diagnóstico e tratamento de paracoccidioidomicose

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DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PARACOCCIDIOIDOMICOSE: RELATO DE
CASO CLÍNICO
Rosario JS, Toledo PF, Nicolau RA, Deco CP, Canettieri ACV
Universidade do Vale do Paraíba - UNIVAP, Faculdade Ciências da Saúde - FCS, Curso de
Odontologia, Av. Shishima Hifumi, 2911 – Urbanova, São José dos Campos – SP
[email protected]; [email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
Resumo - A paracoccidioidomicose é causada pelo fungo Paracoccidioides brasilienses e é a micose
sistêmica mais frequente da América Latina. A doença apresenta alta incidência no Brasil e
representa a terceira causa de óbito por doença infecciosa crônica no país. O objetivo do trabalho foi
abordar o tema da paracoccidioidomicose, enfatizando seus aspectos bucais, por meio do relato de
um caso diagnosticado na cidade de São José dos Campos-SP. O paciente apresentava lesão com
aspecto moriforme, característico da doença, contudo a citologia esfoliativa e a biópsia não
permitiram a confirmação do diagnóstico, o que só foi possível com a realização do teste sorológico.
O paciente foi considerado curado após um ano de tratamento com antifúngico. A capacidade do
cirurgião-dentista em diagnosticar precocemente a doença e fazer o encaminhamento para
tratamento médico diminui consideravelmente as sequelas bucais e sistêmicas.
Palavras-chave: Paracoccidioidomicose, Blastomicose sul-americana
Área de conhecimento: Odontologia
Introdução
A paracoccidioidomicose é uma doença causada pela infecção pelo fungo Paracoccidioides
brasilienses (MUNIZ et al., 2002; PALMEIRO et al., 2005; WANKE; AIDÊ, 2009; NEVILLE et al.,
2009). A micose ocorre com maior frequência na América Latina e tem alta incidência no Brasil
(PALMEIRO et al., 2005; VIEIRA; GALERA, 2006; ARMAS et al., 2012), sendo a micose sistêmica de
maior prevalência no país (DIAS et al., 2015) e terceira causa de óbito por doença infecciosa crônica
em zona rurais (WANKE; AIDÊ, 2009). Ocorre principalmente em homens entre a quarta e quinta
décadas de vida, sem predileção étnica (OLIVEIRA et al., 2005; FRANÇA, 2008; WANKE; AIDÊ,
2009; ARMAS et al., 2012). Os trabalhadores rurais são os mais afetados, devido à inalação do fungo
que fica latente no solo (YASUBA et al., 2006) e que se instala nos pulmões, podendo disseminar-se
por diversos órgãos.
O acometimento bucal é bastante comum e costuma ser uma das primeiras manifestações da
doença, que apresenta lesões com aspecto granular, eritematoso, ulcerado e com um fino pontilhado
hemorrágico (PALMEIRO et al., 2005), o que justifica a nomenclatura estomatite moriforme. As áreas
mais acometidas são lábios, língua, orofaringe e mucosa jugal (PALMEIRO et al., 2005; NEVILLE et
al., 2009).
A confirmação da hipótese de diagnóstico pode ser obtida, principalmente, por meio de citologia
esfoliativa, biópsia, cultura microbioĺógica ou teste sorológico. O tratamento da paracoccidioidomicose
é realizado pelo médico, contudo, a alta frequência de manifestações bucais como primeiro sinal da
doença faz com que o cirurgião-dentista exerça papel fundamental em seu diagnóstico precoce, com
capacidade de minimizar a ocorrência de sequelas.
O presente trabalho teve como objetivo abordar o tema da paracoccidioidomicose, enfatizando
seus aspectos bucais, por meio do relato de um caso diagnosticado na cidade de São José dos
Campos-SP, Brasil.
Metodologia
O estudo consistiu em um relato de caso de paracoccidiomicose oral diagnosticado na clínica de
Odontologia da UNIVAP, localizada em São José dos Campos, - SP. O projeto foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer 1.218.466.
XX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XVI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI
Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba.
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Relato de caso: Paciente J.R.G., do gênero masculino, leucoderma, com 62 anos, compareceu em
maio de 2013 na clínica de Estomatologia- UNIVAP encaminhado por uma UBS de São José dos
Campos. Ao exame clínico foi detectada uma lesão ulcerada no limite palato duro/palato mole;
medindo, aproximadamente, 25mm de diâmetro. A ulceração apresentava leito esbranquiçado com
pontos hemorrágicos, bordas elevadas, mas não endurecidas (Figura 1). O aspecto clínico da lesão
levou à hipótese de paracoccidioidomicose, sem descartar, contudo, carcinoma epidermóide. Durante
a anamnese, o paciente relatou ser tabagista e hipertenso controlado, estando sob tratamento
médico.
Figura 1- Úlcera com leito branco-amarelado com a presença de pápulas avermelhadas
Três meses após a consulta inicial foi realizada uma biópsia incisional na região de interface entre
o provável tecido sadio e área de lesão. A peça anatômica foi fixada em formol a 10% e encaminhada
para análise histopatológica (Figura 2). A cicatrização da região operada seguiu parâmetros
compatíveis com a normalidade.
A
B
C
Figura 2 – Biópsia incisional (A). Peça cirúrgica para o exame anatomopatológica (B). Aspecto clínico
após sutura da região (C).
O exame microscópico apresentou lesão revestida por epitélio pavimentoso estratificado
hiperparaqueratinizado, exibindo áreas de acantose, espongiose e exocitose focal. A lâmina própria
era constituída por tecido conjuntivo denso que exibia infiltrado inflamatório rico em plasmócitos,
apresentando áreas de coleções eosinofílicas. O laudo anatomopatológico apresentou o diagnóstico
de um processo inflamatório crônico inespecífico, com a observação que não se poderia descartar a
suspeita de tuberculose ou hanseníase.
Frente ao diagnóstico inconclusivo, foi solicitada a coleta de escarro e baciloscopia para pesquisa
do bacilo da tuberculose (BAAR). A enfermeira da UBS, relatou dificuldade em se coletar o escarro, já
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que o paciente não apresentava secreção. Foram realizadas duas coletas e os resultados foram
negativos para BAAR (outubro de 2013). O paciente foi, então, encaminhado para o Centro de
Tratamento e Prevenção em Tisiologia, Dermatologia Sanitária e Lesões (CTP) de São José dos
Campos, para avaliação da possível infecção por hanseníase. Durante este período, houve piora no
quadro clínico (Figura 3), pois a lesão estendeu-se posteriormente até a úvula, e na região anterior
atingiu o rebordo alveolar esquerdo. O paciente começou a referir sensibilidade dolorosa,
principalmente quando deglutia.
Figura 3- Aumento da ulceração para posterior, em direção à úvula, e para a região lateral esquerda,
atingindo o rebordo alveolar. Úlcera com pontos eritematosos bem evidentes - aspecto moriforme da
lesão.
No mês seguinte (novembro de 2013) foi realizada uma nova coleta de escarro para realização de
pesquisa de neoplasia (coloração de Papanicolaou) e fungos (colorações de PAS e Grocott).
Novamente houve dificuldade na obtenção de material, por não haver secreção, e o resultado foi
negativo em ambas as análises. Os exames de Papanicolau e PAS foram repetidos, dessa vez com
material obtido por meio da citologia esfoliativa da lesão oral. Os achados histológicos confirmaram
ausência de células neoplásicas e de fungos, mas detectaram presença de quadro inflamatório.
Passado mais um mês (dezembro de 2013), foi solicitado um exame sorológico (imunodifusão
dupla) para paracoccidioidomicose em dois laboratórios, com resultados positivos para anti- P.
brasiliensis em ambos (titulações: 1/16 e 1/2). No CTP (Centro de tratamento e Prevenção em
Tisiologia, Dermatológica Sanitária e Lesões), o corpo médico iniciou o tratamento com antifúngico
(Itraconazol 100mg, uma vez ao dia, uso contínuo).
