6. HUMANIZAÇÃO DA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI) E O TRABALHO DO PSICÓLOGO William H. C. Denuzzi1 Adriana Dias Basseto 2 Considerando os avanços da medicina, tanto em questão de tecnologia como em cuidados da saúde, as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) podem ser consideradas como um espaço em que as chances de se promover um cuidado maior com a saúde do paciente, mesmo em casos de terminalidade, são consideravelmente aumentadas. Entretanto, as UTIs, com o passar do tempo, tornaram-se lugares em que o domínio técnico e científico sobrepõem-se aos aspectos referentes ao cuidado humano, uma vez que os profissionais que trabalham na UTI geralmente tem que lidar com várias tecnologias, máquinas e monitores, acabam por esquecer que ali existem seres humanos, não somente o paciente, bem como a sua família (COSTA, 2009). Tem-se como objetivo desse trabalho compreender como é entendido o conceito de Humanização, bem como identificar como o psicólogo pode atuar no sentido de promover a humanização na UTI. A comunicação oral proposta é de cunho qualitativo a partir de pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica possibilita ao pesquisador “[...] a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 2002, p. 45). O autor Gil (2002) ainda esclarece que a pesquisa bibliográfica é elaborada a partir de material já publicado, constituindo-se principalmente de livros, artigos e material disponibilizado na internet. As tecnologias utilizadas pelos diversos profissionais que trabalham na UTI tem como foco, primeiramente, a manutenção da vida do paciente. Por isso, nos últimos anos, vem-se buscando novas formas, técnicas e aparatos para serem utilizados no tratamento e que, de uma maneira geral, facilitem e possibilitem melhoras no mesmo, bem como redução no tempo de internamento, agilidade no tratamento e profissionais de saúde bem capacitados (GONDIM et al, 2009; MARQUES e SOUZA, 2010). Algumas características peculiares das UTIs são apresentadas a seguir por Marques e Souza (2010, p. 142) [...] ambiente permeado de tecnologia de última geração, situações iminentes de emergência e necessidades de agilidade e habilidade no atendimento ao cliente. Estas unidades são organizadas de maneira a prestar assistência especializada aos clientes em estado crítico, com risco de vida. Entretanto, assim como apontam Gotardo e Silva (2005), as UTIs representam um espaço que, justamente por ter uma elevada concentração de tecnologia de ponta, acabam se tornando um local de manutenção do saber 1 Acadêmico do 7º período de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná campus Toledo. Contato: Rua Cezar Augusto Frasson, n.107, ap. 14 Toledo/PR. Contato: [email protected] 2 Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva – UERJ. Docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Contato: Av. União, n. 500, Toledo/PR. Contato: [email protected] ROSA, M. I. P. D. (org.) 1º Simpósio de Psicologia, v.1, n.1, 2015. Curitiba : Editora Champagnat. Página 1 científico especializado que, muitas vezes, acaba destituindo a humanidade do paciente e da família. Sendo assim, é compreensível que o público geral e até mesmo alguns profissionais da saúde percebam as UTIs de uma forma negativa, como um espaço frio e não acolhedor (SOARES, 2007). Algumas características vistas como negativas são apontadas por Gotardo e Silva (2005, p. 233): O paciente encontra-se cercado por pessoas, equipamentos, iluminação artificial permanente especialmente à noite, alarmes acionados por qualquer anormalidade e odores típicos do hospital, podendo dar a impressão até de maus-tratos com o paciente, caso não se esteja devidamente informado. Elementos como uma boa comunicação entre a equipe e os familiares, a empatia e a estrutura física da UTI são alguns dos elementos que devem ser levados em conta ao pensar na promoção do trabalho humanizado. É necessário que sejam eliminados os mitos da frieza e da hostilidade que giram em torno das UTIs pois, dessa forma, permite-se a abertura de um olhar em que a família possa estar junto do paciente, não somente em presença, mas que possa somar no trabalho da equipe de saúde (GOTARDO e SILVA, 2005; GONDIM et al, 2009). O conceito de humanização pode ser compreendido como uma busca em promover o conforto físico, psíquico e espiritual do paciente, de sua família e da equipe, bem como uma busca que objetive uma conciliação entre os cuidados da saúde e as tecnologias utilizadas na UTI. (GONDIM et al, 2009). Segundo Souza e Marques (2010, p. 143) a humanização: [...] representa um conjunto de iniciativas que visam a produção de cuidados em saúde, capazes de conciliar a melhor tecnologia disponível com promoção de acolhimento, respeito ético e cultural do paciente, espaços de trabalho favoráveis ao bom exercício técnico e a satisfação dos profissionais de saúde e usuários. Segundo Mezzomo (2001, p. 276) um "hospital humanizado é aquele que sua estrutura física, tecnológica, humana e administrativa valoriza e respeita a pessoa, colocando-se a serviço dela, garantido-lhe um atendimento de elevada qualidade". Ou seja, acredita-se que o maior objetivo da humanização das UTIs seja o de manter a dignidade e humanidade do ser humano, respeitando seus diretos e principalmente sua