INTERNACIONAL Conceitos básicos ◗Paramédico comenta a importância de procedimentos simples na resposta a emergências Will Chapleau acompanhou grande parte da evolução do atendimento pré-hospitalar nos Estados Unidos. Suas décadas de experiência em várias entidades da área lhe renderam um convite para compartilhar seu aprendizado por meio de duas palestras realizadas durante o último World Trauma Congress, no Rio de Janeiro/RJ. Na ocasião, Will concedeu entrevista à Emergência, indicando a relevância dos procedimentos mais simples durante o atendimento a urgências, em especial a vítimas traumatizadas - que precisam ser estabilizadas até que se recuperem e tenham melhores condições de passar por uma cirurgia, por exemplo, com maiores chances de sobrevivência. Will também relatou como a Guerra do Vietnã contribuiu para a formação dos primeiros paramédicos nos Estados Unidos. Por Priscilla Nery FALE UM POUCO SOBRE SUA EXPERIÊNCIA E POR QUE ESCOLHEU A ÁREA DE EMERGÊNCIAS MÉDICAS. Tenho sido paramédico por mais de 37 anos e enfermeiro especialista em Trauma por 24 anos. Fui bombeiro por 20 anos e chefe dos bombeiros por seis anos, antes de entrar para o Colégio Americano de Cirurgiões. Quando eu era jovem, trabalhei numa sala de emergência de hospital, onde me interessei pelo atendimento pré-hospitalar. Logo depois de começar a trabalhar no hospital, cursos EMT começaram a ser oferecidos no local onde eu trabalhava, o que me deu a oportunidade de participar. Depois daquele dia, minha vida mudou. Minha experiência em APH sempre ajudou a atuar na área de Emergência, especialmente em Trauma. ATUANDO COMO PARAMÉDICO HÁ MAIS DE 30 ANOS, COMO AVALIA O ATENDIMENTO A URGÊNCIAS NOS ESTADOS UNIDOS DURANTE SUA CARREIRA? Acredito que a resposta a emergências nos Estados Unidos esteja sempre evoluindo e mudando. Cerca de 30 anos atrás, o serviço era baseado em atividades simples. Às vezes, estas ações simples são o melhor a se fazer em cenários de emergência. Trata-se de questões práticas, e este ponto é o que funciona melhor. Atualmente, evoluímos, investindo em novas tecnologias, mas sem esquecer que, especialmente no atendimento a urgências, questões simples podem significar a diferença entre a vida e a morte do paciente. Falando sobre o desenvolvimento do atendimento pré-hospitalar nos Estados Unidos, o ponto crucial ocorreu na década de 1970, quando médicos americanos voltaram do Vietnã, onde haviam aprendido lições de sobrevivência. Aqueles médicos haviam treinado pessoas, militares, para cuidar de pacientes na zona de guerra, ensinaram como estabilizar e tratar o paciente até sua remoção para um hospital, feita por helicópteros. Depois disto, o sistema de cuidados e saúde nos Estados Unidos se desenvolveu muito. Quando aqueles médicos voltaram da guerra, eles mostraram como podemos salvar vidas por meio de princípios simples. Este foi o início dos conceitos que criaram a profissão de paramédico no país. NO BRASIL, NÃO EXISTE A FIGURA DO PARAMÉDICO. O SENHOR CONHECE OUTRAS REALIDADES SEMELHANTES, EM QUE NÃO HÁ ESTE PROFISSIONAL? COMO AVALIA ESTES MODELOS DE APH? PERFIL VALDIR LOPES WILL CHAPLEAU 40 40 Emergência Emergência Em 1975, Will formou-se paramédico. Complementou seus conhecimentos tornando-se enfermeiro especialista em Trauma, em 1989. Possui, ainda, formação em Comunicação e Administração em Emergências. É instrutor no curso de liderança em EMS (Emergency Medical Services) desde 1999. Atualmente, é diretor de Melhoria de Desempenho para o Colégio Americano de Cirurgiões, e gerente do Programa Advanced Trauma Life Support por seis anos. Possui experiência de mais de 13 anos de atuação em campo como bombeiro, e foi chefe do serviço de bombeiros de Chicago Heights por seis anos. Faz parte da Associação Nacional dos Paramédicos, na qual é chefe da Divisão de Trauma e Suporte de Vida no Pré-Hospitalar. Ele também atuou no conselho de administração da Sociedade de Enfermeiros do Trauma. É autor de vários artigos e livros sobre APH. OUTUBRO OUTUBRO // 2013 2013 Acredito que existam vários modelos diferentes de APH, e que são ótimos. O modelo brasileiro não é incomum, há outros lugares do mundo onde médicos, enfermeiros e técnicos realizam este tipo de atendimento, seja em conjunto ou com divisão de tarefas. Acredito que todos estes modelos possam funcionar bem, desde que sigam um protocolo padronizado, com orientações claras sobre o que pode e deve ser feito no pré-hospitalar, e o que só deve ser realizado dentro do hospital. Se todos seguirem estas regras, provavelmente terão sucesso, não importa se o modelo conta ou não com paramédicos. Trata-se menos do nível de treinamento da equipe, e mais da compreensão de seu papel específico para o atendimento pré-hospitalar. Este papel deve ser focado naquilo que o paciente precisa de nós, e não no que nós queremos ou somos capazes de fazer. COMO PROFISSIONAL DE EMERGÊNCIA, COMO O SENHOR AVALIA A REALIDADE DO TRAUMA NOS ESTADOS UNIDOS? Nos Estados Unidos, temos tecnologias modernas para o atendimento ao trauma. Acredito que encontramos a verdadeira ciência, trazendo uma mistura destas tecnologias e técnicas básicas. O atendimento ao traumatizado necessita de técnicas muito simples na maioria dos casos, métodos que façam o