Tratamento Farmacológico da ICC 1. Agentes inotrópicos Finalidade: aumentar a contratilidade miocárdica que se encontra deprimida no caso de ICC do tipo sistólico. 1.1. Agentes inotrópicos digitálicos Grupo de glicosídios esteróides cardioativos com propriedades inotrópicas e eletrofisiológicas. Produtos mais utilizados são a digoxina e a digitoxina. Mecanismo de ação: a) b) c) d) e) f) Favorecem a disponibilidade de cálcio para as proteínas contráteis do miocárdio. Isso ocorre através da inibição da proteína de membrana sarcoplasmática Na+-K+-ATPase, o que impede o efluxo ativo de Na+, possibilitando sua troca com o Ca++ extracelular, e seu conseqüente influxo. Causam a abertura dos canais lentos de cálcio e redução da captação retículosarcoplasmática do cálcio. Efeito eletrofisiológico: o digital causa estímulo vagal e atua diretamente sobre as células da junção ocludente, tornando a condução A-V mais lenta, o que é particularmente benéfico para pacientes com fibrilação atrial. O estímulo vagal ou a melhoria das condições hemodinâmicas, com conseqüente menor estimulação simpática, causam redução da freqüência cardíaca. Neuromodulação a nível dos barorreceptores, diminuindo o estímulo simpático. Leve ação diurética. Uso clínico: a) b) c) d) e) f) Todos os casos de ICC com disfunção sistólica sintomática. ICC e fibrilação atrial. Dose de impregnação está em desuso, utilizam-se doses de manutenção. Doses menores e emprego mais espaçados em idosos, nefropatas e mulheres. Cuidado em prevenir hipocalemia induzida por diuréticos. Intoxicação digitálica: anorexia, náuseas, vômitos, diarréia, arritmias cardíacas (extrasístole ventricular, taquicardia ou bradicardia sinusal e bloqueios AV). Conduta: suspensão do uso da droga, correção da hipocalemia e possível uso de antiarrítmicos. 1.2. Agentes inotrópicos não-digitálicos Agonistas β-1 (dopamina e dobutamina), inibidores da fosfodiesterase (amrinona e milrinona) e sensibilizadores do cálcio (levosimensdan). Mecanismo de ação: a) Agonistas β-1 estimulam os receptores β-1 cardíacos, ativando a adenilil ciclase, que forma AMPc. Em seguida ocorrem reações de fosforilação, que ativam a chegada de Ca++ às proteínas contráteis, estimulando a contratilidade cardíaca. b) Drogas sensibilizadoras do cálcio agem por um mecanismo distinto, aumentando o inotropismo sem concentrar cálcio no interior do cardiomiócito. Dopamina: a) Ação no miocárdio e periférica, nos receptores adrenérgicos e dopaminérgicos. b) Doses pequenas (<2µg/kg/min): age nos receptores dopaminérgicos DA1 e DA2 – vasodilatação coronariana, mesentérica e aumento do fluxo plasmático renal. c) Doses intermediárias (2 a 5µg/kg/min): aumenta o inotropismo cardíaco, sem modificar a RVP nem causar taquicardia. d) Doses altas (5 a 10µg/kg/min): inotropismo máximo, e demais efeitos são predominantemente de estímulo alfa-adrenérgico, com aumento da RVP e taquicardia. Dobutamina: a) Efeitos β-1, β-2 e alfa-adrenérgicos, e não ativa receptores dopaminérgicos. b) Aumento da contratilidade miocárdica, sem alterações na RVP. Amrinona e Milrinona: a) Inibe a fosfodiesterase III. AMPc então se acumula no interior das células miocárdicas e da musculatura vascular lisa de vasos periféricos – Ação inotrópica e vasodilatadora periférica. Sensibilizadores do cálcio: a) Ligam-se reversivelmente à troponina C, aumentando a contratilidade. b) Promovem a abertura dos canais de K, sensíveis a ATP, promovendo a vasodilatação. Uso clínico: a) Potentes agentes inotrópicos, com efeito muitas vezes maior do que o obtido com o digital. b) Suporte temporário ao paciente com depressão aguda da contração miocárdica – choque cardiogênico, pós-operatório de cirurgia cardíaca, IC descompensada ou prétransplante cardíaco. 