UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NELSON RABECA DOS RIOS JÚNIOR Itajaí (SC), junho de 2008. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATOS NELSON RABECA DOS RIOS JÚNIOR Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor: Natan Ben-Hur Braga Itajaí (SC), maio de 2008. AGRADECIMENTO Agradeço a Deus, pela força e coragem que Ele me tem concedido. “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” Fl 4:13. Agradeço a minha família pelo amor e dedicação, em fim, por toda colaboração que tenham prestado. DEDICATÓRIA À minha namorada, que sempre esteve ao meu lado, prestando o amor mais sincero que um homem pode esperar. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), 30 de maio de 2008. Nelson Rabeca dos Rios Junior Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo Graduando NELSON RABECA DOS RIOS JÚNIOR sob o título CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO foi submetida em [__________] à banca examinadora composta pelos seguintes professores: [__________________,_________________,__________________________], e aprovada com a nota [_______] (_____________________) Itajaí (SC), maio de 2008. Natan Ben-Hur Braga Orientador e Presidente da Banca Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916 CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 ROL DE CATEGORIAS Contrato Contrato é o negócio jurídico bilateral ou plurilateral gerador de obrigações para uma ou todas as partes, às quais correspondem direitos titulados por elas ou por terceiros1. Função Social Assim, a Função Social do Contrato atende sempre a exigência éticas e sociais, incorporando valores, princípios e regras de conduta abonadas uniformemente pela sociedade. Reside também no conceito de Função social, portanto a idéia de bem comum, de interesse geral2. Função Social do Contrato Assim a Função Social do Contrato é um princípio do direito contratual expressado por uma cláusula geral3. 1 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, 3º v. – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 22. SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.156. 3 AGUIAR Jr. Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a Concretização das Cláusulas Gerais: Limites e Responsabilidade, p. 225. 2 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO ........................................................................................ I CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATOS ...................................................................................... I RESUMO........................................................................................... XI INTRODUÇÃO ................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4 CONTRATOS: HISTÓRICO, CONCEITO E PRINCÍPIOS.................. 4 1.1 HISTÓRICO DE CONTRATO ...........................................................................4 1.1.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONTRATUAL .................................................................4 1.1.2 DIREITO ROMANO .............................................................................................5 1.1.3 DIREITO CANÔNICO...........................................................................................6 1.1.4 DO JUSNATURALISMO À REVOLUÇÃO FRANCESA ................................................7 1.2 CONCEITO DE CONTRATO ............................................................................9 1.3 PRINCÍPIOS DOS CONTRATOS ...................................................................10 1.3.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE ............................................................12 1.3.2 PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS........................................13 1.3.3 PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS..................................................14 1.3.4 PRINCÍPIO DA PROBIDADE E DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS .................................16 1.3.5 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA ................................................17 1.4 INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS .........................................................17 1.5 TEORIA DA IMPREVISÃO .............................................................................19 CAPÍTULO 2 .....................................................................................21 DOS CONTRATOS EM GERAL........................................................21 2.1 REQUISITOS DE VALIDADES DOS CONTRATOS ......................................21 2.1.1 REQUISITOS SUBJETIVOS.................................................................................21 2.1.2 REQUISITOS OBJETIVOS ..................................................................................21 2.1.3 REQUISITOS FORMAIS .....................................................................................22 2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ..........................................................22 2.2.1 DOS CONTRATOS QUANTO SUA NATUREZA .......................................................22 2.2.2 DOS CONTRATOS QUANTO SUA FORMA ............................................................25 2.2.3 DOS CONTRATOS QUANTO SUA DESIGNAÇÃO ....................................................26 2.2.4 DOS CONTRATOS QUANTO SUA RECIPROCIDADE ...............................................27 2.2.5 DOS CONTRATOS QUANTO SEU TEMPO DA EXECUÇÃO .......................................27 2.2.6 DOS CONTRATOS QUANTO SEU OBJETO ...........................................................28 2.2.7 DOS CONTRATOS QUANTO SEU MODO DE FORMAÇÃO ........................................29 2.3 EFEITOS DOS CONTRATOS ........................................................................30 2.3.1 ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO .............................................................34 2.3.2 O CONTRATO POR TERCEIRO A DECLARAR .......................................................36 2.4 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS .....................................................................38 2.4.1 DISTRATO ......................................................................................................38 2.4.2 CLÁUSULA RESOLUTIVA ..................................................................................39 CAPÍTULO 3 .....................................................................................41 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO ......................................................................................41 3.1 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS ..............................................................41 3.2 FUNÇÃO SOCIAL ..........................................................................................45 3.2.1 A FUNÇÃO SOCIAL E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ................................................47 3.2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ...............................................................48 3.