Fala para o painel “O licenciamento ambiental no Brasil” do

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Fala para o painel “O licenciamento ambiental no Brasil” do
Seminário Licenciamento, Proteção Ambiental e Desenvolvimento
São Paulo, 29 de julho de 2004
Délcio Rodrigues
Instituto Vitae Civilis
Os Grupos de trabalho em Energia e Mudanças Climáticas do Fórum Brasileiro de ONGs
e Movimentos Sociais prestam sua solidariedade ao esforço que o MMA empreende para
navegar na turbulência do questionamento que o processo de licenciamento ambiental
vem sofrendo. Não vemos excessos no licenciamento ambiental, não o vemos como
entrave burocrático. Quando os estudos e o próprio processo de licenciamento são bem
feitos, não somente podem ser evitados problemas ambientais e sociais, como também
melhorada a qualidade das obras. Um bom processo de licenciamento acaba por diminuir
custos públicos e privados, e evita que os atingidos paguem pelos efeitos negativos de
obras mal planejadas.
O questionamento do licenciamento ambiental, mesmo que justificado em relação a
algumas questões secundárias, aparece num momento em que setores do próprio
governo dizem explicitamente que o meio ambiente não deve impedir o crescimento.
Parte do empresariado e muitos setores do governo recusam-se a incorporar nos seus
cálculos os custos ambiental e social. Recusam-se a aceitar que nem tudo é possível em
nome do desenvolvimento. Confundem desenvolvimento econômico com melhoria de vida
para o país e para as pessoas.
QUESTÕES ESTRUTURAIS:
1 – Hoje: paradigma da adequação ambiental
O licenciamento ambiental atualmente realizado no Brasil é desenhado a partir do que
podemos chamar de "paradigma da adequação ambiental", no qual o empreendimento é
prioritário, na prática não podendo ser questionado. Assim, como a obra tem que ser
construída, não se discute sua sustentabilidade socioambiental, e o licenciamento tem por
tarefa tornar a obra possível do ponto de vista de algumas normas ambientais, desde que
estas não a inviabilizem. São assim geradas "externalidades sociais e ambientais" que,
uma vez não introduzidas nos custos das obras, geram um passivo gigantesco.
Tal como hoje estruturado, o licenciamento ambiental não enxerga as pessoas e
comunidades atingidas pelos empreendimentos. Enxerga indivíduos proprietários, e não
comunidades e grupos sociais que preenchem um papel na preservação do meio
ambiente. Faltam instrumentos de análise que possam estudar o peso e o significado para
o meio ambiente e para o desenvolvimento da população que vai ser atingida: Como
cuidam da biodiversidade? Das águas? Quantos empregos serão perdidos? Quantos irão
sem alternativa para a cidade? Qual problema social tal empreendimento vai produzir, a
curto e médio prazos e, por tabela, qual problema ambiental (criação de uma
aglomeração sub-urbana sem empregos e sem estado de direito, por exemplo)?
2 – Futuro: mudar para paradigma da sustentabilidade socioambiental
O que queremos é um licenciamento que avalie a sustentabilidade ambiental e social dos
empreendimentos. No caso da hidreletricidade, as concessões são hoje feitas com base
em um inventário do potencial de geração. Este precisa ser comparado com outros
inventários - das condições ambientais e sociais das bacias hidrográficas - para que se
possa analisar sua sustentabilidade social e ambiental. O "mapa" das hidrelétricas do
MME não é pensado vis-a-vis o mapa da biodiversidade do MMA, por exemplo.
Licenciamentos para barragens precisam ser analisados não apenas pelo impacto do
reservatório, mas pelos efeitos provocados na bacia hidrográfica. Muitas vezes são
previstas várias barragens em um mesmo rio, mas o estudo de impacto analisa apenas
uma unidade e não esta no conjunto de empreendimentos previsto, minimizando assim os
efeitos provocados pelas obras em "cascata" num mesmo rio ou bacia. Entretanto, deve
ser ressaltado que a avaliação integrada dos empreendimentos não exclui a avaliação de
cada empreendimento.
E o instrumento do licenciamento deve operar sobre outros instrumentos que propiciem
uma definição estratégica do que se quer com o recurso natural ou região em que o
empreendimento se insere. Avaliações estratégicas e zoneamentos econômicoecológicos devem ser estabelecidos como marcos referenciais para – entre outras coisas
– o licenciamento.