2. Diuréticos Tiazídicos (clorotiazida e hidroclorotiazida), diuréticos de alça (furosemida, bumetamidae ácido etacrínico) e poupadores de K+ (amilorida, espironolactona, eplerenona e triantereno). Mecanismo de ação: a) Tiazídicos: agem impedindo a reabsorção de Na+ no túbulo contorcido distal, promovendo assim leve diurese. b) Diuréticos de alça: Agem no ramo ascendente da alça de Henle, inibindo a proteína responsável pelo transporte de Na+/K+/Cl-. São os diuréticos mais potentes, podendo agir mesmo em situações onde a função renal esteja comprometida. c) Poupadores de K+: Amilorida age nos túbulos coletores, impedindo a reabsorção de Na+ e a eliminação de K+. Aespironolactona e a eplerenona são antagonistas da aldosterona, bloqueando seus receptores no túbulo contorcido distal, facilitando a excreção de Na+ e a retenção de K+. Uso clínico: a) Tiazídicos: ICC leve; não são indicados em caso de disfunção renal. Uso associado com diuréticos de alça nos casos de ICC refratária. Efeitos colaterais: hipocalemia e hipomagnesemia; no caso de uso de digital, podem potencializar o aparecimento de arritmias. Intolerância à glicose, alterações do perfil lipídico (aumento do colesterol total e triglicerídeos) e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. b) Diuréticos de alça: Mais potentes, são usados em formas mais intensas de ICC. Em casos de edema pulmonar agudo, observa-se efeito direto da furosemida sobre a resistência vascular pulmonar, antes do seu efeito diurético. Efeitos colaterais: mesmos efeitos metabólicos dos tiazídicos. Podem lesar o oitavo par craniano, levando à hipoacusia reversível ou não. c) Amilorida: Pouco potente. Associada ao tiazídico, promove retenção de K+ e Mg++. Efeito indesejável: aumento do K+ sérico, principalmente na presença de insuficiência renal. d) Espironolactona: Mais eficaz em situações que se associam a grandes elevações de aldosterona, como nas ascites associadas a hepatopatias. Associada a diuréticos de alça, tem efeito de poupar K+. Bloqueia a ação da aldosterona em receptores de fibroblastos – desfavorece o processo de remodelagem miocárdica que ocorre na ICC. Efeitos indesejáveis: ginecomastia; aumento do nível sérico de K+. 3. Agentes vasodilatadores Alívio sintomático e aumento da sobrevida. Mecanismo de ação: a) Coração em falência é muito sensível a variações na RVP. b) Coração se beneficia de reduções da RVP e da impedância aórtica. c) Diminuição da regurgitação mitral, principalmente durante o exercício. d) Venodilatação sistêmica resulta em menor acúmulo de sangue na circulação central, diminuindo assim a congestão pulmonar. e) Diminuição do retorno venoso ao VD – redução da pressão pericárdica – melhor retorno venoso ao VE – manutenção do débito sistêmico. Venosos: Nitratos Arteriolares: Fentolamina, Hidralazina, Minoxidil. Mistos: Nitroprussiato de sódio, IECA, Antagonistas de cálcio, alfa-bloqueadores adrenérgicos. Uso clínico: a) Nitroprussiato de sódio: vasodilatador misto, de início de ação imediato; tratamento de ICC aguda, em UTI. Efeitos colaterais: indução de hipotensão arterial grave; efeitos tóxicos em caso de infusão prolongada (mais de 72h) – astenia, rash cutâneo, cefaléia, desorientação, psicoses agudas, convulsão e coma. b) Nitroglicerina venosa: vasodilatação mais venosa; em casos de cardiopatia isquêmica apresenta efeitos benéficos adicionais (dilatação de vasos colaterais). Tolerância se estabelece rapidamente. c) Nesiretida: derivado sintético do peptídeo natriurético atrial do tipo B; propriedades vasodilatadoras potentes, ação excretora de sódio e inibidora do SRAA e supressão simpática. Efeito colateral: hipotensão arterial. 