Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA PAIVA, Marília Luana Pinheiro de1 Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa(2014) [email protected] . RESUMO Utilizando a música como documento histórico que permite desvendar algumas das representações sociais presentes no contexto político da ditadura militar e do momento de redemocratização do Brasil. Este artigo analisa a música “Que País é Esse”, da banda Legião Urbana, a qual pode ser considerada uma arte engajada, que através de um discurso marcado pela contradição, pela ironia e pela crítica social, possibilita uma reflexão sobre a nossa identidade nacional através do Rock Brasileiro. Utilizou-se a metodologia da análise de discurso, para perceber a relação entre os elementos centrais desta representação artística e o contexto da sua produção e disseminação na sociedade brasileira. Verificou-se que este tipo de fonte, permite perceber a sintonia fina de uma época, revelando a forma como determinados grupos sociais pensaram e expressaram as suas ideologias. PALAVRAS CHAVES: MÚSICA, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, LEGIÃO URBANA. ABSTRACT Using music as a historical document that allows to untangle some of the social representation installed in the political context of the military dictatorship and the moment of redemocratization of Brazil. This article analyses the song “Que País é Esse”, from the Brazilian band Legião Urbana, which can be considered a committed art, going through a discourse marked by contradiction, by irony and social criticism, which enable a reflection on our national identity over the Brazilian Rock. It is utilized the method of discourse analysis to establish a relation between the central elements of this artistic representation and the context of their production and dissemination in the Brazilian society. It was checked that this source allows to realize the tuning of an era, revealing how some social groups thought and expressed their ideologies. KEYWORDS: MUSIC, SOCIAL REPRESENTATION, LEGIÃO URBANA. 1 Graduada em Licenciatura em História (2013) pela Universidade Estadual de Ponta GrossaUEPG. Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa(2014). Orientador: Miguel Archanjo de Freitas Júnior UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 244 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 A música é um produto cultural presente no nosso dia-a-dia. Ela está em diferentes lugares, tendo grande alcance e repercussão social, fato que levou a escolhêla como tema para se estudar aspectos políticos e sociais da história do Brasil. Ao se falar de música não há um consenso entre os autores, o que eu venha a ser música. Schafer (1992, p. 36) aponta que música é arte, uma atividade cultural, porém para defini-la é necessário englobar todos os seus aspectos citados. E que estes aspectos sejam definidos e apresentados, eis aí um obstáculo. Música é um som organizado com ritmo e melodia, sendo o ritmo uma sequência de combinações de apoios, e melodia uma série organizada de sons. Organização é o que diferencia a música de um ruído na rua, por exemplo, mas também pode ser desorganizada para que exista a música não precisa necessariamente que se apresentem melodia e ritmo juntos. O que a distingue e a determina como música é a intenção de ser música,esse o fator que faz dela uma música: a sua intenção, o fato de ter sido composta para ser ouvida. Ainda Schafer ( 1992, p. 51)argumenta que nem toda música é escrita, como a música erudita e muito do jazz, por exemplo, onde não há letras. Porém o compositor utiliza de valores básicos em sua composição, que assume uma maneira peculiar na música, uma vez que esses valores tem o poder de afetar o ouvinte de variadas maneiras. A música apresenta acordes tanto agudos como fortes, o que expressa certa “agressividade”, e leves e graves, propagando talvez uma tristeza. “O papel do compositor é usar esses materiais para produzir algo com significado e movimento” (SCHAFER, 1992, p. 51). Ainda na perspectiva de compreendermos a música, nos defrontamos com o ouvinte que assume uma função de integrante desse processo, pois é a partir do homem que a música se consolida como produto cultural. A música é formada por um conjunto de materiais que se diferencia de ruídos, como os sons incidentes, como a buzina de um carro, por exemplo. “Schopenhauer disse que a sensibilidade do homem para a música varia inversamente de acordo com a quantidade de ruído com a qual é capaz de conviver”. O ruído seria aquilo que não tem a intenção de ser música, barulhos que interferem naquilo que queremos ouvir. Ao falar sobre música Ribeiro (2003, p. 18) se diferencia de Schafer pois Ribeiro a enxerga como uma obra de arte, dotada de códigos e símbolos, com a intenção