17. PAIVA

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Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p.244-260
UMA ANÁLISE HISTÓRICA E SOCIAL DA MÚSICA “QUE PAÍS
É ESSE” DA BANDA LEGIÃO URBANA
PAIVA, Marília Luana Pinheiro de1
Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa(2014)
[email protected]
.
RESUMO
Utilizando a música como documento histórico que permite desvendar algumas das
representações sociais presentes no contexto político da ditadura militar e do momento de
redemocratização do Brasil. Este artigo analisa a música “Que País é Esse”, da banda Legião
Urbana, a qual pode ser considerada uma arte engajada, que através de um discurso marcado
pela contradição, pela ironia e pela crítica social, possibilita uma reflexão sobre a nossa
identidade nacional através do Rock Brasileiro. Utilizou-se a metodologia da análise de
discurso, para perceber a relação entre os elementos centrais desta representação artística e o
contexto da sua produção e disseminação na sociedade brasileira. Verificou-se que este tipo de
fonte, permite perceber a sintonia fina de uma época, revelando a forma como determinados
grupos sociais pensaram e expressaram as suas ideologias.
PALAVRAS CHAVES: MÚSICA, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, LEGIÃO URBANA.
ABSTRACT
Using music as a historical document that allows to untangle some of the social representation
installed in the political context of the military dictatorship and the moment of redemocratization of Brazil. This article analyses the song “Que País é Esse”, from the Brazilian
band Legião Urbana, which can be considered a committed art, going through a discourse
marked by contradiction, by irony and social criticism, which enable a reflection on our national
identity over the Brazilian Rock. It is utilized the method of discourse analysis to establish a
relation between the central elements of this artistic representation and the context of their
production and dissemination in the Brazilian society. It was checked that this source allows to
realize the tuning of an era, revealing how some social groups thought and expressed their
ideologies.
KEYWORDS: MUSIC, SOCIAL REPRESENTATION, LEGIÃO URBANA.
1
Graduada em Licenciatura em História (2013) pela Universidade Estadual de Ponta GrossaUEPG. Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta
Grossa(2014). Orientador: Miguel Archanjo de Freitas Júnior
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A música é um produto cultural presente no nosso dia-a-dia. Ela está em
diferentes lugares, tendo grande alcance e repercussão social, fato que levou a escolhêla como tema para se estudar aspectos políticos e sociais da história do Brasil.
Ao se falar de música não há um consenso entre os autores, o que eu venha a ser
música. Schafer (1992, p. 36) aponta que música é arte, uma atividade cultural, porém
para defini-la é necessário englobar todos os seus aspectos citados. E que estes aspectos
sejam definidos e apresentados, eis aí um obstáculo.
Música é um som organizado com ritmo e melodia, sendo o ritmo uma
sequência de combinações de apoios, e melodia uma série organizada de sons.
Organização é o que diferencia a música de um ruído na rua, por exemplo, mas também
pode ser desorganizada para que exista a música não precisa necessariamente que se
apresentem melodia e ritmo juntos. O que a distingue e a determina como música é a
intenção de ser música,esse o fator que faz dela uma música: a sua intenção, o fato de
ter sido composta para ser ouvida.
Ainda Schafer ( 1992, p. 51)argumenta que nem toda música é escrita, como a
música erudita e muito do jazz, por exemplo, onde não há letras. Porém o compositor
utiliza de valores básicos em sua composição, que assume uma maneira peculiar na
música, uma vez que esses valores tem o poder de afetar o ouvinte de variadas
maneiras. A música apresenta acordes tanto agudos como fortes, o que expressa certa
“agressividade”, e leves e graves, propagando talvez uma tristeza. “O papel do
compositor é usar esses materiais para produzir algo com significado e movimento”
(SCHAFER, 1992, p. 51). Ainda na perspectiva de compreendermos a música, nos
defrontamos com o ouvinte que assume uma função de integrante desse processo, pois é
a partir do homem que a música se consolida como produto cultural. A música é
formada por um conjunto de materiais que se diferencia de ruídos, como os sons
incidentes, como a buzina de um carro, por exemplo. “Schopenhauer disse que a
sensibilidade do homem para a música varia inversamente de acordo com a quantidade
de ruído com a qual é capaz de conviver”. O ruído seria aquilo que não tem a intenção
de ser música, barulhos que interferem naquilo que queremos ouvir.
Ao falar sobre música Ribeiro (2003, p. 18) se diferencia de Schafer pois Ribeiro
a enxerga como uma obra de arte, dotada de códigos e símbolos, com a intenção de
comunicar, podendo alterar o comportamento e até a visão de mundo daquele que a
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recebe. Enquanto Bennett(1986, p.12) defini que a música é formada por melodia,
harmonia, ritmo, timbre, tessitura e letra.
A música, além se seus acordes, melodias, ritmos, harmonia, também é formada
em sua maioria por letras, palavras cantadas formando um discurso articulado. As letras
das canções expressam ideias, comportamentos e representações, documentando a seu
modo às questões vividas de seu tempo, que podem expressar diferentes emoções e
temas correlatados, Ross (2010, p. 19) ressalta:
A música pode ser grande e séria, mas grandeza e seriedade não são
suas características definidoras. Ela também pode ser estúpida, vulgar
e insana. Os compositores são artistas, não colunistas de etiqueta; eles
têm o direito de expressar qualquer emoção, qualquer estado mental.
Segundo Pinto (2001, p. 223) a música também é possuidora de uma identidade
peculiar, e esta quase sempre em conexão com outras culturas . Ela tem a função de
comunicar, através da sua linguagem, suas letras e seus códigos. O que faz das suas
letras grandes propagadoras de culturas, crenças e um conjunto de ideias presente no seu
tempo, afirmando-se como produto identitário de um grupo social, de uma classe, de um
povo, expressando em suas letras valores e fragmentos históricos da realidade vivida.
Em outros termos, as músicas são fontes de representações culturais do seu tempo,
como também um meio de interação social e de comunicação entre indivíduo e grupo.
Tendo em vista que a música é um produto cultural expressivo de uma
identidade, dotado muitas vezes de um discurso de cunho ideológico, ela se caracteriza
como símbolo e representação presente na sociedade. É o caso das culturas nacionais.
Segundo o crítico cultural Stuart Hall
As culturas nacionais são compostas não apenas por instituições
culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura
nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influência
e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós
mesmos.(2011, p. 50)
Os compositores, assim como todos os artistas, são filhos do seu próprio tempo e
espaço. “Mozart só emerge claramente como um ser humano quando seus desejos são
considerados no contexto de seu tempo” (ELIAS, 1991, p. 15). As músicas (letra e
música) são assim frutos da história e dos próprios hábitos e ideologias que permeiam a
sociedade e a cultura em um determinado período histórico
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De um ponto de vista político, a música pode ter uma característica tanto
engajada como alienada e sem nenhum sentido, como pode ser problematizadora e
politizada, transmitindo anseios e insatisfações de determinados grupos, classes ou
segmentos sociais. Da mesma forma há diferentes estilos de músicas como por exemplo
que vai deste o samba ao rock. É neste último estilo que pretende-se abordar, nesse
projeto, uma músicas de rock brasileiro com uma letra de cunho político e social,
investigando as representações sobre a democracia e os problemas do sociais do pais.
A produção musical brasileira do século XX difundiu várias novas
sociabilidades, vindas da urbanização, da modernização, expressando valores
nacionalistas no Brasil, assim como conflitos sociais. Portanto, produzindo e
disseminando sentido ideológico e estético em suas canções. As expressões são visíveis
através de suas letras significativas, as quais muitas trazem uma série de valores,
representações. Sendo produtos de uma situação histórica, ela assume um papel não
apenas para ouvir, mas também para refletir. Conforme salienta Napolitano (2002, p. 5)
[...] a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX, a
tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias
sociais. Para completar, ela conseguiu ao menos nos últimos quarenta
anos, atingir um grau de reconhecimento cultural que encontra poucos
paralelos no mundo ocidental. Portanto, arrisco dizer que o Brasil,
sem dúvida uma das grandes usinas sonoras do planeta, é um lugar
privilegiado não apenas para ouvir musica, mas também para pensar a
música
.
Considerando a música como um meio de representações sociais, procuro
abordar na canção “Que país é esse” da banda Legião Urbana, uma música que trás
representações sociais de uma época vivida, analisando as críticas contrapondo com a
realidade histórica vivida e a composição da música. Produzida em 1978, porém
publicada apenas em 1987, no álbum “Que País é Este2, a música com o mesmo nome
do álbum revela o contexto social e político do país
A música faz uma indagação sobre quem somos? Que país é esse? País do
desenvolvimento, país de terceiro mundo, país do governo militar, da corrupção. País
das diferenças culturas, país do índio, dos imigrantes e do futebol. A resposta é que
somos uma mistura de povos, crenças e raças, com muito influência exterior.
2
URBANA. Disponível em<http://www.renatorusso.com.br/biografia-legiao-urbana/>. Acesso
em: 07 jul. 2014.
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Assim como aos poucos formamos a nossa identidade hibrida, não só nacional
como a identidade individual ela é complexa e fragmentada, uma vez que esta
diretamente ligada ao seu campo social em que o individuo está inserido e as ligações
que permeiam a sua vivência. Pois segunda Bauman( 2005, p. 17)
Tornamo-nos consciente de que o “pertencimento” e a “identidade”
não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida,
são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o
próprio individuo toma, os caminhos que percorre, a maneira como
age- e a determinação de se manter firme a tudo isso- são fatores
cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”
Nessa perspectiva, a identidade está sempre em construção, uma vez que ela não
é determinada e está sempre em um processo de reconstrução no seu espaço e tempo,
sendo constantemente resignificada na história. O contexto social e político do sujeito
influenciam no modo de produção da identidade, tanto na sua forma de “ser” individual
quanto de “pertencer” – à nação, por exemplo – na medida em que o indivíduo
encontra-se inserido em um processo social de longa duração.
O contexto social da ditadura civil e militar iniciou-se com o golpe político no
governo de João Goulart, presidente que governava com seus poderes limitados devido
ao governo parlamentarista, foi foco em seu mandato de grandes manifestações sociais,
tanto as ligas camponesas como os movimentos estudantis e organizações sindicais.
Goulart tentou instaurar uma política social democrática, trouxe um desconforto aos
conservadores, instituições que contribuíram para o golpe que o retirou do poder em
1964. Foi um processo de movimentos internos no governo e externos, agindo como
uma ação preventiva a uma revolução social, que culminou ao golpe. Florestan
Fernandes afirma que o caminho em direção ao socialismo foi determinante para a
retirada de João Goulart do poder. Instaurou-se uma ditatura no Brasil, impedindo a
ampliação da democracia. (DELGADO, 2009 p. 126-131).
Foram mais de vinte anos de ditadura civil militar, com o governo de Castelo
Branco 1964- 1967, Costa e Silva,1969- 1974 Médici 1969-1974, Geisel 1974-1979,
Figueiredo 1979-1985 e de 1985-1990 período da transição política na qual o Brasil já
era considerado democrático, porém ainda não havia se efetivado o voto direto, que
acabou acontecendo apenas em 1990 com a eleição de Fernando Collor. (COTRIM,
2008, p.556-573).
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Foi um aparelho militar, e não um líder, que assumiu o poder; começou
dominando o governo, depois o Estado. (CODATO, 2005). A partir do golpe ao
governo de João Goulart, com a justificativa de evitar o comunismo, a ditatura se
estendeu por mais de duas décadas. Com os poderes nas mãos, os militares utilizaram
de meios legais e ilegais para a sua legitimação no poder, a partir de atos institucionais
que determinavam a ordem vigente. A repressão, a perseguição, a censura, a prisão em
cárceres fechados, o exílio, a morte dos chamados “desaparecidos políticos”, são
consequências de um governo ditatorial no Brasil. (ARAUJO et al., 2013)
Durante a ditadura civil-militar, a democracia e a cidadania foram abafadas.
Como aponta Murilo de Carvalho, a cidadania estende-se a direitos civis (direito à vida
e à liberdade), sociais (direito à saúde, educação, trabalho) e também a direitos políticos
no que diz respeito à participação do indivíduo no governo e na sociedade, como o
direito de organizar partidos políticos e votar. Este último foi extinto totalmente durante
o regime. (CARVALHO, 2002, p. 10).
