Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):62-65 janeiro/fevereiro Relato de Caso 3 Araújo et al. Ruptura de Parede Septal e Corda Tendínea de Valva Tricúspide Pós-infarto Relato de Caso Ruptura de Parede Septal e Corda Tendínea de Valva Tricúspide após Infarto Agudo do Miocárdio Ventricular Septal Perforation and Rupture of the Chordae Tendineae of the Tricuspid Valve after Acute Myocardial Infarction Marcos Antônio Leão de Araújo1, Andrea Machado Salgado2, Leilian de Souza Amorim3, Marlúcia do Nascimento Nobre2 Resumo Abstract Ruptura de parede septal (RPS) no infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma complicação com alta mortalidade, com incidência de 0,2% na era da reperfusão miocárdica. Relata-se um caso de paciente com IAM associado à RPS, e possível rotura de cordas tendinosas da valva tricúspide. Postinfarction ventricular septal perforation (VSP) is a high-mortality complication with an incidence of 0.2%. This paper presents a case report on a patient presenting VSP in association with a possible rupture of the chordae tendineae of the tricuspid valve. Palavras-chave: Infarto agudo do miocárdio; Ruptura do septo ventricular; Ecocardiograma; Valva tricúspide, Cordas tendinosas Keywords: Acute myocardial infarction; Ventricular septal perforation; Echocardiography; Tricuspid valve; Chordae tendineae Introdução Relato do Caso Das complicações mecânicas secundárias ao infarto agudo do miocárdio (IAM), encontra-se a ruptura de parede livre (1%), ruptura de parede septal (RPS) (0,2%), insuficiência mitral (13-45%), ruptura de músculo papilar (RMP), pseudoaneurisma e aneurismas ventriculares verdadeiros1,2. Paciente masculino, 53 anos, tabagista, agricultor, natural e procedente do interior do Amazonas. Apresentou, após esforço físico, quadro de dor torácica típica com duração de 2 horas, associada à sudorese e vômitos. Após 48 horas, evoluiu com dispneia aos mínimos esforços e ortopneia. O ecocardiograma é o exame ideal para avaliação de todas as complicações do IAM3. Devido à piora, procurou atendimento primário, ficando internado por 10 dias, sendo posteriormente transferido para hospital terciário visando à melhor investigação. À admissão, apresentava: edema de m e m b ro s i n f e r i o re s , d i s t e n s ã o a b d o m i n a l , hepatomegalia, dispneia, turgência jugular, crepitações em bases pulmonares, presença de terceira bulha e sopro holossistólico (4+/6+) em borda esternal esquerda baixa. Relata-se um caso de RPS que evoluiu com grande comunicação interventricular (CIV) associada à imagem sugestiva de ruptura de corda tendínea de valva tricúspide. 1 2 3 Programa de Pós-graduação (Residência em Ecocardiografia) - Universidade Federal do Amazonas - Manaus, AM - Brasil Hospital Universitário Getúlio Vargas - Universidade Federal do Amazonas - Manaus, AM - Brasil Programa de Pós-graduação (Residência em Clínica Médica) - Universidade Federal do Amazonas - Manaus, AM - Brasil Correspondência: Marcos Antônio Leão de Araújo E-mail: [email protected] Rua 22 nº 450 - Japiim I - 69077-230 - Manaus, AM - Brasil Recebido em: 04/09/2012 | Aceito em: 12/11/2012 62 Araújo et al. Ruptura de Parede Septal e Corda Tendínea de Valva Tricúspide Pós-infarto Relato de Caso Os exames mostravam radiografia torácica com aumento de área cardíaca e eletrocardiograma com ritmo sinusal e área inativa inferior. Ecocardiograma transtorácico (ETT) revelou: aumento de câmaras cardíacas, disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (VE) de grau moderado, acinesia da parede inferior, da região septal inferior e da parede livre do ventrículo direito (VD), associada à RPS com formação de grande CIV tipo muscular de 1,7 cm, melhor visualizado no eixo curto paraesternal e quatro câmaras. Apresentava ainda imagem filamentar na extremidade do folheto septal tricúspide, sugerindo uma possível rotura de cordoalha associada à insuficiência moderada (Figuras 1 e 2). Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):62-65 janeiro/fevereiro Encaminhado ao serviço de cirurgia cardíaca, sendo realizada correção cirúrgica, mas o ETT do pósoperatório mostrou duas CIV (Figura 3). Nova abordagem cirúrgica revelou septo friável dificultando a correção. O paciente foi a óbito por choque séptico e cardiogênico. Figura 3 Ecocardiograma transtorácico pós-operatório: À esquerda: corte paraesternal longitudinal revelando CIV apical; À direita: corte paraesternal transversal revelando CIV em terço médio da região inferior do septo interventricular. CIV- comunicação interventricular Discussão Figura 1 Ecocardiograma transtorácico pré-operatório, corte paraesternal transversal, mostrando comunicação interventricular em terço médio da região inferior do septo interventricular. Rupturas cardíacas são complicações com alta mortalidade que podem surgir durante a evolução de pacientes com IAM. Dentre os tipos, incluem-se: ruptura de parede livre do VE, RPS e RMP4. RPS no IAM apresenta alta mortalidade e sua incidência foi reduzida de 2%, na era pré-trombolítica, para 0,2% com a terapia de reperfusão5. Morfologicamente, as RPS são classificadas como: simples, quando a perfuração ocorre no mesmo nível do