de comunicar, podendo alterar o comportamento e até a visão de mundo daquele que a UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 245 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 recebe. Enquanto Bennett(1986, p.12) defini que a música é formada por melodia, harmonia, ritmo, timbre, tessitura e letra. A música, além se seus acordes, melodias, ritmos, harmonia, também é formada em sua maioria por letras, palavras cantadas formando um discurso articulado. As letras das canções expressam ideias, comportamentos e representações, documentando a seu modo às questões vividas de seu tempo, que podem expressar diferentes emoções e temas correlatados, Ross (2010, p. 19) ressalta: A música pode ser grande e séria, mas grandeza e seriedade não são suas características definidoras. Ela também pode ser estúpida, vulgar e insana. Os compositores são artistas, não colunistas de etiqueta; eles têm o direito de expressar qualquer emoção, qualquer estado mental. Segundo Pinto (2001, p. 223) a música também é possuidora de uma identidade peculiar, e esta quase sempre em conexão com outras culturas . Ela tem a função de comunicar, através da sua linguagem, suas letras e seus códigos. O que faz das suas letras grandes propagadoras de culturas, crenças e um conjunto de ideias presente no seu tempo, afirmando-se como produto identitário de um grupo social, de uma classe, de um povo, expressando em suas letras valores e fragmentos históricos da realidade vivida. Em outros termos, as músicas são fontes de representações culturais do seu tempo, como também um meio de interação social e de comunicação entre indivíduo e grupo. Tendo em vista que a música é um produto cultural expressivo de uma identidade, dotado muitas vezes de um discurso de cunho ideológico, ela se caracteriza como símbolo e representação presente na sociedade. É o caso das culturas nacionais. Segundo o crítico cultural Stuart Hall As culturas nacionais são compostas não apenas por instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influência e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos.(2011, p. 50) Os compositores, assim como todos os artistas, são filhos do seu próprio tempo e espaço. “Mozart só emerge claramente como um ser humano quando seus desejos são considerados no contexto de seu tempo” (ELIAS, 1991, p. 15). As músicas (letra e música) são assim frutos da história e dos próprios hábitos e ideologias que permeiam a sociedade e a cultura em um determinado período histórico UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 246 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 De um ponto de vista político, a música pode ter uma característica tanto engajada como alienada e sem nenhum sentido, como pode ser problematizadora e politizada, transmitindo anseios e insatisfações de determinados grupos, classes ou segmentos sociais. Da mesma forma há diferentes estilos de músicas como por exemplo que vai deste o samba ao rock. É neste último estilo que pretende-se abordar, nesse projeto, uma músicas de rock brasileiro com uma letra de cunho político e social, investigando as representações sobre a democracia e os problemas do sociais do pais. A produção musical brasileira do século XX difundiu várias novas sociabilidades, vindas da urbanização, da modernização, expressando valores nacionalistas no Brasil, assim como conflitos sociais. Portanto, produzindo e disseminando sentido ideológico e estético em suas canções. As expressões são visíveis através de suas letras significativas, as quais muitas trazem uma série de valores, representações. Sendo produtos de uma situação histórica, ela assume um papel não apenas para ouvir, mas também para refletir. Conforme salienta Napolitano (2002, p. 5) [...] a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX, a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais. Para completar, ela conseguiu ao menos nos últimos quarenta anos, atingir um grau de reconhecimento cultural que encontra poucos paralelos no mundo ocidental. Portanto, arrisco dizer que o Brasil, sem dúvida uma das grandes usinas sonoras do planeta, é um lugar privilegiado não apenas para ouvir musica, mas também para pensar a música . Considerando a música como um meio de representações sociais, procuro abordar na canção “Que país é esse” da banda Legião Urbana, uma música que trás representações sociais de uma época vivida, analisando as críticas contrapondo com a realidade histórica vivida e a composição da música. Produzida em 1978, porém publicada apenas em 1987, no álbum “Que País é Este2, a música com o mesmo nome do álbum revela o contexto social e político do país A música faz uma indagação sobre quem somos? Que país é esse? País do desenvolvimento, país de terceiro mundo, país do governo militar, da corrupção. País das diferenças culturas, país do índio, dos imigrantes e do futebol. A resposta é que somos uma mistura de povos, crenças e raças, com muito influência exterior. 