Para Arruda e Piletti (1995, p. 236) o poder era centralizado nas mãos do
presidente, que fazia parte de um junta militar em nome da segurança e do
desenvolvimento do país, porém esse desenvolvimento foi proporcionado par apenas
uma camada da sociedade. “De fato, os 10% mais ricos do país, que se apropriavam de
45,4% da renda nacional em 1960, passariam a apropriar-se de 54% em 1976.”3. Ou seja
o lucro foi destinado a uma camada elitista da população, sendo visualmente a
desigualdade social do país. Marcado pelo autoritarismo e repressão a todos aqueles que
iam contra o governo. Ainda salientam:
As publicações foram censuradas, as coonestações armadas reprimidas
com tortura e execuções; políticos casados. Perto de 5.000 pessoas
perderam os direitos políticos, entre militares, professores,
governadores, prefeitos, deputados federais, juízes,servidores
públicos.[...] Cerca de 150 militantes desapareceram e 180
mortos.(ARRUDA; PILETTI, 1995,p. 238)
Rezende (2003) afirma que o governo procurava uma interação com as
instituições sociais e os objetivos políticos, e que os poderes centrais se concentrava nas
mãos do executivo. Contudo censura,atos institucionais que limitavam e extinguiam
poderes individuais em determinadas instancias políticas, havia controvérsias.
3
ARRUDA; PILETTI, 1995. p.328
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Os representantes civis e militares do regime teimavam que não
haviam perda de direitos humanos para aqueles que confiavam na
compatibilidade de uma suposta fórmula de democracia com o regime
militar. O AI-5, por exemplo, não ameaçava, segundo eles, a maioria
da população, uma vez que estava de acordo com os seus dispositivos.
Havia uma nítida separação entre os que aceitavam as regras da
ditadura e os que contestavam. Subtrair alguns diretos de
determinados indivíduos era uma forma, diziam eles, de atender aos
interesses da maioria (REZENDE, 2013, p. 116)
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A democracia estava nas mãos do regime e sendo moldada por ele, em razão de
garantir a segurança econômica e social. E a repressão se destinava parapraticamente
quase todos os esquerdistas,assim como a prisão e a tortura, física e psicológica. O
Governo atuava de forma severa e tênue no regime militar.
Os militantes possuíam suas próprias linguagens, leis e códigos paralelos, era
como se eles tivessem exilados em seus próprio pais. Sem direito de expressão e de
intervenção, a sociedade era marcada por uma construção social demarcada por leis e
doutrinas (ARAUJO. et al, 2013).
Nos meios de comunicação e na indústria fonográfica, no regime ditatorial há
uma espéciede conflito de representações, pois os militares impõem o domínio e
escondem o país de desigualdade social, e de oposições representado nas letras das
músicas (muitas censuradas devido ao seu conteúdo, ser abusivo e conter criticam
sociais e ao governo). São letras, são músicas que representam o cenário político e
sociais que esses indivíduos vivem, e criam suas próprias representações, pois como
aponta Moscovici as representações sociais, fazem parte do nosso mundo, do cotidiano,
o que convivemos em sociedade, nos comunicamos, constitui a nossa realidade forma
como vemos ao nosso redor uns aos outros (MOSCOVICI 2003, p. 8).
As representações sociais são formadas em meio às relações sociais, e interação
indivíduo-sociedade; assim, as subjetividades, nesse processo das condições sociais são
moldadas e criadas. Desse modo, as representações sociais interfere no processo da
subjetivação. (JODELET, 2009. p. 688).Todas as relações entre duas ou mais sujeitos
conjectura representações. Um dos dobramentos dessa afirmação recai no problema da
mudança que as representações são capazes de provocar ao influenciar o
comportamento do indivíduo inserido em uma coletividade. Pois as representações não
são criadas de maneira isolada, é uma criação indivíduo-sociedade. O processo coletivo
intervém de forma decisiva na formação e transformação do pensamento individual.
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Somos nós quem criamos as representações sociais no escopo da sociedade sempre em
movimento, onde se criam, modificam-se, morrem. Estando elas ligadas a uma estrutura
social, ou comportamento, elas constituem a realidade social em que vivemos.
(MOSCOVICI, 2003, p. 40).
Se pensarmos aqui a música mais precisamente o rock brasileiro há muito de
subjetividade representada, o que faz do rock também uma representação coletiva à
medida que é aceito pelos ouvintes. Suas canções expressam os anseios de uma
coletividade, constituem símbolos e representações de uma identidade coletiva da
época, de modo que o sujeito sofre alterações do meio e exprime as suas representações
sociais. Portanto, música é um produto cultural que vincula críticas e ideologias. O que
nos faz pensar o rock brasileiro não apenas como música, como aponta Napolitano, mas
como música de cunho ideológico e reflexivo, propagador de críticas sociais.
(NAPOLITANO, 2002 p.6).