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO...............52 3.3.1 FUNÇÃO SOCIAL COMO PRINCÍPIO DO DIREITO CONTRATUAL ..............................53 3.3.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A INTEGRAÇÃO COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS. ........................................................................................................56 3.3.3 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A INTEGRAÇÃO COM OS DEMAIS RAMOS DO DIREITO...................................................................................................................57 3.3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO AO DIREITO...................................................................................................................58 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................59 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...........................................62 RESUMO A presente Monografia tem como objeto os Contratos e a Função Social. O seu objetivo é fazer uma análise acerca da aplicabilidade da Função Social nos Contratos. Para iniciar o presente trabalho científico, são apresentados em uma abordagem concisa, o histórico, conceito e princípios dos Contratos. Importante ressaltar que tais análises servirão de aporte teórico necessário ao estudo do tema principal do referido trabalho. Apresentada a base primordial dos Contratos, ainda que sucinta, a pesquisa volta-se, a análise da classificação e dos princípios contratuais. O terceiro e último do presente trabalho, trás o estudo das considerações da Função Social do Contrato, objetivo principal do presente trabalho científico. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o tema. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o Contrato e a Função Social. O seu objetivo é fazer uma análise acerca da aplicabilidade da Função Social nos Contratos. Para tanto, principia–se, no capítulo 1, o histórico do Contrato e a evolução do direito contratual, passando pelo direito romano, pelo direito canônico, pelo jusnaturalismo à revolução francesa. Após traz-se o conceito de Contrato e os seus princípios: princípio da autonomia da vontade, princípio da força obrigatória dos Contratos, princípio da relatividade dos Contratos, princípio da probidade e da boa-fé nos Contratos, princípio da supremacia da ordem pública e ateoria da imprevisão No capítulo 2, trabalham-se os Contratos em geral, seus requisitos de validades dos Contratos, requisitos subjetivos, requisitos objetivos, requisitos formais, sua classificação, dos Contratos quanto sua natureza, dos Contratos quanto sua forma, dos Contratos quanto sua designação, dos Contratos quanto sua reciprocidade, dos Contratos quanto seu tempo da, execução, dos Contratos quanto seu objeto, dos Contratos quanto seu modo de formação, seus efeitos, estipulação em favor de terceiro, o Contrato por terceiro a declarar, finalizando com a extinção dos Contratos pelo distrato e pela cláusula resolutiva. No capítulo 3, trabalha-se a Função Social do Contrato, iniciando com os interesses transindividuais, passando para a função social, a Função Social e a constituição de 1988, a Função Social da propriedade, a evolução histórica da Função Social do Contrato, a Função Social como princípio do direito contratual, a Função Social do Contrato e a integração com os demais princípios contratuais, a Função Social do Contrato e a integração com os demais ramos do direito, finalizando com a Função Social do Contrato e sua interpretação e aplicação ao direito. 2 O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o tema. Para a presente monografia foram levantados os seguintes problemas: 1. Como é conceituada no ordenamento jurídico brasileiro 2. Qual a finalidade dos princípios no ramo do direito e a palavra Contrato? como se dá a interpretação dos Contratos em face destes princípios? 3. Encontra-se na doutrina requisitos de validade do Contrato e qual a Função Social do Contrato? Para tanto foram levantadas as seguintes hipóteses: 1. São múltiplos os conceitos existentes nas doutrinas acerca da palavra Contrato; 2. Os princípios no ramo do direito são linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções; a interpretação opera sempre sobre um ato de vontade, exprima-se este na lei ou no negócio jurídico. 3. Encontra-se conforto na doutrina no que tange a classificação dos requisitos de validade do Contrato ao proclamar a existência de requisitos subjetivos, objetivos e formais. O fim social que a lei visa é a proteção do indivíduo e sua personalidade, bem como da sociedade como um todo. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. 3 Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 CONTRATOS: HISTÓRICO, CONCEITO E PRINCÍPIOS. Para iniciar o presente trabalho científico, se faz necessário uma abordagem concisa sobre o histórico, conceito e princípios dos Contratos. Importante ressaltar que tais análises servirão de aporte teórico necessário ao estudo do tema principal do referido trabalho. 