam interesses individuais, mas é perfeitamente aceitável, ou seja, é legal e mesmo constitucional. É sabido que a ação coletiva julgada improcedente somente produzirá seus efeitos em relação aos demais legitimados se a improcedência for fundada em prova negativa da ocorrência dos fatos alegados na inicial. Por isso, o mais sensato é reunir todos os esforços para se chegar à verdade real. Também é cediço que o legitimado ativo que não for litisconsorte da ação coletiva pode, a qualquer tempo, adentrar no processo na qualidade de assistente litisconsorcial. Realmente, pouco se tem falado da reunião de processos quando ocorre o fenômeno da litispendência. Muitos pensam, inclusive, que a reunião de processos é característica exclusiva da conexão. Mas não é. Muitos juristas confundem a litispendência nas ações coletivas com a conexão. Afirmam que, pelo fato de haver reunião dos processos, estar-se-ia diante da conexão. Tal afirmação não é verídica nem provida de tecnicismo suficiente. A questão principal é, primeiramente, identificar a existência da identidade de partes (materiais), pedido e causa de pedir. Se assim for, não há porque confundi-la com a conexão simplesmente baseando-se nos efeitos destas duas figuras processuais. Não há dúvidas de que o melhor é o juiz reunir as demandas mesmo com a litispendência. Primeiramente, porque nas ações coletivas as partes se fazem representar por instituições legitimadas extraordinariamente, de forma concorrente. Em segundo lugar, porque a reunião dos processos propicia o amplo acesso à justiça, à ampla defesa e ao contraditório, por todos jurisdicionados legitimados, num único julgamento. 104 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Além do mais, parece razoável permitir que os processos sejam reunidos, em nome da efetividade e da economia, para que todos os possíveis legitimados possam esgotar as provas do direito levado a juízo. Corroborando esta opinião, Fredie Didier Jr. esclarece: Quando ocorrer litispendência com partes diversas, porém, a solução não poderá ser a extinção de um dos processos, mas sim, a reunião deles para processamento simultâneo. É que de nada adiantaria extinguir um dos processos, pois a parte autora, como co-legitimada, poderia intervir no processo supérstite, na qualidade de assistente litisconsorcial. Por uma medida de economia, se isso for possível (se houver compatibilidade do procedimento e respeito às regras de competência absoluta), os feitos devem ser reunidos. É muito mais prático e rápido reunir as causas do que extinguir um dos processos e permitir que o legitimado peça para intervir no processo que sobreviveu, requerimento que dará ensejo a um incidente processual, com ouvida das partes e a possibilidade de interposição, ao menos teórica, de algum recurso. 6 5. CONEXÃO, CONTINÊNCIA E LITISPENDÊNCIA A conexão e a continência são fatos jurídicos processuais que surgem da semelhança entre demandas pendentes. Consoante o artigo 104 do Código de Processo Civil, reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir. Já o artigo 105 dispõe: ―Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras‖. Assim, vê-se que a continência nada mais é do que uma espécie de conexão, pois somente a identidade de causa de pedir seria suficiente para caracterizar esta última. Citando Calamandrei, José Frederico Marques explica que, na continência, as duas lides estão ligadas entre si por uma relação de identidade de seus elementos constitutivos, como na litispendência, com a diferença de que, na causa continente o pedido é mais amplo que o da causa conteúdo, tratando-se de diferença puramente quantitativa. E para ilustrar, apresenta o exemplo da continência entre uma ação em que se cobra a prestação de um mútuo e outra em que se cobra o mútuo por inteiro7. Entretanto, Fredie Didier Jr., mais uma vez, esclarece que não se deve confundir continência com litispendência: Se em uma demanda há três pedidos e na outra há dois pedidos, não há continência porque a primeira ―conteria‖ a segunda. Se os pedidos formulados na segunda demanda também foram formulados na primeira, o caso é de litispendência parcial8. Finalizando, apresenta o ilustrativo exemplo de continência: uma ação de anulação de inscrição de crédito tributário na dívida ativa está contida em uma ação de anulação do DIDIER Jr. Fredie e ZANETTI Jr. Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. vol. 4, 4. ed., Salvador: JusPodium, 2009, p. 170. 7 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. vol. 1, Campinas: Millennium, p. 390/391. 8 DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1, 7. ed., Salvador: JusPodium, 2007, p.123/124. 6 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 105 ato de lançamento, pois com a anulação do lançamento há consequentemente a anulação de todos os atos subseqüentes, inclusive da inscrição em dívida ativa. Para haver continência o pedido de uma ação deve englobar, abranger o pedido da segunda. Por conseguinte, pode-se concluir que tanto na conexão como na continência não há plena identidade de elementos da ação, mas apenas algumas semelhanças. Isso deve estar claro porque a identidade parcial do pedido entre ações com mesmas partes e causa de pedir caracteriza litispendência parcial e não continência. Superada a definição, passa-se à análise dos efeitos destes fenômenos processuais. Um dos efeitos da conexão é a modificação de competência, pois o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião das ações para julgamento conjunto. Porém, isso somente ocorre em caso de competência relativa e se os procedimentos das ações forem compatíveis. Outro efeito possível da conexão é a suspensão de um dos processos até a decisão final no outro, quando houver relação de prejudicialidade entre as causas e a sua reunião estiver impossibilitada. No caso das ações coletivas, o procedimento é o mesmo para as causas em que se verificar a conexão e a continência: pode haver a reunião das ações. Por todas as razões que já expostas sobre as vantagens de se reunir os processos, também em havendo litispendência, aqui a conclusão não poderia ser outra: a reunião dos processos é sempre mais vantajosa e a que melhor atende aos princípios da economia processual e efetividade do processo. O detalhe interessante surge no fato de que, algumas vezes, a ação coletiva possui competência absoluta e, mesmo assim, reunir as ações é permitido. Veja que a competência territorial na ação civil pública é absoluta, mas o parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 7.347/85 previu que a propositura de ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. 6. LITISPENDÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS COM PROCEDIMENTOS VARIADOS Mostrou-se ser perfeitamente possível a existência de litispendência entre ações coletivas ajuizadas por legitimados ativos diferentes. Por exemplo: uma ação civil pública ajuizada pela União pode ser idêntica a uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, se ambas tiverem o mesmo pedido e mesma causa de pedir, ou seja, se forem causas com conteúdo idêntico. Mas os autores dessas ações civis públicas não são diferentes? Como restou demonstrado, a resposta é negativa, porque os autores processuais são legitimados extraordinários, que defendem direito alheio, o direito da comunidade como um todo. Em verdade, autora é a comunidade em geral em ambos os processos, daí se falar em litispendência. Pode ocorrer, porém, litispendência entre ações coletivas com procedimento diverso, ou seja, entre uma ação civil pública e uma ação popular, por exemplo, desde que o pólo ativo seja materialmente igual e haja a correspondência entre o pedido, a causa de pedir e o réu. Podemos identificar várias ações coletivas, com procedimentos diversos: ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo, ação de improbidade administrativa, etc. 106 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos e interesses coletivos protegidos pelo código. Não obstante seja possível a tutela pela ação popular e pela ação civil pública de um mesmo interesse transindividual, existem duas diferenças básicas entre essas duas espécies de ações coletivas: a legitimação ativa e o procedimento. Contudo, o fato de ser possível a ocorrência da litispendência entre ação civil pública e ação popular ou entre outras ações coletivas não impõe a aplicabilidade imediata do estabelecido no artigo 267, V, do CPC. É que a mera extinção de uma das ações coletivas com fundamento nos efeitos negativos da litispendência pode prejudicar a efetiva tutela jurisdicional do direito coletivo. Como a tutela coletiva visa atingir interesses transindividuais, é possível que uma ação civil pública tenha o mesmo conteúdo que uma ação popular, por exemplo. A diferença de procedimento e de autoria seria irrelevante para a configuração da litispendência, uma vez que tanto o cidadão, na ação popular, como o legitimado ativo da ação civil pública (Ministério Público, Defensoria Pública, União, Estado Federado, Distrito Federal, Município, etc.) estaria defendendo interesse pertencente à coletividade. Extinguir a ação popular seria o mesmo que desestimular a iniciativa dos cidadãos na defesa do interesse público. Por outro lado, extinguir a ação civil pública seria diminuir as chances de busca da verdade real no caso, uma vez que os legitimados desta espécie de ação são melhores equipados que o cidadão isoladamente considerado. Nem uma nem outra solução atingiria o objetivo maior do processo coletivo que é a defesa do interesse transindividual. Havendo litispendência entre uma ação civil pública e uma ação popular, apesar de haver diferença de procedimento entre elas, pode se falar na reunião dos processos para julgamento conjunto das causas, mesmo diante da diversidade básica de autoria. Basta, para tanto, a coincidência entre as causas de pedir, os pedidos e o pólo passivo. Há quem não aceite a litispendência entre uma ação coletiva que discute direito difuso e outra que defenda interesse individual homogêneo, ainda que elas estejam fundamentadas em fatos idênticos. É que os pedidos não serão idênticos, apesar de haver entre as ações uma estrita relação de dependência, já que a decisão em um dos processos pode afetar a decisão no outro em razão dos efeitos da coisa julgada in utilibus. Dada a natureza do interesse metaindividual, o pedido na ação que tutela um interesse difuso não será igual ao da ação que tutela interesse coletivo (stricto sensu) nem ao da que tutela interesse individual homogêneo. Ou seja: o conteúdo das ações será diferente e, assim, não haverá litispendência entre elas, nem mesmo se propostas pelo mesmo legitimado. Antônio Gidi bem demonstra esta situação com um exemplo em que há violação de direito difuso e individual homogêneo: ―Uma publicidade enganosa (violação de direito difuso) induz grande quantidade de consumidores a adquirir um terreno num loteamento clandestino (violação de direitos individuais homogêneos)‖ 9. A ação proposta para a defesa do interesse difuso (retirar a publicidade de circulação e indenizar a coletividade) não seria idêntica à ação para a defesa dos interesses individuais homogêneos (indenizar cada um dos consumidores individualmente lesados). 9 Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 220. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 107 Apesar de não haver litispendência, pode-se afirmar com certeza haver conexão e, desta forma, a reunião dos processos para julgamento conjunto das ações será o resultado mais útil e eficiente na busca da melhor solução para a tutela coletiva. Além do mais, note que a ação que versa sobre direito difuso apresenta uma relação de preliminaridade em relação à ação sobre direitos individuais homogêneos, que reclama o julgamento conjunto das causas ou, ao menos, a suspensão da ação dependente, a fim de se evitar sentenças conflitantes. 7. A RELAÇÃO ENTRE AÇÕES COLETIVAS E AÇÕES INDIVIDUAIS Consoante o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, as ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Neste ponto, mais nítidas são as situações jurídicas distintas: em uma ação o pedido é coletivo (difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo) e, na outra, o pedido é individual, sendo clara, consequentemente, a inexistência de litispendência. A despeito de não haver litispendência, consoante o dispositivo legal acima mencionado, pode haver o aproveitamento da coisa julgada coletiva para o plano individual desde que o autor desta ação requeira a sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias contados da ciência da ação coletiva. Observe que somente há o transporte da coisa julgada coletiva para o processo individual se aquele foi julgado procedente ou improcedente com base em provas conclusivas, o que muitos autores chamam de ―coisa julgada in utilibus‖. Ainda sobre a ciência do processo coletivo, esta deve ser inequívoca, constatada nos autos, sendo pressuposto para o exercício regular, pelo particular, daquilo que, no regime da class action norte-americana, é chamado de rigth to opt out, ou o direito de optar por ser excluído da abrangência da decisão coletiva10. O processo individual que queira se beneficiar com a sentença coletiva pode ficar suspenso por prazo indeterminado, até que haja o trânsito em julgado da sentença coletiva. E a suspensão do processo individual pode ser requerida, dentro do prazo de 30 (trinta) dias citado, enquanto durar o processo coletivo. Como foi dito no início deste texto, o réu é quem mais tem condições de identificar a litispendência, pois está sendo demandado em duplicidade. O mesmo se aplica no caso da conexão e da continência e, por conseguinte, a melhor forma de o autor individual ter ciência da existência do processo coletivo é sendo avisado pelo réu. A fim de tornar este um ônus processual do réu, o Código Modelo de Processos Coletivos para a Iberoamérica (CM-IIDP) estabelece em seu artigo 31 que cabe a ele informar o autor sobre a existência da ação coletiva envolvendo a mesma situação fática. Se não o fizer, suportará o fato de o autor individual se beneficiar da coisa julgada coletiva mesmo tendo tido sua ação rejeitada11. Esta solução parece contemplar muito bem o princípio da boa-fé objetiva processual. 10 11 DIDIER Jr. Fredie e ZANETTI Jr. Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. vol. 4, 4. ed., Salvador: JusPodium, 2009, p. 180. GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 201. 108 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Haveria, então, continência entre a ação coletiva e a ação individual? Alguns autores consideram haver mera conexão, já que o pedido coletivo é diferente do pedido individual, não se tratando de mera distinção quantitativa. Realmente, apesar de haver conexão, não se pode falar em continência nem mesmo entre uma ação individual e uma ação coletiva que verse sobre interesse individual homogêneo. É que, na ação individual, o autor age em nome próprio na defesa de seu próprio interesse (legitimação ordinária). Porém, o autor da demanda coletiva sobre direitos individuais homogêneos, atua com legitimação extraordinária, ou substituição processual, em nome próprio na defesa de interesse alheio (―vítimas ou suas sucessoras‖... ―pelos danos individualmente sofridos‖, conforme artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor). Desta forma, conclui-se que o pedido na ação coletiva, mesmo de direitos individuais homogêneos, é sempre genérico, pois a sentença será obrigatoriamente genérica, consoante disposição do artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, sendo vedada a apreciação individual do pedido de cada substituído. Além disso, a coisa julgada na ação coletiva tem a característica de produzir efeitos erga omnes e, na ação individual, obviamente, produzirá efeitos somente inter partes. Pela conexão ou pela continência, que é admitida por certos juristas, há quem considere a possibilidade de reunião da ação individual com a ação coletiva, já que este é o principal efeito destes institutos trazido pelo artigo 105 do Código de Processo Civil, se isto se mostrar útil no caso concreto, como o aproveitamento das provas. Outros autores repudiam a reunião das ações, pelas dificuldades que isto causaria em ambos os processos. Nesse sentido, transcreve-se a lição de Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr.: Não nos parece que o efeito da conexão/continência entre ação coletiva e ação individual deva ser o da reunião dos processos, que, certamente, tumultuaria muito a condução do procedimento. É mais adequado imputar a esse fato o efeito da suspensão do procedimento da ação individual, à espera do julgamento da causa coletiva, até mesmo ex officio, pelo tribunal (art. 6º, §3º e 4º, do CBPC-IBDP) (...) Porém, deve ser observado, sempre, o princípio de que a ação coletiva no Brasil não constitui óbice a tutela individual do direito, permitindose ao autor da ação individual a exclusão e a continuação de seu processo sempre que a referida suspensão ex officio ultrapassar prazo razoável12. De fato, nestes casos, parece ser melhor a opção de suspensão da ação individual até o julgamento da ação coletiva, porque há nítida relação de preliminariedade. Não obstante, esta suspensão não deve ser feita de ofício pelo juiz, como sugerem os ilustres juristas acima citados. A suspensão do processo individual deve ser escolha do autor particular, pois ele é quem arcará com o bônus ou ônus de sua decisão. Às vezes, pode não lhe ser proveitoso a reunião de sua demanda com o processo coletivo e nem mesmo vantajoso esperar até o final julgamento do processo coletivo para somente então aproveitar os efeitos da coisa julgada in utilibus. 12 DIDIER Jr. Fredie e ZANETTI Jr. Hermes. Curso de direito processual civil – processo coletivo. vol. 4, 4. ed., Salvador: JusPodium, 2009, p. 182/183. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 109 Portanto, em se tratando de conexão entre uma ação individual e uma coletiva, não cabe ao juiz tomar qualquer decisão de ofício, seja de reunião das ações ou mesmo de suspensão do processo individual, porque isso poderia ser uma interferência na liberdade processual da parte. Sobre esta questão, o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor parece ser bastante democrático e o que melhor atende ao direito individual subjetivo da ação assegurado em nossa Carta Magna. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Do texto, pode-se extrair uma interessante conclusão: a litispendência é um instituto processual que possui outros efeitos além da extinção do segundo processo sem julgamento de mérito, o que fica mais nítido quando se trata da litispendência entre ações coletivas. Como visto, a reunião de processos não é efeito exclusivo da conexão e da continência. Aliás, nem sempre este efeito será produzido ao se constatar a semelhança das ações, portanto, não é nem mesmo um efeito necessário destes fenômenos processuais. Na análise das ações coletivas, foi examinado que a litispendência é mais abrangente do que a mera identidade processual dos elementos da ação. É que o pólo passivo das ações coletivas pode não ser o mesmo processualmente, mas o serão materialmente. Isso é possível porque nas ações coletivas tem-se uma legitimação extraordinária, disjuntiva e concorrente. Muitos autores falam mesmo em uma legitimação ativa ―adequada para a representação do processo‖. Como principal efeito da litispendência nas ações coletivas, analisou-se que a reunião das ações é o mais apropriado para se aproveitar as provas produzidas em ambos os processos e, assim, buscar a verdade real, escopo maior da tutela coletiva. Foi visto que o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que não há litispendência entre as ações individuais e as ações coletivas, ainda que o autor da ação individual possa se beneficiar da coisa julgada na ação coletiva (in utilibus). Por fim, cumpre apresentar as disposições do Projeto de Lei n. 5139/09, que tramita no Congresso Nacional com a nova disciplina sobre o tema: Art. 5º A distribuição de uma ação coletiva induzirá litispendência para as demais ações coletivas que tenham o mesmo pedido, causa de pedir e interessados e prevenirá a competência do juízo para todas as demais ações coletivas posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto, ainda que diferentes os legitimados coletivos, quando houver: I - conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir, ainda que diferentes os legitimados; II - conexão probatória; ou III - continência, pela identidade de interessados e causa de pedir, quando o pedido de uma das ações for mais abrangente do que o das demais. § 1º Na análise da identidade da causa de pedir e do objeto, será preponderantemente considerado o bem jurídico a ser protegido. § 2º Na hipótese de litispendência, conexão ou continência entre ações coletivas que digam respeito ao mesmo bem jurídico, a reunião dos processos poderá ocorrer até o julgamento em primeiro grau. 110 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos § 3º Iniciada a instrução, a reunião dos processos somente poderá ser determinada se não houver prejuízo para a duração razoável do processo. O artigo acima transcrito trata o tema da litispendência juntamente com a conexão e continência, justamente porque o efeito de reunião das ações coletivas, nestes casos, é demasiadamente interessante e proveitoso para os processos. Além disso, põe um ponto final na discussão, considerando haver litispendência ainda que não haja identidade de autores nas ações coletivas, desde que estes estejam substituindo os mesmos interessados. Enfim, o Projeto de Lei n. 5139/09 traz avanços significativos na matéria e aperfeiçoa a tutela jurisdicional coletiva. Se aprovado, nossa legislação estará melhor preparada para possibilitar a efetiva defesa dos interesses transindividuais. REFERÊNCIAS ALVIM, Eduardo Arruda. Coisa julgada e litispendência no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. Artigo publicado In: www.arrudaalvim.com.br/pt/artigos/15.asp?id=artigos&lng=pt CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. 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Notas Conclusivas REFERÊNCIAS 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho logra estudar de que forma a atuação engajada e prospectiva do magistrado pode contribuir para a efetivação dos direitos difusos e coletivos. Os direitos1 difusos e coletivos são caracterizados por serem indivisíveis, não pertencerem a pessoas determinadas, portanto não podendo ser individualizados tão menos quantificáveis. Tais características já demonstram a especialidade dos direitos metaindividuais e, consequentemente, a inviabilidade de tratá-los da mesma forma que os direitos individuais, com características notadamente patrimoniais. Cumpre ressaltar que as transformações na estrutura da sociedade de massa vão refletir na própria concepção de Estado. No Brasil essa concepção é traduzida no Estado * Mestranda em Direito pela UNESP, Franca-SP. Pesquisadora bolsista CAPES. Doutora e mestre em Direito pela PUC/SP; pós-doutora em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal; Docente dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UNESP/Franca-SP. Líder do Núcleo de Pesquisas Avançadas em Direito Processual Civil brasileiro e comparado – NUPAD. 1 Grande divergência doutrinária reside no emprego terminológico: seriam direitos ou interesses difusos e coletivos? Por forte influência do Estado Liberal, apoiado em concepções individualistas acerca do Direito, a doutrina clássica aponta que o uso do termo ―direito‖ somente encontraria respaldo quando utilizado para se referir a um direito cujo titular fosse determinado. A grande maioria dos juristas nacionais tem preferido utilizar a expressão interesses em oposição a direitos trans ou meta individuais. Alegam para tal posicionamento dois fatores: a expressão direitos contém uma grande carga individualista em decorrência, como já afirmado, de sua influencia liberal e uma forte ampliação das categorias jurídicas no sentido de obter maior efetividade do processo. A legislação brasileira, no entanto, com a Lei 8.078/90 passa utilizar indistintamente das expressões citadas, ora para se referir a direitos e interesses ora direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Dessa forma a distinção prática entre as expressões torna-se irrelevante como bem aponta Kazuo Watanabe: ―Os termos ―interesse‖ e ―direitos‖ foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ―interesses‖ assumem o mesmo status de ―direitos‖, desaparecendo qualquer razão pratica e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles.‖ WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense. 6. edição. rev. atual. ampl. p. 724. Exatamente pela legislação nacional não distinguir os termos e concordando com o posicionamento adotado por Kazuo Watanabe, que utilizaremos as expressões direitos e interesses indistintamente para se referir as categorias difusas, coletivas e individuais homogêneas no presente trabalho. ** Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 113 Democrático de Direito, um estado que não tem somente a preocupação com a justa inserção do homem na comunidade em que vive, mas também com a tutela na forma específica dos direitos, permitindo tanto quanto for possível a restauração da situação anterior à lesão. Para que possa cumprir seu escopo, o Estado-jurisdição, por meio do processo irá atuar de forma a compor a lide instaurada retomando o status quo ante. O processo coletivo é instrumento que nasce da própria evolução do Estado. Muito embora suas origens datem do Direito Romano e até mesmo do Direito Medieval, a consolidação do processo coletivo como ramo autônomo, dotado de princípios próprios, legislação, doutrina e disciplina pertinente é fenômeno contemporâneo. No Brasil, será somente com a Lei nº 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública – que se criará uma tutela diferenciada para os direitos transindividuais, que tem como principais características à indeterminação e indivisibilidade, ou seja, seu tratamento é coletivo transcendendo a esfera individual predominante nas ações tradicionais. Todavia, tão somente em 1990, com o Código de Defesa do Consumidor que a legislação pátria poderá falar na existência de um verdadeiro microssistema integrado e autônomo para a tutela dos direitos metaindividuais. Se a legislação sofreu grandes avanços na tutela dos direitos coletivos latu sensu é necessário que a doutrina e jurisprudência demandem o mesmo esforço no sentido de interpretar as normas a eles referentes e os institutos de Direito Processual já existentes de forma ampliativa e moderna a fim de beneficiar a coletividade. Mais do que isso é necessário que os agentes do processo – e aqui adotando a visão do processo como acto trium personam –, se envolvam dessa postura dinâmica com o fito de tutelar essas novas situações de massa que passam a ser reguladas pelo ordenamento jurídico brasileiro. O enfoque adotado no presente trabalho vai ao encontro dessa problemática na medida que analisa a atuação do magistrado frente ao processo coletivo. Confrontando com a análise proposta, nos deparamos com o Código de Processo Civil ―comum‖, que tutela direitos individuais e possui um cunho notadamente patrimonial, por essa razão é corriqueiro se deparar com a prestação jurisdicional sendo realizada por meio da tutela ressarcitória, ou seja, pela redução em pecúnia através das perdas e danos. Não parece viável, ao se tratar de direitos metaindividuais, reduzir toda pretensão em pecúnia, pois o que se busca é a proteção de um bem fundamental – vida, saúde, segurança etc. – que, individualmente, não se tem condições processuais de ser alcançado, ou ainda ―um processo de resultados‖, qual seja, um processo que contenha instrumentos que assegurem plenamente a utilidade fática de suas decisões. Nesse sentido, muito embora a tutela ressarcitória tenha se mostrado como remédio final para o problema, não tem se apresentado, verdadeiramente como eficaz para assegurar esses ―novos direitos‖. Nem todo direito lesionado terá sua resolução em perdas e danos. Diante da proteção conferida aos direitos difusos e coletivos, o juiz deve permanecer adstrito à letra da lei, atuando somente nos limites desta, ou deve interpretar o processo à luz dos princípios Constitucionais, como um autêntico instrumento de atuação estatal na efetivação de direitos que é, aplicando as ferramentas que já possui de maneira consciente e situada diante do caso concreto, buscando soluções alternativas, inovadoras através de uma interpretação ampliada e dinâmica das regras dispostas, logrando o resultado final almejado? O presente trabalho, por meio de uma análise crítica e fundamentada na doutrina brasileira – que tem mostrado grandes avanços, sendo considerada uma das mais modernas no assunto ora abordado – deseja responder esses questionamentos e mais, deseja apontar de 114 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos que maneira (s) a atuação do magistrado frente a tutela executiva coletiva pode contribuir para a efetivação de direitos ou interesses metaindividuais. 2. UMA NOVA ERA DOS DIREITOS É notório que vivenciamos uma era de ―novos direitos‖ ou melhor, em uma época em que a busca pela realização do direito seja mais efetiva, proporcionando a consecução da tutela jurisdicional não somente a almejada, mas também adequada e assim, por um mais amplo acesso à justiça. Neste sentido, a obra de Norberto Bobbio2 intitulada ―A Era dos Direitos‖, nunca se mostrou tão atual e pertinente ao tema ora proposto. Para o referido autor há uma necessidade de se desvincular do plano ideal, no qual se pensa sobre os amplos direitos do homem, para aproximar-se do real, ou seja, buscar formas de garantir uma proteção efetiva dos direitos. A partir do século XX, vemos surgir na clássica divisão dos direitos fundamentais em gerações3 os chamados direitos de terceiraa geração que são os direitos sociais. Como bem leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho: [...] a doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar desafios. Sua primeira geração enfrentou o problema do arbitro governamental, com as liberdades públicas, a segunda os extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais, a terceira, hoje, luta contra a deteriorização da qualidade de vida humana e outras mazelas, com os direitos de solidariedade.4 O ordenamento jurídico brasileiro, não ficando alheio a todas essas alterações, passou a aludir a chamada tutela dos direitos transindividuais primeiramente com a Lei de Ação Civil Pública para depois incorporar o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) nascendo assim um dos temas mais estudados e debatidos pelos grandes estudiosos do direito: o processo civil coletivo. O direito processual coletivo é um reflexo da própria evolução da sociedade liberal e individualista característica do século XIX fruto da revolução industrial, para uma sociedade pluralista voltada para questões sócio-econômicas derivadas da própria massificação da população e que passa a refletir no próprio Estado Democrático de Direito por meio da Constituição Federal que universaliza a proteção aos direitos metaindividuais. A despeito de todos os estudos por grandes nomes do direito processual brasileiro que se tem realizado a cerca do tema, com destaque inclusive para a elaboração do 2 3 4 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. ―Descendo do plano ideal ao plano real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva. Sobre isso, é oportuna ainda a seguinte consideração: à medida que as pretensões aumentam, a satisfação torna-se cada vez mais difícil.‖ MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 676 ―Costuma-se normalmente dividir os direitos humanos fundamentais em três gerações ou categorias, com base no decorrer dos momentos históricos que inspiraram a sua criação. Alguns autores falam em dimensões de direitos humanos, partindo da idéia de que a expressão gerações poderia dar a falsa idéia de que uma categoria de direitos substitui outra que lhe é anterior.‖ FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999, p.15 (grifos do autor). Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 115 Anteprojeto de Código Brasileiro de Direito Processual Coletivo organizado pela jurista Ada Pellegrini Grinover, apontando para a afirmação da ciência processual coletiva como um ramo autônomo do direito processual, o que se logra demonstrar no presente trabalho é de que forma a tutela dos referidos direitos coletivos pode ser melhor efetivada no plano do processo de execução, e mais, como o magistrado pode contribuir para tal. Para tal, antes de iniciar a problematização do tema, passaremos a uma superficial distinção entre as categorias dos direitos metaindividuais, quais seja, os direitos difusos, os coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos comumente confundidos entre si devido às raízes comuns que possuem. 2.1 Direitos Difusos ou Transindividuais O Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor define em seu inciso I os direitos difusos como sendo aqueles interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato5 como exemplo pode ser citado o direito ao meio ambiente presente na Constituição Federal em seu Art. 225. Sob o aspecto subjetivo são os direitos que possuem indeterminação absoluta dos titulares, ou seja, não possuem titular individual e sua ligação entre os titulares difusos ocorre por mera circunstância de fato, como, por exemplo, morar na mesma região. Já sob o aspecto objetivo são indivisíveis, ou seja, não podem ser satisfeitos nem lesados senão de forma que atinja a todos os possíveis titulares6. Em decorrência da sua natureza os direitos difusos são insuscetíveis de apropriação individual7, de transmissão – seja por ato inter vivos ou mortis causa – de renúncia ou transação. Sua defesa em juízo sempre ocorre em forma de substituição processual, motivo este que justifica o objeto do litígio ser indisponível para o autor da demanda – não poderá assim celebrar acordos, renunciar, confessar ou assumir ônus probatório não fixado na Lei. A alteração dos titulares ativos difusos da relação de direito material se dá com absoluta informalidade jurídica, bastando a alteração nas circunstâncias de fato8. Assim podemos notar que a característica da transindividualidade, comum tanto nos direitos difusos quanto nos direitos coletivos stricto sensu, leva em conta a ―multiplicidade dos indivíduos que aspiram à mesma pretensão individual‖9. Com a distinção de que em se tratando de direitos difusos, não se pode excluir quem quer que seja da titularidade desta pretensão por se tratar de um processo absolutamente inclusivo fruto da sua própria essência extrapatrimonial. 2.2. Direitos Coletivos “stricto sensu” Diferentemente do que se observa com os direitos difusos, nos quais os seus titulares encontram-se dispersos apenas ligados por uma situação de fato, com os direitos coletivos stricto sensu, embora detenham a mesma característica de indivisibilidade, 5 Este conceito presente no Código de Defesa do Consumidor foi mantido pelo Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos em seu Art. 4º, I. 6 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. . São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 4. edição, 2009. p 36. 7 Ibid. p. 34. ―Os direitos coletivos comportam sua acepção no singular, inclusive para fins de tutela jurisdicional. Ou seja: embora indivisível, é possível conceber-se uma única unidade da espécie de direito coletivo. O que é múltipla (e indeterminada) é a sua titularidade, e daí a sua transindividualidade.‖ 8 Ibid. p. 36-37. 9 VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo. Ed. Malheiros. 1. ed. 2007. p. 54. 116 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos possuem uma verdadeira relação jurídica formal entre si10 o que permite identificar a corporificação de grupos, classes ou categorias que concentram pretensões comuns e indivisíveis entre si como exemplo podemos citar o direito de classe dos advogados de ser representante na composição dos Tribunais, presente na Constituição Federal em seu Art. 94. Por tal razão que o próprio Código de Defesa do Consumidor em seu Art. 81, II traz o conceito de interesses ou direitos coletivos baseados em uma mesma relação jurídica dizendo que são aqueles direitos ―de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base‖11. Todavia, a ligação que une determinados indivíduos em torno do mesmo fato jurídico – a chamada relação jurídica base – deve anteceder aos fatos que vierem a lhes prejudicar, ou seja, deve pré-existir ao potencial dano que venha a ser causado aquele grupo ou categorias de pessoas, caso a relação se instaure concomitantemente ao prejuízo gerado tratar-se-á de direitos individuais homogêneos. Da mesma forma que os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu não são passíveis de cisão, pois as pretensões metaindividuais coletiva não são resultado da mera somatória dos interesses individuais de cada integrante do grupo, mas sim de sua síntese, por esse mesmo motivo é que, ao contrário do que se observa, ―não podem as pretensões genuinamente coletivas ser identificáveis em relação a apenas alguns dos membros da classe, pois são comuns a toda uma categoria, grupo ou classe social‖12. É importante salientar apenas que a categoria, grupo ou classe social na qual a relação jurídica se baseia não pode vir a ser um excludente àqueles que dela não façam parte, outrossim, a entidade associativa tem por objetivo coordenar judicialmente os interesses que foram formados a partir do regime jurídico próprio, comum e indivisível da pretensão coletiva, não possuindo o poder de formar seus integrantes13. 2.3 Direitos Individuais Homogêneos Há determinados tipos de direitos que enfrentam alguns obstáculos – sociais, econômicos, políticos – quando se deseja tutelá-los em juízo. Isso se dá devido ao seu caráter ínfimo frente a magnitude de processos e lides que se encontram estagnados no judiciário. Assim, com o intuito de promover a celeridade processual e proporcionar um acesso à justiça efetivo a essas pessoas, que criou-se a categoria dos direitos individuais homogêneos. Trata-se na verdade de direitos que decorrem de uma origem comum (art 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor) e, portanto estão ligados entre si 10 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p 147. ―não há propriamente uma diferença de essência ou de natureza entre esses dois tipos de interesses: ambos integram o gênero ‗meta-individual‘: a particularidade está em que um interesse difuso pode tornar-se ‗coletivo‘ se e quando estiver revestido do grau de definição, coesão e organização desses últimos. 11 Tal conceito presente no Código de Defesa do Consumidor foi mantido pelo Anteprojeto Brasileiro de Código de Processo Coletivo em seu Art. 4º, II. 12 VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo. Ed. Malheiros. 1. ed. p. 57. Passim. 13 Ibid. p. 58. ―O vínculo estabelecido pela entidade associativa deve ser compreendido como uma mera faculdade, pois a própria Constituição Federal brasileira de 1988 é bastante incisiva ao mencionar a liberdade de associação. No inciso XVII do art. 5º afirma-se que: ―é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar‖. Já no inciso XX do mesmo art. 5º consta que ―ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado‖. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 117 por um caráter de afinidade, semelhança, homogeneidade, o que por sua vez, permite que sua defesa seja exercida de forma coletiva14. Em outras palavras pode-se afirmar que, ao contrário dos direitos difusos que são classificados como metaindividuais por não serem divisíveis e estarem ligados a uma mesma situação fática, ou ainda os direitos coletivos stricto sensu, que também são indivisíveis, todavia unidos por uma mesma relação jurídica base, os direitos individuais homogêneos têm como característica a divisibilidade e determinação dos sujeitos por isso diz-se que ―quando se fala, pois, em ―defesa coletiva‖ ou em ―tutela coletiva‖ de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa‖15. Assim, tendo o como instrumento um meio coletivo a tutela desses direitos, que individualmente considerados, poderiam encontrar barreiras talvez intransponíveis, tem a possibilidade de serem tutelados além de possibilitar a redução dos custos das inúmeras ações individualmente propostas, tornando até mesmo o trabalho dos juizes mais racional e célere e evitando que determinadas leis como o Código de Defesa do Consumidor se torne uma letra morta16. 3. A FUNÇÃO JURISDICIONAL EXECUTIVA Ao resguardar como princípio intrínseco à ordem jurídica brasileira que ―a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‖ (CF/88, art. 5º, XXXV), desejou o legislador estabelecer que a jurisdição – entendida como a atuação da lei mediante a substituição pela atividade de órgão público para efetivar direitos expressos na própria letra da lei –, não pode se contentar em simplesmente declarar o direito. Nas palavras de Vicente Greco Filho: A atividade jurisdicional, para alcançar suas finalidades últimas de declarar e aplicar em concreto a vontade da lei exige não só um sistema de atos e termos que leve a uma decisão mais justa possível, mas também um conjunto de meios tendentes a efetivar o que foi decidido, dando ao vencedor no plano fático, o bem jurídico material que a sentença atribuiu a uma das partes.17 Dentro dessa perspectiva ampla da tutela jurisdicional, de não somente ―dizer‖ o direito mas também de facere jus uma vez que, como já demonstrado o acesso à justiça é 14 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2009. p.34-35. Passim. ―Há, é certo nessa compreensão uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porem, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares são indeterminados), a pluralidade, nosdireitos individuais homogêneos não é somente dos sujeitos (que são indivíduos determinados), mas também do objetos material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas com titularidade própria‖. 15 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2009. p. 35. 16 VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo. Ed. Malheiros. 1. ed. p. 69. Passim. [...] é imprescindível que se esclareça, quando da analise do novo modelo de proteção dos direitos individuais homogêneos erigido pelo Código de Defesa do Consumidor, que não se trata propriamente de tutela de direitos coletivos, senão de tutela coletiva de direitos individuais, excepcionalmente concebida pelo sistema processual para incentivas a justiçabilidade de tais pretensões, que não fosse a via coletiva, jamais ou dificilmente seriam sequer levadas à apreciação jurisdicional‖. 17 GRECO, Vicente Filho. Direito processual civil brasileiro. 3º volume. 16.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7. 118 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos garantido não somente com a prolação de uma sentença de mérito mas também com uma atividade jurisdicional voltada para consecução concreta e efetiva do direito declarado18, é que se alude ao processo de execução. A doutrina clássica refere-se ao processo de execução como aquele que invade a esfera patrimonial do devedor para que a obrigação inadimplida por este seja ressarcida ao credor.19 Em casos nos quais a execução tem como único objetivo o pagamento em dinheiro ou qualquer outra obrigação que envolva transação patrimonial, bem como coisa móvel ou imóvel em virtude de direito real ou obrigacional, tal raciocínio reputa-se correto.20 Todavia, há casos em que a mera invasão ou retirada do patrimônio do devedor não proporciona a efetivação da tutela jurisdicional de direito. São danos causados ao meio ambiente, infringentes às relações de consumo, ao patrimônio histórico e cultural etc.,21 onde a tutela que iniba22 a prática de ato danoso ou a tutela que remova os efeitos concretos do ato praticado contra o direito23, por exemplo, quando aplicadas, mostram-se muito mais eficazes quando executadas. Para Elton Venturi24, a invasão ao patrimônio do devedor deve ser inclusive interpretada – principalmente ao se tratar de direitos transindividuais nos quais prevalece o Reforçando o argumento exposto, Elton Venturi ainda afirma que ―Notório é que de pouco valeria erigir-se toda uma estrutura estatal destinada a declarar o Direito in concreto, sem que subseqüentemente houvesse instrumento hábil a realizá-lo praticamente‖. VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 32. 19 Neste sentido cumpre demonstrar os ensinamentos de Vicente Greco Filho que diz ser possível definir a execução como ―o conjunto de atos jurisdicionais materiais concretos de invasão do patrimônio do devedor para satisfazer a obrigação consagrada num título‖ GRECO, Vicente Filho. Op. Cit. p.8. e de Eurico Liebman, que entende a execução como ―conseguir por meio do processo, e sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida, através da submissão do patrimônio do condenado à sanção executória, de modo que dele se extraiam os bens e valores idôneos a satisfazer o direito do credor‖ LIEBMAN, Eurico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 4. 20 Cf. MARINONI, Luis Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, v. 3: execução. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.70. 21 ―Assim, por exemplo, se alguém expõe a venda produto nocivo à saúde do consumidor, o legitimado à tutela dos direitos dos consumidores pedirá a tutela de remoção dos efeitos concretos derivados do ilícito, requerendo, como técnica processual executiva, a busca e a apreensão dos produtos. Nesse caso, como é pouco mais do que evidente, não há razão para se pedir a condenação do infrator a uma prestação. Isto porque o réu não é devedor de prestação alguma. A realização do conteúdo do direito, assim como a tutela jurisdicional do direito, independe de qualquer colaboração do réu. E, numa hipótese como essa basta ao juiz declarar o ilícito e mandar expedir mandado de busca e apreensão dos produtos, o que significa simplesmente declarar o ilícito e autorizar a retirada dos produtos do mercado‖. Ibid. p. 40 22 ―Antes de tudo, é preciso considerar que se está diante de uma medida de cunho preventivo. Por isso, é necessário dotar o provimento de mecanismos capazes de impor ao requerido a abstenção da conduta ou, alternativamente (em casos de inibitória positiva), uma prestação positiva, anterior à violação ao direito, de forma a evitar a ocorrência do ilícito‖. E completa ―Realmente, no intuito de se operar uma tutela preventiva de fato e eficiente, cumpre encontrar mecanismos de coerção que tenham a capacidade de atuar de forma indireta sobre a vontade da pessoa do requerido, a fim de que ele se porte de forma esperada‖. Cf. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil, vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 350. 23 ―A tutela de remoção do ilícito é típica ao Estado constitucional, ou melhor, ao Estado que tem o dever de proteger os direitos fundamentais. Uma das mais importantes formas de proteção aos direitos fundamentais está nas normas, devidas pelo legislador infraconstitucional à tutela desses direitos. Estas normas ditas normas de proteção, proíbem ou impõe condutas, partindo da premissa que a sua prática pode causar ou evitar danos aos direitos fundamentais. Uma vez violada norma desta natureza, resta ao titular do direito fundamental pedir a eliminação dos efeitos da conduta ou da sua prática, ainda que dano nenhum tenha sido produzido‖. Ibid. 24 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 54. O autor também divide os mesmos argumentos que Luis Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, anteriormente apontados no presente trabalho: ―Note-se, neste passo, que o conceito, analisado sob amplo sentido, não se restringe à finalidade de atacar o patrimônio do executado com vistas à satisfação puramente econômica do credor. Muito embora contemporaneamente esta tenha sido a tônica do processo de execução, o princípio da patrimonialidade não esgota a função executória‖. VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 54. 18 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 119 princípio da tutela específica ou do resultado prático equivalente – de forma secundária, como alternativa na impossibilidade de obtê-las, não por outro motivo é que o referido autor busca utilizar o termo ―tutela executiva‖25 em detrimento ao ―processo de execução‖ para imprimir conotação àquela diversa da que a este comumente é atribuída pelo processo civil clássico, de índole individualista. Concordamos com a distinção realizada e ela também será adotada no presente trabalho. Ao descrever as novas situações de direito material que o Estado faz emergir e, denunciar a carência de tutelas aptas a ampará-las e a inadequação da condenação do processo de execução, Luis Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, expõem que: É preciso perceber que a norma jurídica, no Estado contemporâneo, é um instrumento que protege direitos, impondo ou proibindo condutas, ou mesmo os assegura, permitindo o seu exercício, independentemente de qualquer relação jurídica. O direito é uma posição juridicamente tutelada. Porém, para se ter uma posição juridicamente protegida, não é necessária a existência de uma relação jurídica. Se uma posição é juridicamente protegida quando o conteúdo do direito é tutelado, não é possível ignorar que a tutela de um direito pode depender ou não da colaboração alheia. Ora, como antes demonstrado, alguns direitos realizam o seu conteúdo independentemente da colaboração alheia, ao passo que outros realizam seu conteúdo na relação com outros sujeitos, cujos comportamento é instrumental a sua realização.26 O que se deseja esclarecer e evidenciar no presente trabalho é que a tutela executiva será abordada de forma ampla e dinâmica, ou seja, ―será entendida enquanto Cf. Ibid. p. 55. Para o autor muitas são as definições que podem ser atribuídas à noção de ―tutela executiva‖: ―José Roberto dos Santos Bedaque diz que ―tutela jurisdicional é o conjunto de medidas estabelecidas pelo legislador processual a fim de conferir efetividade a uma situação da vida amparada pelo direito substancial‖ (Direito e Processo, São Paulo p. 31); Flávio Luiz Yarshel, após esclarecer que pelos diversos escopos do processo não se poderia, com precisão, aludir a ―tutela‖ como sinônimo de ―proteção‖ jurisdicional prestada exclusivamente àquele que obteve sucesso na demanda, menciona a tutela jurisdicional executiva como sendo aquela ―exercida através de um processo de idêntica nomenclatura, onde a atividade dos órgãos jurisdicionais está voltada para dar atuação à sanção, contida exclusivamente na sentença condenatória (ou outro título executivo) com a finalidade de proporcionar, sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida‖ (Tutela jurisdicional especifica nas declarações de vontade, p. 27). Todavia, em relação ao sentido proposto presentemente, nem se resume a tutela executiva ao cumprimento de medidas previa e exaustivamente ordenadas pelo legislador processual, nem entende-se-a como sendo aquela prestada no estrito âmbito de um processo de execução, cujo único objetivo seria o de adotarem medidas de constrição patrimonial sobre o executado. A função jurisdicional executiva, fundamento da prestação da tutela executiva aperfeiçoa-se com maior amplitude e relevância, conforme Vittorio Denti: ―L´operare dell´ufficio esecutivo, infatti, si svolge interamente da quel punto di partenza fondamentale che è l´incontro dell´azione e della giurisdizione esecutiva; ogni suo potere, in conseguenza, non, incontrano alcun limite che non sai interno al processo e in funzione deite strutture di questo. Si tratta, dunque, di adeguare gli istituti Del processo esecutivo alee esigenze della tutela, conforme alle più progredire legislazione moderne, con piena consapevolezza dei valore degli strumenti che a tal fine possono essere impiegati‖ (―Intorno ai concetti generali Del processo di esecuzione‖, cit., p. 139)‖. Quanto ao posicionamento de Vittorio Denti citado por Elton Venturi, traduz-se livremente: ―A operação da função executiva, realmente se desenvolve a partir de um ponto de partida fundamental qual seja, o encontro entre a ação e a jurisdição executiva, cada seu poder, em conseqüência, não encontrando qualquer limite que não seja interno ao processo e em função de sua estrutura. Trata-se também de adequar os institutos do processo executivo às exigências da tutela, conforme a legislação moderna for evoluindo, com pleno conhecimento dos valores dos instrumentos que ao fim possam ser empregados‖. É também nosso entendimento. 26 MARINONI, Luis Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, v. 3: execução. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 39. 