2 URBANA. Disponível em<http://www.renatorusso.com.br/biografia-legiao-urbana/>. Acesso em: 07 jul. 2014. UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 247 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Assim como aos poucos formamos a nossa identidade hibrida, não só nacional como a identidade individual ela é complexa e fragmentada, uma vez que esta diretamente ligada ao seu campo social em que o individuo está inserido e as ligações que permeiam a sua vivência. Pois segunda Bauman( 2005, p. 17) Tornamo-nos consciente de que o “pertencimento” e a “identidade” não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio individuo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age- e a determinação de se manter firme a tudo isso- são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade” Nessa perspectiva, a identidade está sempre em construção, uma vez que ela não é determinada e está sempre em um processo de reconstrução no seu espaço e tempo, sendo constantemente resignificada na história. O contexto social e político do sujeito influenciam no modo de produção da identidade, tanto na sua forma de “ser” individual quanto de “pertencer” – à nação, por exemplo – na medida em que o indivíduo encontra-se inserido em um processo social de longa duração. O contexto social da ditadura civil e militar iniciou-se com o golpe político no governo de João Goulart, presidente que governava com seus poderes limitados devido ao governo parlamentarista, foi foco em seu mandato de grandes manifestações sociais, tanto as ligas camponesas como os movimentos estudantis e organizações sindicais. Goulart tentou instaurar uma política social democrática, trouxe um desconforto aos conservadores, instituições que contribuíram para o golpe que o retirou do poder em 1964. Foi um processo de movimentos internos no governo e externos, agindo como uma ação preventiva a uma revolução social, que culminou ao golpe. Florestan Fernandes afirma que o caminho em direção ao socialismo foi determinante para a retirada de João Goulart do poder. Instaurou-se uma ditatura no Brasil, impedindo a ampliação da democracia. (DELGADO, 2009 p. 126-131). Foram mais de vinte anos de ditadura civil militar, com o governo de Castelo Branco 1964- 1967, Costa e Silva,1969- 1974 Médici 1969-1974, Geisel 1974-1979, Figueiredo 1979-1985 e de 1985-1990 período da transição política na qual o Brasil já era considerado democrático, porém ainda não havia se efetivado o voto direto, que acabou acontecendo apenas em 1990 com a eleição de Fernando Collor. (COTRIM, 2008, p.556-573). UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 248 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Foi um aparelho militar, e não um líder, que assumiu o poder; começou dominando o governo, depois o Estado. (CODATO, 2005). A partir do golpe ao governo de João Goulart, com a justificativa de evitar o comunismo, a ditatura se estendeu por mais de duas décadas. Com os poderes nas mãos, os militares utilizaram de meios legais e ilegais para a sua legitimação no poder, a partir de atos institucionais que determinavam a ordem vigente. A repressão, a perseguição, a censura, a prisão em cárceres fechados, o exílio, a morte dos chamados “desaparecidos políticos”, são consequências de um governo ditatorial no Brasil. (ARAUJO et al., 2013) Durante a ditadura civil-militar, a democracia e a cidadania foram abafadas. Como aponta Murilo de Carvalho, a cidadania estende-se a direitos civis (direito à vida e à liberdade), sociais (direito à saúde, educação, trabalho) e também a direitos políticos no que diz respeito à participação do indivíduo no governo e na sociedade, como o direito de organizar partidos políticos e votar. Este último foi extinto totalmente durante o regime. (CARVALHO, 2002, p. 10). Para Arruda e Piletti (1995, p. 236) o poder era centralizado nas mãos do presidente, que fazia parte de um junta militar em nome da segurança e do desenvolvimento do país, porém esse desenvolvimento foi proporcionado par apenas uma camada da sociedade. “De fato, os 10% mais ricos do país, que se apropriavam de 45,4% da renda nacional em 1960, passariam a apropriar-se de 54% em 1976.”3. Ou seja o lucro foi destinado a uma camada elitista da população, sendo visualmente a desigualdade social do país. Marcado pelo autoritarismo e repressão a todos aqueles que iam contra o governo. Ainda salientam: As publicações foram censuradas, as coonestações armadas reprimidas com tortura e execuções; políticos casados. Perto de 5.000 pessoas perderam os direitos políticos, entre militares, professores, governadores, prefeitos, deputados federais, juízes,servidores públicos.[...] Cerca de 150 militantes desapareceram e 180 mortos.(ARRUDA; PILETTI, 1995,p. 238) Rezende (2003) afirma que o governo procurava uma interação com as instituições sociais e os objetivos políticos, e que os poderes centrais se concentrava nas mãos do executivo. Contudo censura,atos institucionais que limitavam e extinguiam poderes individuais em determinadas instancias políticas, havia controvérsias. 3 ARRUDA; PILETTI, 1995. p.328 UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 249 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Os representantes civis e militares do regime teimavam que não haviam perda de direitos humanos para aqueles que confiavam na compatibilidade de uma suposta fórmula de democracia com o regime militar. O AI-5, por exemplo, não ameaçava, segundo eles, a maioria da população, uma vez que estava de acordo com os seus dispositivos. Havia uma nítida separação entre os que aceitavam as regras da ditadura e os que contestavam. Subtrair alguns diretos de determinados indivíduos era uma forma, diziam eles, de atender aos interesses da maioria (REZENDE, 2013, p. 116) 250 A democracia estava nas mãos do regime e sendo moldada por ele, em razão de garantir a segurança econômica e social. E a repressão se destinava parapraticamente quase todos os esquerdistas,assim como a prisão e a tortura, física e psicológica. O Governo atuava de forma severa e tênue no regime militar. Os militantes possuíam suas próprias linguagens, leis e códigos paralelos, era como se eles tivessem exilados em seus próprio pais. Sem direito de expressão e de intervenção, a sociedade era marcada por uma construção social demarcada por leis e doutrinas (ARAUJO. et al, 2013). Nos meios de comunicação e na indústria fonográfica, no regime ditatorial há uma espéciede conflito de representações, pois os militares impõem o domínio e escondem o país de desigualdade social, e de oposições representado nas letras das músicas (muitas censuradas devido ao seu conteúdo, ser abusivo e conter criticam sociais e ao governo). São letras, são músicas que representam o cenário político e sociais que esses indivíduos vivem, e criam suas próprias representações, pois como aponta Moscovici as representações sociais, fazem parte do nosso mundo, do cotidiano, o que convivemos em sociedade, nos comunicamos, constitui a nossa realidade forma como vemos ao nosso redor uns aos outros (MOSCOVICI 2003, p. 8). As representações sociais são formadas em meio às relações sociais, e interação indivíduo-sociedade; assim, as subjetividades, nesse processo das condições sociais são moldadas e criadas. Desse modo, as representações sociais interfere no processo da subjetivação. (JODELET, 2009. p. 688).Todas as relações entre duas ou mais sujeitos conjectura representações. Um dos dobramentos dessa afirmação recai no problema da mudança que as representações são capazes de provocar ao influenciar o comportamento do indivíduo inserido em uma coletividade. Pois as representações não são criadas de maneira isolada, é uma criação indivíduo-sociedade. O processo coletivo intervém de forma decisiva na formação e transformação do pensamento individual. UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Somos nós quem criamos as representações sociais no escopo da sociedade sempre em movimento, onde se criam, modificam-se, morrem. Estando elas ligadas a uma estrutura social, ou comportamento, elas constituem a realidade social em que vivemos. (MOSCOVICI, 2003, p. 40). Se pensarmos aqui a música mais precisamente o rock brasileiro há muito de subjetividade representada, o que faz do rock também uma representação coletiva à medida que é aceito pelos ouvintes. Suas canções expressam os anseios de uma coletividade, constituem símbolos e representações de uma identidade coletiva da época, de modo que o sujeito sofre alterações do meio e exprime as suas representações sociais. Portanto, música é um produto cultural que vincula críticas e ideologias. O que nos faz pensar o rock brasileiro não apenas como música, como aponta Napolitano, mas como música de cunho ideológico e reflexivo, propagador de críticas sociais. (NAPOLITANO, 2002 p.6). Ao analisar a música optamos pelo método de análise de discurso, que nos permite compreender a letra da música, não apenas a categoria linguística, verbal do discurso, mas o sentido que ele trás, ou seja: os elementos históricos, sociais, culturais, ideológicos que cercam a produção de um discurso. Outro fator relevante é atentar para o lugar do qual o sujeito está falando, ou seja, o meio social, cultural, que o sujeito está inserido, vai influenciar na sua fala, assim como na interpretação de mundo que este tem. (FOUCAULT, 1999) Análise de discurso é um método qualitativo que depende de uma interpretação, já que por vezes o discurso possui expressões dotadas da ideologia, trazem as visões e aptidões daquele que está falando, se atendo especificamente com o sentido, com o corpo do texto. Segundo Caregnato & Mutti (2006, p. 681) A AD trabalha com o sentido e não com conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido, mas produzido; pode-se afirmar que o corpus da AD é constituído pela seguinte formulação: ideologia +história + linguagem. A ideologia é entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um discurso, sendo o processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou seja, o sistema de ideias que constitui a representação; a história representa o contexto sócio histórico e a linguagem é a materialidade do texto gerando “pistas” do sentido que o sujeito pretende dar. UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 251 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Desta forma, considera que os sentidos do texto também se refere à produção de sentidos interpretativos, reconhecendo a forma lingüística enquanto social e histórica. Uma música que nos permite essa o uso da metodologia de análise de discurso no sentido histórico e social é a música “Que país é esse” da banda Legião Urbana³. Nas favelas, no Senado Sujeira pra todo lado Ninguém respeita a Constituição Mas todos acreditam no futuro da nação Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? (LEGIÃO URBANA, 1987) Levando-se em consideração que a música foi escrita em 1978 e só publicada em 1987, ela nos revela muito de contextos políticos históricos, e reflexos dos problemas críticos do país. Na primeira frase o compositor estabelece uma crítica, nas “favelas e no senado sujeira pra todo lado” favelas e senado ambos colocados na mesma frase, pode ser interpretado a partir da análise de Bourdieu (1989, p. 11), como ambos instrumentos de dominação, são dois campos que apresentam poder, dominação. O Senado é um marcado pela ideologia, e campo de produções simbólicas termo qual Bourdieu coloca como um produto coletivo e também apropriado, direcionado a um interesse individual e que tendem a se apresentar como interesse coletivo. Assim as relações de comunicação são relações de poder, que cumprem uma função de instrumento de dominação e legitimação a partir de seu discurso que fazem parte de um sistemas simbólicos, na qual essa legitimação e dominação contribui para a dominação de uma classe sobre outras, o que Bourdieu vai chamar de violência simbólica. Nesse sentido o Senado se encaixa de maneira que este é dotado de poder, na qual as leis formuladas por uma classe (minoria) com seus interesses e que definem os interesses coletivos. Da mesma maneira o governo, como um aparelho representativo e ideológico, mais especificamente o período do regime militar ( 1964-1985) produziu representações sociais sobre distintos aspectos, e formulou a sociedade conforme o interesse político de um grupo de governantes, estes que praticavam uma “violência simbólica” além da física.Como aponta ainda Bordieu(1989,p.11) As diferentes classes e fracções de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 252 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 mas conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tornadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais O senado âmbito de representatividade, assim como próprio governo autoritário estava sob vigência ditatorial( 1964- 1985) E apenas em 1978 começou a haver o início de abertura política , os poderes ainda se estendiam. Estes atos institucionaiseram como normas e decretos que estavam acima da própria constituição. Nas favelas, que o compositor se refere, é passível de interpreta-la além da violência física, como uma violência simbólica a medida que é representada nas mídias e noticiários. Sendo um campo de poder na qual o bandido é o detentor da autoridade e das leis da comunidade. É um espaço de dominação de poder na qual manda aquele que o possui, seja ela algum motivo, seja por dinheiro, por drogas, por aliados, ou qualquer outra instância. O poder de dominação como aponta Bourdieu( 1989, p. 13) esta nos conflitos simbólicos da vida quotidiana constituindo o campo de produções simbólicas. Se atendo a outro ponto considerando a alta inflação que atingiu o governo de Medici devido ao fim do “milagre econômico”que subiu de forma descontrolada o aumento das favelas e de pessoas na condição de pobreza cresceu significativamente nesse período, sendo visíveis as desigualdades sociais e regionais, na medida em que os ricos enriqueciam com o desenvolvimento do pais, e os pobres sofriam com o aumento da inflação e o desemprego. (ARRUDA; PILETTI, 1995, p.325) Na frase seguinte “Ninguém respeita constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”.Pode ser analisada em relação ao regime ditatorial os (AI) atos institucionais, decretos que eram superiores a própria constituição, modificando-a e fazendo valer aquilo que estava vigente no ato, era superior a constituição à medida que valia o que estava no AI e não na constituição, ou seja os AIs criados pelo poder executivo, eram normas que violavam os direitos civis, pois em detrimento a segurança nacional, iam contra aos adversários do regime político, ou seja extinguindo o seu direito de expressão, de se comunicar, ate o direito de fazer greve, paralisações legais não eram leis aprovadas pelo Congresso Nacional, assim como perseguições, torturas, censuras, desparecidos políticos. (FAUSTO, 1995, p. 465). Ou seja, fazendo com que a própria constituição seja como um órgão ineficiente, não respeitado, pois na medida que o presidente pode altera-la conforme os seus interesses. E até mesmo o desrespeito que há UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 253 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 com normas e leis que na maioria das vezes não são cumpridas pelos próprios políticos, e mesmo a corrupção. Quando na segunda linha, a música se refere, “mas todos acreditam no futuro da nação”. O Governo de Medici expressa bem essa categoria, pois o país atingiu um elevado crescimento, ministrado pelo Delfim Neto, o PIB aumentou, a inflação diminuiu, e a população estava mais esperançosa. A facilidade do crédito pessoal aumentou, ecom isso o número de compra de televisores também aumentou, a indústria se expandia.“Foi à época que muitos brasileiros idosos de classe média, levantavam não ter condições biológicas para viver até o próximo milênio, quando o Brasil se equipararia com o Japão” (FAUSTO, 1995 p. 485). Porém o milagre econômico durou pouco, pois as suas vulnerabilidadesse tornaram visíveis, era uma política voltava não para a situação econômica do próprio país, mas para uma situação externa que se encontrava favorável, com empréstimos internacionais. Mas com o aumento do preço do petróleo no mercado externo, a economia brasileira sofreu grande choque, com isso a inflação começou a subir e a divida externa aumentou. Com isso se configurou uma grave crise econômica, e assim a ditadura foi perdendo a sua autonomia, pois o regime ditatorial não era capaz de garantir o desenvolvimento. Com isso a revolução a favor da volta da democracia crescia cada vez mais. (COTRIM, 2007, p.563) O refrão trás “Que país é esse” o que nos revela uma indignação com o país, diante do governo ditatorial, a corrupção, as diferenças sociais, regionaise das demais instâncias, no âmbito da crise econômica, a alta inflação, a censura, e a violação da democracia. O Brasil encontra-se em um período dramático, com varias mudanças políticas e sociais, marcado pela desigualdade social. (ARRUDA; PILLETTI, 1995, p. 325). No Amazonas, no Araguaia iá, iá, Na baixada fluminense Mato grosso, Minas Gerais e no Nordeste tudo em paz (Ibid.) Nessa estrofe da música são citadas diversas regiões do Brasil, regiões com acentuadas desigualdades politicas e sociais, quando citada no Araguaia analisamos a referência a Guerrilha do Araguaia foi um movimento rural existente na região da Amazônia, ao longo do rio Araguaia, região onde Goiás, Pará e Maranhão fazem divisa. UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 254 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Criada pelo PCB (partido comunista brasileiro) entre 1970 e 1971, esses militantes se espelhavam na Revolução Cubana e Revolução Chinesa, o intuito se seguir os mesmos caminhos, iniciou o movimento. O exército descobriu em 1972 este foco no Rio Araguaia, mas apenas em 1975 o exército extinguiu com os militantes, cerca setenta deles são considerados até hoje como “desaparecidos políticos”. Foi uma grande repressão política, que aconteceu em 1975 no rio Araguaia. Porém o fato foi silenciado, pois a censura comprimia qualquer informação negativa sobre o regime. (FAUSTO, 1995, p. 485). Configurando o cenário da ditadura, a censura e a repressão se fazem presente na Guerrilha do Araguaiá, assim nas frases posterior, na baixada fluminense (região do Rio de Janeiro), Mato Grosso, Minas Gerais e Nordeste; são estados com acentuadas diferenças sociais e econômicas. Assim Fausto (1995, p.467) aponta que a repressão mais violenta se deu no campo, especificamente no Nordeste região referindo se as ligas camponesas, e nas cidades, no meio urbano os sindicados eram os alvos das perseguições, muitos de seus dirigentes acabavam sendo presos. Na morte eu descanso Mas o sangue anda solto Manchando os papéis, documentos fiéis Ao descanso do patrão Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? (Ibid.) Remetendo-me a censura, nessa estrofe quando é mencionado “Na morte eu descanso, mas o sangue anda solto, manchando os papéis, documentos fiéis ao descanso do patrão”pode se interpretar diante da censura, das tantas perseguições e prisões. Como aponta Fausto (1995) a censura se estendeu nos meios de comunicação, nas escolas. Sendo tirados de seus cargos funcionários públicos, políticos, professores, jornalistas, escritores, músicos. Todos acusados de crime contra o regime, através da censura limitados e exilados, torturados, presos e até mortos.