Ao analisar a música optamos pelo método de análise de discurso, que nos
permite compreender a letra da música, não apenas a categoria linguística, verbal do
discurso, mas o sentido que ele trás, ou seja: os elementos históricos, sociais, culturais,
ideológicos que cercam a produção de um discurso. Outro fator relevante é atentar para
o lugar do qual o sujeito está falando, ou seja, o meio social, cultural, que o sujeito está
inserido, vai influenciar na sua fala, assim como na interpretação de mundo que este
tem. (FOUCAULT, 1999)
Análise de discurso é um método qualitativo que depende de uma interpretação,
já que por vezes o discurso possui expressões dotadas da ideologia, trazem as visões e
aptidões daquele que está falando, se atendo especificamente com o sentido, com o
corpo do texto. Segundo Caregnato & Mutti (2006, p. 681)
A AD trabalha com o sentido e não com conteúdo do texto, um
sentido que não é traduzido, mas produzido; pode-se afirmar que o
corpus da AD é constituído pela seguinte formulação: ideologia
+história + linguagem. A ideologia é entendida como o
posicionamento do sujeito quando se filia a um discurso, sendo o
processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou
seja, o sistema de ideias que constitui a representação; a história
representa o contexto sócio histórico e a linguagem é a materialidade
do texto gerando “pistas” do sentido que o sujeito pretende dar.
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Desta forma, considera que os sentidos do texto também se refere à produção de
sentidos interpretativos, reconhecendo a forma lingüística enquanto social e histórica.
Uma música que nos permite essa o uso da metodologia de análise de discurso no
sentido histórico e social é a música “Que país é esse” da banda Legião Urbana³.
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
(LEGIÃO URBANA, 1987)
Levando-se em consideração que a música foi escrita em 1978 e só publicada em
1987, ela nos revela muito de contextos políticos históricos, e reflexos dos problemas
críticos do país. Na primeira frase o compositor estabelece uma crítica, nas “favelas e
no senado sujeira pra todo lado” favelas e senado ambos colocados na mesma frase,
pode ser interpretado a partir da análise de Bourdieu (1989, p. 11), como ambos
instrumentos de dominação, são dois campos que apresentam poder, dominação. O
Senado é um marcado pela ideologia, e campo de produções simbólicas termo qual
Bourdieu coloca como um produto coletivo e também apropriado, direcionado a um
interesse individual e que tendem a se apresentar como interesse coletivo. Assim as
relações de comunicação são relações de poder, que cumprem uma função de
instrumento de dominação e legitimação a partir de seu discurso que fazem parte de um
sistemas simbólicos, na qual essa legitimação e dominação contribui para a dominação
de uma classe sobre outras, o que Bourdieu vai chamar de violência simbólica. Nesse
sentido o Senado se encaixa de maneira que este é dotado de poder, na qual as leis
formuladas por uma classe (minoria) com seus interesses e que definem os interesses
coletivos.
Da mesma maneira o governo, como um aparelho representativo e ideológico,
mais especificamente o período do regime militar ( 1964-1985) produziu representações
sociais sobre distintos aspectos, e formulou a sociedade conforme o interesse político de
um grupo de governantes, estes que praticavam uma “violência simbólica” além da
física.Como aponta ainda Bordieu(1989,p.11)
As diferentes classes e fracções de classes estão envolvidas numa luta
propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social
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mas conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tornadas
de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo
das posições sociais
O senado âmbito de representatividade, assim como próprio governo autoritário
estava sob vigência ditatorial( 1964- 1985) E apenas em 1978 começou a haver o início
de abertura política , os poderes ainda se estendiam. Estes atos institucionaiseram como
normas e decretos que estavam acima da própria constituição.
Nas favelas, que o compositor se refere, é passível de interpreta-la além da
violência física, como uma violência simbólica a medida que é representada nas mídias
e noticiários. Sendo um campo de poder na qual o bandido é o detentor da autoridade e
das leis da comunidade. É um espaço de dominação de poder na qual manda aquele que
o possui, seja ela algum motivo, seja por dinheiro, por drogas, por aliados, ou qualquer
outra instância. O poder de dominação como aponta Bourdieu( 1989, p. 13) esta nos
conflitos simbólicos da vida quotidiana constituindo o campo de produções simbólicas.
