EDUCAÇÃO FILOSÓFICA E HABILIDADES DE PENSAMENTO: LEVANTAMENTO DAS HABILIDADES DE PENSAMENTO NO DIÁLOGO MENON DE PLATÃO Brunessa Paiva Kemmer (Bolsa CNPq) Darcísio Natal Muraro, e-mail: [email protected] Área e sub-área do conhecimento: Educação / Filosofia da Educação Palavras chave: Educação filosófica. Lipman. Habilidades de pensamento. Resumo O presente trabalho tem como intuito responder à pergunta: quais são as habilidades de pensamento pressupostas na educação filosófica de Matthew Lipman e como elas são utilizadas no diálogo de Platão? A problemática busca compreender a especificidade da teoria de Lipman no que se refere às habilidades de pensamento na discussão filosófica, caracterizando-se como parte imprescindível do processo de reflexão. Esta é a base para este autor propor uma educação filosófica desde os primeiros níveis de escolaridade na educação atual, contribuindo também para o entendimento de como o diálogo pode se fazer tão importante em sala de aula. Partindo desse princípio a metodologia da pesquisa será com enfoque bibliográfico nas obras dos dois autores acima citados. O estudo busca levantar as habilidades de pensamento expressas por Matthew Lipman para posteriormente identificá-las no livro Mênon de Platão, importante diálogo deste filósofo. Busca-se apontar uma base filosófica em que as habilidades de pensamento podem contribuir com a educação atual. Introdução e objetivos Ao iniciar a pesquisa devemos compreender primeiramente que Matthew Lipman, ao longo de seu trabalho na academia, teve talvez a maior iniciativa no campo filosófico e educacional de todos os tempos, quando, em 1970, desenvolveu uma concepção de Educação Filosófica por meio do Programa Filosofia para Crianças, que tem como máxima investigar conceitos e problemas utilizando-se das habilidades de pensamento. Partindo dessa premissa, buscou-se levantar e analisar as habilidades de pensamento pressupostas na concepção de educação filosófica de Matthew Lipman, para que depois pudéssemos identificar e analisar as habilidades de pensamento no diálogo intitulado Mênon, de um dos filósofos renomados do período clássico da filosofia grega, Platão. Por fim buscou-se discutir a importância das habilidades de pensamento na condução do diálogo na busca pelo conhecimento. 1 Procedimentos metodológicos A metodologia utilizada se fundamentou em revisão bibliográfica nas obras: A Filosofia vai à escola e O Pensar na Educação de Matthew Lipman e Mênon de Platão. Resultados e discussão Na perspectiva de Lipman nota-se que o objetivo educacional de um modo geral, pode ser assim colocado: "[...] Se a educação tem como objetivo a produção de crianças racionais, elas devem ser capazes de pensar na matéria e sobre a matéria de ensino" (1990, p. 23). Deste modo a educação não deve somente se pautar na transmissão do conhecimento de determinada disciplina, deve sim deixar a curiosidade transparecer, questionamentos fluírem. Esses questionamentos possibilitados pelo freqüente uso do diálogo em sala de aula convertem-se em peça fundamental que deve permanecer de forma natural entre alunos, entre professores e seus respectivos alunos, até mesmo entre os professores da instituição educativa. Neste sentido, há questionamentos muito importantes para professores: Porque nos dias de hoje não se tem uma educação voltada para a criticidade? O que se deve fazer para que as escolas alcancem esse objetivo em sua prática pedagógica? Para que essa práxis se concretize devemos esclarecer que, para Lipman [...] o pensamento está se tornando o verdadeiro fundamento do processo educacional e que a educação construída sobre qualquer outra fundação (tal como o tipo de educação que temos atualmente) será superficial e estéril. Uma vez que as habilidades necessárias para o pensar nas outras disciplinas têm de ser aperfeiçoados anteriormente, vemos porque a filosofia precisa deixar de ser um assunto de universidade e tornar-se uma matéria da escola primária uma disciplina cuja tarefa é preparar os estudantes a pensar nas outras disciplinas. (LIPMAN, 1990, p. 52) Partindo dessa premissa, compreendemos o quanto a Filosofia é necessária, pois sabemos que vem contribuir para o pensar bem – crítico, criativo e cuidadoso – e para que, enfim, se possa garantir aos alunos um ensino com qualidade, levando em conta o que o próprio Lipman assevera, que “[...] a filosofia fornece um modelo formidável para o processo educacional como um todo. ” (1990, p. 53) Assim sendo, Filosofia para Crianças tem como preocupação impulsionar o desenvolvimento de habilidades de pensamento. Lipman sistematizou as habilidades de pensamento em quatro grupos de megahabilidades: habilidades de raciocínio: comparar, identificar semelhanças e 2 diferenças, usar critérios, detectar pressupostos, ambigüidades, contradições e falácias, fazer inferências indutivas e dedutivas, generalizar ou universalizar; habilidades de investigação: observar, problematizar, formar e confrontar hipóteses, criar e explorar alternativas, antecipar e explorar conseqüências, verificar, sintetizar, concluir; habilidades de formação de conceitos: relações de parte-todo / meio-fim / causa-conseqüências, fazer distinções e conexões, precisar semelhanças, definir, agrupar, separar, graduar, seqüenciar, exemplificar e contra-exemplificar, classificar, explicar, generalizar; habilidades de interpretação ou tradução: parafrasear, substituir, narrar, descrever, interpretar criticamente, perceber implicações, detectar suposições e pressuposições, inferir, identificar fundamentos, princípios, teorias. Levando em conta as habilidades acima expressas, buscou - se analisar no diálogo Mênon como isso pode vir a ser desenvolvido através do diálogo. Durante o diálogo entre Sócrates e Mênon nessa obra especificamente, é notável que ambos os personagens paulatinamente desenvolvem as habilidades de pensamento explicitadas por Lipman. A primeira habilidade expressa logo no início é a definição do conceito de virtude de diversas formas, indicada na marcação 71e – 72ª, habilidade exigida durante todo diálogo. É interessante ressaltar que o personagem também se utiliza de outra competência, o classificar, visto que classifica a virtude diante de diferentes ações e idades conforme ele mesmo ressalta em sua fala. Diante de sua resposta o diálogo segue, com a competência de formular questões, vindo à tona logo em seguida, com a fala de Sócrates, na marcação, 72d - 72e. Após esses questionamentos, o diálogo vai acontecendo com Mênon tentando apreender e compreender o que Sócrates está a ele dizendo, que encontre "[...] uma virtude <que é> única em todas elas [...]" (PLATÃO, 2001, 74b, p. 29). Em seguida leva Sócrates a fazer uso da competência comparação, por meio da figura, ou até mesmo por meio da cor, diante da qual e novamente ele insiste em explicar utilizando da habilidade de formular questões para que Mênon possa pensar e refletir. O que de certa forma deveria instigá-lo para que Mênon encontrasse uma resposta, mas não é assim que o diálogo vai acontecendo, tanto é que Sócrates então utiliza-se da competência de definir novamente para exemplificar o caminho que Mênon deverá percorrer: “Vamos lá. Tentemos dizer-te o que é a figura. Examina então se aceitas que ela é o seguinte: seja pois a figura, para nós, o único entre os seres que acontece sempre acompanha a cor. [...]” (PLATÃO, 2001, 75c, p. 33). Em seguida, conforme o diálogo permanece em definir a figura, Sócrates utiliza-se da competência de tirar inferências válidas como podemos perceber em sua fala "[...] Pois para toda figura afirmo o seguinte: onde o sólido termina, isso é uma figura. Aquilo que, precisamente, resumindo, diria: a figura é o limite do sólido." (PLATÃO, 2001, 76a, p. 35). 3 Após a inferência, na página seguinte, novamente Sócrates faz uso da mesma competência, como veremos a seguir "A cor é pois uma emanação de figuras de dimensão proporcionada à visão e <assim> perceptível." (PLATÃO, 2001, 76d, p. 37). E assim a obra segue considerando outras habilidades de pensamento. Conclusão Ao fazer o trabalho aqui apresentado, podemos concluir que apesar de Platão ter vivido muito tempo antes de Lipman, em seu diálogo observa-se as habilidades de pensamento presentes a todo instante, essas que por sua vez são pertinentes ao buscar formar novos conceitos enquanto a diálogo ali é conduzido. É interessante ressaltar que na analise da obra nota-se que o personagem Sócrates vive a função de ser o professor naquele momento, e Mênon seu aluno, que em constante diálogo buscam um novo conhecimento juntos, sendo que Sócrates apenas é o mediador do aprendizado pelo perguntar que exige habilidade de pensamento, fugindo assim de uma prática tradicional, em que o professor é o detentor de todo o saber, evitando um sistema rígido, engessado. O que podemos inferir e novamente destacar que é através do diálogo em sala de aula que professores e alunos, e alunos com seus pares, podem buscar transformar a educação e o ensino – aprendizagem para que, assim, realmente possam sair de sua zona de conforto da memorização para o do pensamento ativo, habilidoso, reflexivo. Deste modo, primeiramente a tarefa caberia aos professores que incentivariam os seus alunos através do uso da Filosofia em sala de aula, com base, por exemplo, nas habilidades de pensamento expressas por Lipman e que geralmente são pouco ou nada utilizadas nas instituições educativas. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – pela bolsa de estudos subsídio valioso para elaboração desta pesquisa. Referências LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. Trad. de Maria Elice de Brzezinski Prestes e Lucia Maria Silva Kremer. 3. ed. São Paulo: Summus, 1990. 254 p. _______________. O Pensar na Educação. Trad. de Ann Mary Figuiera Perpétuo. Petrópolis: Vozes, 1995. 391 p. PLATÃO. Mênon. Texto estabelecido e anotado por John Burnet. Trad. de Maura Iglésias. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, Loyola, 2001. 117 p. 4