II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR O TEXTO PUBLICITÁRIO NO MATERIAL DIDÁTICO DA EJA DO PARANÁ SANTANA, Simone Cristina de (PG-UEM) ROMUALDO, Edson Carlos (UEM) RESUMO: Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) determinam que, nas aulas de Língua Portuguesa, o texto seja adotado como unidade e os gêneros como objeto de ensino. Com o intuito de verificar se essa proposta tem feito parte da realidade de cursos como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), este trabalho procura analisar a abordagem dos gêneros textuais apresentada pelo material didático adotado por essa modalidade educacional no estado do Paraná. Recortamos para estudo, devido à sua relevância social, o texto publicitário, presente na unidade II do caderno V. Para cumprir o objetivo traçado, apresentamos algumas considerações sobre as peculiaridades desse gênero e sobre as determinações dos documentos oficiais que regulamentam o ensino de língua materna, em especial o que diz respeito ao trabalho com a leitura, a escrita e a análise linguística. Os resultados da análise mostram que o material não adota, efetivamente, o texto como unidade e o gênero publicitário como objeto de ensino, pois as atividades de leitura mantêm-se no nível da decodificação, sem explorar todos os recursos que constituem a propaganda usada como modelo. A proposta de produção textual que segue o estudo do texto publicitário é artificial e descontextualizada, sem planejamento nem revisão; e os exercícios de gramática não possibilitam uma prática de reflexão sobre a língua, mas usa o texto como pretexto para ensinar a norma padrão. PALAVRAS-CHAVE: Texto publicitário; Educação de Jovens e Adultos; Material didático. 1 - Considerações iniciais Adotar o texto como unidade e os gêneros como objeto de ensino é uma determinação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – (BRASIL, 1998) que se aplica tanto aos cursos de ensino Fundamental e Médio regulares quanto aos mais acelerados, como é o caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Entre os pesquisadores das práticas de ensino de língua materna, não há dúvidas de que a proposta dos PCNs, partilhada também por outros documentos oficiais, é muito significativa e contribui para a ampliação da competência comunicativa do aluno, em especial aquele que frequenta os cursos de EJA, uma vez que ele normalmente busca na escola os subsídios necessários para participar ativamente da sociedade letrada na qual está inserido. ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR Ao pensarmos nas determinações dos PCNs, nos anseios e nas peculiaridades do público atendido pela EJA, faz-se fundamental observar se a proposta desse documento tem chegado à sala de aula dos cursos oferecidos por essa modalidade educacional. Para tanto, considerando que os textos usados no ensino de língua materna na maioria das vezes são aqueles disponibilizados pelos livros didáticos, propomos uma análise da abordagem apresentada pelo material didático de língua portuguesa adotado pela EJA do Paraná para o trabalho com o texto publicitário, um gênero que, além de ser muito presente na vida dos alunos e exercer forte influência sobre a sociedade de consumo, da qual eles fazem parte, caracteriza os usos públicos e artísticos da linguagem e, nesse sentido, enquadra-se em um dos critérios usados pelos PCNs para delimitar os gêneros que devem ser priorizados nas situações escolares de ensino de Língua Portuguesa. No decorrer da análise, tendo em vista a proposta dos PCNs, procuramos verificar, especificamente: a) se o material tenta conscientizar o aluno a respeito da manipulação que o texto publicitário exerce sobre os consumidores; b) se as atividades de leitura contribuem para a formação do leitor crítico; c) se os exercícios de gramática trabalham o papel dos elementos linguísticos na construção do texto; d) se a proposta de produção de texto atende às condições básicas de produção; e) se as informações prestadas pelo material são coerentes e suficientes para abordar as especificidades desse gênero. Para cumprir o objetivo traçado, apresentamos, inicialmente, algumas considerações sobre as peculiaridades do texto publicitário e sobre as determinações dos documentos oficiais que regulamentam o ensino de língua materna, em especial o que diz respeito ao trabalho com a leitura, a escrita e a análise linguística. Na sequência, expomos a análise do material didático selecionado, seguida das considerações finais e das referências. 2 - O texto publicitário A propaganda é um gênero pertencente à esfera publicitária que tem o objetivo de persuadir o público consumidor, por meio do emprego, em sua constituição, de forma variada e criativa, de recursos semióticos e linguísticos. Segundo Sant’ Anna ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR (1981), além de exercerem funções como conferir credibilidade ao texto, aumentar o índice de atenção ao anúncio, torná-lo mais aprazível à vista, estimular o desejo pela coisa anunciada e engrandecê-la, as imagens usadas na elaboração desse gênero, tanto quanto o texto verbal, funcionam como estratégia para transmitir a mensagem pretendida por ele. Um dos elementos que mais chamam a atenção nas ilustrações é a cor, recurso bastante explorado nos textos publicitários que, de acordo com o autor, tem a finalidade de dar mais realismo aos objetos e cenas, chamar a atenção do interlocutor, embelezar a peça e torná-la mais atrativa. Isso ocorre porque as cores têm o poder de despertar sentimentos e sensações, além de provocarem diferentes associações de ideias ou estados de espírito, por exemplo: o vermelho lembra fogo, calor, excitação, força; o rosa, suavidade, frescor, fragrância; o laranja, calor, ação, força, sabor, etc. (SANT’ ANNA, 1981, p. 238). A mensagem verbal, por sua vez, normalmente é concisa e enfatiza os benefícios que o produto pode trazer ao consumidor. Apesar de os anúncios publicitários terem como último fim a venda de determinada mercadoria, Santos (2007), ao comentar os resultados de uma pesquisa feita por Vestergaard e Schroder (2000), mostra que boa parte deles não faz uso do verbo comprar em sua forma imperativa, mas adota sinônimos, no mesmo modo verbal, com o objetivo de mascarar as verdadeiras intenções da propaganda, ou ainda verbos no futuro composto, que conotam a ideia de uma promessa e normalmente vem acompanhados do pronome você, usado para estabelecer contato com o interlocutor. Outro recurso bastante explorado na publicidade é o emprego de ambiguidades, que, algumas vezes, são desfeitas pela imagem, pela marca do produto ou pelo próprio desenrolar do anúncio, conforme comenta Santos (2007). O duplo sentido, que não é acidental, mas fruto de um planejamento organizado, possibilita diferentes interpretações para a mensagem que está sendo transmitida e é construído por meio de uma seleção vocabular minuciosa. Por fim, para atingir seus objetivos, os anúncios costumam, ainda, fazer uso de termos prenhes de carga argumentativa, de provérbios, de frases feitas e de figuras de linguagem que, agindo em conjunto, criam uma atmosfera capaz de conduzir o interlocutor à persuasão. ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR 3 - O texto como unidade e os gêneros como objeto de ensino de Língua Portuguesa Criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva é um dos objetivos do ensino de língua materna delimitados pelos PCNs. Para oferecer ao aluno uma formação que lhe conceda os subsídios necessários ao alcance desse objetivo, o documento determina que as aulas de língua portuguesa, centradas durante anos na teoria gramatical, no trabalho com frases descontextualizadas e em tipos textuais, tenham uma nova unidade de ensino: o texto, materializado sob a forma de diferentes gêneros, termo usado por Bakhtin (1997) para definir os enunciados relativamente estáveis que emergem de múltiplas vozes e esferas sociais. No entanto, adotar o texto como unidade e os gêneros como objeto de ensino não significa simplesmente substituir as conhecidas narração, descrição e dissertação por cartas, resumos e notícias, ou deixar de ensinar gramática, mas desenvolver atividades de leitura, escrita e análise linguística de forma articulada e coerente, com exercícios que trabalhem essas habilidades sem adotar unicamente a frase ou elementos pontuais do texto como unidade de análise. Assim como os PCNs, as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa da Educação Básica (PARANÁ, 2008) – doravante DCLP – concebem a prática da leitura como um ato dialógico, interlocutivo. Nesse contexto, o leitor tem um papel ativo, haja vista que, para se efetivar como co-produtor, procura pistas, formula e reformula hipóteses, usa estratégias baseadas em seu conhecimento linguístico, em suas experiências e em sua vivência sociocultural. Para Antunes (2003), o ato de ler é um processo que deve ser motivado e realizar-se a partir de textos autênticos, por meio dos quais o aluno possa exercitar