25 120 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos conjunção de atividades praticadas pelo Estado, no exercício da sua função jurisdicional, no intuito de fazer valer efetivamente o direito já declarado no caso concreto‖27 entregando ao credor tanto a prestação que lhe era devida originariamente quanto prestação equivalente e que satisfaça seus interesses. Engloba, portanto, a tutela executiva a chamada tutela executiva indireta que é caracterizada pelo emprego de meios de coerção por parte do Poder Judiciário no intuito de pressionar psicologicamente o condenado a satisfazer a obrigação que lhe foi imposta. Por não realizar por si só o direito material, mas atuar sobre a vontade do devedor para que a obrigação seja adimplida, a doutrina clássica entendeu que a execução indireta não seria execução propriamente dita28, mas meio de coerção indireta para que se cumpra a condenação imposta. Destarte, a análise de forma ampla da tutela executiva faz-se necessária – além dos motivos já discorridos – principalmente ao se perceber que a estrutura e efetividade da tutela jurisdicional dos ―novos direitos‖ é dependente dela. 4. TÉCNICAS DE EXECUÇÃO Existem várias formas de se classificar as técnicas de execução, se levarmos em conta, por exemplo, os títulos executivos de forma ampla podem classificar a execução em judicial e extrajudicial. O nosso Código de Processo Civil, levando em conta o objeto da obrigação que será prestada – um ―dar‖ ou um fazer‖ – bem como a situação patrimonial do executado – solvente ou insolvente – utiliza a técnica das ―espécies de execução‖29. A referida classificação, que busca tão somente ―especializar‖ os meios de execução, sem levar em conta o papel do Estado como responsável e colaborador na aplicação das técnicas executórias para uma efetiva prestação jurisdicional, torna-se muito restrita e simplória para atender as pretensões coletivas que necessitam serem despidas de formalidades para que possam fazer atuar concretamente o direito. Dessa forma, passa-se a adotar diferente classificação no presente trabalho, sendo mais prudente e adequado levar em conta não objetivamente o objeto da prestação jurisdicional, mas sim adotar um ―critério classificatório dos meios de execução que conjugasse as características do objeto da prestação com a menos ou maior atividade pessoal do executado no seu cumprimento (...)‖30, ou seja, um critério amplo dos meios de execução ―que conjugasse as características do objeto da prestação com menor ou maior atividade pessoal do executado no seu cumprimento‖31 tal critério possibilita melhor distinguir as diversas espécies de atividades executórias bem como seu adequado procedimento. Adotando tal critério alude-se genericamente a duas formas de tutela jurisdicional executiva, quais seja, a tutela executiva direta e a tutela executiva indireta. Dessa forma, propõe-se o Estado-Juiz a concretizar o direito declarado no processo de cognição, seja ele mesmo produzindo resultados semelhantes, que o obrigado por sua vez não quis produzir, 27 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. p.55-56 A execução teria a qualidade de realizar o direito independentemente da vontade do devedor. Como forma de destacar a distinção entre a execução e as formas de pressão sobre a vontade do devedor, buscar-se-á demonstrar também aqui, tal qual a doutrina clássica, a distinção entre ―execução direta‖ e ―execução indireta‖. 29 Ibidem. p. 57 ―Assim, temos a execução ara a entrega de coisa certa e incerta (arts. 621 a 631), a execução das obrigações de fazer e não fazer (arts 632 a 645), a execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 646 e ss.) e a execução por quantia certa contra devedor insolvente (art.748 e ss.)‖. 30 Idem. 31 Idem. 28 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 121 seja coagindo-o psicologicamente, por intermédio de sanções de cunho patrimonial e, excepcionalmente, pessoal. 4.1 A tutela executiva direta Esta primeira modalidade caracteriza-se primordialmente pela sub-rogação da vontade do executado por parte do Estado, ou seja, a efetivação do cumprimento do comando executivo ocorre independente da anuência do executado e, muitas vezes até mesmo contra a sua vontade. Assim, diz-se ―direta‖, pois não há a participação do executado no cumprimento da obrigação uma vez que o Estado utiliza-se de técnicas sub-rogatórias tais como, o desapossamento (no caso da execução para entrega de coisa certa e direitos reais), transformação (em relação à execução da obrigação de fazer fungíveis ou direitos a elas equiparados) ou ainda a expropriação (através dos meios de desconto de salários e vencimentos, de alienação, de adjudicação e de constituição de usufruto). 4.2 A tutela executiva indireta Partindo do conceito da tutela executiva, direta demonstrado no item anterior e exercendo um raciocínio lógico, pode-se afirmar que a pretensão executiva diz-se ―indireta‖ justamente por ter a participação do executado no cumprimento efetivo da tutela almejada. Como já exposto, o objetivo fundamental da Jurisdição após ter declarado a tutela a quem provou ter direito, é realizá-la no plano fático. Para tal deve-se fazer uso do instrumento da atividade executória, além de utilizar todas as demais ferramentas que se encontram a disposição para que a pretensão se realize. Adotando então a concepção mais ampla do próprio processo de execução, ―intenciona-se a inclusão dos chamados ―meios de coerção‖ imprimidos pelo órgão jurisdicional que, incindindo sobre a pessoa ou sobre o patrimônio do devedor, acabam por induzi-lo a prestar a obrigação a qual se sujeitara.‖32 O que deve ser ressaltado quanto ao estudo da tutela executiva indireta é que os meios de coerção – sejam psicológicos ou principalmente os de cunho patrimonial – empregados são fundamentais para que o executado cumpra com sua obrigação proporcionando efetividade à prestação jurisdicional e um real acesso à justiça ainda mais no que diz respeito às obrigações consideradas infungíveis e derivadas dos direitos difusos e coletivos, onde a tutela ressarcitória cede espaço à execução da tutela específica. 5. A TUTELA ESPECÍFICA COMO A MAIS ADEQUADA A SATISFAZER AS PRETENSÕES COLETIVAS Não parece viável, ao se tratar de direitos meta individuais, reduzir toda pretensão em pecúnia, pois o que se busca é a proteção de um bem fundamental – vida, saúde, segurança etc. – que, individualmente, não se tem condições processuais de ser alcançado, ou ainda nas palavras de Chiovenda ―um processo de resultados‖, qual seja, um processo que contenha instrumentos que assegurem plenamente a utilidade fática de suas decisões.33 Nesse sentido, muito embora a tutela ressarcitória tenha se mostrado como remédio final 32 33 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. p.57. CHIOVENDA, Giuseppe apud SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. p.103 122 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos para o problema, não tem se apresentado, verdadeiramente como eficaz para assegurar esses ―novos direitos‖. ―Nem todo direito lesionado tem sua resolução com perdas e danos‖.34 Para Sérgio Cruz Arenhart35, essa percepção de que existem várias tutelas impede até mesmo uma visualização crítica do processo comprometendo também os meios executivos para prestá-la. Assim, é fundamental a compreensão de que existem diferentes tipos de tutelas específicas com características singulares, para a correta utilização do meio executivo adequado no caso concreto. Nesse sentido podemos, então, extrair da obra de Sérgio Shimura o conceito de tutela específica como sendo ―o conjunto de remédios e providências que assegurem o preciso resultado prático que seria atingido pelo adimplemento‖ 36. Ou seja, para essa nova tônica molecular de direitos, o ideal é que o provimento coincida com a própria efetivação do processo e utilidade de suas decisões, ―daí a preferência da tutela específica sobre qualquer outra, expressão do princípio do exato cumprimento ou do resultado‖.37 Todavia, não devemos confundir sentença com tutela do direito. A sentença é uma técnica processual elaborada pelo legislador para amparar o direito hegemônico, ou seja, o direito que regula a sociedade e o Estado.38 Dessa forma, à medida que as necessidades sociais bem como as razões do próprio Estado se alteram, também o próprio direito substancial se modifica e, certamente também devem variar as sentenças ou as técnicas processuais, destinadas a viabilizar a sua proteção. Pode-se afirmar então que a sentença nada mais é do que uma face da prestação jurisdicional, tanto que o juiz, ao resolver o litígio, nem sempre presta a tutela do direito material justamente por necessitar de outra técnica processual, qual seja, a tutela executiva. Destarte, dependendo dos resultados esperados por aquele que provoca a atividade jurisdicional do Estado, ou seja, dependendo do tipo de tutela do direito, cada sentença se liga a um meio de execução específico. Dessa maneira, em uma execução por uma obrigação de fazer ou não fazer, tem-se a multa e ainda todo e qualquer meio idôneo de execução (exemplo; busca e apreensão, remoção de coisa), na entrega de coisa, além também da busca e apreensão, imissão de posse; pagamento de quantia por meio da expropriação, desconto em folha, prisão (para o caso de alimentos). Outrossim, nota-se que por trás de cada meio executivo existe uma tutela específica. 6. OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO MAGISTRADO A FAVOR DA CONSECUÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA Diante de todo contexto construído até agora; o aparecimento dos ―novos direitos‖: os direitos sociais, a preocupação em tutelá-los de forma efetiva com a devida garantia que lhes assegura a própria Constituição Federal, a (re) montagem do arcabouço processual como uma via instrumental de concretização no plano real, a via executória vista de forma ampla, exercendo plenamente sua função jurisdicional; permitindo que de forma palpável o direito ―conhecido‖ seja entregue a quem melhor comprovou pertencer, é inevitável também não questionar, refletir e enxergar a atuação do magistrado, representante da Jurisdição, à luz dessa perspectiva ampla, publicista e modelada pelos princípios Constitucionais. 34 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de Direito Processual Civil, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 344. 35 SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. p.104 36 Idem. 37 Idem. 38 Idem. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 123 É fundamental, dentro deste contexto, que as decisões do magistrado sejam voltadas à proporcionar o dito ―direito socialmente eficaz‖ buscando diminuir o abismo existente entre este e o direito formalmente vigente39, ou seja, que o direito deixe de ser pensado no plano das idéias – não desejando aqui colocar o ―pensar‖ direito em segundo plano, mas tão somente demonstrar que pensar o direito também significa encontrar meios igualmente eficazes de realizá-lo. Mas para que o juiz possa verdadeiramente aproximar o direito ao contexto social é necessário que o mesmo tenha conhecimento da realidade político-social e econômicocultural do local onde exerce sua profissão. Assim, quando o legislador edita as normas processuais busca adequá-las as situações fáticas para fazer valer o direito substancial. Todavia, em uma sociedade em constantes e freqüentes mudanças o trabalho do legislador não consegue acompanhar a velocidade dessas mudanças. Passa então o judiciário a atender a esta função. O magistrado é figura que vivencia dia-a-dia as situações concretas que a lei busca regular, é ele quem analisa o caso prático e molda a norma de forma a atender a pretensão de quem provoca a jurisdição, tanto o é que compõe a concepção tríade do processo – juiz, autor e réu – por esse motivo também se defende que sua postura diante da lide deve ser imparcial, ou seja, deverá analisar o caso apresentado, os debates realizados, as provas produzidas e entregar o direito a quem houver melhor lhe convencido. Nota-se que a imparcialidade do magistrado não significa manter-se inerte, como mero expectador do processo, afinal o juiz é mais do que isso ele é sujeito da relação processual, ele contribui fundamentalmente para que a relação se forme e da mesma forma deve intervir para que a mesma seja solucionada com a efetiva e adequada prestação da tutela jurisdicional. Com este objetivo – de busca pela celeridade e da prestação adequada e efetiva da tutela jurisdicional – foi formada uma comissão encarregada pela elaboração de um Anteprojeto de alteração do Código de Processo Civil liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, que embora não trate expressamente sobre a temática coletiva contribui para se aproximar da mesma quanto a desburocratização procedimental e maior preocupação em retirar o processo como mera técnica e inseri-lo em um contexto social e econômico. Dentre alguns estudos já realizados e alguns apontamentos que já foram direcionados pela comissão, está a ampliação dos poderes do magistrado que poderá flexibilizar o procedimento40 seja adequando ritos a demandas, invertendo a ordem de produção de provas etc., e alterar, em determinadas hipóteses fundamentadas e sempre respeitando a ampla defesa, o pedido e a causa de pedir. Também se encontra no Ministério da Justiça o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivos (Anteprojeto USP), fruto de estudos profundos e pioneiros de vários juristas brasileiros dos quais se destaca a professora Ada Pellegrini Grinover, que traz em seu bojo e até pela proposta de tutelar direitos fundamentais, um procedimento mais amplo, despido dos moldes formalistas, que supera a chamada ―técnica pela técnica‖, para LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 3. edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 301 ―é fundamental que o direito exercido pela magistratura seja socialmente eficaz, buscando-se, ao máximo, a diminuição do grande abismo existente entre este último – o direito socialmente eficaz – e o direito formalmente vigente, o que a sociologia jurídica americana denominou de conflito existente entre a law in books X law in action.‖ 40 Sobre Flexibilização Procedimental Cf. GAJARDONI, Fernando da Fonsceca. Flexibilização procedimental: Um Novo Enfoque para o Estudo do Procedimento em Matéria Processual. São Paulo: Atlas, 2008. 39 124 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos apresentar diplomas ―preocupados com a ampliação de acesso à justiça e, principalmente, com a tutela dos direitos transindividuais e das minorias‖.41 Como se pode observar, tanto em um caso – comissão para elaborar o Anteprojeto de alteração do CPC – como em outro – Anteprojeto de Processo Coletivo – são propostas que logram modificar a atuação do magistrado e as aspirações do processo que vigoram hoje. Não há nada definido ainda, nada concretizado. Contudo, a simples adoção de um posicionamento mais ―ousado‖ por parte do magistrado pode contribuir para modificar essa situação. O juiz não é uma figura inerte ao processo que assiste o desenrolar da lide como mero expectador, para somente no final entregar o direito a quem melhor lhe convenceu. É senão, um sujeito da relação processual e um próprio construtor do direito na medida em que será ele, juiz, quem na prática adequará a norma editada pelo legislador à situação de direito substancial presente. Assim e diante do caso concreto, respeitado o crivo do contraditório – que será ampliado como contra parte da própria ampliação dos poderes do magistrado – e utilizando as ferramentas que já possui para adequar a norma a essa nova realidade processual insurgente – que é reflexo de uma sociedade massificada, pluralista e diversificada – mais do que poder, o juiz tem o dever de adotar essa postura mais participativa. A adoção dessa postura participativa em nada prejudica a sua imparcialidade frente ao processo. A mesma estará resguardada uma vez que o convencimento do juiz ainda será motivado e fundamentado nas instruções probatórias produzidas no curso do processo, e dessa forma o controle do uso arbitrário de suas funções encontra-se respaldado no próprio princípio da ampla defesa. Cumpre ressaltar que, ao adotar o posicionamento de que o juiz deva ser agente do processo e não mero expectador, atuando neste e contribuindo não só para entregar a tutela jurisdicional a quem tenha direito, mas para auxiliar na prestação da tutela jurisdicional adequada e inserida no contexto social e político externo, propõe-se na verdade uma atuação condizente com os ditames da lei, observando sua atuação de acordo com o princípio da legalidade ou nos dizeres de Pedro Lenza: (...) não deve o estudioso do direito temer qualquer injustiça diante desta nova mentalidade que deverá assumir a magistratura moderna. Isso porque, quando se defende o aumento dos poderes instrutórios na condução do processo, em hipótese alguma prega-se a atividade jurisdicional fora dos limites da lei, tomada em sua acepção ampla. A legalidade deverá ser sempre observada, podendo o magistrado avançar até os limites tolerados pelo ordenamento jurídicos, desde que mantenha inatingível a integridade do due process of law‖.42 Nota-se assim que o grande desafio e problemática a ser enfrentado pelo magistrado moderno é buscar a realização da ordem jurídica justa dosando os poderes instrumentalizados pela lei e mais, estarem inseridos na realidade social para prestar a tutela jurisdicional adequada e efetiva principalmente quando estão em jogo bens ou interesses transindividuais marcados pela sua indivisibilidade e indisponibilidade. 41 42 GAJARDONI, Fernando da Fonsceca. Flexibilização procedimental: Um Novo Enfoque para o Estudo do Procedimento em Matéria Processual. São Paulo: Atlas, 2008, p. 184. LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 315 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 125 7. NOTAS CONCLUSIVAS A partir da segunda metade do século XX, surgem os chamados direitos trans ou metaindividuais, ou seja, aqueles derivados dos direitos fundamentais de terceira geração: os direitos de solidariedade. São direitos que tem como principais características a indivisibilidade e a indeterminação dos sujeitos aos quais tais direitos pertencem; O ordenamento jurídico brasileiro, não alheio a tais prerrogativas, edita a Lei de Ação Civil Pública disciplinando sobre a matéria, posteriormente a própria Constituição Federal em 1988 vai incorporar em seu texto legal a referida matéria, todavia, será em 1990, com o Código de Defesa do Consumidor que o Brasil poderá falar que possui um verdadeiro microssistema integrado de direitos difusos e coletivos. Chamado ―microssistema‖ justamente por conter regras e diplomas próprios sobre a matéria; Todavia, a grande preocupação que se deparam os estudiosos do direito é com a efetivação dos chamados novos direitos, pois nada adianta ampliar os direitos se não se tem ferramentas hábeis para que se possam realizar na prática promovendo um real acesso à justiça; Nessa sentido os instrumentos processuais passam a serem transformados, ampliados, despidos do formalismo presente no Código de Processo Civil comum para poder amparar esses novos direitos que são tidos como fundamentais e para que sejam verdadeiramente assegurados necessitam desse revestimento alargado; Em que pese as louváveis iniciativas há ainda muito a se discutir quanto à efetividade da tutela prestada e nesse sentido se coloca nosso tema. Falar em efetividade no processo civil é nos remeter ao processo executivo cuja função jurisdicional reside justamente em entregar o objeto da lide a quem demonstrou ter direito; Entendemos que a tutela específica é a mais adequada para atender as pretensões coletivas uma vez que por definição visa a entregar exatamente o bem tal qual a obrigação fosse adimplida, em sentido oposto colocamos a tutela ressarcitória hoje tida como resposta final às demandas judiciais, mas que meramente reduz a pretensão levada a juízo a restituição pecuniária; A solução proposta pela tutela ressarcitória pode atender às demandas individuais, que são derivadas do Código de Processo Civil comum de cunho patrimonialista, todavia, ao tratar de direitos difusos e coletivos que visam tutelar bens fundamentais, a sua aplicação mostra-se ínfima para amparar essas novas situações reflexos dos conflitos de uma sociedade de massa; Assim, visualizamos na figura do magistrado, enquanto representante do Estado-Juiz, um grande auxiliar na efetivação dos direitos coletivos por meio de sua atuação pró-ativa no processo de execução coletiva com o fito de obter a tutela específica. REFERÊNCIAS ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de Direito Processual Civil, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 126 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999. GAJARDONI, Fernando da Fonsceca. Flexibilização procedimental: Um Novo Enfoque para o Estudo do Procedimento em Matéria Processual. São Paulo: Atlas, 2008. GRECO, Vicente Filho. Direito processual civil brasileiro. 3º volume. 16.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. MARINONI, Luis Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, v. 3: execução. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2007. SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo. Ed. Malheiros. 1. ed. 2007. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. . São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 4. edição, 2009. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 127 128 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos O PAPEL DA BIOÉTICA NA TUTELA DOS CONFLITOS COLETIVOS: reflexões sobre a ADPF 54 e anencefalia Lillian Ponchio e Silva * João Bosco Penna** SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A pauta de discussões bioéticas: dos problemas individuais aos conflitos coletivos. 3. ADPF 54 e a interrupção da gestação de feto anencéfalo. 4. Considerações finais. 5. Referências. La bioética es, no cabe negarlo, un tema da moda. Constantemente surgen situaciones imprevistas que atraen el interés de la opinión pública y suscitan interrogantes para los que el Derecho y la moral - se dice – no parecen tener respuesta. Muchos piensan por ello que lo único posible es el cambio constante del Derecho, de las leyes (para adaptarse a las nuevas circunstancias), y la flexibilización - cuando no la claudicación - de los principios éticos. (ATIENZA, Manuel. Bioética, derecho y argumentación. Lima-Bogotá: Palestra: Temis, 2004.) 1. INTRODUÇÃO O aborto de anencéfalos representa uma das questões mais polêmicas da atualidade. Desde já, é preciso mencionar a íntima relação da Bioética com questionamentos acalorados. Estudar Bioética é mergulhar num oceano de grandes indagações, de pluralidade de pensamentos e opiniões e de conflitos que superam a seara individual. Além de ultrapassar a barreira do individual, arromba a cerca do individualismo. Sim, pra compreender a Bioética é preciso deixar de lado, ou como melhor diria Husserl, é necessário deixar ―em suspenso‖ posicionamentos preconceituosos, discriminatórios, machistas, patriarcais e ofensivos. A citação de Husserl (matemático, físico e filósofo fundador da fenomenologia) é proposital, pois em sua busca pela essência, ensina tal procedimento – isto é – a denominada ―redução eidética‖, de um modo livre de teorias e pressuposições.1 * Mestranda em Direito pela UNESP, Franca-SP. Pesquisadora bolsista CAPES. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da UNESP, Franca-SP. 1 COLTRO, Alex. A fenomenologia: um enfoque metodológico para além da modernidade. Disponível em: < http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/c11-art05.pdf>. Acesso em 20 fev 2011. ** Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 129 Todos sabem que o método fenomenológico é extremamente complexo, visto que seus seguidores apresentam divergências radicais. O próprio Husserl não reconheceu em Hartmann ou Heidegger a aplicação totalmente adequada de seu método.2 Pois bem, sem querer desvendar os enigmas da fenomenologia de Husserl, mas utilizando a sua ideia principal – a busca pela essência – pode-se dizer que os estudiosos da Bioética estão constantemente nesta incessante caminhada. Após um período de discussões restritas, enclausuradas, reduzidas às questões biomédicas e biotecnológicas, constata-se uma expansão do foco de ação e de atuação da Bioética, abrangendo não somente novos temas, mas também temas antigos que, necessariamente, precisam ser revisitados com um novo olhar - mais comprometido. Partindo dessa perspectiva é que se busca estudar o aborto de anencéfalos. Ciente da pluralidade e diversidade de opiniões que o circundam. Consciente dos obstáculos religiosos, políticos, morais, legalistas e formalistas que nada contribuem para uma discussão honesta sobre o tema. Sendo assim, a maior parte das disputas a que os pesquisadores da Bioética dedicam-se a pensar está ―[...] embebida no sofrimento, na dor da angústia da imoralidade, um sentimento tão degradante quanto o da perda da própria dignidade.‖ 3 Não é por outras razões que Débora Diniz e Dirce Guilhem, referências fundamentais para aqueles que desejam se aventurar no universo bioético, afirmam que ―[...] lidar com os temas bioéticos não é uma tarefa agradável.‖ Na verdade, se desde já quisermos pontuar a essência dos conflitos relacionados à bioética com uma palavra, diremos: sofrimento. É justamente nesse contexto que encontramos o aborto do feto anencéfalo. As vozes que debatem sempre estão amarradas às moralidades e religiões. As mulheres também sempre estão amarradas – ao supracitado sofrimento. 2. A PAUTA DE DISCUSSÕES BIOÉTICAS: DOS PROBLEMAS INDIVIDUAIS AOS CONFLITOS COLETIVOS É exatamente dentro desse contexto de infindáveis indagações que o termo ―Bioética‖ foi originalmente proposto, em 1971, pelo oncologista e biólogo Van Rensselaer Potter, da Universidade de Wisconsin, em Madison, na sua obra ―Bioethics: bridge to the future‖. O autor tratou do tema dando ênfase a ideia de uma ―ponte‖ entre as ciências da vida e os estudos dos valores.4 O estudo de Potter estava relacionado, basicamente, às preocupações com os problemas ambientais inerentes às questões de saúde. Pode-se notar que havia também um grande interesse pelos aspectos morais ligados à prática da medicina. Daury Cesar Fabriz ressalta que, apesar desse uso restrito da concepção inicial de ―Bioética‖, utilizada apenas nas questões médicas e ambientais, a proposta de Potter 2 Explicação apresentada pelo Prof. Fernando Andrade Fernandes na aula do dia 15 de setembro de 2010, disciplina Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal do Curso de Pós-graduação em Direito da FCHS/Unesp-Franca/SP. As autoras demonstram que, por um lado, não é fácil para os defensores da santidade da vida humana , ou seja, aqueles que defendem a intocabilidade da vida dos seres humanos, viver em uma sociedade na qual as mulheres praticam o aborto, por exemplo. Por outro lado, também não é uma experiência nada agradável ser obrigada a preservar uma gestação em nome de valores morais estranhos a si próprios. DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 116. 