1.1 HISTÓRICO DE CONTRATO 1.1.1 Evolução do direito contratual No que se refere ao início do direito contratual, para 4 Marques o direito contratual encontra suas raízes no direito romano. Já Santos5 noticia a gênese do direito contratual ao Antigo Egito, o doutrinador salienta que uma das benesses da mudança da propriedade comum para a propriedade privada é a iniciação dos Contratos. Santos6 enumera como alguns Contratos típicos da época a locações de barcos, prestações de serviços instituição de servidões e transações com móveis. A força obrigacional dos Contratos na época, só encontrava arrimo se invocado o juramento sob o nome do faraó, que garantia o cumprimento do pacto sob a égide de penas gravosas. Apesar da longitude temporal, os Contratos já eram extremamente formais, se não constasse da precisão de algumas frases, o Contrato poderia não alcançar o fim almejado7. 4 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.35. 5 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato. Florianópolis: OAB/SC editora, 2004. p.20. 6 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.20. 7 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.20. 5 O estudo do Contrato no período egípcio deve ser deixado de lado em virtude da análise do direito contratual no berço do direito ocidental, ou seja, o direito romano-germânico. 1.1.2 Direito Romano Foi no direito romano que surgiram as inovações na teoria contratual, porém, em essência, não se dissociou muito do mundo egípcio 8. Contudo, é inegável que o direito romano é berço do direito contratual9. No que alude à origem do Contrato, leciona Wald10: Na realidade, o Contrato nasceu formalista e típico, no Direito romano, para transformar-se em um instrumento válido pelo fato de ser uma manifestação de vontade do indivíduo e, em conseqüência, um instrumento vinculatório que fazia o papel da lei entre as partes, na concepção dos enciclopedistas que inspiraram a Revolução Francesa e o Código Civil. Portanto a diferença do Contrato romano para o egípcio é a desvinculação, na formação, do caráter religioso para a ordem da razão11. De igual forma, foi no direito romano que veio a reger o método pelo qual, haveria de ser conduzido os atos solenes indispensáveis e aplicáveis às formas de manifestação de vontades, através da stipulatio e da promissio que consistiam numa promessa solene feita em público, e que vinculava de forma absoluta a pessoa que a proferisse. A palavra Contrato, [...], no mais antigo Direito romano significava apenas o ato por meio do qual o credor atraía a si o devedor, submetendo-o ao seu jugo, como refém, garantia do inadimplemento do débito assumido. Tal era o resultado da idéia originária de obrigação, nascida com um caráter eminentemente penal: a pessoa, não o patrimônio, é que constituía o objeto da responsabilidade pelo débito assumido. O Contrato era o ato 8 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.24. WALD, Arnoldo. Um novo direito para a nova economia: a evolução dos Contratos e o código civil. CD-ROM Juris Sintese Millennium, Porto Alegre - RS, v. 43, 2003. 10 WALD, Arnoldo. Um Novo Direito Para a Nova Economia: A Evolução dos Contratos e o Código Civil, op. cit. 11 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.22. 9 6 constitutivo da obligatio; o nexum, no seu aspecto de fonte da obrigação, ou aquele estado físico de prisão, em que o devedor passava a garantir com a sua pessoa a própria dívida. Só depois da responsabilidade transformar-se de pessoal em patrimonial, [...], é que se começou por distinguir os Contratos dos pacta e da conventio, sob o ponto de vista de que só os Contratos pertencentes a uma daquelas categorias previstas no direito romano, eram protegidos pelas ações12. Por sua vez, não cumprido o contratado, resultaria na actio ex stipulatio, criando o direito assim, uma sanção ao descumprimento de tal formalidade, de modo que contribuía para dar maior garantia jurídica a essas relações. Outros atos solenes também compunham o sistema romano, com o nexum a sponcio, que uma vez respeitados davam origem a obligatio. 1.1.3 Direito Canônico No direito canônico surge a teoria clássica do direito contratual13. A igreja, por meio de auxílio dos canonistas, possibilitou a idéia de que as pessoas poderiam celebrar Contratos sem a necessidade de tanto rigorismo. Apenas através da palavra de honra, baseada no princípio da pacta sunt servanda e respaldada por instrumento que assegurasse o seu cumprimento. Gomes14 aduz: A contribuição dos canonistas consistiu basicamente na relevância que atribuíram, de um lado, ao consenso, e, do outro, à fé jurada. Em valorizando o consentimento, preconizaram que a vontade é a fonte da obrigação, abrindo caminha para a formulação dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo. [...] O respeito à palavra dada e o dever da veracidade justificam, de outra parte, a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas, fosse qual fosse a forma do pacto, tornando necessária à adoção 12 LOPES, Miguel Maria de Serpa. LOPES, Serpa. Curso de direito civil. 3. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1.991.v. 3. p. 32. 13 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p.40. 14 GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 5. 7 de regras jurídicas que assegurassem a força dos Contratos, mesmo os nascidos do simples consentimento dos contraentes. Neste contexto, o direito canônico menosprezou o juramento do direito romano e passou a dar uma força vinculante ao pacto e ao Contrato, deste modo destruindo a diferença basilar dos institutos. A diferença no direito romano entre o pactum e contractum era que o contractum somente existia na forma típica, sendo reservado aos pactos as demais negociações15. Portanto, foi o direito canônico que deu fim a esta distinção, acabando com a diferença entre o pactum e contractum16. Foi do direito canônico que nasceram os denominados, mais tarde, vícios de vontade17. São ensinamentos de Marques18: O direito canônico contribuiu decisivamente para a formação da doutrina da autonomia da vontade e, portanto, para a visão clássica do Contrato, ao defender a validade e a força obrigatória da promessa por ela mesma, libertando o direito do formalismo exagerado e da solenidade típicos da regra romana. O simples fato de nascer uma obrigação jurídica, como fruto do ato do homem. É o direito canônico que vulgariza a fórmula ex nudo pacto nascitur. Para os canonistas, a palavra dada conscientemente criava uma obrigação de caráter moral e jurídico para o indivíduo. