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A hermenêutica simbólica como possibilidade epistemológica para ... ... Entre os
pesquisadores da hermenêutica simbólica, encontra-se Mircea Eliade, cientista da religião, que analisa
as diferenças entre o espaço sagrado eo ...
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A hermenêutica simbólica como possibilidade
epistemológica
para o estudo do espaço teatral
Ismael Scheffler
RESUMO:
A hermenêutica simbólica, estudada a partir do Círculo de Eranos, traz à discussão
uma abordagem teórica que se contrapõe ao domínio da racionalidade científica (logos)
nas análises dos fenômenos culturais, ao mesmo tempo em que pretende
complementar as formas de compreensão do mundo, reconectando-as com as
questões subjetivas (simbólicas e míticas). O estudo sobre o espaço teatral pode
encontrar importante campo de exploração sob o fundamento eraniano.
PALAVRAS CHAVES:
1. hermenêutica simbólica
2. teatro sagrado
3. espaço teatral
__________________________________________________
Ao longo do século XX, o espetáculo teatral começou a ser teorizado e estudado,
sendo cada vez mais compreendido como um objeto distinto do texto dramático. Essa
compreensão da encenação como um campo de pesquisa se dá a partir da
contribuição da semiótica; ela reconhece que o signo básico do teatro não é a palavra,
e que o teatro deve ser entendido como polissêmico, não havendo no ato teatral uma
unidade sígnica estática única.
Relativamente paralelo a este processo, alguns teatristas desenvolveram suas
experiências e estudos buscando um teatro que tivesse como proposta "a integração
do público e a ação, a resistência à linguagem como meio primário de comunicação, a
busca de estados de transe ativos e o 'rechaço à estrutura e lógica sintáticas
burguesas'" (INNES). O chamado teatro sagrado despertou novas discussões no meio.
Lançou não apenas propostas estéticas ou políticas, mas se debruçou sobre uma
natureza mais simbólica e mítica.
Enquanto Antonin Artaud desenvolvia seus escritos em meados da década de 30, um
grupo de pesquisadores se articulava em Ascona, Suíça, assumindo uma composição
interdisciplinar de caráter filosófico-científico: o Círculo de Eranos.
Este grupo foi composto por várias gerações de estudiosos de diversas áreas:
antropólogos, psicólogos, fenomenólogos, mitólogos, orientalistas, entre outros,
provindos de diversos países, especialmente europeus. Realizando conferências
anuais, reuniu-se de 1933 a 1988, tendo publicado 57 volumes sobre seus encontros:
os Anuários ou Jahrbücher.
Na origem de Eranos, encontra-se três personalidades que conferiram igualmente uma
tridimensionalidade cultural aos estudos da hermenêutica simbólica, que nos ajuda a
compreender os fundamentos teóricos das pesquisas:
- a fundadora, Olga Fröbe-Kapteyn, a "grande mãe" que instigada por estudos místicos
orientais pretendia estabelecer um diálogo entre a cultura ocidental e a cultura oriental.
- Rudolf Otto, considerado o padrinho do grupo, nunca participou das conferências mas
influenciou, não apenas batizando como Eranos (palavra grega que significa "comida
em comum"), como também emprestando seu método hermenêutico-compreensivo,
que baseia-se na interpretação empática da essência vivida. Como fenomenologista da
religião dá importante contribuição na elaboração do Círculo.
- Carl G. Jung, considerado o inspirador do grupo, contrapõe seus estudos da
psicologia arquetipal à fenomenologia de R. Otto, trazendo assim a hermenêutica das
profundidades.
Eranos buscava uma aproximação "cultural" do oriente, considerando-o como "um
outro complementar". Compreendendo que a razão não possibilita uma compreensão
integral do ser humano, Eranos se propõe a compensar a unilateralidade da razão,
confrontando-a com a questão simbólica, na tentativa de confluir o mito e a razão, para
chegar a uma visão intermediária e complementar.
Cada pesquisador trabalhava a partir de sua perspectiva específica sobre questões
comuns previamente propostas, seguindo todos por correntes paralelas de
investigação. A questão do sentido ocupa lugar central em Eranos: o sentido da vida e
da existência, a morte, a pergunta pelo divino, a razão em suas capacidades e limites.
Para os pesquisadores eranistas, o significado simbólico surge somente a partir da
experiência vivida, na relação direta, sentida, na epifania, na revelação.
Embora não tenha sido um membro do Círculo, Ernest Cassirer - filósofo neo-kantiano
assumido - também estará em sintonia com o grupo reconhecendo no ser humano a
capacidade de simbolização e sua natureza inerente ao homem, definindo-o não como
o "animal racional" de Aristóteles, mas como o "animal simbólico".
Conforme Gilbert Durand, o símbolo se dá através de uma imagem concreta que evoca
e sugere um significado impossível de se compreender diretamente. É através do
símbolo que se dá a epifania, a transcedência, através de uma projeção do subjetivo
sobre o objetivo, não sendo de forma alguma racional; ocorre na intimidade da alma,
não se reduzindo a comunicação ou transmissão de um saber pré-estabelecido.
G. Durand também destaca que o símbolo excede em significação, possuindo
pluridimensões, não expressando nunca sua totalidade. O símbolo, ambíguo e obscuro,
pode evocar qualquer qualidade. E, sendo dotado de um poder de ressonância, só
pode ser apreendido na experiência vivida.
O símbolo, que não pode ser compreendido totalmente, é apresentado como anterior à
linguagem. Durand destaca que a apreensão da realidade é marcada por interpretação
ou simbolização da vivência; daí afirmar-se que a simbolização é anterior ao
pensamento racionalizado, objetivo. A imagem simbólica se forma antes de qualquer
conceito ou conhecimento objetivo, já que este é elaborado depois da experiência.
Assim, afirma Durand, encontramos a capacidade imaginativa não como uma
capacidade inferior à razão e à linguagem elaborada, mas na origem destas, anterior a
elas.
Se por um lado o símbolo se dá através de uma imagem, é no mito que este se
organiza em uma dimensão dinâmica em forma de relato, formando uma linguagem
mítica. O mito é assim um esboço da racionalização, pois, utilizando o discurso,
transforma símbolos em palavras. No entanto, o mito não pode ser traduzido ou
explicado, pois com isto se realiza a redução dele. O mito pode ser compreendido
através das redundâncias, das repetições dos mitemas (unidades mínimas do mito),
tanto em sua estrutura interna própria, quanto na correlação de mitemas presentes em
outros mitos. Para a análise de mitos, G. Durand elabora a sua mitocrítica e a
mitoanálise.
K. Hübner, trabalhando sobre a relação mito e logos, define o papel do sujeito. Ele
aponta que na experiência mítica, a relação é viva e direta, havendo uma
interpenetração mútua entre sujeito e objeto. Na relação mítica não há distinção entre o
mundo objetivo e o numinoso (termo que R. Otto utiliza para definir a consciência do
sagrado, inspirador de admiração e temor). A ontologia é fusional ou vinculativa. Esta
experiência pode se dar tanto em ações físicas quanto em ações interiores, fisicamente
menos dinâmicas.
Na ciência, no logos, há a separação entre sujeito e objeto. O objeto é visto somente
como material, dando-se as relações dentro de um tempo e um espaço específicos. A
ontologia aqui é separadora ou distingüidora, baseada na razão.
É dentro dos ritos que os mitos são revividos, reencontrados, celebrados, realizados.
Todo rito, como o símbolo, se dá em um espaço e um tempo que são eminentementes
relação. O rito reunifica tempo e espaço provocando uma sincronicidade, uma
simultaneidade com o acontecimento original, o eterno retorno.
Entre os pesquisadores da hermenêutica simbólica, encontra-se Mircea Eliade,
cientista da religião, que analisa as diferenças entre o espaço sagrado e o espaço
profano. Ele aponta estas duas modalidades, sagrado e profano, como diferentes
situações existenciais, diferentes maneiras de ser no Mundo. O espaço sagrado não é
homogêneo, ele é dotado de um valor qualitativamente diferente, forte, significativo. O
espaço profano é o espaço geométrico, matematicamente homogêneo. Eliade destaca
que a hierofania, como chama a revelação do sagrado, evidencia valores e define
pontos de referência de uma realidade absoluta, fundando um novo mundo.
Gilbert Durand, que estuda a questão simbólica também na arte, afirma que na criação
de uma obra literária existe a instalação de um universo exemplar, que possui suas leis
e organização, dotado de uma carga mítica. Mais que uma simples visão de mundo, a
arte articula valores mitológicos. Todo objeto artístico se propõe em sua elaboração a
romper com o tempo cronológico e a homogeneidade espacial.
Todo espetáculo teatral é sempre fundação de um universo exemplar, com tempo e
espaço distinguíveis do cotidiano. Entre os espetáculos cênicos podemos, contudo,
reconhecer diferentes intensidades simbólicas, percebendo em alguns uma capacidade
de proporcionar experiências mais hierofânicas, com a vivência de realidades mais
arrebatadoras, remetentes à origem ontológica do mundo.
No livro O teatro e seu duplo, Artaud discute a separação que a sociedade faz do
mundo espiritual do mundo físico. Propõe um teatro que reunifique o homem, que
recupere as raízes humanas do sagrado. Ele critica a racionalidade e acredita que o
teatro pode levar o homem a reencontrar-se integralmente. Em seus escritos, critica o
domínio prevalecente da palavra no teatro e sugere a utilização de gritos, lamentações,
vozes encantatórias, ritmo físico acompanhado de pulsações crescentes e
decrescentes, para que se atinjam outros níveis da percepção. Propõe que todo teatro
seja vida, experiência, revelação, onde haja uma interpenetração entre o espectador e
a cena, de forma que esta o tome como a peste. Nas palavras dele: "uma verdadeira
peça de teatro perturba o repouso dos sentidos, libera o inconsciente comprimido, leva
a uma espécie de revolta virtual e que, aliás, só poderá assumir todo seu valor se
permanecer virtual, impõe às coletividades reunidas uma atitude heróica e difícil"
(ARTAUD, p. 24).
O espaço para Artaud é uma exigência do teatro não apenas por que reúne todas as
linguagens, mas por que é nele que se dá o encontro entre os homens. Por este
motivo, propõe, ao invés de uma sala de espetáculos que separe atores e platéia, que
se utilize um lugar único, sem barreiras ou divisões, que aproxime o espectador à cena.
Artaud se interessa pelos "subterrâneos" do espaço, mais do que pelas dimensões
físicas. Para este autor, o teatro é o local da manifestação da cultura, força motriz e
integradora que leva a uma experiência única e simbólica; local da revelação de algo
maior, de forças externas semelhantes "às forças da velha magia", que atinjam o
inconsciente; "quer fazer florescer o espaço e fazê-lo falar" (FELÍCIO, p. 120).
O lugar cênico para Artaud deveria ser todo ocupado, cercando a platéia para que não
houvesse "intervalo nem lugar vazio no espírito ou na sensibilidade do espectador"
(ARTAUD, p. 125). Esta interpenetração entre sujeito e objeto tem propostas ao
estabelecimento de uma relação mais íntima, não racionalizada, fundindo espectador e
cena, de forma com que os limites entre vida e cena tendam a desaparecer.
As propostas artodianas vão muito além de uma estética que se proponha a copiar ou
recriar a partir de rituais celebrativos de qualquer tradição ou de mitos arcaicos. Ele
quer propor, não uma aparência (ao que se posiciona veementemente contra), mas
sim, a reinstituição do rito em nossa cultura ocidental, de forma efetiva, para que a vida
possa ser renovada.
Parece-me importante que se reconheça as possibilidades que a hermenêutica
simbólica pode trazer para a compreensão do teatro, aspectos que bases teóricas mais
estruturalistas calcadas na razão não abarcam. Propostas teatrais que não tem uma
preocupação com a linguagem e a comunicação objetivas de uma mensagem, nem
com a delineação de uma estética definida, necessitam ser consideradas em
associação com áreas de estudos com as quais possuam afinidades.
Ao compararmos os conceitos trabalhados pela hermenêutica simbólica e os termos
utilizados pelas formas de teatro sagrado, perceberemos que esta associação pode ser
a chave para uma compreensão mais profunda destas propostas teatrais que muito
influenciaram e influenciam a forma de se fazer e pensar teatro em nossos dias.
Bibliografia
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CORBIN, Henry. El tiempo de Eranos. Anthropos Revista Científica, nº 153, Barcelona,
1994.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
FELÍCIO, Vera Lúcia. A procura da lucidez em Artaud. São Paulo, Perspectiva: 1996.
GARAGALZA, Luis. La interpretación de los símbolos: hermenéutica y lenguaje en la
filosofía actual. Barcelona: Anthropos, 1990.
------------ . Filosofia e historia en la Escuela de Eranos. Anthropos Revista Científica, nº
153, Barcelona, 1994.
INNES, Christopher. El teatro sagrado: el ritual y la vanguardia. México: Fonde de
Cultura Económica, 1992.
ORTIZ-OSÉS, Andrés. El círculo Eranos: origem y sentido. Anthropos Revista
Científica, nº 153, Barcelona, 1994.
PALACIOS, Felipe Reyes. Artaud y Grotowski - ¿el teatro dionisiaco de nuestro
tiempo? México: Escenologia, 1991.
VARGAS, Antonio. O conceito de símbolo no estudo da hierofania estética. Revista online Periscope Magazine, ano 1, Nº 1, Abril 2001. ISSN1519-6100 - endereço eletrônico
http://www.casthalia.com.br/casthaliamagazine/casthaliamagazine.htm
------------. Antropologia simbólica: hermenêutica do mito do artista nas artes plásticas.
In BULHÕES, Mª. A. & KERN, Mª. L. (org). As questões do sagrado na arte
contemporânea da América Latina. Porto alegre: UFRGS, 1997.
VERJAT, Alain (org). El retorno de Hermes: hermenéutica y ciencias humanas.
Barcelona: Anthropos, 1989.
A hermenêutica
... humanas e da filosofia. A hermenêutica como técnica de leitura. ... teria
encoberto. Hermenêutica e ciências humanas. – No início ...
www.terravista.pt/ancora/2254/hermneut.htm - 14k
A HERMENÊUTICA
J.-M. BESSE e A. BOISSIÈRE, Précis de philosophie. Paris: Nathan, 1998, p. 52-53
A hermenêutica é a arte de compreender, de interpretar, de traduzir de maneira clara signos
inicialmente obscuros. A primeira função da hermenêutica foi entregar aos profanos o sentido de
um oráculo. A hermenêutica progressivamente penetrou no domínio das ciências humanas e da
filosofia.
A hermenêutica como técnica de leitura
A hermenêutica é, originariamente, uma disciplina filológica, isto é, uma técnica de leitura, orientada para
a compreensão das obras da Antiguidade clássica (Homero) e dos textos religiosos (a Bíblia). As
operações filológicas de interpretação desenvolvem-se em função de regras rigorosamente
determinadas: explicações lexicais e gramaticais, rectificação crítica dos erros dos copistas, etc., e ainda
interpretação alegórica e moral destinada a colocar em destaque o carácter de exemplaridade do texto.
O horizonte desta técnica é o da restituição de um texto ou de uma palavra, mais fundamentalmente de
um sentido, considerado como perdido ou obscurecido. Numa tal perspectiva, o sentido é menos para
construir do que para reencontrar, como uma verdade que o tempo teria encoberto.
Hermenêutica e ciências humanas
– No início do século XIX, com o teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), assiste-se a
uma generalização do uso da hermenêutica. Esta, embora conservando os seus laços privilegiados com
os estudos bíblicos e clássicos, visa a partir de agora todo o campo da expressão humana. A atenção
está cada vez mais orientada não apenas para o texto mas para o seu autor. Ler um texto, é dialogar
com um autor e esforçar-se por reencontrar a sua intenção, é procurar compreender um espírito por
intermédio da decifração das obras nas quais ele se exprimiu.
– É, entretanto, com a obra do filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911) que a hermenêutica assume
o estatuto de um método de conhecimento especialmente apto para dar conta do facto humano,
irredutível em si mesmo aos fenómenos naturais. O texto a interpretar é a própria realidade humana no
seu desenvolvimento histórico. Aplicado ao estudo da acção histórica, o acto hermenêutico deve permitir
restituir por assim dizer “do interior” a intenção que guiou o agente no momento em que ele tomava tal
decisão, e permitir assim alcançar a significação desta acção. Dilthey introduz com efeito um postulado:
“A riqueza da nossa experiência permite-nos imaginar, por uma espécie de transposição, uma
experiência análoga exterior a nós e compreendê-la...”. Se nos é possível compreender o outro, é porque
temos a possibilidade de imaginar a sua vida interior a partir da nossa, por uma transposição analógica.
A hermenêutica como situação humana
O filósofo alemão Hans Georg Gadamer (nascido em 1900) mostra, em Verdade e Método (1ª ed.,
1960), que a interpretação, antes de ser um método, é a expressão de uma situação do homem: o
intérprete que aborda uma obra está já situado no horizonte aberto pela obra (é o “círculo
hermenêutico”). A interpretação é antes de mais a elucidação da relação que o intérprete estabelece
com a tradição de que provém.
DA EXEGÉSE À EXISTÊNCIA
O sentido da hermenêutica cristã
A hermenêutica cristã atribui-se a tarefa de restituir o sentido oculto da Bíblia. É assim que, a partir da
Idade Média, se constitui a distinção de quatro níveis de significação, cuja exegese deve permitir aos
fiéis aceder a uma verdadeira compreensão da mensagem divina:
– o sentido literal, ou sentido histórico, que circunscreve a significação primeira das palavras e
estabelece os dados factuais;
– o sentido alegórico, onde se restitui o conteúdo espiritual escondido sob a letra, onde se revela que os
textos sagrados dizem uma coisa diferente da que dizem à primeira vista;
– o sentido tropológico, ou moral, impõe-se a partir do momento em que a Bíblia é escolhida como livro
de vida, quer dizer, orientado para a conversão do coração;
– o sentido anagógico, ou místico, que reenvia para o movimento da alma em direcção à transcendência,
para o além, e a inscreve no horizonte da salvação, que constitui as raízes da doutrina cristã.
Entretanto, este percurso dos diferentes planos de significação não é uma simples técnica de leitura.
Deve ser ainda entendido como o aprofundamento de um exercício de meditação no seio do qual o leitor,
que é também um fiel, acede progressivamente à compreensão da palavra divina.
Heidegger: uma hermenêutica da existência
Heidegger opera duas rupturas em relação à concepção de hermenêutica desenvolvida por Dilthey:
1. A hermenêutica não é já entendida no quadro de uma teoria do conhecimento. Ela não é
simplesmente um problema de metodologia das ciências humanas. Não se trata já, como em Dilthey, de
opor o acto de compreensão própria das ciências humanas ao movimento da explicação característica
das ciências da natureza. A compreensão não é mais entendida, com Heidegger, como o acto cognitivo
de um sujeito descomprometido com o mundo, mas antes como uma dimensão essencial da existência.
Compreender é um modo de estar antes de ser um método científico.
2. Correlativamente, a questão da compreensão já não está, em Heidegger, ligada ao problema do
reencontro do outro. Com Heidegger, a interrogação hermenêutica considera menos as minhas relações
com o outro do que a relação que eu estabeleço com a minha situação no mundo. O horizonte da
compreensão é a captação e a elucidação de uma dimensão primordial, que precede a distinção
sujeito/objecto: a do ser-no-mundo do homem. A hermenêutica, como dimensão da existência, está
antes de mais orientada para o “mundo do eu” [no original: “monde du soi”].

HERMENÊUTICA
Ciência/reflexão sobre o sentido; arte de interpretar: as ciências hermenêuticas, além de
estabelecerem os factos, visam também interpretar o sentido das intenções ou das acções.
Segundo Ricoeur, todas as filosofias têm as suas intenções primeiras: compete à hermenêutica
compreendê-las sob este ponto de vista.
A Hermenêutica desenvolveu-se no século XX, com Gadamer (na Alemanha) e Paul Ricoeur
(em França). Pode ler uma síntese desse desenvolvimento (com raízes na interpretação dos
textos bíbliocos) no texto A Hermenêutica.
Crítica | Editorial: Hermenêutica e Filosofia
Editoriais Hermenêutica e filosofia Desidério Murcho. ... No nosso país,
muitas pessoas gostam de reduzir a filosofia à hermenêutica. ...
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Hermenêutica e filosofia
Desidério Murcho
Uma das palavras mais procuradas no motor de pesquisa da Crítica é "Hermenêutica". Esta é
também uma das palavras mais procuradas no Dicionário Universal da Língua Portuguesa,
disponibilizado on-line pela Priberam e pela Texto Editora. Este facto é significativo e mostra
bem um aspecto infeliz do ensino da filosofia tal como tem vindo a ser praticado em Portugal.