4 Volnei Garrafa explica que essa ideia original de Potter foi utilizada e modificada também por outros pesquisadores. GARRAFA, Volnei. O novo conceito de bioética. In: ______.; KOTTOW, Miguel; SAADA, Alya. (Org.). Bases conceituais da bioética: enfoque latino-americano. São Paulo: Gaia, 2006. p. 11. 3 130 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos concedia um sentido macro, que já permitia uma visão além desses temas, relacionada à idéia geral de ―ciência da sobrevivência‖.5 Assim, essa abordagem mais ampla, referente a uma ética global, abrangeu o desenvolvimento e o progresso que traziam não somente benefícios, mas também danos ao meio ambiente. Portanto, fomentou discussões sobre responsabilidade e senso de humanidade. Todas essas questões já apontavam para a natureza da Bioética como um estudo que ultrapassa as barreiras que até então separavam as searas do saber. Vale ressaltar que a Grande Enciclopédia Larousse Cultural explica que o termo ―Bioética‖ designa o conjunto de problemas decorrentes da responsabilidade moral dos médicos e biólogos, em suas pesquisas teóricas e na aplicação prática dessas pesquisas.6 A primeira versão da Enciclopédia de Bioética foi organizada pelo Professor Warren Reich, do Instituto Kennedy de Ética, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos da América, em 1978, e trazia esse conceito não muito amplo de Bioética. No entanto, em 1995, na segunda edição, a Bioética foi definida como o estudo das dimensões morais das ciências da vida, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar. Não é por outro motivo que Daury Cesar Fabriz considera tal definição como mais abrangente.7 Torna-se oportuno ressaltar que a palavra Bioética foi formulada a partir da junção dos termos gregos ―bios‖, que representa vida, e ―ethos‖, que significa ética, ou seja, a ética perante a vida. No juramento de Hipócrates (séculos IV-I a.C.) já podem ser encontradas as premissas sobre as quais os profissionais de medicina deveriam pautar suas atitudes. Portanto, fica constatado que, inicialmente, esse termo foi mesmo utilizado restritamente no âmbito da medicina.8 Entretanto, uma ética que se limita apenas no interior da prática médica não é adequada, pois contempla somente um dos segmentos das várias preocupações com a saúde relacionadas ao bem-estar e à dignidade dos seres humanos. Em outras palavras, é preciso esclarecer que a ética no contexto da medicina apenas revela uma de suas inúmeras facetas. Ao tratar de temas relacionados à ética não há como negar a existência de infindáveis posicionamentos sobre o seu conceito. Entretanto, dentre essas tantas concepções sobre a ética, pode-se dizer, de um modo simples, que o termo é utilizado para designar a investigação sobre as dimensões daquilo que é bom. Não deve causar surpresa o fato de que cada sociedade possui o seu código de ética, o seu costume social, ou seja, o seu modo de comportamento próprio. No entanto, em linhas gerais, uma sociedade é considerada ética quando, em seu conjunto de regras, princípios e formas de pensar, busca o bem-estar de todos e esse conceito de bem-estar precisa ter sido estabelecido de forma democrática. 9 Diante disso, verifica-se a necessidade de compreender e estudar a Bioética como uma ética aplicada às inúmeras dimensões da vida humana, que visa pautar a conduta do homem nas áreas da ciência da vida, com a finalidade de inserir certos valores e princípios morais em tais condutas. 5 FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 73. 6 GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultura, 1998. p. 779. 7 FABRIZ, op. cit., p. 75. 8 O juramento de Hipócrates. HIPÓCRATES. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip%C3%B3crates>. Acesso em: 19 fev. 2010. 9 FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 76. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 131 Assim, com as transformações do contexto social, o campo da Bioética encontra-se permanentemente em expansão, tratando de variados problemas sob os mais diversos enfoques. Acredita-se que essa multiplicidade de ideias, incluindo preocupações com a saúde humana como um todo, possa fomentar saídas humanamente adequadas. Nesse diapasão, na Conferência de Amsterdã em 1992, foi criada a Associação Internacional da Bioética, com o objetivo de estabelecer e facilitar um intercâmbio de informações nas diversas partes do mundo, estimular o desenvolvimento da pesquisa e do ensino da Bioética, bem como defender o valor das discussões livres, abertas e ponderadas, pois há muitas pressões (religiosas, sociais e políticas) que buscam evitar esse livre debate de temas bastante controversos, tais como aborto, eutanásia e engenharia genética. Portanto, o objetivo principal dessa Associação pode ser resumido como a prática da ―tolerância diante da diversidade‖.10 A Constituição da Associação Internacional da Bioética define o termo Bioética como ―[...] o estudo dos aspectos éticos, sociais, legais, filosóficos e outros aspectos afins inerentes à assistência médica e às ciências biológicas.‖ 11 Assim, fica evidente que se trata de um campo bastante amplo, que trilha por diversos caminhos ao tratar de inúmeros temas, tais como a ética na enfermagem, a definição de morte, a ética psiquiátrica, direitos de reprodução e abordagens feministas da Bioética. Portanto, a Bioética está intimamente ligada às práticas que envolvem relações humanas nucleares, pois abrange a reprodução, a sexualidade, a família, o começo e o fim da vida, afetando os seres vivos de modo profundo e, muitas vezes, irreversível. Por isso, Miguel Kottow afirma que a Bioética é ―[...] uma disciplina muito mais que contemplativa e contestadora, da qual devem emanar diretrizes morais que orientem a ação em benefício do ser humano e da humanidade.‖12 Essa constatação, na qual a Bioética é considerada uma disciplina mais que contestadora, decorre do fato de compreender as inúmeras situações que são abarcadas por ela, pois vai além da relação paciente e médico, pesquisador e pesquisado, Estado e cidadão, por abranger concepções de mundo e de vida de diversos segmentos, tais como os católicos, os ateus, os judeus, os budistas e os protestantes, de modo que possam ficar estabelecidas suas próprias orientações, revelando, assim, a multiplicidade das sociedades contemporâneas. Desse modo, o respeito às diferenças, com base na ética da tolerância, é mais do que necessário. 3. ADPF 54 E A INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO DE FETO ANENCÉFALO. O art. 102 da Constituição Federal de 1988, parágrafo primeiro, de acordo com a Emenda Constitucional n. 3/93, dispõe que a arguição de descumprimento de preceito fundamental será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. As regras procedimentais relativas relacionadas à mencionada arguição foram definidas pela Lei n. 9.882/99. É preciso mencionar ainda que, antes do surgimento da Lei n. 9882/99, o STF decidiu que o art. 102,§1°, da CF/88 representava uma norma constitucional de eficácia limitada. 10 CAMPBELL, Alastair. Uma visão internacional da bioética. In: GARRAFA, Volnei; COSTA, Sérgio Ibiapina F. (Org.). A bioética no século XXI. Brasília, DF: Ed. UnB, 2000. p. 26. 11 Ibid., p. 27. 12 KOTTOW, Miguel. Bioética prescritiva: a falácia naturalista: o conceito de princípios na bioética. In: GARRAFA, Volnei; KOTTOW, Miguel; SAADA, Alya. (Org.). Bases conceituais da bioética: enfoque latino-americano. São Paulo: Gaia, 2006. p. 40. 132 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Assim, a ADPF representa um instrumento jurídico, previsto pela Constituição Federal, que pode ser utilizado por determinadas entidades da sociedade civil, no momento em que se sentirem lesadas por alguma lei que julgam inconstitucionais ou que desrespeitam os preceitos fundamentais que regem a Constituição Federal de 1988. Os preceitos fundamentais podem ser entendidos como aqueles que ―informam o sistema constitucional, que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da manifestação constituinte originária.‖ 13 A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), entidade considerada legítima para a utilização da ADPF, utilizando-se de tal instrumento, alegou que proibir a antecipação terapêutica do parto, em casos de anencéfalo, seria encancaradamente inconstitucional, numa clara afronta aos direitos das mulheres gestantes, bem como aos direitos dos profissionais de saúde. Vale ressaltar o fato de que o aborto de anencéfalos, indubitavelmente, faz parte do universo de indagações bioéticas, disciplina esta que tem como principal finalidade revelar as inúmeras opiniões e pensamentos relacionados à referida temática. Compreender essa pluralidade é praticar a tolerância e o respeito pelas diferenças. Muito se questiona sobre a prática do aborto quando verificada a anencefalia do feto. Logo, é preciso mencionar também os intensos e inúmeros danos psicológicos encontrados na gestante, que se encontra maculada em sua própria dignidade. Facetas médicas e jurídicas precisam ser levadas em consideração. Conforme explica Luiz Regis Prado, o bem jurídico tutelado em casos de aborto corresponde ―a vida do ser humano em formação‖. Portanto, ―protege-se a vida intra-uterina, para que possa o ser humano desenvolver-se e nascer‖.14 Quanto à anencefalia, o que se observa é um ser que possui somente fragmentos cerebrais, ―que tem seu fim inexoravelmente próximo, vez que não possui a estrutura encefálica necessária à realização das sinapses que possibilitarão a manutenção de uma respiração autônoma e o desenvolvimento de outras funções essenciais à existência.‖ 15 Assim, pode-se dizer que o feto não apresenta viabilidade, pois só possui condições de manter poucas funções (como os batimentos cardíacos), enquanto estiver ligado à mãe ou por aparelhos médicos. Em outras palavras, não possui condições mínimas de sobrevivência. Logo, não é possível punir a mãe que interrompa a gravidez. Vale destacar a conclusão lógica – e sensata – de Domingos Barroso da Costa: Afastados os debates religiosos, há de se observar que vivemos num Estado laico, em que vige o princípio maior da dignidade da pessoa humana, cuja interpretação não permite vislumbrar-se que uma mulher seja compelida a carregar em seu ventre um feto inviável, sem o mínimo potencial necessário para viver e tornar-se um indivíduo.16 Em outras palavras, o feto anencéfalo não pode receber a mesma proteção jurídica atribuída ao nascituro, pois não apresenta o potencial mínimo necessário para viver. 13 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 901. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 2: parte especial: arts. 121 a 183, São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2000, 629, p. 88 15 COSTA, Domingos Barroso da. Sobre a atipicidade da interrupção da gestação de feto anencéfalo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 13, jul. 2005. 16 Ibid. 14 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 133 Portanto, a conclusão que se chega é pela atipicidade. Assim, a intervenção do Estado em tais casos não é possível, pois não há crime de aborto. Cabe tão somente à gestante decidir pela retirada do feto portador de anencefalia. É a mãe quem deve decidir se continua ou não com a gravidez. Não há cenário jurídico para tal decisão. Gleuton Brito Freire é enfático nesse sentido: Somente a mulher que sofre o estupro pode dizer a gravidade e o tamanho da dor. Tão-somente, por igualdade de tratamento, a mulher, mãe de barriga de feto anencéfalo, mensura o sofrimento da escolha dificílima de tirar o quase morto ou ir até o fim duma gravidez dorida. A escolha, portanto, não pode ser entregue — reitere-se — ao Estadojuiz, sob pena de exercício supremo de intervenção na dor alheia.17 Na verdade, a tutela do Judiciário nesses conflitos é possível apenas quando a conduta infringe a norma legal em seu aspecto material, o que não é o caso. Guaracy Lourenço da costa explica que ―tal ser monstruoso, o anencéfalo‖ , permanecendo em geração dentro do útero materno, irá crescer e causar inúmeros transtornos à gestante, ―primeiro que a exposição dos tecidos cerebrais, sem a cobertura óssea protetora, leva o corpo fetal a ter seguidas e comprovadas convulsões, percebidas pela mãe como uma das sensações mais horríveis que se possa imaginar, diante do que já ouvi descrevê-las.‖18 Portanto, é de clareza solar o fato de que a gestante é quem deve decidir pela manutenção da gravidez. É ela – e tão somente ela – que possui as condições de suportar ou não todas essas dores físicas e psicológicas de carregar um ser que não possui chances de vida extra-uterina. Pedir para que o Estado ofereça uma resposta para tal situação é uma tarefa impossível. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Pode-se observar que a Bioética, em suas mais diversas temáticas, abrange concepções de mundo e de vida de diversos segmentos. É o campo da pluralidade. Controlar a sexualidade e o corpo das mulheres, eticamente falando, é inaceitável. Obrigar uma gestante a suportar intensas dores físicas e psicológicas, provenientes de um ser que não irá viver é inconcebível. Criminalizá-la é pior ainda. Não basta todo sofrimento que tal mulher suportou ao receber a notícia da anencefalia? É preciso ainda etiquetá-la de criminosa? As mulheres sempre tiveram seus corpos e condutas pautados pela dominação masculina. Formalmente e informalmente são condenadas – diariamente – pelos olhos de uma sociedade machista e preconceituosa. Um Estado que se diz laico não pode aceitar essa situação. Não pode permitir que crenças morais e religiosas decidam sobre o futuro da mulher, que não poderá desfrutar do fruto de seu ventre, ainda que queira. Seria penalizá-la por inúmeras formas. 17 FREIRE, Gleuton Brito. Aborto de anencéfalo: decisão jurídica ou cristã? Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.149, p. 10-11, abr. 2005. 18 COSTA, Guaracy Lourenço da. Abortamento provocado na gestação de feto anencéfalo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.24, p. 08, dez. 1994. 134 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos Esperar que o Estado traga uma resposta humanamente adequada para o aborto de anencéfalos, esse problema bioético que afeta toda a sociedade – principalmente as gestantes que realmente vivem intensamente esse sofrimento - isso sim, é um ato de fé. 5. REFERÊNCIAS ATIENZA, Manuel. Bioética, derecho y argumentación. Lima-Bogotá: Palestra: Temis, 2004. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000. COLTRO, Alex. A fenomenologia: um enfoque metodológico para além da modernidade. Disponível em: < http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/c11art05.pdf>. Acesso em 20 fev 2011. COSTA, Domingos Barroso da. Sobre a atipicidade da interrupção da gestação de feto anencéfalo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 13, jul. 2005. COSTA, Guaracy Lourenço da. Abortamento provocado na gestação de feto anencéfalo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.24, p. 08, dez. 1994. DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2008. FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003 FERNANDES, Fernando Andrade. O processo penal como instrumento de política criminal. Coimbra: Almedina, 2001. (Teses). FREIRE, Gleuton Brito. Aborto de anencéfalo: decisão jurídica ou cristã?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.149, p. 10-11, abr. 2005 GARRAFA, Volnei; COSTA, Sérgio Ibiapina F. (Org.). A bioética no século XXI. Brasília, DF: Ed. UnB, 2000 ______; KOTTOW, Miguel; SAADA, Alya. (Org.). Bases conceituais da bioética: enfoque latino-americano. São Paulo: Gaia, 2006. GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultura, 1998. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 2: parte especial: arts. 121 a 183, São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2000 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 135 136 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 137 LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Marcelly Fuzaro Gullo* Jete Jane Fioratti** SUMÁRIO: Introdução 1. Natureza dos Interesses Tutelados pela Ação Civil Pública 1.1. Interesses Difusos 1.2. Interesses coletivos em sentido estrito 1.3. Interesses Individuais Homogêneos 1.4. Quadro – Resumo 2. Coisa Julgada no Código de Processo Civil 3. Limites Subjetivos da Coisa Julgada segundo o Código de Processo Civil 4. Coisa Julgada Coletiva 5. Limites Subjetivos da Coisa Julgada Coletiva na Ação Civil Pública 5.1. O art. 16 da Lei nº 7.347/85 5.2. O art. 103 do Código de Defesa do Consumidor 5.3. Ações coletivas e ações individuais em concomitância Conclusão Referências INTRODUÇÃO Pode-se dizer que há hoje no Brasil um microssistema processual coletivo1 composto pelas legislações que tratam de direitos coletivos, como a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e outras de aplicação mais específica, que contam com dispositivos aplicáveis aos interesses coletivos de determinado grupo, classe ou categorias de pessoas, como a Lei da Pessoa Portadora de Deficiência (Lei nº 7.853/89), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), Lei Protetiva dos Investidores do Mercado de Valores Mobiliários (Lei nº 7.913/89) e Lei de Prevenção e Repressão às Infrações contra a Ordem Econômica – Antitruste (Lei nº 8.884/94). Tais leis foram sendo criadas na medida em que se percebia que determinados direitos, que não podiam ser considerados públicos, mas também extrapolavam a esfera dos interesses meramente individuais, exigiam uma regulamentação diferente daquela existente no âmbito do Código de Processo Civil. Imperava, portanto, uma necessidade de readequação e readaptação das regras processuais já existentes, para que pudessem ser utilizadas em prol de efetiva proteção e amparo aos direitos coletivos. Neste ínterim, um instituto adaptado à realidade dos direitos coletivos pela legislação, foi o da coisa julgada e seus limites subjetivos, o qual será objeto de análise no presente trabalho. * Mestre em Direito pela UNESP/Franca/SP; Advogada. ** 1 Doutora e mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP. Livre docente em Direito Internacional pela UNESP; Professora adjunta e efetiva da UNESP, Franca-SP. Realizou Pós doutorado na Alemanha no Max Planck Institut fur ausländisches und internationales Privatrecht. MANCUSO, Rodolfo de Carmargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 325. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 137 Para tanto, serão aqui abordados os direitos coletivos tutelados pela ação civil pública, o instituto da coisa julgada individual e suas características no âmbito do Código de Processo Civil, bem como o instituto da coisa julgada coletiva e suas características no âmbito da Lei da Ação Civil Pública. 1. Natureza dos Interesses Tutelados pela Ação Civil Pública Estabelece o art. 1º da Lei nº 7.347/85 (LACP) e seus incisos, que a ação civil pública poderá ser manejada para discussão de responsabilidade civil oriunda de danos morais e patrimoniais causados: ao meio-ambiente (inc. I), ao consumidor (inc. II), à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inc. III), por infração da ordem econômica e da economia popular (inc. IV) e à ordem urbanística (inc. V). Tais interesses, por não serem de titularidade de apenas um único indivíduo (interesse privado) ou do Estado (interesse público), mas dizerem respeito a um grupo, categoria ou classe de pessoas unidas por uma situação fática ou jurídica comum, são chamados pela doutrina de transindividuais, metaindividuais ou coletivos em sentido amplo (lato sensu). Conforme ensinamentos de Hugo Nigro Mazzilli, baseado na lição de Mauro Cappeletti, situados numa posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado, existem os interesses transindividuais (também chamados de interesses coletivos, em sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (como os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam a constituir interesse público.2 Dado o seu caráter transindividual, a lesão aos interesses coletivos pode repercutir de diversas formas e intensidades sobre seus titulares, os quais, nem sempre, serão determinados ou determináveis, conforme a extensão e grau pulverização dos danos. Com efeito, esclareça-se que os interesses transindividuais ou coletivos lato sensu, subdividem-se em três espécies, de acordo com sua origem, divisibilidade do objeto tutelado e determinabilidade dos sujeitos, quais sejam: interesses difusos, interesses coletivos em sentido estrito e interesses individuais homogêneos, conforme será demonstrado mais detalhadamente adiante. Ainda, importante considerar que uma determinada lesão pode repercutir, simultaneamente, na esfera dos direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos, atingindo, inclusive, direitos individuais e públicos. Com efeito, como exemplifica Nelson Nery Junior: da ocorrência de um mesmo fato podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais. O acidente com o ‗Bateau Mouche IV‘, que teve lugar no Rio de Janeiro há alguns anos, poderia ensejar 2 CAPPELLETTI, Mauro apud MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 48 138 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 139 ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que teriam interesse na manutenção da boa imagem deste setor na economia, a fim de compelir a empresa proprietária da embarcação a dotá-la de mais segurança (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que se interditasse a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso).3 Um outro exemplo a ser considerado é a poluição no oceano causada pelo vazamento de petróleo ocorrido no Golfo do México, em abril de 2010, após a explosão de uma plataforma exploradora da companhia inglesa British Petroleum. Calcula-se que milhares de barris de petróleo tenham sido despejados no mar, o que resultou em um dos maiores desastres ambientais da história dos Estados Unidos. O petróleo espalhou-se por quilômetros na costa, atingindo Estados como a Louisianna, Alabama, Mississipi, Flórida, Carolina do Sul, prejudicando e ameaçando a vida marinha local, áreas de proteção ambiental da várzea, a indústria pesqueira da região, o turismo, além de colocar em risco todos aqueles que viviam ao longo da costa ou ali desempenhavam atividades de pesca, entre outras ligadas ao mar. Ou seja, trata-se de uma situação em que diversas pessoas e grupos, classes ou categorias de pessoas, determinadas e indeterminadas, sofreram danos ou correram o risco de sofrê-los, em intensidades variadas e de formas diferentes, em razão de uma mesma situação. Se tal acidente tivesse ocorrido no Brasil, é possível que muitas pessoas ingressariam com uma ação individual para obtenção de indenização dos danos sofridos. Entretanto, diante da coletividade prejudicada ou ameaçada, e independentemente das eventuais ações individuais ajuizadas, seria possível, também, que os direitos coletivos atingidos fossem protegidos como um todo, através de uma ação civil pública, ajuizada por um ente legitimado4, em substituição a todo o grupo lesado no pólo ativo da demanda. Ao final, um julgamento procedente oriundo de uma ação civil pública poderia ser revertido em proveito de todos os lesados, conforme as espécies de interesses coletivos atingidos e seus limites subjetivos. Para facilitar o estudo desenvolvido no presente trabalho, vejamos a seguir a individualização de cada uma das espécies de interesses coletivos. 1.1. Interesses Difusos O art. 81 do CDC, em seu inciso primeiro, compreende os interesses difusos como ―transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas ou indetermináveis e ligadas por circunstâncias de fato‖. Na definição de Hugo Nigro Mazzilli, 3 NERY JUNIOR, Nelson. apud LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 4 O art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (LACP) dispõe que são legitimados para propor a ação principal e cautelar: o Ministério Público (inc. I), a Defensoria Pública (inc. II), a União, os Estados, o Distrito federal, os Municípios (inc. III), autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista (inc. IV), associações concomitantemente constituídas há pelo menos um ano e que incluam dentre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, à ordem econômica, à live concorrência ou ao patrimônio artístico, turístico e paisagístico (inc. V). Tais legitimados são considerados substitutos processuais. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 139 os direitos difusos ―são como um feixe de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhado por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas‖5. Para melhor ilustrar, partindo-se do exemplo prático acima mencionado com relação ao vazamento de petróleo no Golfo do México, pode-se dizer que os interesses são difusos no que se refere à importância, para todas as pessoas que vivem na região poluída, de que o a poluição seja contida e removida. Diante da grande extensão e pulverização dos danos causados, os sujeitos titulares dos direitos difusos são indeterminados ou indetermináveis, considerando-se todos aqueles efetivamente prejudicados ou que estejam correndo o risco presente ou futuro de sofrer prejuízos em função da poluição no mar. Nesse exemplo, tendo em vista a grande quantidade de pessoas que vivem na região ou que poderão ali viver um dia, bem como as grandes proporções do acidente ambiental e suas conseqüências para as gerações futuras, identificar todas as pessoas expostas aos danos poderá ser tarefa impossível. Quanto à origem, os danos provocados possuem uma mesma relação fática, qual seja, o vazamento de petróleo em uma plataforma exploradora no Golfo do México Por fim, o objeto tutelado no interesse em análise é indivisível pois, enquanto houver o fato (exposição às conseqüências oriundas do vazamento de petróleo), todos que ali vivam, trabalhem ou visitem, estarão expostos a algum prejuízo. Uma vez que a poluição for removida todos que estavam expostos ao perigo serão beneficiados. Como se vê, tanto a lesão como a reparação do dano atinge a todos indistintamente. Outros exemplos de interesses difusos podem ser apontados, como os elencados por Pedro Lenza6: i) direito de não exposição a propagandas enganosas e abusivas veiculadas pelos meios publicitários, ii) pretensão ao meio ambiente hígido pelas presentes e futuras gerações, iii) dano oriundo de contaminação de cursos d‘água e mananciais hídricos, iv) direito de respirar ar puro e livre de poluição, v) destruição do patrimônio artístico, cultural, turístico, estético e paisagístico, vi) queima da cana de açúcar em cidades como Ribeirão Preto – SP, ocasionando danos ambientais, problemas respiratórios e sujeira resultante do carvão; vii) instalação de shopping center em bairro residencial, ocasionando congestionamentos no trânsito local, viii) produtos com vícios de qualidade colocados para venda aos consumidores, etc. 1.2. Interesses coletivos em sentido estrito A expressão ―interesses coletivos‖ pode ser utilizada tanto em sentido amplo, para referir-se aos interesses transindividuais como um todo, como em sentido estrito, para referir-se, especificamente, aos interesses coletivos como uma espécie de interesses transindividuais. Pois bem. Os interesses coletivos em sentido estrito, conforme definição do art. 81 do CDC, inciso segundo, são interesses ―transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base‖. Tal definição já deixa transparecer algumas diferenças entre interesses difusos e coletivos, especificamente no que se refere à origem e determinabilidade dos sujeitos. Com 5 6 MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 50-51. LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 94. 