Um mês após o início do uso do antifúngico (janeiro de 2014), o paciente relatou ausência de
desconforto e, clinicamente, foi observada cicatrização completa da úlcera, (Figura 4).
Figura 4- Cicatrização da ulcera em palato, após tratamento em antifúngico.
O paciente continuou sendo acompanhado (abril, junho e setembro de 2014), e nove meses após
o início do tratamento, além da lesão já não ser mais detectada clinicamente, a mucosa se
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apresentava com maior vascularização. As próteses totais novas estavam bem adaptadas, sem
causar incômodo.
A equipe médica interrompeu o tratamento com antifúngico após um ano de uso contínuo
(dezembro de 2014). O paciente foi acompanhado quatro e sete meses após o término da terapia
antifúngica (abril e julho de 2015), ocasiões em que não se queixou de sintomas e apresentou
mucosa palatina com aspecto de normalidade (Figura 5). O paciente foi orientado a retornar à Clínica
odontológica da UNIVAP a cada 6 meses para controle, ou imediatamente, caso notasse alguma
alteração.
Figura 5- Aspecto da mucosa palatina sete meses após o término do tratamento com antifúngicos.
Discussão
A paracoccidioidomicose também é conhecida como blastomicose sul-americana. Seu agente
etiológico, o Paracoccidioides brasiliensis é um fungo dimórfico, de 5 a 25 µm de diâmetro, com
parede dupla e que pode exibir múltiplos brotamentos (TOLENTINO et al., 2010; PALMEIRO et al.,
2005). Em sua forma saprófita, habita plantas, solo e água, na forma de hifas, crescendo a 37ºC e
adequando-se a solos úmidos e ricos em proteínas (BOER; CAMARGO, 2014). Consequentemente,
os trabalhadores mais suscetíveis à infecção são aqueles cujas atividades estejam relacionadas ao
contato com o solo como cultivo e transporte de vegetais, terraplanagem, jardinagem, dentre outros
(YASUDA et al., 2006). Os países da América do Sul são os que apresentam maior ocorrência da
paracoccidioidomicose (PALMEIRO et al., 2005; VIEIRA; GALERA, 2006; ARMAS et al., 2012). No
Brasil, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul são os mais acometidos (NETO et al., 2003). O caso apresentado ocorreu na cidade
de São José dos Campos, interior do estado de São Paulo, Brasil.
O presente relato de caso envolveu um homem, de 62 anos de idade. A paracoccidioidomicose
ocorre de nove a quinze vezes mais em homens do que mulheres (FRANÇA et al., 2008; NEVILLE et
al., 2009). A diferença da contaminação entre os gêneros está associada a uma proteção hormonal
que impede a progressão da doença em mulheres (NETO et al., 2003). O beta-estradiol inibe a
transformação das hifas dos micro-organismos para a forma de leveduras, que é a forma patogênica.
Segundo Neville (2009), essa teoria se deve ao fato de haver o mesmo número de mulheres e
homens que apresentam anticorpos contra leveduras.
A via de infecção mais comum é a respiratória, por meio da inalação dos esporos dispersos no ar,
ao se manipular o solo, e que se instalam nos pulmões (MUNIZ et al., 2002). A instalação do fungo
diretamente na mucosa bucal pode ocorrer pelo hábito de mascar vegetais e usar talos e gravetos
contaminados para palitar os dentes (OLIVEIRA et al., 2005). Não foi comprovada a transmissão por
contato interpessoal ou a transmissão congênita (OLIVEIRA et al., 2005).
O comprometimento pulmonar ocorre em torno de 70 a 80% dos pacientes contaminados, que
podem apresentar tosse, dispneia, febre, perda de peso e hemoptise (MELHADO et al., 2002).