A hermenêutica é uma das muitas palavras estranhas que os professores gostam de deitar à cara
dos estudantes, sem que lhes expliquem o que quer tal coisa dizer. Com o passar do tempo, esses
estudantes adquirem o hábito de usar essa palavra em certos contextos, apesar de não saberem
bem do que estão a falar, e chegam depois por sua vez a professores, onde terão por então
oportunidade para deitar à cara dos seus desventurados estudantes a mesma desgraçada palavra.
E assim se perpetua uma comédia de enganos, em que todos fingem saber o que não sabem e
dominar o que não dominam.
No nosso país, muitas pessoas gostam de reduzir a filosofia à hermenêutica. Outras, reduzem a
filosofia à sua história. Em ambos os casos, o que importa, sobretudo, é reduzir a filosofia a
qualquer coisa que não nos obrigue a pensar autonomamente e a avaliar criticamente o que as
outras pessoas pensam, incluindo-se nestas os próprios filósofos. O objectivo da filosofia deixa
assim de ser, nas palavras imortais de Tomás de Aquino, descobrir a verdade, mas apenas
descobrir o que disse Plotino, ou Descartes, ou Kant… ou o próprio Tomás de Aquino,
atraiçoando assim brutalmente o que este próprio filósofo entendia por filosofia.
Curiosamente, as pessoas que reduzem a filosofia à hermenêutica fazem-no sem saber bem o que
estão a fazer. Em primeiro lugar, estão a desistir do projecto original da filosofia: pensar
criticamente sobre problemas e argumentos filosóficos. Em segundo lugar, estão a comprar por
atacado ideias filosóficas muito determinadas, que devem ser discutidas e não adoptadas como
dogmas irrefutáveis. Em terceiro lugar, a filosofia não é, pura e simplesmente, uma ciência
social.
A hermenêutica nasceu da ideia, em si altamente discutível, de que as ciências sociais tinham um
método próprio, distinto do método das ciências da natureza. Esse método era a hermenêutica,
que consistiria em tentar determinar o significado dos fenómenos sociais, ao invés de tentar
descobrir as leis que os regulam — leis que os partidários da hermenêutica pensavam que não
existiam, ou cuja existência era politicamente perigoso admitir.
Como pode tal coisa aplicar-se à filosofia é outra história. E, sobretudo, trata-se de uma corrente
filosófica muito determinada, que deve ser criticamente avaliada, como todas as correntes
filosóficas, e não dogmaticamente admitida como verdadeira sem apelo nem agravo. Em
qualquer caso, a ideia geral era a de que a tarefa da filosofia seria interpretar textos do passado.
Isto, claro, é no mínimo discutível e só pode ocorrer, como escrevia há uns meses Thomas Nagel
a propósito de uma ideia semelhante defendida por Richard Rorty, a quem nunca se deparou
naturalmente com os problemas e os argumentos filosóficos e que só depois de uma certa idade
tropeçou artificiosamente nesses problemas porque os leu num texto com 900 anos. A uma
pessoa destas não lhe passa pela cabeça que os problemas e argumentos da filosofia são coisas
bem reais — pelo contrário, para uma pessoa destas os problemas e argumentos da filosofia
serão sempre coisas historicamente situadas, artificiosas, que só podemos estudar com a mesma
estranheza com que estudamos a civilização egípcia.
Mas a filosofia não é algo que nos é estranho. A filosofia é uma actividade natural. Qualquer
pessoa medianamente inteligente se depara, geralmente quando ainda é bastante nova, com
problemas e argumentos filosóficos.
A figura de Tomás de Aquino, um dos maiores hermeneutas de sempre de Aristóteles e da
Bíblia, mostra bem como podemos respeitar a hermenêutica e a exegese, sem no entanto tentar
reduzir o pensamento filosófico nem à hermenêutica nem à exegese, encarando a actividade
filosófica como uma actividade natural de procurar descobrir a verdade acerca dos nossos
conceitos mais básicos, como os conceitos de bem, verdade, validade, justiça, beleza, etc.
Enquanto não encararmos a filosofia como uma actividade natural, estaremos apenas a fazer uma
pantomima de aparência filosófica, sem que tenhamos ainda entrado no debate universal de
ideias filosóficas que tem conseguido resistir, desde há 2500 anos, contra quem quer cidadãos
passivos e intelectuais acríticos.
Desidério Murcho
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... Hermenêutica é a técnica que orienta o meio eo modo pelo qual devem
ser interpretadas as leis chama-se hermenêuti...
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