Se atendo a outro ponto considerando a alta inflação que atingiu o governo de
Medici devido ao fim do “milagre econômico”que subiu de forma descontrolada o
aumento das favelas e de pessoas na condição de pobreza cresceu significativamente
nesse período, sendo visíveis as desigualdades sociais e regionais, na medida em que os
ricos enriqueciam com o desenvolvimento do pais, e os pobres sofriam com o aumento
da inflação e o desemprego. (ARRUDA; PILETTI, 1995, p.325)
Na frase seguinte “Ninguém respeita constituição, mas todos acreditam no futuro
da nação”.Pode ser analisada em relação ao regime ditatorial os (AI) atos institucionais,
decretos que eram superiores a própria constituição, modificando-a e fazendo valer
aquilo que estava vigente no ato, era superior a constituição à medida que valia o que
estava no AI e não na constituição, ou seja os AIs criados pelo poder executivo, eram
normas que violavam os direitos civis, pois em detrimento a segurança nacional, iam
contra aos adversários do regime político, ou seja extinguindo o seu direito de
expressão, de se comunicar, ate o direito de fazer greve, paralisações legais não eram
leis aprovadas pelo Congresso Nacional, assim como perseguições, torturas, censuras,
desparecidos políticos. (FAUSTO, 1995, p. 465). Ou seja, fazendo com que a própria
constituição seja como um órgão ineficiente, não respeitado, pois na medida que o
presidente pode altera-la conforme os seus interesses. E até mesmo o desrespeito que há
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com normas e leis que na maioria das vezes não são cumpridas pelos próprios políticos,
e mesmo a corrupção.
Quando na segunda linha, a música se refere, “mas todos acreditam no futuro da
nação”. O Governo de Medici expressa bem essa categoria, pois o país atingiu um
elevado crescimento, ministrado pelo Delfim Neto, o PIB aumentou, a inflação
diminuiu, e a população estava mais esperançosa. A facilidade do crédito pessoal
aumentou, ecom isso o número de compra de televisores também aumentou, a indústria
se expandia.“Foi à época que muitos brasileiros idosos de classe média, levantavam não
ter condições biológicas para viver até o próximo milênio, quando o Brasil se
equipararia com o Japão” (FAUSTO, 1995 p. 485).
Porém o milagre econômico durou pouco, pois as suas vulnerabilidadesse
tornaram visíveis, era uma política voltava não para a situação econômica do próprio
país, mas para uma situação externa que se encontrava favorável, com empréstimos
internacionais. Mas com o aumento do preço do petróleo no mercado externo, a
economia brasileira sofreu grande choque, com isso a inflação começou a subir e a
divida externa aumentou. Com isso se configurou uma grave crise econômica, e assim a
ditadura foi perdendo a sua autonomia, pois o regime ditatorial não era capaz de garantir
o desenvolvimento. Com isso a revolução a favor da volta da democracia crescia cada
vez mais. (COTRIM, 2007, p.563)
O refrão trás “Que país é esse” o que nos revela uma indignação com o país,
diante do governo ditatorial, a corrupção, as diferenças sociais, regionaise das demais
instâncias, no âmbito da crise econômica, a alta inflação, a censura, e a violação da
democracia. O Brasil encontra-se em um período dramático, com varias mudanças
políticas e sociais, marcado pela desigualdade social. (ARRUDA; PILLETTI, 1995, p.
325).
No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na baixada fluminense
Mato grosso, Minas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
(Ibid.)
Nessa estrofe da música são citadas diversas regiões do Brasil, regiões com
acentuadas desigualdades politicas e sociais, quando citada no Araguaia analisamos a
referência a Guerrilha do Araguaia foi um movimento rural existente na região da
Amazônia, ao longo do rio Araguaia, região onde Goiás, Pará e Maranhão fazem divisa.
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Criada pelo PCB (partido comunista brasileiro) entre 1970 e 1971, esses militantes se
espelhavam na Revolução Cubana e Revolução Chinesa, o intuito se seguir os mesmos
caminhos, iniciou o movimento. O exército descobriu em 1972 este foco no Rio
Araguaia, mas apenas em 1975 o exército extinguiu com os militantes, cerca setenta
deles são considerados até hoje como “desaparecidos políticos”. Foi uma grande
repressão política, que aconteceu em 1975 no rio Araguaia. Porém o fato foi silenciado,
pois a censura comprimia qualquer informação negativa sobre o regime. (FAUSTO,
1995, p. 485).