(p. 480) Carlos Fico(2003) argumenta que a censura existe há muito tempo no Brasil, no Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) com o famoso DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que censurava os meios de comunicação e divulgava as características positivas do Estado e de Getúlio Vargas.(p.252) UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 255 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 No regime político, com o AI-5 e com a “operação limpeza” com prisões, cassações de mandatos, e vários militantes desaparecidos, documentos adulterados, desaparecidos camuflando as mortes aos adversários do regime. A Intenção era eliminar todos aqueles que pregavam a revolução, o comunismo, iam contra o regime de extrema direita, seja ele na música, na arte, nas escolas, nos jornais. (p. 254) Terceiro mundo, se for Piada no exterior Mas o Brasil vai ficar rico Vamos faturar um milhão Quando vendermos todas as almas Dos nossos índios num leilão Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? (Ibid.) Aqui nesta última estrofe, o compositor reforça sobre a situação econômica do país, fazendo uma ponte com a situação econômica do país já mencionada anteriormente, o Governo do Medici (1969-1974) e o “milagre econômico”, que não teve um duração como esperávamos, pois se baseava no comércio exterior, que com o aumento do petróleo, acabou que gerou uma alta inflação no Brasil, entrando então numa crise. Na frase “Quando vendemos todas as almas, dos nossos índios num leilão” a interpretação que fazemos aqui é em relação a outro problema no Brasil em relação aos índios e a colonização. Ao se discutir toda a questão histórica da colonização no Brasil compreendemos que um processo social, econômico, político e social. Na medida em que os indígenas foram submetidos à cultura europeia, hábitos e modo de vida, religião. O cotidiano dos indígenas mudou completamente, e da mesma maneira foram explorados, assim como submetidos àsubmissão. (JUNIOR, 1970, p. 21) Foram tratados como “tabulas rasas” assim a suas culturas sufocadas. Um exemplo disso Boaventura trata ao falar da colonização, que também teve uma desvalorização no conhecimento. A sua visibilidade está na invisibilidade das formas de conhecimento, referindo-se aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas. O colonialismo foi também uma dominação epistemológica, uma relação UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 256 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 desigual do saber-poder. O colonialismo fez com que povos colonizados tivessem muitas de suas formas peculiares de saber suprimidas. ( SANTOS, 2010, p. 31) Assim a essa ação de sufocamento das demais epistemologias e suas culturas acarretou no que o autor chama de epistemicídio. Devastadores de sabres locais, desvalorizando e superiorização de tantos outros. O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, ou seja, um pensamento dotado de buracos,aquele pensamento queé excludente em sua hegemonia e acaba por suprimir e opor-se a outras versões epistemológicas. Possuem distinções visíveis e invisíveis, as visíveis são as que dividem a realidade social em dois lados “deste lado da linha” e do “outro lado da linha”, consiste que acaba que o lado de lá se torna inexistente, é excluído, permanece exterior ao universo. (SANTOS, 2010, p. 34). Podemos pensar os índios também como sujeitos produtores de representações sociais tiveramsua cultura local sufocada, e seu trabalho escravo em trocas de migalhas, assim como a desvalorização da religião e seus hábitos, todos modificados com a vinda dos portugueses no Brasil. Em um de seus estudos sobre representações sociais, Moscovici (2003, p. 43) concorda com a ideia de Frege de que o pensamento é o principal meio que influência tanto pequenos quanto grandes acontecimentos, que de fato não teriam acontecidos sem a comunicação de pensamento. Porém caminhamos em um sentido a desconsiderar os pensamentos como reais, talvez por não serem palpáveis e sim abstratos, pois sentimos a sua influência, mas não os vemos necessariamente. Ao estudar sobre as representações sociais nos debruçamos sobre o ser humano e suas problemáticas, suas perguntas, desejos e