a leitura crítica, interativa, diversificada, considerando não só as palavras expressas no texto, mas também as interpretações que transcendem sua materialidade linguística. No que diz respeito às atividades de ensino da leitura, porém, a autora destaca que o que se tem encontrado em materiais didáticos e nas práticas de sala de aula são exercícios centrados nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, que não despertam o interesse do aluno, pois se fundamentam em um trabalho puramente ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR escolar, limitado a recuperar os elementos literais e explícitos presentes na superfície do texto, que quase sempre são pontuais e deixam de lado os elementos de fato importantes para sua compreensão global. A Proposta Curricular de Língua Portuguesa para a EJA, (BRASIL, 2002) – doravante PCLP – por sua vez, mantém a postura adotada pelos PCNs de incentivar o processo de escrita a partir dos gêneros, não das tipologias textuais, embora elas não devam ser descartadas, e reconhece que “a produção de textos a partir das estruturas textuais costuma ser problemática, porque nem sempre os gêneros (contos, notícias, instruções de uso etc.) se definem em uma ou outra dessas estruturas” (BRASIL, 2002, p.44). O trabalho com a escrita na escola, entretanto, conforme mostra o diagnóstico de Antunes (2003), muitas vezes fundamenta-se em gêneros textuais, mas continua artificial, inexpressivo, improvisado, sem planejamento nem revisão, o que o torna destituído de qualquer valor interacional. Nesse caso, há uma valorização do ato de escrever descontextualizado, um mero exercício para preencher o tempo que reforça a abaixa auto-estima linguística dos alunos, de acordo com as DCLP. Para surtirem efeitos positivos, as propostas de produção textual devem abordar gêneros que tenham função social determinada, conforme as práticas vigentes na sociedade, e fundamentar-se em atividades nas quais a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 2003, p.137). A análise linguística, por fim, segundo a PCLP para a EJA, além de complementar as práticas de leitura e escrita, deve estar subordinada e atrelada ao estudo do texto. Nesse caso, adotar o texto como unidade de ensino pressupõe que o trabalho com a gramática possibilite práticas de reflexão sobre a língua, sobre os usos que se fazem dela em diferentes situações de interação comunicativa e sobre como os elementos linguísticos atuam na constituição dos gêneros textuais. No caso da EJA, a PCLP afirma, ainda, que é preciso privilegiar uma abordagem descritiva da língua, pois ela é mais adequada ao público atendido por essa modalidade educacional, que sofre ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR com o confronto entre as variedades linguísticas, já que, na prática, a escola acaba não valorizando a variedade falada pelo aluno. Sob essa perspectiva, espera-se que os exercícios de gramática não apenas recortem frases dos textos para que o aluno treine a identificação e classificação de vocábulos, mas que eles abram espaço para a análise da função dos elementos gramaticais na composição desses textos. Assim, atreladas às práticas de leitura e escrita, as atividades de análise linguística tendem a contribuir para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. 4 - O texto publicitário no material didático da EJA O material de Língua Portuguesa adotado pela EJA do Paraná, segundo profissionais que atuam no Centro Estadual de Ensino Básico para Jovens e Adultos de Maringá (PR), foi elaborado pelos próprios professores que trabalham com alunos matriculados nessa modalidade educacional, entre os anos de 1995 e 1996, por meio de um programa do Governo do Estado, embora não tenha sido imediatamente adotado depois de pronto. Esse material, portanto, é anterior aos PCNs, à própria PCLP e às DCLP, mas houve uma reimpressão das apostilas em 2004 e elas continuam sendo usadas em sala de aula até hoje, sem reformulação, mesmo após a publicação desses documentos, o que tem levado os professores a recorrerem a materiais complementares que auxiliem seu trabalho. O material destinado ao curso do Ensino Fundamental constitui-se de oito cadernos que se dividem em duas unidades, cada uma delas trabalha o ensino de um gênero ou tipologia textual e subdivide-se internamente em três grandes seções: uma de leitura, uma de produção textual e outra de gramática. Na sequência, analisamos a abordagem do texto publicitário apresentada pelo material, conteúdo