QUESTÕES PROCESSUAIS:
Apesar do licenciamento ser concebido numa perspectiva de "adequação" e não de
“sustentabilidade", ele não funciona como deveria ou poderia hoje. Mas não vemos o
problema colocado no IBAMA ou nos órgãos estaduais, necessariamente. Há falta de
pessoal, de capacitação etc, é verdade, mas não é isto o essencial.
1 – Inadequação das práticas dos empreendedores
Entendemos que o principal problema está na inadequação das práticas dos
empreendedores, que precisam deixar de pensar no licenciamento como mera
formalidade e deixar de olhar o ambiente – e as pessoas atingidas – como entraves.
2 – Qualidade dos EIA-RIMAs
Como o licenciamento ambiental não é visto como procedimento importante, os EIA-RIMA
acabam sendo de má qualidade. São conhecidos exemplos de EIA-RIMAs de hidrelétricas
que dizem que o lago terá "XX Km2". São também conhecidos exemplos de EIA-RIMAs
que são cópias de outros, como o de Murta, MG, copiado do de Irapé, no mesmo rio
Jequitinhonha.
Os empreendedores precisam exigir qualidade nestes estudos, para que estes deixem de
ser simplesmente uma formalidade e passem a ser parte importante do planejamento da
obra.
3 – EIA-RIMAs com vício de origem
Os EIA-RIMA apresentam o vício de origem de serem produzidos por profissionais
contratados pelos empreendedores. A contratação de EIA-RIMAs em licitação pública,
com fundos depositados pelos empreendedores e gerenciados pelo Estado com
participação da sociedade civil contribuiria para a solução deste problema, e talvez a
proposta do novo modelo do setor elétrico também venha a contribuir. Já se falou de
contra-RIMAs como forma de empoderar a sociedade civil no processo, mas esta idéia
não foi a frente.
4 – Participação e controle social
Os EIA-RIMAs não incorporam o chamado "scoping process" (ampla consulta aos
atingidos ou pessoas diretamente afetadas pelo empreendimento). Para os atingidos, a
participação social no licenciamento acaba sendo pró-forma. Ocorre numa audiência
pública tardia, quando as decisões importantes já foram tomadas. A sensação que se
tem é de se falar e não ser considerado. A participação é vista como oportunidade das
pessoas falarem e não como tomada de decisão. Os conhecimentos locais são
desconsiderados. Os moradores rurais são desrespeitados e ridicularizados. São vistos
como símbolos de atraso, mal informados etc.
A população tem muita dificuldade de acesso aos processos. Há pouca transparência. Há
entraves até mesmo financeiros: por exemplo, uma cópia de xerox, uma folha custa mais
de R$ 0,30 na FEAM-MG. Impossível para um atingido ir a BH e ainda tirar cópias de
documentos.
A falta de transparência, de controle social e de respeito aos atingidos com certeza é um
forte indutor da judicialização dos processos. É necessário aumentar a clareza para com
a sociedade, ai incluídos todos os atores sociais que podem demandar licenças, como
empresas, proprietários, instituições governamentais, atingidos etc.
5 – Inobservância dos apontamentos técnicos
São registrados pelos movimentos sociais vários casos nos quais os relatórios dos
técnicos dos próprios órgãos ambientais não vêm sendo observados nas decisões, e nos
quais as decisões tomadas são essencialmente políticas, o que acaba sendo mais um
fator da ação do MP e da judicialização dos processos de licenciamento.
No caso de Murta, MG, o órgão ambiental pediu várias complementações para dar
chance ao empreendedor, que vem escrevendo aos jornais criticando a morosidade dos
órgãos, enquanto não cumpriu nem um dos prazos dados pela FEAM até hoje.
6 – Não cumprimento de condicionantes
O exemplo da UHE Irapé é paradigmático: A barragem mais alta do Brasil (204 metros de
altura) no Vale de Jequitinhonha foi aprovada com 47 condicionantes, que não foram
cumpridos pelo empreendedor, a CEMIG. Embora tenha sido elaborado em 2002 um
TAC junto ao COPAM e o Ministério público que obrigava o reassentamento de mais de
1200 famílias (5000 pessoas), ainda não foram disponibilizadas terras apropriadas para
este fim. A CEMIG quer encher o reservatório no novembro e a disputa política e jurídica
esta em pleno andamento.
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