140 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 141 efeito, enquanto os direitos difusos são oriundos de uma mesma relação fática, os direitos coletivos em sentido estrito são originários de uma mesma relação jurídica base. Ainda, ao passo que nos interesses difusos os sujeitos são indetermináveis ou indeterminados, nos interesses coletivos são pessoas determinadas ou determináveis, pois serão todas aquelas que fizeram parte da relação jurídica base, o que facilita a identificação de cada um. São exemplo todos os consumidores de um contrato de adesão de plano de saúde, que contenha uma cláusula ilegal. Tais consumidores, unidos por uma relação jurídica idêntica, encontram-se identificados como integrantes de um mesmo grupo e, nesta condição, terão as mesmas aspirações para superação de eventual ilegalidade. Por outro lado, como ponto comum, tanto os interesses difusos como os interesses coletivos tutelam objeto indivisível entre todos do grupo. Consequentemente, possível decisão judicial favorável decorrente de ação civil pública ajuizada para anular a cláusula abusiva de um contrato de plano de saúde beneficiará a todos os contratantes que tenham firmado contrato com a parte ré. Para maior visualização dos interesses coletivos, cite-se mais uma vez exemplos apresentados por Pedro Lenza7: i) aumento ilegal das prestações de contrato de consórcio, ii) ilegalidade no aumento de mensalidades escolares, iii) direito dos alunos de certa instituição de terem a mesma qualidade de ensino em certo curso, iv) danos sofridos por acionistas de uma mesma empresa, v) moradores do mesmo condomínio, etc. 1.3. Interesses Individuais Homogêneos A figura dos interesses individuais homogêneos foi criada pelo Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira espécie de direitos coletivos. Todavia, referido Diploma definiu os direitos individuais homogêneos de forma simples, tendo disposto em seu art. 81, inciso terceiro, que, como tais, são ―assim entendidos os decorrentes de origem comum‖. Por origem comum, deve ser compreendida uma situação fática da qual decorre a homogeneidade. Ainda, de acordo com a doutrina, os interesses individuais homogêneos caracterizam-se por possuírem titulares determinados ou determináveis e tutelarem objetos divisíveis no âmbito das relações de consumo. Seus titulares são determináveis porque são identificáveis perante o fato comum que originar a lesão, como por exemplo, pessoas que sofreram séria intoxicação em razão de determinado alimento vencido e colocado à venda em supermercados. Os consumidores que poderiam ter consumido o alimento em questão são indeterminados, mas todos aqueles que consumiram, apresentando quadro de intoxicação, serão determinados. Tais pessoas possuem a liberdade de optar por, cada uma, ajuizar sua ação indenizatória individualmente e aguardar pelas sentenças, sendo que algumas poderão ser julgadas improcedentes e outras procedentes, com maior ou menor valor condenatório, conforme o conjunto probatório dos danos e livre convencimento do juiz que apreciar cada demanda. Por outro lado, devido à origem comum (homogeneidade) a tutela dos interesses prejudicados poderá também ser manejada de forma coletiva, através de uma ação civil pública, a qual pleiteará a reparação dos prejuízos sofridos pelos sujeitos, em razão de intoxicação alimentar. Uma vez que os interesses sejam perfeitamente atribuíveis a cada um dos sujeitos na exata proporção que lhes couber, verifica-se que o objeto aqui tutelado é divisível. 7 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 100-101. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 141 Como se vê, os direitos individuais homogêneos possuem um ponto comum em relação aos direitos difusos no que se refere à origem pois, em ambos, os sujeitos estão unidos por uma situação fática. Entretanto, diferem totalmente dos direitos difusos e coletivos em sentido estrito com relação ao objeto tutelado, que se faz divisível. Um outro exemplo, comumente mencionado nas doutrinas sobre direitos coletivos, é o das pessoas que adquiriram veículos do mesmo lote, todos com o mesmo defeito de fabricação. Ainda, Pedro Lenza8 destaca outros casos, como: i) investidores de aplicações financeiras (poupadores), ii) prejuízos sofridos por consumidores em decorrência de prática comercial abusiva, etc. 1.4. Quadro – Resumo Como forma de sintetizar o exposto acima e ajudar o aplicador do Direito a identificar os interesses transindividuais, a doutrina utiliza-se de tabelas sinópticas como a seguinte9, que fornecem os subsídios básicos e identificadores de cada espécie: INTERESSES Difusos Coletivos Ind. Homogêneos GRUPO indeterminável determinável determinável OBJETO indivisível Indivisível divisível ORIGEM situação de fato relação jurídica origem comum Em suma, e de forma simplificada, verifica-se que: i) os interesses difusos são aqueles compartilhados por pessoas indetermináveis, oriundos de uma situação de fato indivisível entre todos do grupo; ii) os interesses coletivos são compartilhados por pessoas determináveis, originários de uma mesma relação jurídica referente a um objeto indivisível; iii) os interesses individuais homogêneos referem-se a um grupo de pessoas determináveis, resultantes de uma mesma origem e cujo objeto é divisível entre os prejudicados. Apresentados os direitos coletivos tutelados pela ação civil pública, passamos agora a analisar o instituto da coisa julgada. 2. Coisa Julgada no Código de Processo Civil O estudo da coisa julgada passa, inevitavelmente, pelo estudo da sentença. Sendo assim, é indispensável recordarmos os ensinamentos do mestre Enrico Tullio Liebman, que define a sentença como ―um comando, quer tenha o fim de declarar, quer tenha o fim de constituir ou modificar ou determinar uma relação jurídica‖.10 Na definição do Código de Processo Civil, sentença é o ato do juiz que põe fim ao processo (art. 162), com ou sem o julgamento do mérito da causa (art. 269 e art. 267). Tão logo seja proferida, a sentença já produz efeitos diante do comando emanado. Todavia, a sentença poderá, ainda, ser questionada e alterada perante o juiz prolator ou Tribunal, através da interposição de medidas e recursos cabíveis, dentro dos prazos definidos em lei. Quando não for questionada dentro do prazo cabível ou quando ocorrer o 8 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 101. MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 55. 10 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 50 9 142 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 143 esgotamento de todos os meios possíveis de revisão dos comandos fixados, a sentença se torna imutável, transitando em julgado. Coisa julgada pode ser compreendida, portanto, como o efeito definitivo e imutável da parte dispositiva de uma sentença, quando esta não puder mais ser modificada por recursos, tendo o processo atingido seu termo final. Segundo Liebman, Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa, e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato.11 É chamada coisa julgada formal a sentença tornada imutável após a preclusão dos atos para seu questionamento, enquanto ato processual. Ocorre depois que o ―Estado realizou o serviço jurisdicional que se lhe requereu (julgando o mérito), ou ao menos desenvolveu as atividades necessárias para declarar inadmissível o julgamento do mérito (sentença terminativa)‖.12 Ou seja, a coisa julgada formal verifica-se sempre que houver sido prolatada sentença, independentemente da análise do mérito13, e esta tornar-se imutável14. Seus efeitos se operam dentro do processo em que foi proferida, o que permite que a lide seja proposta novamente quando não houver, em concomitância, coisa julgada material. Coisa julgada material, por sua vez, é aquela decorrente de cognição judicial plena e exauriente, na qual a sentença colocou fim ao litígio, tendo acatado ou rejeitado, no todo ou em parte, os pedidos formulados na peça inicial, solucionando o caso concreto. Trata-se, portanto, de uma sentença de mérito que transitou em julgado e tornou-se imutável. Na definição do artigo 467 do Código de Processo Civil, ―denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário‖. Por produzir efeitos dentro (endoprocessuais) e fora do processo (extraprocessuais), a coisa julgada material, em nome da segurança jurídica, impede que as partes litigantes voltem a Juízo para propor a mesma demanda (mesmas partes, mesmos pedidos, mesma razão de pedir). Nelson Nery15 Junior assinala que, por efeitos endoprocessuais, deve-se compreender: i) tornar indiscutível e inimpugnável a sentença de mérito transitada em 11 Ibidem. p. 51. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 326. 13 Como analisa Humberto Theodoro Júnior, ―a coisa julgada pode existir sozinha em determinado caso, como ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o processo sem julgar a lide. Mas a coisa julgada material só pode ocorrer de par com a coisa julgada formal, isto é, toda sentença para transitar materialmente em julgado deve, também, passar em julgado formalmente‖. In THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 477. 14 A legislação brasileira conta com algumas exceções que permitem a relativização da coisa julgada ou a mitigação da coisa julgada em algumas situações específicas, como a ação rescisória, revisão criminal, investigação de paternidade, embargos à execução, impugnação ao cumprimento da sentença, coisa julgada secundum eventum litis. 15 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na constituição federal: processo penal, civil e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 56. 12 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 143 julgado, e ii) tornar obrigatório o comando contido na parte dispositiva da sentença. Enquanto que por efeitos extraprocessuais, deve-se compreender: i) vinculação entre as partes e o Juízo de qualquer processo que se lhe seguir, ii) impossibilidade de que a ação com sentença transitada em julgado seja proposta novamente com as mesmas partes, pedidos e causa de pedir. Desta forma, mesmo que uma demanda seja julgada improcedente por deficiência do conjunto probatório dos fatos alegados, o surgimento de novas provas ou a fundamentação em outros dispositivos legais não autorizam a repropositura da ação. Como prevê o Código de Processo Civil, a qualidade de imutabilidade atingida pela sentença impossibilita a rediscussão da lide e afasta quaisquer alegações que as partes poderiam apresentar para ensejar o acolhimento ou indeferimento do pedido, mas não o fizeram (art. 474 do CPC). Diante de ambos os institutos da coisa julgada formal e coisa julgada material, os mestres Cintra, Grinover e Dinamarco esclarecem: A coisa julgada formal é pressuposto da coisa julgada material. Enquanto a primeira torna imutável dentro do processo o ato processual sentença, pondo-a com isso ao abrigo dos recursos definitivamente preclusos, a coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos por ela e lançados fora do processo. É a imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes. Em virtude dela, nem o juiz pode voltar a julgar, nem as partes a litigar, nem o legislador a regular diferentemente a relação jurídica.16 Em suma, ambas nascem da impossibilidade de rediscussão de uma sentença através de interposição de recurso, e a diferença entre ambas é apenas um grau de um mesmo fenômeno.17 Necessário salientar ainda que, que acordo com a mais atual doutrina, a coisa julgada, seja formal ou material, não deve ser compreendida como um efeito da sentença, mas sim, como uma forma de manifestação e produção dos efeitos da própria sentença18, o que equivale a dizer: como uma qualidade da sentença e de seus efeitos, tornando-os imutáveis19. Liebman, ao analisar e estudar os institutos da coisa julgada em 1945, já havia pautado que a coisa julgada substancial20 não é um efeito da sentença, mas somente aspecto particular daquela qualidade que ela logra, quando se opera a preclusão dos recursos; indica pois a coisa julgada formal a imutabilidade da sentença como ato processual, e a coisa julgada substancial indicada a mesma imutabilidade, em relação ao seu conteúdo e mormente aos seus efeitos.21 16 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 327. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 476 18 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 41. 19 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. op. Cit. p. 327. 20 Leia-se coisa julgada material. 21 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 55. 17 144 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 145 De qualquer maneira, a coisa julgada está relacionada à idéia de imutabilidade. Conseqüentemente, a importância do instituto guarda relação direta com a manutenção da ordem e segurança jurídica, pois garante aos litigantes e à sociedade a imutabilidade da decisão judicial, colocando um fim sobre o litígio e impedindo que uma mesma questão, cujo mérito já tenha sido resolvido, seja rediscutida em juízo. O direito à coisa julgada, inclusive, está elencado pela Constituição Federal como uma garantia fundamental, através do art. 5º, inciso XXXIV, que estabelece: ―a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada‖. 3. Limites Subjetivos da Coisa Julgada segundo o Código de Processo Civil Basicamente, os limites subjetivos da coisa julgada representam a delimitação das pessoas alcançadas pela autoridade da coisa julgada. Estabelece o artigo 472 do Código de Processo Civil que ―a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.‖ O dispositivo acima transcrito regulamenta os limites subjetivos da coisa julgada no processo civil individual, os quais ocorrem inter partes. A limitação subjetiva da coisa julgada aos litigantes da demanda individual em que foram partes, justifica-se pelo fato de que o comando emanado de uma sentença deve atingir apenas aqueles que se fizeram representar no processo e puderam apresentar provas e defesa a seu favor. Se assim não fosse, terceiros que não participaram do processo, poderiam ter seus interesses atingidos por uma coisa julgada formada desfavorável, sem que tivessem contribuído para a produção de provas e convencimento do Julgador. Ou seja, teriam nitidamente prejudicado o seu direito ao contraditório e ampla defesa, assegurado pelo art. 5º da Constituição Federal, no inciso LV, que dispõe: ―aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes‖.22 Além de que, poderiam ser atingidos por uma coisa julgada desfavorável sem que tivessem, sequer, desejado submeter sua causa ao judiciário. Ante tais perspectivas totalmente desfavoráveis e prejudiciais ao terceiro é que a coisa julgada estabelecida pelo Código de Processo Civil produz efeitos apenas entre as partes litigantes. Conforme os ensinamentos de Cintra, Grinover e Dinamarco, ―a eficácia natural da sentença vale erga omnes, enquanto a autoridade da coisa julgada somente existe entre as partes‖23 . Como assevera Nelson Nery Junior, ―O princípio do contraditório, além de se constituir fundamentalmente em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório. (...). Por contraditório, deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis.‖ In: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na constituição federal: processo penal, civil e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 205-206. 23 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 327. 22 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 145 4. Coisa Julgada Coletiva A coisa julgada coletiva, por sua vez, rompe com alguns preceitos da coisa julgada estabelecida pelo Código de Processo Civil, como limites subjetivos inter partes e imutabilidade dos efeitos da sentença de mérito. Na coisa julgada coletiva, os limites subjetivos não ficam adstritos às partes do processo (inter partes), pois permitem que pessoas que não tenham participado diretamente da relação processual sejam beneficiadas por uma decisão judicial favorável proferida no âmbito de um processo coletivo. Isto porque, nas ações coletivas, devido à grande dificuldade em reunir todos os titulares de direito para litigarem no pólo ativo, seja pela indeterminação dos sujeitos ou grande número de pessoas lesadas, a lei autoriza, expressamente, uma legitimação extraordinária para que pessoas ou entes possam atuar no processo apenas como partes formais, para pleitear direitos alheios em nome próprio, atuando como substitutos processuais. Portanto, a decisão judicial proferida em uma ação coletiva será referente a todos os individuais substituídos nos autos. Desta forma, a coisa julgada coletiva, ao invés de produzir efeitos inter partes, como acontece na coisa julgada individual, poderá produzir efeitos erga omnes (contra todos) ou inter partes (além das partes), atingindo a todos os titulares do mesmo interesse discutido na ação coletiva. Entretanto, tendo em vista que em uma ação coletiva os titulares dos interesses prejudicados estarão substituídos nos autos por uma pessoa legitimada e, nesta condição, não terão contribuído para a instrução do processo e apresentação de provas, a legislação aplicável aos processos coletivos faz ressalvas com relação às hipóteses em que a coisa julgada será imutável dentro dos limites subjetivos erga omnes ou ultra partes. A primeira lei no Brasil que tratou da coisa julgada coletiva, foi a da Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965), que estabeleceu em seu art. 18 que a sentença possui ―eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova‖. Como se depreende da leitura deste dispositivo, a mencionada lei delimitou que a aplicação erga omnes da coisa julgada na ação popular não ocorre em qualquer tipo de decisão, pois não se verificará em caso de ação julgada improcedente por falta ou insuficiência de provas. Ainda, a ressalva de exceção feita pelo art. 18, permite que uma demanda julgada improcedente por falta de provas e transitada em julgado não atinja a qualidade imutável, pois poderá ser proposta novamente, a partir de novas provas. Após a lei da Ação Popular, foi promulgada a lei da Ação Civil Pública, de nº 7.347, em 24 de julho de 1985. Através de seu artigo 16, o qual será melhor analisado adiante, restou estabelecido que a coisa julgada no âmbito da ação civil pública também seria de eficácia erga omnes (contra todos), exceto no caso de julgamento de improcedência da lide, por insuficiência de provas. Como se vê, o mencionado dispositivo seguiu os mesmos entendimentos dispostos no artigo 18 da Lei da Ação Popular, reforçando a aplicação da coisa julgada de acordo com o resultado do processo (secundum eventum litis) ou segundo o resultado da prova 146 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 147 (secundum eventum probationes)24, tendo mitigada a sua imutabilidade. Segundo a análise de Pedro Lenza, A coisa julgada secundum eventum litis, opção da legislação brasileira, (...) são uma realidade muito mais adequada à sociedade de massa que, rompendo a grande barreira do acesso à Justiça, necessitava, também, de um processo mais eficiente, fazendo com que não só os efeitos da sentença extrapolassem os autos, como também e, essencialmente, a autoridade da coisa julgada.25 A possibilidade de repropositura da ação prevista pela lei visa, nitidamente, proteger ao grupo, classe ou categoria de pessoas substituídas nos autos por um legitimado legal, de forma a assegurar que, o contraditório exercido de forma insuficiente pelo substituto processual, não prejudicará os interesses de toda uma coletividade em razão de uma ação mal instruída. Poucos anos depois, houve a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que inovou ao especificar as três espécies de direitos coletivos26, através do artigo 81, e a tutelar os efeitos da coisa julgada de acordo com o interesse tutelado e com o resultado do processo (secundum eventum litis), por meio do art. 103. Importante ressaltar que as inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor não se limitaram à esfera das relações de consumo, sendo aplicáveis às ações coletivas em geral, salvo em caso de existência de regra específica incompatível, conforme preconizam seus artigos 110 e 117. Na Lei de Ação Civil Pública, especificamente, tal recepção está expressamente disposta no artigo 21, nos seguintes termos: ―Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor‖. 5. Limites Subjetivos da Coisa Julgada Coletiva na Ação Civil Pública Ante as expressas interações e aplicabilidade recíproca entre os sistemas coletivos da Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, inclusive no que se refere aos limites subjetivos da coisa julgada, que são objeto de estudo do presente trabalho, se faz necessária a análise do instituto em cada um dos diplomas. 5.1. O art. 16 da Lei nº 7.347/85 No âmbito da Lei da Ação Civil Pública, com relação à coisa julgada, estabelece o artigo 16, que a ―sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência 24 Como ressalva Nelson Nery Junior, a aplicação da coisa julgada secundum eventum litis ou secundum eventum probationes (segundo que a segunda é espécie do gênero da primeira) representa regra de exceção e só é admitida em casos taxativos e expressos em lei. Princípios do processo na constituição federal: processo penal, civil e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.71. 25 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 217. 26 Vide itens 1.1, 1.2 e 1.3 do presente trabalho. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 147 de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.‖ A redação do referido dispositivo em sua forma original27, era idêntica ao art. 18 da Lei da Ação Popular. Apenas mitigava os efeitos subjetivos da coisa julgada de acordo o resultado do processo (eventum secundum litis), e nada dispunha sobre limites territoriais. Os limites territoriais mencionados no art. 16 através da expressão ―nos limites da competência territorial do órgão prolator‖, foram ali inseridos posteriormente, por força da Lei nº 9.494/97 (MP 1.570/97), criada com o intuito do legislador em estabelecer restrições para o alcance subjetivo da coisa julgada erga omnes. Tal alteração, entretanto, foi largamente criticada e considerada, inclusive, inconstitucional por diversos doutrinadores. Ora, tendo em vista que a ação civil pública tutela interesses coletivos, referentes a danos ou ameaça de danos que possam ter atingido não apenas uma comarca ou subseção judiciária, mas diversas delas, ou até mesmo todo o território nacional, é absolutamente insensato considerar que a extensão dos efeitos da coisa julgada poderia obedecer a algum limite territorial circunscrito à competência do juiz prolator da sentença, excluindo de proteção ou reparação as demais pessoas. Seria o caso, por exemplo, de uma empresa ter sido condenada por sentença proferida em ação civil pública, a retirar da televisão a veiculação de propaganda considerada preconceituosa e ofensiva, exibida em caráter nacional. Considerando que indivíduos de todo o país poderão estar sendo atingidos pelo teor ofensivo do anúncio publicitário em questão, não parece razoável que a condenação proferida fique adstrita apenas ao foro do local onde a ação foi proposta, enquanto a mesma propaganda ofensiva e preconceituosa continue sendo veiculada no restante do país. Justamente por ter sido proferida em sede de ação coletiva, é preciso que o comando da sentença beneficie a todos os titulares dos interesses ofendidos, e não apenas aqueles situados em um ou outro lugar. Ou ainda, seria o caso de uma determinada empresa alimentícia, com filiais em todo o país, ser condenada a deixar de adicionar em seus produtos determinado conservante, por ser considerado cancerígeno. Obviamente, tal decisão deverá ser aplicável à empresa alimentícia como um todo, inclusive a todas as suas filiais, e não apenas à filial circunscrita na jurisdição do órgão prolator. É absolutamente absurdo imaginar que em um caso como esse os limites subjetivos da coisa julgada poderiam ser ceifados por limites territoriais. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli28, a alteração promovida ao art. 16 da Lei de Ação Civil Pública não só foi ―infeliz como inócua‖. Ao examinar a alteração ocorrida, critica com propriedade: Na alteração procedida em 1997 ao art. 16 da LACP, o legislador confundiu limites da coisa julgada (a imutabilidade erga omnes da sentença, ou seja, seus limites subjetivos, atinentes às pessoas atingidas pela imutabilidade) com competência territorial (que nada tem a ver com a imutabilidade da sentença, dentro ou fora da competência do juiz prolator, até porque, na ação civil pública, a competência sequer é territorial, e sim funcional).29 O atual artigo 16 foi alterado pela Lei nº 9.494/97. Sua redação original assim dispunha: ―Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.‖ 28 MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 497. 29 Ibidem. p. 497. 