Configurando o cenário da ditadura, a censura e a repressão se fazem presente na
Guerrilha do Araguaiá, assim nas frases posterior, na baixada fluminense (região do Rio
de Janeiro), Mato Grosso, Minas Gerais e Nordeste; são estados com acentuadas
diferenças sociais e econômicas. Assim Fausto (1995, p.467) aponta que a repressão
mais violenta se deu no campo, especificamente no Nordeste região referindo se as ligas
camponesas, e nas cidades, no meio urbano os sindicados eram os alvos das
perseguições, muitos de seus dirigentes acabavam sendo presos.
Na morte eu descanso
Mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
(Ibid.)
Remetendo-me a censura, nessa estrofe quando é mencionado “Na morte eu
descanso, mas o sangue anda solto, manchando os papéis, documentos fiéis ao descanso
do patrão”pode se interpretar diante da censura, das tantas perseguições e prisões. Como
aponta Fausto (1995) a censura se estendeu nos meios de comunicação, nas escolas.
Sendo tirados de seus cargos funcionários públicos, políticos, professores, jornalistas,
escritores, músicos. Todos acusados de crime contra o regime, através da censura
limitados e exilados, torturados, presos e até mortos.(p. 480)
Carlos Fico(2003) argumenta que a censura existe há muito tempo no Brasil, no
Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) com o famoso DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda) que censurava os meios de comunicação e divulgava as
características positivas do Estado e de Getúlio Vargas.(p.252)
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No regime político, com o AI-5 e com a “operação limpeza” com prisões,
cassações de mandatos, e vários militantes desaparecidos, documentos adulterados,
desaparecidos camuflando as mortes aos adversários do regime. A Intenção era eliminar
todos aqueles que pregavam a revolução, o comunismo, iam contra o regime de extrema
direita, seja ele na música, na arte, nas escolas, nos jornais. (p. 254)
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
(Ibid.)
Aqui nesta última estrofe, o compositor reforça sobre a situação econômica do
país, fazendo uma ponte com a situação econômica do país já mencionada
anteriormente, o Governo do Medici (1969-1974) e o “milagre econômico”, que não
teve um duração como esperávamos, pois se baseava no comércio exterior, que com o
aumento do petróleo, acabou que gerou uma alta inflação no Brasil, entrando então
numa crise.
Na frase “Quando vendemos todas as almas, dos nossos índios num leilão” a
interpretação que fazemos aqui é em relação a outro problema no Brasil em relação aos
índios e a colonização.
Ao se discutir toda a questão histórica da colonização no Brasil compreendemos
que um processo social, econômico, político e social. Na medida em que os indígenas
foram submetidos à cultura europeia, hábitos e modo de vida, religião. O cotidiano dos
indígenas mudou completamente, e da mesma maneira foram explorados, assim como
submetidos àsubmissão. (JUNIOR, 1970, p. 21)
Foram tratados como “tabulas rasas” assim a suas culturas sufocadas. Um
exemplo disso Boaventura trata ao falar da colonização, que também teve uma
desvalorização no conhecimento. A sua visibilidade está na invisibilidade das formas de
conhecimento, referindo-se aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses,
ou indígenas. O colonialismo foi também uma dominação epistemológica, uma relação
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desigual do saber-poder. O colonialismo fez com que povos colonizados tivessem
muitas de suas formas peculiares de saber suprimidas. ( SANTOS, 2010, p. 31)
Assim a essa ação de sufocamento das demais epistemologias e suas culturas
acarretou no que o autor chama de epistemicídio. Devastadores de sabres locais,
desvalorizando e superiorização de tantos outros. O pensamento moderno ocidental é
um pensamento abissal, ou seja, um pensamento dotado de buracos,aquele pensamento
queé excludente em sua hegemonia e acaba por suprimir e opor-se a outras versões
epistemológicas. Possuem distinções visíveis e invisíveis, as visíveis são as que dividem
a realidade social em dois lados “deste lado da linha” e do “outro lado da linha”,
consiste que acaba que o lado de lá se torna inexistente, é excluído, permanece exterior
ao universo. (SANTOS, 2010, p. 34).
Podemos pensar os índios também como sujeitos produtores de representações
sociais tiveramsua cultura local sufocada, e seu trabalho escravo em trocas de migalhas,
assim como a desvalorização da religião e seus hábitos, todos modificados com a vinda
dos portugueses no Brasil.
Em um de seus estudos sobre representações sociais, Moscovici (2003, p. 43)
concorda com a ideia de Frege de que o pensamento é o principal meio que influência
tanto pequenos quanto grandes acontecimentos, que de fato não teriam acontecidos sem
a comunicação de pensamento. Porém caminhamos em um sentido a desconsiderar os
pensamentos como reais, talvez por não serem palpáveis e sim abstratos, pois sentimos
a sua influência, mas não os vemos necessariamente.