voz, pois o paciente e sua família tem muito a contribuir para o tratamento, a sua maneira (SOARES, 2007; COSTA, 2009). Sendo assim, levanta-se o questionamento, como pode o profissional de psicologia contribuir com essa humanização? Quando o psicólogo se propõe a trabalhar no hospital, deve ter em mente que trabalhará não somente com o paciente, mas também com a família do mesmo bem como com a equipe de saúde. Ao se trabalhar na UTI, seu objetivo não deve ser a busca pela cura milagrosa mas, sendo humilde, reconhecer que sua atuação deve girar em torno de proporcionar sua escuta às angústias geradas pela situação. Trabalhar no sentido de cuidar ou invés de curar é o diferencial da psicologia (CANTARELLI, 2009). ROSA, M. I. P. D. (org.) 1º Simpósio de Psicologia, v.1, n.1, 2015. Curitiba : Editora Champagnat. Página 2 O psicólogo trabalhará com a tríade (paciente - família - equipe de saúde), que, sem dúvida, vivenciam muitas angústias e dúvidas sobre a vida. A família por exemplo tem toda a sua organização familiar abalada quando um de seus entes encontra-se adoecido; dúvidas e fantasias ameaçadoras surgem para essa família que, muitas vezes está do lado de fora da UTI esperando uma resposta. A equipe de saúde também não foge de lidar com as angústias desse momento, a possibilidade de morte está ali, presente, e com ela também está o fantasma da inabilidade ("porque não consegui salvar essa paciente?"). O importante para o psicólogo hospitalar não é a cura da doença em si, mas sim compreender, ouvir e proporcionar a todos os elementos dessa tríade um suporte emocional que, muitas vezes, esse ambiente envolto da mais tecnológica medicina lhes nega (SILVA, 2007; CANTARELLI, 2009). Pode-se compreender que a promoção da humanização em um ambiente cercado por uma crença de frieza como é o das UTIs não é um trabalho fácil de concretizar. Entretanto deve-se buscar garantir uma horizontalização da comunicação entre os indivíduos que fazem parte desse ambiente, ou seja, não deixando que o discurso médico seja o único ouvido, mas sim, o discurso de todos. Pois somente ao lançar uma escuta humanizadora é que se pode compreender pelo que esses indivíduos estão passando. Ressalta-se ainda a necessidade de que o ambiente físico também seja pensado para que se promovam as melhores condições possíveis nesses casos de hospitalização. É importante ter em mente que em um hospital, principalmente em uma UTI, muitos saberes, crenças e conhecimentos irão se complementar mas, mais ainda, irão se chocar. O conhecimento da equipe de saúde pode gerar dúvidas na família que pode não compreender bem o que está acontecendo; as crenças e questionamentos da família podem gerar angústias na equipe que muitas vezes não estão preparados para lidar. Nesse ponto é essencial que se faça presente o psicólogo, não como uma figura milagrosa que resolverá todos os problemas, mas sim como alguém que está disposto a ouvir esses problemas. Como é possível notar, o grande diferencial do trabalho do psicólogo frente a possibilidade de humanização da UTI (e do hospital num geral), se dá pelo fato de que esse profissional, antes de tentar dar uma resposta para as angústias dos indivíduos, ele estará disposto a ouvi-las. Ao dar ouvido a dor dessa tríade, é possível descobrir quais as lacunas que estão impossibilitando a promoção dessa atitude humanizadora. Ou seja, o trabalho do psicólogo não será apenas de um ouvinte que está ali para dar apoio aqueles que precisam mas, também, será de um investigador que, ao escutar e compreender todas as partes envolvidas, pode-se começar a pensar em estratégias humanizadoras para esse ambiente. O psicólogo hospitalar, trabalhando na UTI, deve focar a sua atuação no tocante a subjetividade do homem. Aquilo que ele sente, teme e fantasia são os pontos que o psicólogo deve direcionar a sua compreensão e suporte, ou seja, é fundamental que o psicólogo permita-se escutar as angústias do paciente e das outras partes ROSA, M. I. P. D. (org.) 1º Simpósio de Psicologia, v.1, n.1, 2015. Curitiba : Editora Champagnat. Página 3 envolvidas pois, segundo Simonetti (2006, p.24) "[...] é aí que entra a especificidade do psicólogo: nenhum outro profissional foi treinado para escutar como ele". Por fim, essa conversa com o psicólogo não é somente uma simples conversa, é um momento em que um dos elementos da tríade pode finalmente expressar suas angústias, é uma relação assimétrica em que o psicólogo agirá como o ouvinte que foi negado (muitas vezes pela própria ambição de busca pela cura) a esses indivíduos, afinal, o alívio do sofrimento também se dá através da fala (CANTARELLI, 2009; MOREIRA, 2012). Referências bibliográficas CANTARELLI, A. P. S. Novas abordagens da atuação do psicólogo no contexto hospitalar. SBPH, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 137-147, dez. 2009. COSTA, S.C.; FIGUEIREDO, M.R.B.; SCHAURICH, D. Humanização em unidade de terapia intensiva adulto: compreensões da equipe de enfermagem. Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.13, supl.1, p.571-80, 2009. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. GONDIM, C. T. Cuidado humanizado: uma prática possível. Disponível em: < http://www.abeneventos.com.br/2senabs/cd_anais/pdf/id33r0.pdf>. 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