Faringe e laringe também podem ser acometidas e, na cavidade bucal, os sítios mais comuns são
palato, gengiva e língua. Mais raramente, pode ocorrer a instalação do fungo na maxila, podendo
levar à perfuração do palato duro (VIEIRA; GALERA, 2006). No exame extrabucal pode apresentar
macroqueilia, palidez facial, edema e linfadenopatia cervical. As lesões bucais ocorrem
simultaneamente em vários sítios com aspecto granular, eritematoso e ulcerado e com um fino
pontilhado hemorrágico. Essa condição é denominada estomatite moriforme (PALMEIRO et al.,
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2005). As lesões observadas no caso relatado estavam de acordo com os dados literários, pois
apresentavam o aspecto moriforme e a região envolvida foi o limite palato duro/palato mole.
A suspeita diagnóstica, levantada durante o exame clínico, pode ser confirmada por radiografia
pulmonar, citologia esfoliativa e biópsia (MELHADO et al., 2002; PALMEIRO et al., 2005). Os cortes
histopatológicos, corados por PAS ou por prata metenamina de Grocott-Gomori, revelam múltiplos
brotamentos fúngicos ligados à célula-mãe, classicamente descritos como "orelhas de Mickey" ou
"leme de marinheiro" (NEVILLE et al., 2009). O diagnóstico também pode ser confirmado por cultura
dos micro-organismos, com a desvantagem do fungo crescer lentamente, e testes sorológicos
(BATISTA et al., 2011). Os testes sorológicos mais utilizados são imunodifusão dupla (ID),
contraimunoeletroforese (CIE), imunofluorêscencia indireta (IFI), ensaio imunoenzimático (ELISA) e
imunoblot (IB), com sensibilidade variando entre 85 a 100% de acordo com a metodologia empregada
(YASUDA et al., 2006; PEREIRA et al., 2012). A multiplicidade de técnicas para confirmação da
paracoccidioidomicose demonstra a dificuldade de seu diagnóstico. No caso relatado, a biópsia, que
costuma ser definitiva, apenas revelou um processo inflamatório inespecífico. A citologia esfoliativa e
a baciloscopia também não detectaram a a presença do fungo, tendo sido a última bastante
prejudicada pela dificuldade na coleta de escarro do paciente. A comprovação do diagnóstico foi
obtida apenas após teste sorológico (imunodifusão dupla) que detectou a presença de anti-P.
brasiliensis nas amostras.
A paracoccidioidomicose faz diagnóstico diferencial com carcinoma, tuberculose, lúpus
eritematoso, histoplasmose, coccidiodomicose, sarcoidose, sífilis, granulomatose de Wegener,
granuloma inguinal, actinomicose e leishmaniose (MELHADO et al., 2002). Hanseníase e tuberculose
foram hipóteses levantadas durante o processo diagnóstico pelo aspecto ulcerado da lesão.
O tratamento da paracoccidioidomicose é feito com antifúngicos, como itraconazol,
sulfametoxazol com trimetoprim ou anfotericina B, prescritos pelo médico (PALMEIRO et al., 2005;
YASUDA et al., 2006). A cura clínica do paciente é observada quando o exame micológico, se
possível realizado com a cultura, e as provas sorológicas forem negativas (FRANÇA et al., 2008). No
caso relatado, após a confirmação do diagnóstico, foi feita a prescrição de itraconazol, e o paciente
notou melhora dos sintomas após um mês de uso do fármaco. Após um ano de tratamento, a
medicação foi interrompida por indicação médica, contudo, não foi realizado exame micológico para a
comprovação da cura pois obteve-se melhora clínica significativa e durante todo o tratamento não foi
possível a detecção do fungo na lesão.
Conclusão
A paracoccidioidomicose apresenta grande incidência na população brasileira e a presença de
lesões bucais, estomatite moriforme, é um dos primeiros sinais da doença. A partir do caso clínico
abordado no presente estudo, foi possível demonstrar a capacidade do cirurgião-dentista em
diagnosticar precocemente a doença e fazer o encaminhamento para tratamento médico adequado,
diminuindo consideravelmente as sequelas bucais e sistêmicas.
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