27 148 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 149 Seguindo o mesmo entendimento, Rodolfo de Camargo Mancuso enfatiza: no âmbito das ações de tipo coletivo – justamente porque aí se lobrigam sujeitos indeterminados, sujeitos a um objeto indivisível – o critério deve ser outro, cabendo atentar para a projeção social do interesse metaindividual judicializado. Tudo assim conflui para que a resposta judiciária, no âmbito da jurisdição coletiva, desde que promanada de juiz competente, deva ter eficácia até onde se irradie o interesse objetivado, e por modo a se estender a todos os sujeitos concernentes. Assim se dá por conta do caráter unitário desse tipo de interesse, a exigir uniformidade do pronunciamento judicial.30 Desta forma, conclui-se que a alteração inserida no art. 16 é contrária à eficácia do processo coletivo. Para uma proteção efetiva dos direitos metaindividuais, é necessário que a coisa julgada coletiva possa atuar de forma uniforme e apta a reparar toda a extensão da lesão, seja essa em âmbito nacional, regional ou local. Importante ressaltar, ainda, que a alteração ocorrida no art. 16 atingiu apenas a Lei de Ação Civil Pública, não incidindo sobre o Código de Defesa do Consumidor. Como ressalva Mancuso, o que suaviza um pouco os efeitos da alteração imprópria realizada no art. 16, ―é que o sistema processual que rege a jurisdição coletiva em matéria de interesses transindividuais forma um todo integrado e complementar, dito microssistema processual coletivo‖31. Desta forma, explica o jurista que, com a aplicação conjunta e interação entre a Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, e com o traslado de preceitos desse último para o primeiro, especialmente aqueles referentes à oponibilidade erga omnes e ultra partes da coisa julgada (arts. 81, 103 e 104 do CDC) e à discriminação entre os danos local, regional e nacional (art. 93 do CDC), é possível ―demonstrar que, no ambiente processual coletivo, a compreensão e extensão da coisa julgada não podem ser delimitadas em função de território que é critério determinativo de competência‖32, mas sim da dimensão dos danos33. Diante da grande discussão doutrinária e jurisprudencial gerada em relação à questão aqui apresentada, o Projeto de Lei nº 5.139/200934, em trâmite no Congresso Nacional, que visa atualizar e melhorar a Lei da Ação Civil Pública vigente, apresentou uma proposta para readequação do art. 16. 30 MANCUSO, Rodolfo de Carmargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 323. 31 MANCUSO, Rodolfo de Carmargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 325. 32 Ibidem. p. 326. 33 Ibidem. p. 325-326. 34 O Projeto foi elaborado por uma Comissão Especial instituída pelo Ministério da Justiça, através da portaria nº 2.481/2008, e é composta por vinte e quatro renomados juristas brasileiros, a saber: Ada Pellegrini Grinover, Alexandre Lipp João, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, André da Silva Ordagcy, Anízio Pires Gavião Filho, Antonio Augusto de Aras, Antonio Carlos de Oliveira Gidi, Athos Gusmão Carneiro, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Elton Venturi, Fernando da Fonseca Gajardoni, Gregório Assagra de Almeida, Haman de Moraes e Córdova, João Ricardo dos Santos Costa, José Adonis Callou de Araújo Sá, José Augusto Garcia de Souza, Luiz Philippe Vieira de Melo Filho, Luiz Manoel Gomes Junior, Luiz Rodrigues Wmbier, Petrônio Calmon Filho, Ricardo de Barros Leonel, Ricardo Pippi Schmidt, Rogério Favreto e Sergio Cruz Arenhat. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 149 Caso seja aprovado o referido projeto de Lei, a coisa julgada no âmbito da ação civil pública voltará a, inequivocamente, fazer coisa julgada erga omnes ―independentemente da competência territorial do órgão prolator ou do domicílio dos interessados‖ (art. 32 do Projeto de Lei nº 5.139/2009), colocando fim, portanto, às discussões relacionadas ao alcance dos limites subjetivos e territoriais. Ante as ressalvas feitas, passemos à análise das inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor para o sistema das tutelas coletivas. 5.2. O art. 103 do Código de Defesa do Consumidor No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, a coisa julgada é tratada de forma mais precisa, no artigo 103, conforme cada um dos interesses coletivos definidos no artigo 81, do mesmo diploma. No caso de tutela de interesses difusos, estabelece-se que a sentença fará coisa julgada erga omnes, ―exceto se o pedido for julgado improcedente por falta de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81‖ (art. 103, inciso I, do CDC). Quando a ação versar sobre interesses coletivos em sentido estrito, a sentença fará coisa julgada ultra partes, ―mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81‖ (art. 103, inciso II, do CDC). Como se vê, tanto no caso de tutela de interesses difusos, como no caso de tutela de interesses coletivos em sentido estrito, a sentença desfavorável fará coisa julgada de acordo com a prova produzida (secundum eventum probationis), pois não haverá coisa julgada material quando o pedido for julgado improcedente por falta de provas. E mais: verificada a insuficiência de provas, a ação julgada improcedente poderá ser reproposta por um dos colegitimados do art. 82, baseada no mesmo fundamento, desde que seja apresentada uma nova prova. Porém, se ação for julgada improcedente após ter sido realizada instrução suficiente, com análise de todas as provas, haverá coisa julgada material para todos os interessados e legitimados ativos, pelo que não poderão mais repropor a mesma ação coletiva. Com relação aos interesses individuais, o § 1º, do art. 103, prevê que ―os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe‖. Portanto, mesmo que a sentença tenha sido desfavorável por qualquer motivo, não haverá coisa julgada para os particulares que desejarem discutir a demanda de forma individual para requererem reparação de danos. Ainda, o § 3º do art. 103, faz questão de ressaltar que ―os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código - leia-se CDC -, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.‖ Para fins de aplicação deste dispositivo, a sentença proferida na ação coletiva poderá ser utilizada pelos particulares como título executivo judicial (transporte in utilibus), para que possam pleitear em juízo a reparação dos danos sofridos individualmente. 150 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 151 Pois bem. E quando a demanda versar sobre direitos individuais homogêneos, a sentença fará coisa julgada erga omnes, ―apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81‖ (art. 103, inciso III, do CDC). Por outro lado, em caso de sentença de improcedência por qualquer motivo, haverá coisa julgada material. Significa dizer que, especificamente no caso de direitos individuais homogêneos, a ação coletiva julgada improcedente, mesmo que por falta de provas, não poderá ser reproposta. Entretanto, cada vítima poderá ajuizar sua demanda individual para pleitear reparação de danos. Saliente-se, todavia, que os particulares que tiverem intervindo no processo coletivo como litisconsortes, nos termos do art. 94 do CDC, serão atingidos pela coisa julgada erga omnes em caso de improcedência da ação por qualquer motivo, o que os impossibilitará de ajuizar ação de indenização a título individual (§ 2º, art. 103, do CDC). Em suma, para verificação dos efeitos da coisa julgada, deve-se, primeiro, identificar o interesse que está sendo tutelado, sua natureza e extensão. Em seguida, verificar se o julgamento foi de procedência ou improcedência. No caso de demanda julgada improcedente que versava sobre direitos difusos ou coletivos, é preciso constatar se a improcedência ocorreu por deficiência probatória ou por outro motivo. Veja-se: Quando versar sobre direitos difusos, a coisa julgada decorrente de sentença procedente ou improcedente será oponível erga omnes, atingindo todo o grupo indeterminado ou indeterminável de lesados. Excepcionalmente, em hipótese de improcedência por falta de provas, não haverá coisa julgada material e a ação poderá ser reproposta por um dos co-legitimados, com idêntico fundamento e a partir de uma prova nova. A improcedência por outro motivo diferente de insuficiência probatória impede o ajuizamento da mesma ação civil pública ou coletiva, mas não prejudica o ajuizamento de eventuais ações individuais para reparação de danos. Com relação aos interesses coletivos, a coisa julgada decorrente de sentença procedente ou improcedente será oponível ultra partes, limitada ao grupo, classe ou categoria de lesados, dentro dos limites do pedido e do acolhimento total ou parcial pelo julgador. Excepcionalmente, em hipótese de improcedência por falta de provas, não haverá coisa julgada material e a ação poderá ser reproposta por um dos co-legitimados, com idêntico fundamento e a partir de uma prova nova. A improcedência por outro motivo diferente de insuficiência probatória impede o ajuizamento da mesma ação civil pública ou coletiva, mas não prejudica o ajuizamento de eventuais ações individuais para reparação de danos. Por fim, na hipótese de interesses individuais homogêneos, a coisa julgada será erga omnes apenas em caso de sentença de procedência, beneficiando vítimas e sucessores, dentro dos limites do pedido e do acolhimento total ou parcial pelo julgador. Em caso de improcedência, seja qual for o motivo, não haverá coisa julgada material, e os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão pedir indenização individualmente. Em relação ao resultado do processo, a identificação dos efeitos da coisa julgada pode ser realizada da seguinte forma: i) na demanda julgada procedente, todos os indivíduos lesados, dentro de seu respectivo grupo, classe ou categoria de pessoas, são beneficiados; ii) na demanda julgada improcedente por falta de provas, os individuais lesados não são prejudicados e a ação poderá ser proposta novamente, instruída com novas provas; e iii) na demanda julgada improcedente por outro motivo, os individuais lesados não serão Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 151 prejudicados (exceto aqueles que tenham intervindo no processo coletivo), mas a ação não poderá ser reproposta. Para facilitar a organização das informações sobre os limites subjetivos da coisa julgada com relação ao interesse tutelado e o resultado do processo (secundum eventum litis), convém, mais uma vez utilizarmos os quadros sinóticos elaborados por Hugo Nigro Mazzilli35: SEGUNDO A NATUREZA DO INTERESSE Difusos Sentença de procedência Sentença de improcedência Coletivos Sentença de procedência Sentença de improcedência Individuais Homogêneos Sentença de procedência Sentença de improcedência Sentença de procedência Sempre tem eficácia erga omnes Por falta de Sem eficácia erga omnes provas Por outro Com eficácia erga omnes motivo Tem eficácia ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe Por falta de provas Por outro motivo Sem eficácia ultra partes Com eficácia ultra parte Com eficácia erga omnes para beneficiar vítimas e sucessores Sentença de Não tem eficácia erga omnes improcedência SEGUNDO O RESULTADO DO PROCESSO Beneficia todos os lesados, observado o art. 104 do CDC; tratando-se de interesses coletivos, seus efeitos limitam-se ao grupo, categoria ou classe de pessoas atingidas Por falta de Não prejudica os lesados provas Por outro Prejudica os lesados, exceto em matéria de interesses motivo individuais homogêneos, observado o art. 94 do CDC Por fim, importa também averiguarmos o alcance da coisa julgada coletiva em relação aos autores de processos individuais. 5.3. Ações coletivas e ações individuais em concomitância Conforme já demonstrado nos itens anteriores, a sentença procedente transitada em julgado estende seus limites subjetivos aos individuais substituídos nos autos da ação civil pública. Entretanto, é preciso deixar claro que tal extensão de limites ocorre desde que: o titular do interesse não tenha ajuizado ação individual em concomitânica á ação coletiva ou, em caso positivo, tenha requerido a suspensão de seu processo ao tomar ciência inequívoca da ação civil pública. 35 MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 507. 152 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 153 Tal regramento está disposto no, o art. 10436 do Código de Defesa do Consumidor , que trata especificamente sobre a concomitância entre ações individuais e ações coletivas. Na primeira parte, o dispositivo estabelece que a propositura de ações coletivas não induz litispendência para ações individuais. E nem poderia ser diferente pois, para verificação de litispendência, seria necessária a existência de duas ações com mesmas partes, pedidos e causa de pedir, nos termos do artigo 301 e parágrafos 37, do Código de Processo Civil. Obviamente, uma ação coletiva e outra individual concomitante, embora possam ser referentes ao mesmo fato ou relação jurídica, seguramente terão partes e pedidos diferentes. Veja-se: enquanto a ação coletiva terá em seu pólo ativo um substituto processual, a ação individual será proposta pelo titular dos direitos. Com relação ao objeto, enquanto a ação coletiva terá como objetivo principal a condenação do réu ao pagamento de quantia em dinheiro ou ao cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer em prol do bem difuso, coletivo ou individual homogêneo, a ação individual objetivará a percepção de indenização pelos danos sofridos especificamente pela vítima (autor). Em sua segunda parte, entretanto, o art. 104 ressalva que os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes ―não beneficiarão os autores das ações individuais se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva‖. Significa dizer que, as pessoas que tiverem ajuizado ações individuais e tomarem conhecimento da existência de uma ação coletiva relacionada aos mesmos fatos, poderão optar por prosseguir com suas demandas individuais ou aderir à ação civil pública. Na primeira hipótese, tais pessoas prosseguirão com suas demandas particulares e arcarão com a sentença proferida em seus processos, abrindo mão do resultado futuro da ação coletiva. Nessa situação, não serão beneficiadas por eventual coisa julgada favorável formada nos autos da ação coletiva. Caso prefiram aderir à ação civil pública, os indivíduos deverão, mediante ciência inequívoca nos autos da ação individual, requerer sua suspensão para aguardar o julgamento daquela. Sendo a julgada procedente a ação coletiva, tais indivíduos serão beneficiados dentro dos limites subjetivos da coisa julgada. Importante abrir aqui um parêntese para enfatizar que a justiça brasileira não conta hoje com um sistema informativo capaz de dar conhecimento público e notório a todos os indivíduos que possam ter interesse no resultado de uma ação civil pública em andamento, o que dificulta o exercício do direito individual de optar pelo prosseguimento da ação individual ou suspendê-la para aguardar o resultado da ação coletiva. Em razão disso, normalmente, é o próprio réu da ação civil pública quem comunica o autor de demanda individual sobre a existência da ação civil pública. Conclusão 36 Destarte os flagrantes erros de remissão aos incisos I,II e III do art. 103, contidos na primeira e segunda partes do art. 104 do CDC, o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante é no sentido de que o disposto no art. 104 é aplicável a qualquer ação coletiva, seja para defesa de direitos difusos, coletivos strictu sensu ou individuais homogêneos. 37 ―Art. 301. (...) § 1o Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. § 2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. § 3o Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; (...)‖ Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 153 Como se depreende do presente estudo, a regulamentação das ações coletivas contribuiu para significativo avança do direito processual brasileiro, especialmente no que se refere à adequação de certos institutos processuais à realidade e amplitude dos processos coletivos. Nesse particular, como demonstrado no presente trabalho, a oponibilidade da coisa julgada e o alcance de seus limites subjetivos tiveram que ser adaptados às particularidades que envolvem a tutela dos direitos coletivos, de forma a garantir a efetiva proteção dos sujeitos prejudicados. Com efeito, enquanto em uma demanda individual, os interesses discutidos são referentes às partes representadas no processo (autor, réu, eventuais litisconsortes ou terceiros que intervierem nos autos). Na demanda coletiva, por sua vez, os interesses discutidos nos autos serão sempre transindividuais, referentes a um grupo, classe ou categoria de pessoas, que nem sempre serão determinadas ou determináveis. Desta forma, considerando que no pólo ativo da demanda estará apenas um substituto processual, os limites subjetivos da autoridade da coisa julgada não poderão repousar sobre as partes processuais do processo coletivo, mas sim, deverão alcançar a todos os titulares de direitos ameaçados ou prejudicados que estejam unidos por um vínculo fático ou jurídico comum. Ante tais princípios, verifica-se o quanto foi absurda a alteração realizada no texto do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, através da qual os legisladores da época tentaram reduzir o alcance dos limites subjetivos da coisa julgada através da imposição de limites físicos circunscritos à competência territorial do órgão prolator. Tal alteração foi considerada pela doutrina e jurisprudência como inócua, inoperante e totalmente discrepante da realidade dos fatos, pois, simplesmente, não há como cindir o tratamento dispensado a um bem jurídico coletivo, apenas porque o Julgador que sentenciou o caso pertencia a uma comarca de determinada capital. Felizmente, a citada impropriedade na mudança do texto legislativo do art. 16 da Ação Civil Pública, é atenuada pela aplicação recíproca entre este diploma e o Código de Defesa do Consumidor, e, especialmente, pela recepção de normas deste último, responsável por especificar o tratamento dispensado aos direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Ainda, conforme explorado no presente trabalho, tem-se que, quando a demanda versar sobre direitos difusos ou individuais homogêneos, os limites subjetivos da coisa julgada serão erga omnes e quando versar sobre direitos coletivos em sentido estrito, serão ultra partes, alcançando a todos os sujeitos que compartilhem um dano de origem fática ou jurídica comum. Entretanto, importante ressaltar que tal regra para averiguação dos limites subjetivos da coisa julgada não é absoluta. Não se pode olvidar que, em um processo coletivo, os sujeitos dos direitos estarão substituídos nos autos e, portanto, não estarão contribuindo diretamente com a apresentação de provas de seus direitos, em prol de uma instrução exauriente para convencimento do julgador. Portanto, não seria justo que tais sujeitos fossem prejudicados no processo em função de um contraditório mal realizado pelo ente legitimado a substituí-los no pólo ativo. Em função disso, e para assegurar aos interessados a aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, a coisa julgada coletiva apresenta outra peculiaridade em relação à coisa julgada individual, que é a possibilidade de sua 154 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 155 imutabilidade operar-se segundo o resultado da lide (secundum eventum litis) ou segundo o resultado das provas (secundum eventum probationes). Ainda, o atual sistema coletivo brasileiro favorece o direito individual de acesso ao judiciário, pois não induz litispendência entre a ação coletiva e a ação individual que tenham origem em um mesmo vínculo fático ou jurídico. A Código de Defesa do Consumidor estabelece, apenas, que o comando da coisa julgada coletiva decorrente de sentença favorável não beneficia autores individuais que não tenham requerido a suspensão de suas ações individuais. Ante todo o exposto, anota-se, por fim, que o advento das legislações coletivas no Brasil muito contribuiu para o enriquecimento do direito processual brasileiro, especialmente no que diz respeito ao estudo dos limites subjetivos da coisa julgada coletiva. Muito já foi construído sobre o tema, mas a matéria ainda está longe de ser esgotada e poderá sofrer alterações em breve caso seja aprovado o Projeto de Lei nº 5.139/2009 que tramita perante o Congresso Nacional e propõe a adoção de uma nova Lei de Ação Civil Pública. Bibliografia CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova lei da ação civil pública: principais inovações. In: Revista de Processo. São Paulo: RT, 2009, vol. 176, p. 175-225. GRINOVER, Ada Pelegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. MANCUSO, Rodolfo de Carmargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na constituição federal: processo penal, civil e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 155 156 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 157 A TUTELA COLETIVA NO DIREITO AMBIENTAL Michelle Junqueira Tersi* SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da tutela coletiva em matéria ambiental: pontuações processuais. 2.1 Da Ação Civil Pública Ambiental. 2.1.1 Do objeto. 2.1.2 Da legitimidade. 2.1.3 Do inquérito civil e da transação e compromisso de ajustamento. 2.1.4 Da competência. 2.1.5 Da desistência. 2.1.6 Das liminares. 2.1.7 Da tutela antecipada. 2.1.8 Sentença e Coisa Julgada. 2.1.9 Da Liquidação e Execução. 2.1.10 Fluid Recovery (reparação fluida). 2.2 Da ação popular ambiental. 2.3 Do mandado de segurança coletivo em matéria ambiental. 2.4 Do mandado de injunção coletivo em matéria ambiental. 2.5 Habeas Data. 2.6 Da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo. 3. Conclusão. Referências. 1 INTRODUÇÃO Com o desenvolvimento técnico que eclodiu, inicialmente no período da Revolução Industrial, trouxe ao cenário mundial, em especial na esfera do meio ambiente, inúmeros efeitos nefastos, ocasionados, por variados motivos, em especial pela explosão demográfica e apropriação irresponsável dos recursos naturais pelo homem. O pensador francês Jacques Ellul um dos estudiosos do fenômeno técnico, explica que o progresso técnico é uma força cega que vai, independente, se alimentar de seu sucesso como de seu malogros, e vale-se de suas próprias regras. A técnica pretende liberar o homem, mas na realidade ela é erigida em potência incontestada, que não suporta ser julgada, escapa a todo controle democrático, esgota seus recursos naturais, e forma no interior da sociedade um verdadeiro sistema técnico (ELLUL, 1988, p. 6, tradução nossa). E ainda expõe que o desastre ecológico global que nos ameaça, em primeiro lugar, o aquecimento climático e os danos à biodiversidade, mas também a poluição atmosférica, o esgotamento das reservas energéticas, a raridade d‘água, o desmatamento de florestas tropicais, etc., as crises repetitivas da ―vaca louca‖, OGM, amianto, desastres nucleares, explosões de alergias, baixa fertilidade humana, clonagem, etc., todos esses fenômenos que nos perturba, e que nos é apresentado como uma simples ―disfunção‖, antes de qualquer outra coisa é uma causa da técnica (1988, p. 6, tradução nossa). Por ser o meio ambiente um bem de uso comum e direito de todos, assume ele o caráter de ser um direito transindividual, um direito da coletividade, é de extrema importância que seja ele defendido para fruição de um meio ecologicamente sadio pelas gerações presentes e pelas que hão de vir. Desta forma, a ideia de direitos humanos fundamentais, reclamados pela Revolução Francesa, passa a ter uma conotação universal, de observância por todos os povos. De acordo com o autor italiano Norberto Bobbio38: * Mestre em Direito pela UNESP, Franca-SP. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.. 38 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 157 Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas‖ Assim, pode-se dizer sinteticamente serem os direitos humanos direitos oriundos de uma luta de classes, nascidos de modo gradual. Referido autor italiano classificou, com maestria, os direitos em primeira, segunda, terceira e quarta geração. Os de primeira geração são aqueles relacionados à liberdade, igualdade, segurança, propriedade. Os de segunda são aqueles fundados nos direitos sociais; os de terceira geração são aqueles, que ―constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata‖, mencionando como exemplo os movimentos ecológicos, e que pode, também, ser destacado os direitos coletivos. Os de quarta geração estão relacionados com a biotecnologia, a bioética. Como o presente trabalho tem por fundamento o estudo da tutela coletiva, em especial, do meio ambiente, podemos citar que, quanto aos direitos de terceira geração podemos dividi-los em: direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Os direitos difusos se conceituam como aqueles transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas, ligadas entre si por circunstâncias de fato. A título de exemplo, cita-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, salientando-se que o fato de o direito ser difuso não impede que o lesado individualmente interponha ação judicial visando a reparação da lesão que sofreu, como no caso de um indivíduo que tenha sido lesado pela compra de um medicamento. Os direitos coletivos também são transindividuais e indivisíveis, se distinguindo dos direitos difusos pela possibilidade de se determinar os titulares ligados entre si por circunstâncias de fato ou de direito. Mazzilli39 sintetiza como sendo aqueles em torno dos quais se reúne um grupo determinável de pessoas (grupo, categoria ou classe) ligadas de forma indivisível pela mesma relação jurídica básica. A título de exemplo, cita-se a situação dos alunos deficientes físicos de uma faculdade que postulam a construção de uma rampa de acesso especial para cadeira de rodas. Os direitos individuais homogêneos, por final, são direitos individuais e de objeto divisível, e estão ligados entre si por uma mesma situação fática, como exemplo, no caso de vítimas de um acidente de avião, e de proprietários de imóveis localizados em área atingida por contaminação ambiental. Logo, todo o impacto ambiental gerado pelo progresso técnico trouxe à tona a necessidade de se proteger e preservar o meio ambiente para tutelar os direitos da coletividade mundial. Surgem daí várias convenções e tratados internacionais para tratar o assunto. Nesse contexto foi convocada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1968, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo. Referida Conferência chamou a atenção das nações para os problemas ambientais e os riscos para o bem estar e para a sobrevivência da humanidade. 39 MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 673. 158 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 159 Previu, dentre seus dispositivos, que natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida. Estipulou ainda que a proteção e a melhoria do meio ambiente humano constituem desejo premente dos povos do globo e dever de todos os Governos, por constituírem o aspecto mais relevante que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento do mundo inteiro40. Também a Convenção sobre a Diversidade Biológica, em seu artigo 3º, estipula que os Estados têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos na aplicação da sua própria política ambiental e a responsabilidade de assegurar que as atividades sob a sua jurisdição ou controle e não prejudiquem o ambiente de outros Estados ou de áreas situadas fora dos limites da sua jurisdição. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou normas destinadas à tutela do meio ambiente, reconhecendo as suas peculiaridades e a sua importância no que concerne à proteção dos direitos fundamentais do homem, como o da dignidade da pessoa humana. Impôs a Carta Magna que o Poder Público e a coletividade têm o dever de defesa e preservação do meio ambiente, e prevê que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, o texto constitucional prevê em seu art. 225 que: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O meio ambiente sadio e equilibrado ecologicamente é direito de todos, o que transcende a ideia de um direito do indivíduo, para alcançar uma conotação de coletividade. Logo podem absorver essa titularidade todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país. Há, no entanto, outra corrente que estabelece que a titularidade de tutelar esses valores ambientais é de toda e qualquer pessoa humana.41 Aponta para a existência de um bem de uso comum de todos. A proteção ao meio ambiente tem uma visão antropocêntrica, vez que o ser humano aparece como o centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável em harmonia com a natureza42. Um dos princípios fundamentais lastreados na Carta Magna de 88 é o da dignidade da pessoa humana, o direito a vida, que leva em consideração não só o direito humano a um ambiente ecologicamente sadio, mas também, o direito à educação, saúde, segurança, dentre outros. Sendo então o meio ambiente um bem de uso comum do povo e direito de todos, assume o caráter de ser um direito transindividual, um direito da coletividade, como se verá adiante. 40 Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo). Disponível em: <http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_Estocolmo_1972.pdf> Acesso em: 30 ago.09 Celso Antônio Pacheco Fiorillo menciona em sua obra Curso de Direito Ambiental Brasileiro que essa corrente amplia o conteúdo da expressão todos para conferir a qualquer pessoa humana a proteção dos valores ambientais do nosso país. Mas discorda desse posicionamento, pois entende que o sentido da norma constitucional do art. 225 se limita ao que estabelece o art. 5º, no sentido de brasileiros e estrangeiros residentes no país é que delimitam a coletividade de pessoas. 42 Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992. Disponível em: <http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/legislacoes/declaracao_meio_ambiente_desenvolvimento_rio_jane iro_1992.pdf.>. Acesso em: 30 ago.09. 41 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 159 2 DA TUTELA COLETIVA EM MATÉRIA AMBIENTAL: PONTUAÇÕES PROCESSUAIS A tutela ambiental cabe ao Poder Público e à coletividade, e a defesa do bem ambiental se preza à proteção das gerações presentes e futuras. Nesse diapasão, previu a Constituição Federal a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil de pessoa física e jurídica ―poluidora‖ do meio ambiente. Por conseguinte, imperioso afirmar que o dano efetivamente ocasionado ao meio ambiente, nos dizeres de Werneck Neto43, não deve ser visto ou caracterizado como o de uma propriedade, restringindo-se apenas ao local; deve ser de caráter coletivo. Mazzilli44 sintetiza a noção de interesses coletivos como sendo aqueles em torno dos quais se reúne um grupo determinável de pessoas (grupo, categoria ou classe) ligadas de forma indivisível pela mesma relação jurídica básica. A proteção dos direitos coletivos é constituída por dois institutos legais: o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n. 8.078/90) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85). A defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos do consumidor em juízo está prevista nos arts. 81 a 104 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Já a tutela dos demais direitos e interesses difusos e coletivos em juízo, ocorre através da Lei de Ação Civil Pública (LACP), aplicando-se o Código de Processo Civil naquilço que nçao contrarie a LACP e as disposições previstas no CDC (Título III – da defesa do consumidor em juízo) no que for cabível. Assim, em razão da natureza do bem tutelado, pois protege interesses coletivos, aplica-se as disposições contidas na jurisdição coletiva, como mencionado, e de forma subsidiária aplica-se as disposições previstas no Código de Processo Civil, no que não contrariar a LACP. A tutela do meio ambiente pode ser efetivada por instrumentos colocados ao dispor dos cidadãos e dos legitimados pela Constituição Federal ou pela legislação pátria para a defesa dos interesses coletivos em juízo, quais sejam, ação popular, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data e ação de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O CDC em seu art. 83 estabeleceu que podem ser admitidas todas as ações e providências aptas a propiciar uma tutela efetiva para garantir a defesa dos interesses tutelados. Assim, é de suma importância especificar cada uma das tutelas coletivas para defesa do meio ambiente antes referidas, pontuando os aspectos processuais que norteiam referidas ações coletivas, em especial com relação ao fluid recovery. 2.1 Da Ação Civil Pública Ambiental A Lei 7.347 de 24 de julho de 1985 disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. 43 44 WERNECK NETO, M. de L. Efetividade do direito ambiental sob a ótica da Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. p. 30. MAZZILLI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 673. 160 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 161 2.1.1 Do objeto A Ação Civil Pública tem por objeto pleitear a responsabilização do infrator por danos causados, bem como evitar atos lesivos, pleitear pedido cominatório (condenação em dinheiro ou obrigação de fazer ou não fazer) ou qualquer outro pedido para tornar eficaz a tutela coletiva. Mister mencionar que na hipótese de ação que tenha por objeto o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, não ocorrendo o cumprimento espontâneo pelo infrator, o juiz deverá determinar o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou aplicação diária de multa, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.45 A doutrina discute quanto ao adequado nomen juris da tutela dos interesses trasnindividuais: se é ação civil pública ou ação coletiva. Mazzili46 explica que se a ação for promovida sob o prisma da Lei n. 7.347/85 para defesa de interesses transindividuais, ainda que o autor seja uma associação civil, o Ministério Público ou outro co-legitimado, será ação civil pública. Caso seja fundada no CDC (arts. 81 e seguintes) e verse sobre tutela dos direitos transindividuais será ação coletiva. A Ação Civil Pública tem por escopo atuar em face dos interesses da coletividade, frente à inércia do Poder Público. Assim, apesar de o Código de Processo Civil (CPC) estabelecer em seu artigo 6º que ninguém pode pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo autorização legislativa, vale ressaltar que a Lei 7.347/85 conferiu essa legitimidade a terceiros, para autorizar que esses demandem em nome próprio para defesa de direito alheio. 2.1.2 Da legitimidade O artigo 5º da lei em comento estabelece que têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; as autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista, e as associações que, concomitantemente estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e tenha entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. No caso das associações civis há entendimento jurisprudencial de que o lapso temporal de mais de um ano pode ser desconsiderado se evidenciado os fins sociais colimados pela entidade, bem como há julgado no sentido de que não precisam as entidades em tela ter a defesa do meio ambiente como finalidade institucional, bastando que defendam valores que incluam direitos difusos e coletivos47. Mazzilli48 explica que em todas as hipóteses de defesa em juízo dos interesses coletivos o legitimado ativo possui legitimidade ativa concorrente e disjuntiva, podendo, em tese, quaisquer dos co-legitimados agir em conjunto ou isoladamente. Logo, todos os entes acima enumerados têm legitimidade ativa para interposição de ações civis públicas ou coletivas. Além disso, faculta a lei a ocorrência de litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na 45 Art. 11 da Lei 7.347/85. MAZZILI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 70 47 Ver REsp 706449 / PR e REsp 31150 / SP 48 MAZZILI, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 154 46 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 161 defesa dos interesses e direitos tratados na Lei de Ação Civil Pública. Milaré explica que nesse caso o litisconsórcio é ―facultativo e unitário‖, pois nenhuma parte pode recusar a outra de figurar no mesmo pólo processual, e observa que de igual modo pode haver litisconsórcio passivo, figurando tanto o responsável direto como o indireto.49 Cumpre mencionar que quando o Ministério Público não atua como parte ativa, age o parquet na condição de fiscal da lei (custos legis). No pólo passivo da ação civil pública se encontra o poluidor, que pode ser pessoa física ou jurídica. Prevê a Lei n. 9.605/98 que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas nas esferas administrativa, civil e penal, inclusive podendo haver a desconsideração da personalidade jurídica, quando esta obstacularizar o ressarcimento dos prejuízos provocados ao meio ambiente.50 Insta destacar que o Estado pode figurar no pólo passivo das ações coletivas, podendo, inclusive ser responsabilizado. Mesmo que a lesão não tenha partido diretamente dos entes governamentais, por vezes o Estado concorre para a atividade nociva, ao permitir ou autorizar a execução de determinados serviços, e também, quando deve proibir e se omite. Além disso, vigora ainda o princípio da responsabilidade objetiva em matéria ambiental. 2.1.3 Do inquérito civil e da transação e compromisso de ajustamento A Lei da ACP previu em seu texto normativo o inquérito civil, que visa a coleta de informações e certidões que possam servir de embasamento fático para apuração dos mais graves casos de violação dos interesses coletivos, para oportuna interposição da competente ação civil. Trata-se de medida preparatória de eventual Ação Civil Pública, porém é peça dispensável desde que existam elementos que possibilitem ao Ministério Público formar sua convicção. O Ministério Público poderá também requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, para instruir a ação civil pública. No entanto, entendendo o parquet não haver fundamento para se propor a Ação Civil Pública, pode proceder, de forma fundamentada, ao arquivamento do feito, após o esgotamento de todas as diligencias. Ainda mister mencionar que na fase do inquérito civil, poderá ser firmado um termo de ajustamento de conduta, que se traduz no meio de satisfazer a tutela dos interesses coletivos sem ingressar em juízo. Referido termo consiste em um acordo extrajudicial feito entre o ―poluidor/infrator‖ e os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva51 para regularizar situação que esteja infringindo as normas de proteção ao meio ambiente. Porém, o termo de ajustamento de conduta não impede que os co-legitimados ingressem em juízo para discussão do mérito do acordo celebrado. Forçoso ressalvar que 49 50 51 MILARÉ, E. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1082 Ver o art. 3º e parágrafo único da Lei 9.605/98. Ainda no que se refere à desconsideração da personalidade jurídica, salutar esclarecer que o atual Código Civil Brasileiro estabelece que sempre que houver abuso por desvio de finalidade ou confusão patrimonial pode haver a desconsideração do ente jurídico. Segundo Mazzili, os órgãos estatais que atuam na qualidade de exploradores da atividade econômica não podem tomar compromisso de ajustamento, sob pena de se estimular desigualdades que afrontam a ordem jurídica. In: A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 384. 162 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 163 referido termo é título executivo e pode ser executado judicialmente, em caso de descumprimento pelo infrator. O termo de ajustamento de conduta, para revestir-se das formalidades legais, deve prever a reparação do dano ambiental, com identificação das obrigações do infrator, e com imposição de multa em caso de descumprimento, anuência do Ministério Público, nas demandas propostas pelos co-legitimados, como custos legis. 2.1.4 Da competência Com relação à competência, a Ação Civil Pública, consoante estipula o art. 2º, será proposta no foro do local onde ocorreu o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa (regra de competência absoluta, fixada com fito de facilitar na coleta de provas). Entretanto, havendo danos ambientais que envolvam a competência de outras comarcas ou seções judiciárias, poderá a ação ser proposta em qualquer um dos locais onde ocorreu o dano, observando-se, porém, que pode ocorrer a prevenção do juízo que primeiro tomar conhecimento da ação, conforme preceitua o parágrafo único, do art. 2º da Lei em estudo. Em decorrência da combinação dos arts. 21 da LACP e do art. 90 do CDC, ―ocorrendo lesão a interesses individuais homogêneos, e ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a Justiça local do foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; ou no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente‖52, se aplicando a regra do CDC em prol de quaisquer interesses individuais homogêneos, relativos ou não aos consumidores. 2.1.5 Da desistência Conforme estabelece a LACP, em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa53. O abandono ocorre na hipótese do art. 267, III do CPC, no qual se dá a extinção do processo sem resolução do mérito, por não promover o autor os atos e diligências que lhe competir nos autos do processo. A desistência extingue o processo sem resolução de mérito (art. 267, VIII do CPC), sendo que antes da citação não depende da anuência do réu, enquanto que depois da citação, somente pode ocorrer a desistência se o réu concordar. Em caso de revelia, mesmo que não tenha anuência pode o autor desistir. Vale esclarecer que os efeitos da revelia podem ser aplicados a direitos difusos, como é o caso do direito ao meio ambiente, tendo em vista que em geral se pede, na ação civil pública, a condenação em dinheiro (obrigação de reparar o dano, de indenizar, de cessar atividade nociva, por exemplo), possibilitando ao juiz proceder ao julgamento antecipado da lide. A doutrina discute se o Ministério Público e qualquer outro legitimado poderiam abandonar/desistir da ação. Segundo Mazzili, ―qualquer dos legitimados ativos à ação civil 52 53 Art. 93, incisos I e II do CDC. §3º do Art. 5º da Lei 7.347/85 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 163 pública ou coletiva, incluindo-se o Ministério Público, tanto pode desistir como assumir a ação. Afinal, entre os poderes do substituto processual está o de desistir da ação‖54. 2.1.6 Das liminares As liminares são admitidas nas ações de tutela coletiva, quando requerida e desde que presentes os pressupostos autorizadores de sua concessão, quais sejam o fumus boni iuris e o periculum in mora, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. O juiz pode, de ofício, impor multa no caso de descumprimento de decisão liminar, que somente será exigida após o transito em julgado da sentença favorável ao autor, entretanto, devida desde o descumprimento da obrigação. Nada obstante a concessão do pedido de liminar, pode ser a decisão impugnada pela via recursal (agravo retido ou de instrumento) ou através de pedido de suspensão de liminar, facultado à pessoa jurídica de Direito Público interessada, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública. Desta forma, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato55. No entanto, em consonância com as lições de Mazzilli56, não serão admitidas as liminares em ações de tutela coletiva ambiental: contra ato do Poder Público que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução; contra despacho ou decisão judicial em que caiba modificação através de recurso ou correição parcial; se a liminar esgotar, no todo ou em parte, o objeto da ação; e antes de se ouvir a Fazenda. 2.1.7 Da tutela antecipada Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará que se cumpra a prestação da atividade devida ou que cesse a atividade nociva. Em caso de descumprimento, determinará, o juízo, providências que visem assegurar o resultado prático equivalente ao do adimplemento, como a execução específica, ou de cominação de multa diária. A tutela antecipada nos dizeres de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery se configura em uma ―tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento‖57 Logo, havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a caracterização do abuso de direito de defesa ou a manifestação da intenção protelatória do réu, a existência de prova que convença o juízo da verossimilhança sobre o alegado, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente, podendo, inclusive, impor o pagamento de multa ao réu, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento da obrigação. Tem, assim, a multa o caráter de compelir o poluidor ao adimplemento da obrigação. 54 Mazzilli, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 368. §1º, do art. 12 da LACP. 56 Mazzilli, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 472. 57 NERY JÚNIOR. N. e NERY, R. M. A. Código de processo civil comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 453. 55 164 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 165 Em matéria ambiental, conforme ensina Milaré58, é admissível que o autor obtenha a antecipação da tutela pretendida junto ao Tribunal, no caso, por exemplo, de indeferimento de liminar por juízo de primeira instância. 2.1.8 Sentença e Coisa Julgada Consoante prescreve o art. 16 da LACP, a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Com relação às ações coletivas propostas por entidades associativas na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, estabelece o art. 2º-A da Lei 9.494/97 que a sentença civil abrangerá apenas os associados que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. Insta mencionar que o parágrafo único do mesmo artigo ainda prevê que nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços59. Com relação à coisa julgada nas ações coletivas e ações civis públicas, se a sentença for em defesa de interesses difusos, sendo ela procedente ou improcedente por qualquer motivo que não a insuficiência de provas, fará coisa julgada erga omnes. Havendo sentença de improcedência por falta de prova, não haverá coisa julgada material, podendo ser proposta nova ação com base em outra prova. Quanto à defesa em juízo de interesses coletivos, se a sentença for procedente ou improcedente por qualquer motivo que não a falta de provas, o efeito da coisa julgada será ultra partes, ou seja, limitada àquele grupo, classe ou categoria de pessoas ligadas entre si por uma mesma relação jurídica. No entanto, caso haja sentença de improcedência por ausência de provas, não haverá coisa julgada material. Com relação à defesa dos interesses individuais homogêneos se a decisão for procedente fará coisa julgada erga omnes para beneficiar os lesados e seus sucessores. Em caso de improcedência, não haverá coisa julgada material, podendo ser ajuizada outra ação com base em novas provas. Conforme prevê o CDC, em seu art. 103, § 3º, os efeitos da coisa julgada nas sentenças proferidas em ações coletivas na tutela de interesses difusos e coletivos não prejudicará os interesses e direitos individuais, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99 do CDC, se procedente o pedido. Em caso de improcedência da sentença na tutela de interesses e direitos individuais homogêneos, aqueles interessados que não intervieram no processo como litisconsortes poderão, individualmente, propor ação de indenização. MILARÉ, E. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1107. 59 Segundo artigo da lavra de Cotrim e Oliveira Neto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, declara ser necessária a autorização expressa para que a entidade de classe exibisse legitimidade para representar seus filiados em juízo. Neste sentido: Acórdão do relator Min. Carlos Velloso, AGRRE-22965/DF, j. 15.12.98, 2ª T, DJ 05.03.99). In: A seção sindical de sindicato nacional como substituta processual e a entidade associativa como representante de servidores públicos federais em juízo. Disponível em: < http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_III_fevereiro_2002/05022002LauroCotrimSecaoSindical_8.pdf> Acesso em: 14 jan 10. 58 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 165 Consoante explicação de Eduardo Arruda Alvim60, as ações coletivas propostas para tutelar interesses difusos e coletivos, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes nos casos de sentença de improcedência na tutela de interesses coletivos por insuficiência de provas, bem como na hipótese de sentença de procedência em ação coletiva movida para tutela de interesses individuais homogêneos, não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Caso não abra mão, valerá para ele apenas a decisão proferida na ação individualmente movida por ele. 2.1.9 Da Liquidação e Execução Havendo procedência do pedido nas ações coletivas ou civil pública, estabelece a legislação que a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Assim, deve a sentença ser liquidada para fixação do quantum debeatur para se obter eficácia executiva. Neste sentido, a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82 do CDC e do art. 5º da LACP. Se transcorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, impõe-se ao Ministério Público o dever de fazê-lo, facultada igual iniciativa aos demais legitimados. Vale ressaltar que diante da nova estrutura procedimental do Código de Processo Civil, introduzida pela 11.232/2005, a liquidação e a execução serão feitas no juízo da ação condenatória, nos mesmos autos. O CDC, em seu art. 98, descreve que a execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82 do CDC, com base em certidão das sentenças de liquidação da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. Da mesma forma como ocorre nas ações condenatórias que versem sobre direitos difusos e coletivos, as ações referentes a danos individuais homogêneos devem também ser liquidadas para possibilitar a execução, pois conforme acentua o art. 95 do CDC, a condenação será genérica. No entanto, no processo de liquidação da sentença condenatória proferida em ação coletiva proposta em defesa de direitos individuais homogêneos, além de se apurar o quantum debeatur, ainda é preciso demonstrar o nexo causal entre os danos individual e o coletivo, e a prova do montante de seu prejuízo. Para liquidação ou execução das sentenças condenatórias nas ações que versem direitos individuais homogêneos, explica Mazzilli61 que o adequado seria que os lesados individuais extraíssem certidões necessárias e promovessem a execução individualmente. Neste caso tem competência o foro da liquidação da sentença ou o da ação condenatória. Trata-se de uma regra especial, tendo com finalidade facilitar aos lesados individuais que possam ver seus direitos resguardados, sob pena de se tornar os direitos conferidos na ação condenatória inócuos. 60 61 ALVIM, E. A. Noção geral sobre o processo das ações coletivas. Disponível http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero4/artigo4.htm> Acesso em: 13 set. 09. Mazzilli, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 517. 166 em: Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos < 167 2.1.10 Fluid Recovery (reparação fluida) Em que pese os procedimentos acima pontuados com relação à liquidação e execução de sentença em ações coletivas ou civis públicas, que versem sobre direitos difusos e coletivos, o grande obstáculo em que se depara o magistrado é repartir o produto da indenização entre os lesados. Especialmente com relação ao dano ambiental, qualquer agressão ao meio ambiente prejudica inúmeras pessoas, pois é o meio ambiente um bem comum de todos, e e essencial à sadia qualidade de vida. Além disso, há de se salientar que em determinadas situações a reparação do dano se torna inviável, como por exemplo, a extinção das últimas espécimes de uma raça animal em extinção provocada por dano ambiental. Ada Pelegrini Grinover, citada por Milaré62, menciona que a ―a ação civil pública no campo ambiental, poderá visar à reparação dos danos pessoalmente sofridos pelas vítimas de acidentes ecológicos, tenham estes afetados, ou não, ao mesmo tempo, o ambiente como um todo. E a ação coletiva de responsabilidade civil pelos danos ambientais seguirá os parâmetros dos arts. 91-100 do CDC, inclusive quanto à previsão da preferência da reparação individual sobre a geral e indivisível, em caso de concurso de crédito (art. 99 do CDC)‖. A alternativa encontrada pelo legislador pátrio foi criar o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, previsto nos arts. 13 e 20 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e regulamentado pelo Decreto n. 1.306 de 09 de novembro de 1994 (na esfera federal). Posteriormente foi editada a Lei 9.008/95, que criou, na estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, altera os arts. 4º, 39, 82, 91 e 98 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e deu outras providências. Tem o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), a finalidade de reparação dos danos causados ao meio ambiente63, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, 62 MILARÉ, E. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1070. Alguns julgados sobre o assunto: a) APELAÇÃO CÍVEL -AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDENIZAÇÃO COM O FITO DE RECOMPOR A ILHA DAS CABRAS - ADMISSIBILIDADE - VALOR REVERTIDO AO FUNDO PREVISTO NO ARTIGO 13 DA LEI 7347/85( Apelação Com Revisão 3138775700. Relator(a): José Emmanoel França. Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Público. Data de registro: 20/01/2006) b) PROCESSO CIVIL - AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM NÍTIDA NATUREZA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ACORDO ENTRE ASSOCIAÇÃO E A EMPRESA DEMANDADA TRANSAÇÃO QUE, ALÉM DO RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER, ENVOLVE PAGAMENTO DE QUANTIA EM DINHEIRO - NECESSIDADE DE REVERSÃO DO NUMERÁRIO AO FUNDO DE REPARAÇÃO DE INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS - RECURSO PROVIDO, "Embora nada impedisse que a apelada fizesse uso de ação de obrigação de fazer, nitidamente haveria sua pretensão de estar fundada nas Leis n° 7.347/85 (art 5°, inciso V) e n° 8.078/90 (art 81, § único, inciso III), pois a causa de pedir está assentada, além nos prejuízos causados aos associados, na necessidade de preservação da saúde pública, do consumidor e do meio ambiente. Portanto, seja porque a taxonomia não resolve os problemas da dogmática, ou, em outras palavras, a titulação que a parte dá à demanda não altera sua natureza jurídica, seja porque a apelada não detém legitimidade processual para receber indenizações em nome de seus associados, o recurso deve ser provido para que a quantia envolvida no acordo entabulado seja vertida, na forma prevista no artigo 13, da Lei 7347/85, ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados. Apelação Com Revisão 1161203000. Relator(a): Artur Marques. Comarca: São Paulo. Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 19/05/2008. Data de registro: 21/05/2008 c) Ação civil pública ambiental - obrigação da concessionária de energia elétrica em reduzir o campo eletromagnético da linha de transmissão a 01 (um) mt (micro tesla) - cumprimento - dilação do prazo fixado na sentença necessidade - o estado-juiz não pode desconsiderar fatores de ordem material na prolação de suas decisões - nesse tópico, recurso da eletropaulo parcialmente provido ação civil pública - destinação da multa cominatória às associações autoras descabimento - direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida - interesses 63 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 167 estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos64. Segundo estabelece referida lei, § 2º o produto da arrecadação do FDD constitui-se de recursos advindos das condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e 13 da Lei nº 7.347, de 1985; das multas e indenizações decorrentes da aplicação da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, desde que não destinadas à reparação de danos a interesses individuais; dos valores destinados à União em virtude da aplicação da multa prevista no art. 57 e seu parágrafo único e do produto da indenização prevista no art. 100, parágrafo único, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990; das condenações judiciais de que trata o § 2º do art. 2º da Lei nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989; das multas referidas no art. 84 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994; dos rendimentos auferidos com a aplicação dos recursos do Fundo; de outras receitas que vierem a ser destinadas ao Fundo; e, de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras. O FDD, também conhecido como fluid recovery (reparação fluída) está previsto no nosso ordenamento jurídico no art. 100 e parágrafo único do CDC, e estabelece o seguinte: Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985. As indenizações não reclamadas pelos lesados não podem ser nem executadas nem liquidadas. Assim, o legislador, como forma de impedir a impunidade, estabeleceu que decorrido o prazo de 1 (um) ano sem habilitação de interessados em número significante frente à gravidade do dano, atribuiu legitimidade às pessoas previstas no art. 82 do CDC. Transcorrido esse período, proceder-se-á à liquidação e execução da sentença condenatóría, para o recolhimento ao fundo da fluid recovery. Assim, na lesão a interesses indivisíveis, como no caso dos direitos difusos e coletivos, haverá a liquidação para apuração global do prejuízo efetivamente causado, sendo o montante obtido com a liquidação e execução da reparação fluida destinado ao FDD, cujo destino será determinado pelo Conselho Gestor para aplicação na defesa dos interesses daqueles que foram lesados. Quanto às decisões proferidas em ações coletivas que tratam de direitos e interesses individuais homogêneos são elas ilíquidas, portanto, não passiveis de se efetivar o cumprimento de sentença. O valor a ser destinado a cada indivíduo somente é apurado com a liquidação da decisão. Entretanto, as vítimas podem ser identificáveis e determináveis, sendo o produto arrecadado com o cumprimento da sentença condenatória repartido (divisível) entre aqueles que se habilitaram. Aqui, a fase de cumprimento de sentença pode ser coletiva, mas decorrido um ano sem habilitação de interessados (nos termos do art. 100 do CDC), os transindividuais difusos destínação ao fundo especial previsto no art. 13 da lei federal n° 7.347/85 - gestão dos recursos por fundo estadual, e não federal - nesse tópico, recurso da eletropaulo parcialmente provido. Apelação Com Revisão 6792085500. Relator(a): Renato Nalini. Comarca: São Paulo. Órgão julgador: Câmara Reservada ao Meio Ambiente. Data do julgamento: 31/07/2008. Data de registro: 18/09/2008. 64 Art. 1º do Decreto n. 1.306/94. 168 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 169 co-legitimados para a ação coletiva podem prover ao cumprimento da sentença, revertendo os valores fruto da indenização ao fundo da LACP. Logo, se o lesado se habilitar no prazo do cumprimento da sentença de condenação genérica, e comprovar ter sofrido lesão em seu direito de forma individual, a ele deverá ser atribuída, proporcionalmente, parcela do valor da indenização. Vale ressalvar que as indenizações por prejuízos individuais decorrentes do mesmo evento danoso têm preferência no pagamento, quando da procedência da ação civil pública, conforme prevê o art. 99 caput do CDC. Ainda mister frisar que promovida a indenização com fulcro no art. 100 do CDC, e destinando-se o numerário ao FDD, com concorrência de indenizações individuais, do valor obtido deve-se deduzir o que venha a ser pago (ou aquilo que efetivamente já se pagou) aos credores individuais, sob pena de haver pagamento de indenização em duplicidade pelo mesmo fato.65 Importante mencionar ainda que para a fixação do valor da fluid recovery o juiz deve ter cautela com relação à quantidade de pessoas que eventualmente tenham se habilitado para pleitear a indenização pelos danos ocorridos, e ainda, pela gravidade e extensão do dano ocasionado. Vale aduzir que os recursos destinados ao FDD tem destinação prevista no § 3º do art. 1º da Lei 9.008/9566, como especificado a seguir: Os recursos arrecadados pelo FDD serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas no § 1º deste artigo. No entanto, quando não for possível a reconstituição de bem lesado, a indenização pode ser de forma compensatória dos danos causados ao meio ambiente, como o caso de um dano ambiental que provocou a destruição de determinado animal em extinção. Pode, então, o valor da indenização do fundo ser utilizado para recuperação de área degradada que era o habitat daqueles animais, como exemplo, revertendo um benefício ao bem difuso afetado. Neste sentido se manifesta com maestria Edis Milaré67, que menciona que por mais que o dano ambiental seja irreparável, a indenização paga deve reverter, de alguma forma, para recompor bens ambientais, e não ser destinada à modernização de repartições públicas, incumbência esta do Estado e não da sociedade. Logo, deve ser aplicado o numerário do Fundo em atividades correlatas à espécie de interesses tutelados e à natureza do bem lesado. Com relação à prescrição na ação coletiva ambiental, por se tratar de bem essencial à dignidade da pessoa humana, e por ter o indivíduo consagrado na Carta Magna o direito a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, direito fundamental e indisponível do homem, as ações coletivas destinadas à tutela do meio ambiente são imprescritíveis.68 65 ALVIM, E.A et al. Código do consumidor comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 452. A Lei 9.008/95 cria, na estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, altera os arts. 4º, 39, 82, 91 e 98 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e dá outras providências. 67 MILARÉ, E. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1120. 68 Neste sentido Edis Milaré, in: Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1112. Mazzilli argumenta ser o direito ao meio ambiente 66 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 169 2.2 Da ação popular ambiental A ação popular está prevista no ordenamento jurídico brasileiro no art. 5º, inc. LXXIII69 da CF/88. É um dos remédios constitucionais colocado à disposição dos cidadãos, parte legítima para defesa de interesses transindividuais. Está regulamentada pela Lei n. 4.717/65. Quando se tratar de defesa do meio ambiente, observar-se-ão os procedimentos estabelecidos na Lei 4.717/65 e subsidiariamente, o CDC e o Código de Processo Civil. Tem como objeto buscar a desconstituição/anulação de ato lesivo ao patrimônio público (bens de natureza pública) e de bem de natureza difusa (meio ambiente). Com relação à legitimidade ativa para propor ação popular ambiental prevê a CF/88 que é conferida a qualquer cidadão. Cidadão é aquela pessoa que está quite com suas obrigações eleitorais, ou seja, que esteja em pleno exercício de seus direitos políticos. Nada obstante, há entendimento doutrinário e jurisprudencial70 de que a legitimidade ativa da ação popular com relação à defesa ambiental não poderia restringir-se aos cidadãos, sendo cabível a interposição do instrumento por brasileiros e estrangeiros residentes no País, visto ser interesse da coletividade, e não apenas dos cidadãos. Cumpre destacar que qualquer cidadão pode habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular. Quanto à legitimidade passiva, podem figurar qualquer pessoa responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente, seja ela pessoa pública ou privada, física ou jurídica, que de qualquer forma, seja por ação ou omissão, provocou ou ameaçou cometer danos ambientais. 71 Será competente para julgamento da ação popular o juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Em caso de o autor desistir da ação, fica assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, promover o prosseguimento da ação. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova72. hígido indisponível e imprescritível, embora ressalve que é patrimonialmente aferível para fim de indenização. In: Mazzilli, H. N. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p 574. 69 Art. 5, inc. LXXXIII CF. Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando ao autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência. 70 PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AÇÃO POPULAR – FALTA DE COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE CIDADÃO (CÓPIA DE TÍTULO DE ELEITOR) – ART. 1º, § 3º DA LEI 4.717/65 – EXTINÇÃO DO PROCESSO NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO – AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DA AÇÃO – ART. 13 DO CPC: INAPLICABILIDADE – ERRO MATERIAL QUE SE CORRIGE. 1. Indicação equivocada de que o julgamento teria ocorrido por maioria por considerar como voto vencido a manifestação do advogado de uma das partes. Erro material que se corrige para afastar-se a conclusão de que ocorreu cerceamento de defesa e desobediência ao art. 530 do CPC. 2. Tese em torno da aplicação dos arts. 13 e 284 do CPC analisadas expressamente pelo Tribunal a quo, o que afasta a negativa de vigência do art. 535 do CPC. 3. O art. 5º, LXIII da CF/88 e o art. 4.717/65 estabelecem que somente o cidadão tem legitimidade ativa para propor ação popular. 4. Considera-se cidadãos os brasileiros natos ou naturalizados e os portugueses equiparados no pleno exercício dos seus direitos políticos. 5. Tratando-se a legitimidade ativa de condição da ação e não representação processual, afastase a aplicação dos arts. 13 e 284 do CPC, não sendo possível permitir que a parte traga aos autos cópia do título eleitoral ou documento que a ele corresponda. Correta extinção do feito sem julgamento do mérito. 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para negar provimento ao recurso especial. 71 Vide art. 6º da Lei 4.717/65 72 Art. 18 da Lei 4.717/65 170 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 171 A Ação Popular foi utilizada como instrumento na defesa do meio ambiente o que se pode constatar em alguns julgados dos Tribunais pátrios73. 2.3 Do mandado de segurança coletivo em matéria ambiental A ação mandamental está prevista na CF/88 no art. 5º, inc. LXX, ―b‖74. Pode ser impetrada em caráter coletivo por partido político com representação no Congresso Nacional; organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros e associados; co-legitimados à defesa de interesses coletivos. Fiorillo75 aduz que o rol previsto na Carta Magna de 88 é exemplificativo, podendo o MP propor ação mandamental para defesa de interesse coletivo em matéria ambiental, assim como os legitimados para propositura de ação coletiva como previsto no art. 82 do CDC. A Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009 disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. Estabelece o art. 1º da lei em comento que: Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. A lei ainda trata do mandado de segurança coletivo, previsto em seu art. 21. No entanto, é preciso esclarecer que neste caso, o direito a ser tutelado é o mesmo do mandado de segurança individual, transcrito acima. O que difere é a questão da legitimidade ativa, que no mandado de segurança coletivo é conferida a partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa 73 a) AÇÃO POPULAR - Bem público - Desafetação - Praça pública - Não podendo o bem público destinado à praça pública ter sua destinação desvirtuada por acarretar verdadeira desafetação e lesão ao meio ambiente ao suprimir área verde e urbanística, a ação era de ser julgada procedente. Recursos providos. Apte: Adriana Maria Gerhein Vieira Nader e outros. Apdo: Prefeitura Municipal de Campinas. Recurso n° 399.097.5/6-00. b) AÇÃO POPULAR - Decreto de Extinção da ação que merece ser revisto, porquanto presentes estão os pressupostos básicos, dependendo as demais questões debatidas, da produção de provas. O meio ambiente afetado pelo irregular aproveitamento do solo urbano integra o patrimônio público, de sorte que atos ilegais existentes nesta seara podem ser questionados pela via da ação popular ambiental, desde que preenchidos os demais requisitos processuais. Recursos aos quais se dá provimento. Recurso "Ex Officio".Apelação com Revisão n° 387.883.5/0-00 - Campos do Jordão. Apelantes: Arlindo Moreira Branco e outro. V Apelados: Teiji Nodomi e outros. c) AÇÃO POPULAR - Concessão de direito real de uso de área pública localizada em loteamento - Construção de campos de futebol abertos ao público e instituição de uma escola da modalidade esportiva - Hipótese que não se enquadra entre a exceções dispostas no artigo 180, VII, da Constituição Estadual - Inadmissibilidade - Nulidade do instrumento - Corte de eucaliptos - Dano que merece reparação - Acertada condenação a Fundo de tutela de interesses difusos. Recursos improvidos. Julgou procedente pedido declaração de nulidade de instrumento particular de concessão de bem imóvel, a título gratuito, condenando a Associação Estudantil Santacruzense a pagar indenização de R$ 1.441,20 ao Fundo Estadual para a Reparação dos Interesses Difusos Lesados, acrescida de 1% ao partir da citação. Apelação Cível n° 810.161.5/3-00. Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo. Aptes: Prefeitura do Município de Santa Cruz do Rio Pardo e Associação Estudantil Santacruzense. Apda: Ana Maria Valera Garcia Santos. 74 Art. 5º, LXIX, CF - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. 75 FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 371. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 171 de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. Mister ainda citar que a lei que disciplina o Mandado de Segurança trouxe uma inovação, no que se refere aos direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo. Prescreve que são objeto de tutela os direitos coletivos, que são os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; e os direitos individuais homogêneos, que são os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. Logo, deixou o legislador de fazer referência aos direitos difusos, que são aqueles transindividuais, de natureza indivisível, em que são titulares um número indeterminado de pessoas e ligados por uma circunstância de fato. O direito ao meio ambiente ecologicamente sadia é um direito difuso, pois os titulares são todos os membros da sociedade. Entretanto, quando se refere à tutela coletiva do meio ambiente, forçoso esclarecer que conforme preconiza a Carta Magna de 1988, o meio ambiente é direito humano fundamental e indisponível, e deve ser preservado, tanto para as gerações presentes como para as vindouras. Logo, podemos concluir que o meio ambiente se configura em um direito líquido e certo da pessoa humana. Nesse sentido, esclarece Fiorillo76: Ao exercermos o direito de ação de mandado de segurança ambiental, a realização desses dois requisitos - liquidez e certeza - estará adstrita à demonstração de que a violação do direito impede o desfrute de um meio ambiente sadio e equilibrado, a contento do que prevê a Constituição. Verificada aludida situação, presentes estarão a liquidez e a certeza do direito pleiteado em sede de mandado de segurança. Pertinente o posicionamento esposado pelo ilustre professor, pois por ser o meio ambiente um direito indisponível, imprescritível e irrenunciável, tem ele liquidez e certeza, e pode sim ser tutelado por mandado de segurança, sempre que presentes os requisitos legais e se diante de situação de ilegalmente ou abuso de poder provocado por autoridade, possa vir a sofrer violação ou justo receio de sofrê-la relativamente ao meio ambiente. Outro aspecto que merece ser mencionado é a coisa julgada, que no mandado de segurança coletivo se limitará aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Além disso, o mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva77. Com relação às liminares, no mandado de segurança coletivo, somente poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas. 2.4 Do mandado de injunção coletivo em matéria ambiental 76 77 FIORILLO, C. A. P. Mandado de segurança coletivo ambiental e a Lei 12.016/09. Disponível em: < http://prestjur.com.br/print/179>. Acesso em: 18 jan. 10. Art. 22, §1º da Lei n. 12.016/09. 172 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 173 O mandado de injunção é uma ação constitucional que possibilita que o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania não sejam inviabilizados por omissão do dever de legislar das Casas Legislativas. Pode-se dizer que a legitimidade passiva pode estar vinculada à omissão das pessoas políticas do Estado ou de quaisquer dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Está disposta no art. 5º, inc. LXXI da CF/88. Assim, tem o provimento injuntivo, como pressuposto de admissibilidade, a falta de uma norma regulamentadora de determinada situação fática. Todavia, não há necessidade de que essa omissão seja total, podendo apenas inviabilizar, dificultar o exercício dos direitos e liberdades constitucionais. Por defender o exercício de direitos preconizados constitucionalmente, o mandado de injunção é instrumento hábil para tutelar o meio ambiente, na medida em que todos têm direito a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Tem como finalidade suprir a ausência de norma regulamentadora e permitir o exercício de direitos e liberdades constitucionais que constituem seu objeto. Nelson Nery Júnior com maestria explica que ―o impetrante tem o direito mas não sabe como exercê-lo. Cabe ao juiz determinar o modus faciendi a fim de que o impetrante não fique privado de seu direito constitucionalmente garantido, a pretexto de que não há norma inferior que o regulamente‖78. 2.5 Habeas Data A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 5º, inc. LXXII reza que será concedido habeas-data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; e ainda, para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Neste sentido, em matéria ambiental pode ser impetrado habeas-data, por exemplo, quando informações tenham sido negadas à parte interessada por órgãos públicos ambientais, quando esta estiver agindo em interesse da coletividade, em busca de dados que permitam exercitar a tutela de direitos constitucionalmente tutelados, como o direito ao meio ambiente ecologicamente sadio e equilibrado. 2.6 Da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo A Carta de 1988 criou mecanismos de controle de constitucionalidade das normas jurídicas, de forma a garantir segurança jurídica e os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito. Preconiza o art. 103 da CF ter legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 78 NERY JUNIOR, N. Princípios do processo civil na constituição federal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 117. Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 173 Compete ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, processar e julgar, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Desta forma, a ação de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem por objeto declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo que contrarie normas constitucionais, retirando a eficácia dessa norma da esfera jurídica. Tem sido utilizada em matéria ambiental impetrada pelo Procurador Geral de Justiça visando a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos advindos, especialmente, das Câmaras Municipais do interior do Estado de SP79. Outros exemplos podem ser mencionados com relação à ação direta de inconstitucionalidade, trazidos através da jurisprudência abaixo: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Normas que prevêem a alteração e a destinação de áreas de loteamento, de lazer e institucionais, assim definidas em projetos de loteamento, ou seja, estabelecem a possibilidade de desafetação e doação por ato administrativo de bens públicos municipais. Impossibilidade de previsão de desafetação de bens públicos e sua conseqüente doação por meio de lei genérica. Necessidade de lei específica a respeito e atendimento de outros requisitos legais, inclusive para garantia de proteção ao meio ambiente equilibrado e do princípio da participação popular na defesa deste último. Afronta ao artigo 180, VII, da Constituição do Estado de Paulo e a outros dispositivos constitucionais (artigos 152, III, 180, III, e 191). Inconstitucionalidade material reconhecida. Ação direta ajuizada pela Procuradoria-Geral de Justiça julgada procedente."(ADI n° 163.693-0/1-00, Rei. Mário Devienne Ferraz, Órgão Especial, v.u., j . em 05/11/2008) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei n. 11.366/00 do Estado de Santa Catarina. Ato normativo que autoriza e regulamenta a criação e a exposição de aves de raça e a realização de ―brigas de galo‖. A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. (ADIN n. 2.514-7 Santa Catarina. Min. Eros Graus) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 187 da Constituição do Estado do Espírito Santo. Relatório de impacto ambiental. Aprovação pela Assembleia Legislativa. Vicio material, afronta aos artigos 58, §2º e 225, §1º da Constituição do Brasil. É inconstitucional preceito da Constituição do Estado do Espírito Santo que submete o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA – ao crivo da comissão permanente e específica da Assembleia Legislativa. A concessão de autorização para desenvolvimento de atividade potencialmente danosa ao meio ambiente consubstancia ato do Poder de Polícia – ato da Administração Pública – entenda-se ato do Poder Executivo. Ação julgada procedente para declarar inconstitucional o trecho final do §3º do artigo 187 da Constituição do Estado do Espírito Santo (ADIN n. 1.505-2 Espírito Santo. Min. Eros Graus) 79 SIRVINSKAS, L. P. Manual de direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.p. 382 174 Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos 175 Assim, uma lei ou ato normativo federal ou estadual que afronte a Constituição Federal, no que diz respeito ao disposto no art. 225, que trata do meio ambiente, pode ser declarada pelo STF inconstitucional, e consequentemente, sem validade jurídica.Declarada a inconstitucionalidade, a Assembleia Legislativa deve ser comunicada para suspensão da execução daquela lei ou ato normativo, em sua totalidade ou parcialmente, apenas naquilo que contrarie as normas constitucionais. 3. CONCLUSÃO O ordenamento pátrio, em matéria ambiental, encontra-se amparado por variados instrumentos de defesa ambiental, buscando uma efetiva tutela dos interesses de toda a coletividade, seja por meio da ação civil pública, ou através das demais medidas processuais, como ação popular ambiental, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas-data, ação declaratória de inconstitucionalidade. A questão ambiental é assunto de preocupação global. A noção de desenvolvimento sustentável, utilizando-se os recursos naturais com consciência, planejamento, mediante exploração racional, com equilíbrio da natureza vem tomando força no cenário mundial. O meio ambiente é direito fundamental de todos, sendo obrigação dos Estados a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, bem como dever da coletividade defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. A proteção ambiental, no entanto, está no cerne das discussões mundiais. Com a crescente integração das economias dos Estados, devido ao intenso desenvolvimento técnico em várias áreas do saber, as conseqüências nocivas e degradações provocadas ao meio ambiente ultrapassaram as barreiras dos países, se tornado um problema globalizado. Daí a necessidade de se tutelar, de forma coletiva, o meio ambiente, seja nos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, pois de qualquer forma, todos reclamam um meio ambiente de forma sadia e equilibrada, e através desses instrumentos processuais a pessoa humana pode se valer dos meios possíveis para proteção ambiental, direito proclamado pelos povos e de natureza irrenunciável, imprescritível e inalienável, e de forma imperiosa, uma forma de se garantir os fundamentos do Estado de Democrático de Direito, como a cidadania, e principalmente, a dignidade da pessoa humana. REFERÊNCIAS ALVARENGA, P. Proteção jurídica do meio ambiente. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. ALVIM, E. A et al. 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