localizado na unidade II do caderno V. O texto selecionado para o estudo desse gênero no material didático da EJA do Paraná é uma propaganda de alguns produtos da marca Milleto, transcrito a seguir. Antes de expô-lo, porém, o material apresenta um breve comentário sobre os suportes em que é comum os textos publicitários aparecerem, como é o caso do rádio, da ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR televisão, de jornais e de revistas, e questiona se devemos acreditar em tudo o que as propagandas dizem. Quem se gosta, gosta de Milleto. Milleto ajuda você a preparar pratos deliciosos, com sabor e qualidade para uma alimentação leve e saudável. Milleto oferece o melhor do milho para pessoas que se gostam e que também gostam de dividir as coisas boas da vida. Não é um pouquinho disto tudo que se espera de um bom marido? (PARANÁ, 2004, p.29) Logo após a apresentação da propaganda, o material expõe um vocabulário que define algumas palavras do texto, destaca que a intenção do autor do anúncio é persuadir o interlocutor, criando nele a necessidade de comprar o produto anunciado, e explica os conceitos de publicidade e propaganda. Na sequência, para finalizar a exposição teórica sobre o assunto e introduzir as atividades de leitura, escrita e gramática, são mencionadas e comentadas rapidamente algumas características comuns desse gênero de texto: ilustração, mensagem verbal, slogan, verbos no imperativo, adjetivos, frases curtas e ausência de enunciados negativos. Depois desse breve referencial teórico sobre o texto publicitário, o material apresenta duas seções de exercícios, Conhecendo o texto e Conversando sobre o texto que, ao todo, contêm doze atividades, nas quais o aluno deve assinalar com um X a alternativa correta, ou responder as questões com suas próprias palavras. Dentre essas atividades, algumas procuram estimular um processo de leitura crítica do texto, tentando mostrar que a propaganda exagera na valorização das qualidades do produto e que faz isso com o objetivo de persuadir o consumidor, como pode ser observado em: 2) Na sua opinião há exagero na afirmação "Quem se gosta, gosta de Milleto" ? Por quê? (PARANÁ, 2004, p.33) 3) Observe a frase: "Milleto ajuda você a preparar pratos deliciosos, com sabor e qualidade para uma alimentação leve e saudável". a) É possível conseguir tudo isso se você não usar os produtos anunciados? Explique. b) O que é necessário para que uma alimentação seja leve e saudável? (PARANÁ, 2004, p.33-34) ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR Há outras, no entanto, que pouco contribuem para a leitura do texto, como é o caso desta: 3) Reescreva as frases, substituindo as expressões sublinhadas por outras do texto que tenham significados semelhantes. a) Minha mãe prepara pratos saborosos. b) À noite é aconselhável consumir alimentos fáceis de digerir. c) Os alimentos naturais têm mais gosto e qualidade. (PARANÁ, 2004, p. 31-32) As três alternativas do exercício apresentam sentenças cujo conteúdo tem relação com o que é contemplado na propaganda, isto é, o consumo de alimentos saborosos e saudáveis. Entretanto, o comando solicita apenas que o aluno substitua as palavras e expressões sublinhadas por outras do texto que tenham significados semelhantes, e essas expressões destacadas são justamente as que constituem o vocabulário, ou seja, a resposta está dada na página anterior à pergunta. Em momento algum a imagem que faz parte da propaganda é mencionada nas questões, o que pode ser justificado se considerarmos que ela pouco influencia na leitura do texto, tendo em vista que, além de estar em preto e branco, o que já elimina a possibilidade de trabalho com um aspecto tão importante desse gênero, ilustra apenas a embalagem dos produtos, e não algum alimento preparado com eles, que teria mais facilidade em despertar o apetite e o interesse do consumidor em adquiri-los. O material também não discute a ausência de verbos no modo imperativo que, segundo a teoria apresentada, são comuns nesse gênero textual, nem explora o duplo sentido da frase Milleto é como um bom marido: ajuda com os pratos, ambiguidade que exerce um importante papel na construção da propaganda, pois compara o marido, que nem sempre é prestativo, e o próprio ato de cozinhar, ambos comuns na vida das donas-de-casa. As atividades de leitura, portanto, apesar de tentarem mostrar ao aluno que ele não deve acreditar em tudo o que a propaganda diz, não exploram todos os recursos usados em sua construção e que funcionam como estratégia para persuadir o consumidor. Diante disso, percebemos que o material não incentiva efetivamente uma prática de leitura crítica e articulada, o que revela um distanciamento das determinações dos documentos oficiais no que diz respeito a esse eixo do ensino de língua materna. ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR Concluídos os exercícios de leitura sobre o texto publicitário em questão, o material aborda o gênero entrevista que, no momento, não constitui o foco de nosso trabalho e, no fim da unidade, apresenta duas propostas de produção textual para que o aluno escolha a que deseja desenvolver. Na primeira, é dada esta orientação: Invente uma propaganda para o CEEBJA. Procure ser original e criativo. Pense no público a ser atingido. Ressalte as vantagens de se estudar nessa escola. Construa frases bem chamativas. (PARANÁ, 2004, p.41) Além de uma redação problemática, construída com frases extremamente curtas, a proposta não atende às condições básicas de produção mencionadas por Geraldi (2003), embora o conteúdo abordado nela, sem dúvida, faça parte do cotidiano dos alunos, e eles tenham o que dizer: inventar uma propaganda para a escola. No material, porém, não é previsto nenhum momento em que sejam discutidas as vantagens de se estudar nesse colégio, ou que se converse sobre o curso, os professores, enfim, tudo aquilo que possa ajudar os alunos a terem um ponto de partida para o processo de escrita, isto é, não há planejamento da produção de texto. A segunda condição proposta por Geraldi (2003), que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer, não está clara. A partir do conhecimento que temos sobre a função do gênero proposto, sabemos que o objetivo é divulgar a oferta de vagas na escola para atrair alunos, mas o trabalho de escrita em si, não tem uma finalidade real. Da mesma maneira, percebemos que não há, efetivamente, para quem dizer, pois apesar de o comando pedir que o aluno atente para o público a ser atingido, não há menção à possibilidade de essa propaganda ultrapassar os limites da sala de aula. Nesse sentido, o aluno não se constitui como locutor, autor de seu discurso, nem tem disponibilizadas estratégias das quais possa lançar mão para escrever um bom texto, últimas condições básicas de produção postuladas por Geraldi (2003). Logo, da maneira como foi apresentada, a atividade de escrita proposta pelo material didático da EJA do Paraná reproduz a tradição diagnosticada por Antunes (2003): uma escrita artificial, sem planejamento, nem revisão. Vale ressaltar, porém, que, embora a proposta do material apresente falhas, um professor bem preparado pode preencher as lacunas deixadas por ela e realizar um trabalho significativo com os alunos. ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR Depois da proposta de produção de texto, o material apresenta algumas considerações sobre o gênero anúncio classificado e, em seguida, a seção Analisando a estrutura da língua, destinada ao estudo dos tópicos gramaticais. Nesse momento, são destacados três anúncios classificados e afirma-se: Pelos exemplos, você pôde perceber que o verbo apresenta-se conjugado na 3ª pessoa do singular ou do plural, de acordo com o sujeito. É comum encontrarmos nesse tipo de anúncio alguns "erros" de concordância, isto é, verbos empregados de forma que, sob o ponto de vista da norma padrão, não são aceitos. Ex.: Compra-se casas, quando deveria ser Compram-se casas. (PARANÁ, 2004, p.48). O comentário que acompanha os exemplos de anúncios classificados menciona uma situação comum nesse gênero: a ausência de concordância entre o sujeito e o verbo que, de acordo com a norma padrão, é considerada um erro. De fato, a variedade linguística mais prestigiada socialmente assim avalia esse fenômeno linguístico, e o material, ao aspear a palavra erro permite-nos compreender que há a consciência de que a falha observada não é válida para todas as variedades, o que pode ser visto como uma postura significativa, haja vista que essa perspectiva de ensino foge à gramática puramente normativa. Na sequência, são apresentadas algumas atividades que já não se referem ao gênero propaganda, mas ao anúncio classificado, que, embora pertença à mesma esfera de circulação, possui características e usos particulares. O primeiro exercício disponibilizado pelo material apresenta oito anúncios classificados de compra, venda ou troca de produtos e serviços. Em seguida, pergunta-se: a) Em quais anúncios os verbos não concordam com os sujeitos? b) Como eles deveriam estar escritos de acordo com a linguagem formal (padrão)? (PARANÁ, 2004, p.49) A atividade proposta fundamenta-se no fenômeno linguístico comentado anteriormente, isto é, a ausência de concordância entre sujeito e verbo. Apesar de não classificar essa situação como erro de gramática, o material acaba usando o anúncio como pretexto para ensinar norma padrão, pois se solicita apenas a identificação do problema e sua consequente correção que, de uma forma ou de outra, acaba valorizando essa variedade linguística. ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR O segundo exercício, da mesma maneira, presta-se unicamente ao ensino da gramática e à fixação da regra que prevê a concordância entre sujeito e verbo. Ele apresentada frases descontextualizadas, com conteúdo característico de anúncios classificados, e solicita que o aluno as reescreva, transpondo-as do singular para o plural, uma proposta de trabalho mecânica que exemplifica o diagnóstico feito por Antunes (2003) sobre o ensino improdutivo de gramática na escola. A opção por mostrar, nessa unidade, diferentes gêneros pertencentes à esfera publicitária, sem dúvida, é muito produtiva. No entanto, ao longo do trabalho, a alteração do gênero objeto de estudo trouxe consigo uma abordagem puramente gramatical do texto, favorecida, inclusive, pela brevidade característica dos anúncios classificados. Ao trabalhar a propaganda dos produtos Milleto, um texto maior e com mais possibilidades de análise do funcionamento dos elementos gramaticais, tendo em vista os objetivos que ele pretende atingir, o material também não apresenta atividades que propiciem uma reflexão sobre o funcionamento da linguagem nesse gênero, mas exercícios que pouco contribuem para a compreensão do texto. Logo, sua proposta distancia-se de reais práticas de análise linguística e do que preveem os documentos oficiais que regulamentam o ensino no país, fato que, como vimos, evidencia-se também nas questões de leitura e escrita presentes no material. 5 - Considerações finais Adotar o texto como unidade e os gêneros como objeto de ensino não significa simplesmente substituir o estudo das tipologias por textos considerados socialmente relevantes, nem deixar de ensinar gramática, mas desenvolver, a partir desses gêneros, atividades de leitura, escrita e análise linguística que, ultrapassando os limites da frase como unidade de análise, possibilitem a ampliação da competência comunicativa do aluno. No decorrer deste trabalho, percebemos que o material didático adotado pelos cursos de EJA do Paraná não explora de maneira adequada as peculiaridades do texto publicitário que, inclusive, poderia ser estudado a partir de um exemplo mais apropriado, que chamasse mais a atenção dos alunos. ISSN 2178-8200 II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR As atividades de leitura, apesar de, mesmo de forma tênue, tentarem incentivar uma interpretação crítica da propaganda, não estabelecem relação entre a linguagem verbal e não-verbal que a constituem, nem exploram os efeitos de sentido da ambiguidade que aparece em um dos enunciados que fazem parte do texto em questão. A proposta de produção de texto, por sua vez, é artificial e momentânea, sem planejamento ou revisão. Os exercícios de gramática, por fim, não são contemplados na abordagem do texto publicitário, eles aparecem na sequência da unidade, que faz breves comentários sobre o gênero anúncio classificado, adotado apenas como pretexto para o ensino de concordância verbal, sem a preocupação de levar o aluno a refletir sobre o funcionamento dos elementos gramaticais na organização do texto. Diante dessas constatações, percebemos que a abordagem do gênero publicitário apresentada pelo material didático adotado pelos cursos de EJA do Paraná não atende às determinações dos documentos oficiais que regulamentam o ensino de língua materna, pois apesar de o gênero ser contemplado em sua proposta de trabalho, as atividades desenvolvidas continuam artificiais e descontextualizadas, tomando elementos pontuais do texto como unidade de análise, e não o gênero publicitário como um todo, enquanto verdadeiro objeto de ensino. Referências bibliográficas ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola editorial, 2003. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. 3º e 4º ciclos. Brasília, 1998 . BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. 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