inquietações, compreendendo o homem como indivíduo e ser social pensante que busca de respostas para o sentido de sua própria existência. Dessa forma, esta pesquisa procura incorporar a música, e mais especificamente o rock nacional, a Banda Legião Urbana e a sua canção “Que país é esse”seu contexto político da ditadura, no âmbito dessas representações de cunho ideológico. Conforme o questionário de Moscovici (2003, p. 43) O que é uma sociedade pensante? Essa é a nossa questão e é issoque nós queremos observar e compreender, através do estudo (a) das circunstâncias em que os grupos se comunicam, tomam decisões e procuram tanto revelar, como esconder algo, e suas ações e crenças, isto é, das suas ideologias, ciências e representações (MOSCOVICI, 2003, p. 43) UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 257 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 Entendemos que os indivíduos da geração jovem são pensantes, e nem todos são manipulados pela mídia, pela ideologia de uma classe social, ou institucional. Ou seja, não são caixas vazias, rasas, são articuladores e disseminadores de questões criticas políticas que muitas vezes são explicitas no rock brasileiro em suas músicas. De modo geral, essas letras expressam o descontentamento com a situação econômica, social, histórica que o país está enfrentando. Trazem reflexos daquilo que vivem, e reflexos da história que estão inseridos.Nesse sentido, as letras das músicas são um meio de comunicação problematizadora, compostas e consumidas culturalmente por jovens que vivenciam os problemas e produzem representações sociais do mundo em que vivem. Moscovici( 2003, p. 45) ressalta: [...] pessoas e grupos, estão longe de serem receptores passivos, pensam por si mesmos, produzem e comunicam incessantemente suas próprias e especificas representações e soluções às questões que eles mesmos colocam. Na história do rock brasileiro há muito de subjetividade representada, o que faz do rock também uma representação coletiva à medida que é aceito pelos jovens. Suas músicas expressam os anseios de uma coletividade, constituem símbolos e representações de uma identidade coletiva da época, de modo que o sujeito sofre alterações do meio e exprime as suas representações sociais. Portanto, música é um produto cultural que vincula críticas e ideologias. O que nos faz pensar o rock brasileiro não apenas como música, como aponta Napolitano, mas como música de cunho ideológico e reflexivo, propagador de críticas sociais. (NAPOLITANO, 2002 p.6). E estas músicas como geradoras e formadoras de representações sociais, pois na medida que é produzida e vivenciada no âmbito de uma sociedade marcada por códigos, símbolos e histórias, as representações de seu contexto político se faz presenta, e elas nos direciona para a realidade vivida, elas não são dadas, mas são construídas e fazem parte do processo ao longo da história, e que esta relacionada a uma camada da sociedade, seja por questão política, social, identitária, econômica As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. [...] [...] As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA –PAIVA, Marília Luana Pinheiro de. 258 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260 impõe, ou tenta impor a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990: 16-17). Contudo a música traz referências a um mundo, a uma realidade, seja ela no campo social, emocional a música é indenitária, é discursiva, que nos traz ideologias e símbolos, que queremos comunicar. E então nos perguntamos que país é esse? País das regiões desiguais, da corrupção, do autoritarismo, da democracia? Que país é esse? Um país colonizado, com culturas sufocadas, tradições estilhaçadas. País da violência física, da violência simbólica. Todos esses correlatos vemos demarcados na música “Que país é esse”, música” algumas representações e frases escancaradas, e nas entrelinhas, passíveis de interpretação. Nesse sentido a música é um documento que nos revela muito do que o autor que nos comunicar e da nossa identidade criada a partir da realidade social, que estamos inseridos. Como toda interpretação também está ligada ao meio social que o indivíduo está inserido, a interpretação que faço aqui permeia a subjetividade aliado ao campos histórico, social e político, com a intenção de compreender partir dessas instâncias as representações sociais dos problemas de um país, a partir de um viés documental, pois toda música também é um documento para se analisar e pesquisar historicamente e socialmente. REFERÊNCIAS ARAUJO, P. M; SILVA, P.I; SANTOS, R.D.Ditadura Militar e Democracia no Brasil:História, Imagem e Testemunho.Rio de Janeiro ;Ponteio, 2013 FICO, C. “Prezada Censura”: cartas ao Regime Militar. 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