paciente parar de sangrar, voltar a respirar, etc. A simplicidade do gerenciamento de pacientes de acordo com suas necessidades relativas a vias aéreas, respiração e circulação são a chave. Devemos gerir estas questões, segundo as necessidades do paciente, para assim avaliarmos se é preciso fazer uso da tecnologia, e não pela nossa capacidade ou desejo de aplicar esta tecnologia. QUAIS OS TIPOS DE TRAUMA MAIS COMUNS EM SEU PAÍS E O QUE TEM SIDO FEITO PARA PREVENIR OU REDUZIR ESTES INCIDENTES? Em todo o mundo, os acidentes de trânsito são a principal causa de trauma, seguidos pela violência, afogamentos e envenenamentos. Estima-se que cinco milhões de pessoas morram todos os anos por estas lesões. Em geral, nos Estados Unidos, investimos muito em treinamento e difusão de informações para prevenir o trauma. Conseguimos reduzir os acidentes com automóveis consideravelmente. Além de nossas ações, os carros, atualmente, estão mais seguros, possuem tecnologia avançada, itens como cinto de segurança e air bags. A população tem mais conhecimento e valoriza mais a segurança. Então, nós temos mais lesões decorrentes de quedas nos Estados OUTUBRO / 2013 Unidos que acidentes com automóveis hoje. SUA EXPERIÊNCIA ENVOLVE A ATUAÇÃO COMO BOMBEIRO. DE QUE FORMA ESTE CONHECIMENTO O AJUDOU COMO PROFISSIONAL DA SAÚDE? A experiência como bombeiro é semelhante ao trabalho de um enfermeiro ou médico de Trauma, quando falamos em resposta rápida. Certamente, esta experiência me ajudou muito, pois eu sabia como agir em situações de emergência e desastres. Como bombeiro, eu também tinha que agir em situações críticas e saber como reagir na hora certa, de forma adequada, a fim de salvar vidas. O Incident Command System é um exemplo de ferramenta que veio do serviço de bombeiros e tem contribuído muito para o gerenciamento de incidentes de grandes dimensões com um grande número de pacientes. Ser capaz de gerenciar grandes eventos com múltiplas vítimas, com diversas complicações e em ambientes perigosos se torna mais fácil quando usamos a abordagem desenvolvida no serviço de bombeiros. COMO O SENHOR AVALIA O CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS DE EMERGÊNCIA EM SEU PAÍS? Anteriormente, tínhamos uma situação crítica na formação em emergências, então nós mudamos. Agora, estamos procurando o melhor conteúdo e mudando o sistema novamente. Estamos sempre revisando a formação e conteúdo, os nossos programas, e melhorando. Acredito que a ênfase de nossa formação, hoje, seja na ciência, em protocolos de desenvolvimento. Este é o avanço mais importante do EMS moderno. QUAL O CONTEÚDO OFERECIDO NESTES CURSOS DE FORMAÇÃO? ESTAS METODOLOGIAS SÃO ADEQUADAS PARA A REALIDADE DO APH? O conteúdo destes cursos é construído sobre uma abordagem científica a respeito do que pode afetar os resultados, o que não contribui para bons resultados. Para nós, é importante aplicar as medidas adequadas quando a “ Devemos sempre nos perguntar o que os pacientes precisam de nós para melhorar nossa atuação ciência nos mostra o que é eficaz no socorro do paciente. Assim, não perdemos tempo com tratamentos que não irão melhorar as chances de sobrevida do paciente, que possam atrasar um tratamento definitivo ou mesmo prejudicar o paciente. O SENHOR É GERENTE DO ADVANCED TRAUMA LIFE SUPPORT. ESTE PROGRAMA PASSA POR REVISÕES? Nós revisamos o programa a cada quatro anos. Em 2014, vamos começar a nona edição. Controle de sangramento, gestão de vias aéreas e ventilação são as principais áreas de ênfase nos treinamentos atuais. Nós falamos sobre o que fazer nos primeiros dez minutos após a ocorrência. Nestes momentos, a vida do paciente está em nossas mãos. Podemos dar a ele a melhor chance de sobrevivência, ou não. Este é o início do programa. Temos uma série de itens para avaliar os participantes do curso. Um deles é analisar o desenvolvimento de cada um. Os alunos são avaliados antes e após o curso e, em seguida, a cada seis meses. Percebemos que o conhecimento cai gradualmente com o tempo, por isto, a cada quatro anos, todos eles repetem o curso, a fim de não perder o conhecimento. Por meio do programa, nós já treinamos médicos de 65 países diferentes. Embora os médicos sejam a maioria do nosso público, também treinamos grupos específicos, nos Estados Unidos, como profissionais e militares que trabalham em locais onde não há médicos disponíveis. Um exemplo são os enfermeiros que atuam em áreas remotas, onde há uma escassez de profissionais e recursos. COMO O SENHOR AVALIA A EFICÁCIA DESTE PROGRAMA? Temos reunido o conhecimento científico disponível, encorajado novas pesquisas e o desenvolvimento de plataformas de ensino diversificadas e móveis, a fim de colocar esta informação nas mãos do profissional que aplica o primeiro curativo. Estas são nossas oportunidades mais imediatas para efetuar uma mudança no atendimento. QUAL MENSAGEM O SENHOR GOSTARIA DE DEIXAR AOS PROFISSIONAIS BRASILEIROS QUE ATUAM NO APH? Sigam sua paixão e ouçam o que os pacientes pedem para realizar o atendimento baseado na ciência. Devemos sempre nos perguntar o que os pacientes precisam de nós para melhorar nossa atuação, e não priorizar novas ferramentas que não foram desenvolvidas com base na necessidade do paciente. Emergência 41