septo, sem extensa hemorragia ou laceração, sendo mais comuns nos infartos de parede anterior; complexa, com perfuração de tratos irregulares, extensa hemorragia e maior incidência nos infartos inferiores6. Figura 2 Ecocardiograma transtorácico pré-operatório, corte apical 4 câmaras, revelando imagem filamentar oscilante na extremidade do folheto septal da tricúspide, sugestiva de cordoalha tendínea rota (seta). A apresentação típica é de um paciente com IAM cujo estado clínico deteriora, com aumento da dispneia, dor torácica e choque cardiogênico. Ao exame físico apresenta sopro holossistólico ao longo da borda esternal esquerda, irradiado para a base, ápice e área paraesternal direita6. Apesar de a RPS ser mais frequente em pacientes do sexo feminino, idade >60 anos e em infartos de parede anterior, o paciente relatado tinha idade <60 anos, sexo masculino e apresentava infarto de parede inferior5. 63 Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):62-65 janeiro/fevereiro A associação de infarto de parede inferior (com comprometimento de ventrículo direito), RPS e insuficiência tricúspide ocasionada por isquemia de músculo papilar com ruptura ou não, é uma entidade rara descrita em relatos de caso7. A imagem sugestiva de rotura de cordoalha de valva tricúspide do paciente relatado talvez esteja relacionada à isquemia parcial do músculo papilar ou mesmo por comprometimento das cordas que se originam do septo que associadas à dilatação de câmaras direitas poderiam justificar o refluxo tricuspídeo8. O ecocardiograma é o exame ideal no manejo de pacientes com IAM, permitindo avaliar suas complicações, mesmo as não suspeitadas clinicamente4,5,9-11. Técnicas de Doppler são usadas para definir local e tamanho da RPS, função de VE e VD, pressão sistólica estimada do ventrículo direito e o shunt esquerda-direita 5. Há relatos de que a sensibilidade e a especificidade para a detecção de RPS pelo ecocardiograma possam chegar a 100%10,11. Estima-se a mortalidade em 30 dias, um ano e cinco anos em 62%, 72% e 95%, respectivamente, nos indivíduos com essa complicação, apesar dos avanços na terapia medicamentosa, percutânea e cirúrgica. Os preditores de mau prognóstico são choque cardiogênico, infarto inferior, sexo feminino, idade e insuficiência ventricular direita12-14. Em relação à terapêutica pode ser instituído: inotrópicos, vasodilatadores, balão intra-aórtico e dispositivo de assistência ventricular, na tentativa de estabilizar o paciente. Contudo, devido à alta mortalidade dos pacientes mantidos em tratamento clínico, a cirurgia para correção da CIV é o tratamento de escolha e baseia-se na hemodinâmica do paciente: aqueles instáveis devem ser submetidos à intervenção precoce e os estáveis devem ter o procedimento postergado para permitir cicatrização, facilitar a cirurgia e reduzir mortalidade5,6,14,15. O retardo no diagnóstico e tratamento devido à avaliação inicial ter sido em hospital primário, no interior do Estado, associado à demora no atendimento de alta complexidade, pode ter influenciado o prognóstico desfavorável. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. 64 Araújo et al. Ruptura de Parede Septal e Corda Tendínea de Valva Tricúspide Pós-infarto Relato de Caso Vinculação Acadêmica O presente estudo está vinculado ao Programa de pósgraduação (Residência Médica em Ecocardiografia e Clínica Médica) do Hospital Universitário Getúlio Vargas (AM). Referências 1. Raj V, Karunasaagarar K, Rudd JH, Screaton N, Gopalan D. Complications of myocardial infarction on multidetector-row computed tomography of chest. Clin Radiol. 2010;65(11):930-6. 2. Lehmann KG, Francis CK, Dodge HT. Mitral regurgitation in early myocardial infarction. Incidence, clinical detection, and prognostic implications. TIMI Study Group. Ann Intern Med. 1992;117(1):10-7. Erratum in: Ann Intern Med. 1992;117(4):349. 3. Janis G, Khianey S, Joshi S, Herzog E. Acute complications of myocardial infarction. In Herzog E, Chaudhry F, eds. Echocardiography in acute coronary syndrome. diagnosis, treatment and prevention. 2nd ed. London: Springer-Verlag; 2009. p. 269-318. 4. 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Ruptura de Parede Septal e Corda Tendínea de Valva Tricúspide Pós-infarto Relato de Caso 12.Crenshaw BS, Granger CB, Birnbaum Y, Pieper KS, Morris DC, Kleiman NS, et al. Risk factors, angiographic patterns, and outcomes in patients with ventricular septal defect complicating acute myocardial infarction. GUSTO-I (Global Utilization of Streptokinase and TPA for Occluded Coronary Arteries) Trial Investigators. Circulation. 2000;101(1):27-32. 13.Poulsen SH, Praestholm M, Munk K, Wierup P, Egeblad H, Nielsen-Kudsk JE. Ventricular septal rupture complicating acute myocardial infarction: clinical characteristics and contemporary outcome. Ann Thorac Surg. 2008;85(5):1591-6. Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):62-65 janeiro/fevereiro 14.Arnaoutakis GJ, Zhao Y, George TJ, Sciortino CM, McCarthy PM, Conte JV. Surgical repair of ventricular septal defect after myocardial infarction: outcomes from the Society of Thoracic Surgeons National Database. 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