3.1. IECA Mecanismo de ação: a) Ação hemodinâmica: Redução da pré-carga e da pós-carga. b) Ação neuro-hormonal: Redução da angiotensina II: aumento da bradicinina; redução da atividade simpática. Redução da vasopressina: redução de aldosterona; redução de endotelina; redução do inibidor do ativador do plasminogênio. c) Ação trófica: redução da remodelagem ventricular. Efeito colateral: tosse seca; hipotensão arterial. 3.2. Antagonistas de angiotensina II Losartan, vasartan, irbesatan e candesartan. Uso em pacientes com ICC que não possam usar IECA. Mecanismo de ação: bloqueio seletivo dos receptores específicos de angiotensina II (AT1), impedindo todas as ações da angiotensina II. 3.3. Nitratos Ação predominante no sistema venoso, reduzindo o acúmulo de sangue na circulação central e aliviando a dispnéia. Uso em pacientes que não apresentem a resposta desejada com o uso de IECA, geralmente em adição a estes. Inconveniência: tolerância ou taquifilaxia. Efeitos colaterais: cefaléia e hipotensão postural. 3.4. Antagonistas do cálcio: Funcionam como vasodilatadores e demonstram benefícios próprios no tratamento da ICC. 3.5. Vasodilatadores arteriolares diretos Hidralazina e minoxidil. Seu uso pode resultar em congestão pulmonar. Causa taquicardia reflexa, podendo agravar a insuficiência coronariana presente. Tratamento de casos refratários, em associação a IECA. 3.6. Agentes alfa-bloqueadores adrenérgicos Prazosina. Efeitos colaterais: fenômeno da primeira dose, hipotensão arterial, taquifilaxia com o uso prolongado. 4. Betabloqueadores Carvedilol, bisoprolol e metoprolol de liberação lenta. Empregados em ICC de todas as classes funcionais, em formas isquêmicas ou nãoisquêmicas de cardiopatia. Mecanismo de ação: a) b) c) d) e) f) g) h) Redução da freqüência cardíaca Controle da PA Controle das arritmias Diminuição da renina Maior expressão de beta-receptores Proteção miocárdica contra efeitos tóxicos da ativação simpática exacerbada Proteção contra efeitos imunológicos mediados por estimulação simpática Melhor utilização de substrato energético Uso clínico: a) Carvedilol: propriedades bloqueadoras acrescidas de ação alfa-bloqueadora e de propriedades antioxidantes. Introdução no tratamento da ICC depois que o paciente já atingiu um período de compensação parcial com as demais intervenções, e cerca de 2 semanas após o desaparecimento do edema de MMII. Efeitos adversos: bradicardias sintomáticas e asma brônquica. Visão geral da terapêutica medicamentosa da ICC Classificação funcional da ICC: (Limitações: dispnéia ou fadiga excessiva face às solicitações) Classe I: Sem limitações para as atividades habituais. Classe II: Limitações às atividades habituais. Classe III: Dispnéia aos pequenos esforços. Classe IV: Dispnéia em repouso. IECA e Beta-bloqueadores: úteis em todos os quadros de ICC do tipo sistólico. Diuréticos: benéficos quando os sintomas congestivos surgem; leves – tiazídicos; graves – diuréticos de alça. Associação a poupadores de potássio em ambos os casos. Antagonistas da angiotensina II: Substituição a IECA, no caso de tosse incômoda. Demais vasodilatadores: complementação aos IECA, quando o paciente mostra-se refratário. Classe funcional I: digital + IECA Classe funcional II: digital + IECA. Diuréticos? Classe funcional III e IV: digital + IECA + diuréticos - Antagonistas de AII quando IECA não forem tolerados. - Hidralazina, antagonistas do cálcio de 2ª geração e nitratos nos casos refratários. - Betabloqueadores (carvedilol) como possibilidade promissora futura.