Ao estudar sobre as representações sociais nos debruçamos sobre o ser humano e
suas problemáticas, suas perguntas, desejos e inquietações, compreendendo o homem
como indivíduo e ser social pensante que busca de respostas para o sentido de sua
própria existência. Dessa forma, esta pesquisa procura incorporar a música, e mais
especificamente o rock nacional, a Banda Legião Urbana e a sua canção “Que país é
esse”seu contexto político da ditadura, no âmbito dessas representações de cunho
ideológico. Conforme o questionário de Moscovici (2003, p. 43)
O que é uma sociedade pensante? Essa é a nossa questão e é issoque
nós queremos observar e compreender, através do estudo (a) das
circunstâncias em que os grupos se comunicam, tomam decisões e
procuram tanto revelar, como esconder algo, e suas ações e crenças,
isto é, das suas ideologias, ciências e representações (MOSCOVICI,
2003, p. 43)
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Entendemos que os indivíduos da geração jovem são pensantes, e nem todos são
manipulados pela mídia, pela ideologia de uma classe social, ou institucional. Ou seja,
não são caixas vazias, rasas, são articuladores e disseminadores de questões criticas
políticas que muitas vezes são explicitas no rock brasileiro em suas músicas. De modo
geral, essas letras expressam o descontentamento com a situação econômica, social,
histórica que o país está enfrentando. Trazem reflexos daquilo que vivem, e reflexos da
história que estão inseridos.Nesse sentido, as letras das músicas são um meio de
comunicação problematizadora, compostas e consumidas culturalmente por jovens que
vivenciam os problemas e produzem representações sociais do mundo em que vivem.
Moscovici( 2003, p. 45) ressalta:
[...] pessoas e grupos, estão longe de serem receptores passivos,
pensam por si mesmos, produzem e comunicam incessantemente suas
próprias e especificas representações e soluções às questões que eles
mesmos colocam.
Na história do rock brasileiro há muito de subjetividade representada, o que faz
do rock também uma representação coletiva à medida que é aceito pelos jovens. Suas
músicas expressam os anseios de uma coletividade, constituem símbolos e
representações de uma identidade coletiva da época, de modo que o sujeito sofre
alterações do meio e exprime as suas representações sociais. Portanto, música é um
produto cultural que vincula críticas e ideologias. O que nos faz pensar o rock brasileiro
não apenas como música, como aponta Napolitano, mas como música de cunho
ideológico e reflexivo, propagador de críticas sociais. (NAPOLITANO, 2002 p.6).
E estas músicas como geradoras e formadoras de representações sociais, pois na
medida que é produzida e vivenciada no âmbito de uma sociedade marcada por códigos,
símbolos e histórias, as representações de seu contexto político se faz presenta, e elas
nos direciona para a realidade vivida, elas não são dadas, mas são construídas e fazem
parte do processo ao longo da história, e que esta relacionada a uma camada da
sociedade, seja por questão política, social, identitária, econômica
As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. [...]
[...] As lutas de representações têm tanta importância como as lutas
econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo
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impõe, ou tenta impor a sua concepção do mundo social, os valores
que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990: 16-17).
Contudo a música traz referências a um mundo, a uma realidade, seja ela no
campo social, emocional a música é indenitária, é discursiva, que nos traz ideologias e
símbolos, que queremos comunicar.
E então nos perguntamos que país é esse? País das regiões desiguais, da
corrupção, do autoritarismo, da democracia? Que país é esse? Um país colonizado, com
culturas sufocadas, tradições estilhaçadas. País da violência física, da violência
simbólica. Todos esses correlatos vemos demarcados na música “Que país é esse”,
música” algumas representações e frases escancaradas, e nas entrelinhas, passíveis de
interpretação.
Nesse sentido a música é um documento que nos revela muito do que o autor
que nos comunicar e da nossa identidade criada a partir da realidade social, que estamos
inseridos. Como toda interpretação também está ligada ao meio social que o indivíduo
está inserido, a interpretação que faço aqui permeia a subjetividade aliado ao campos
histórico, social e político, com a intenção de compreender partir dessas instâncias as
representações sociais dos problemas de um país, a partir de um viés documental, pois
toda música também é um documento para se analisar e pesquisar historicamente e
socialmente.
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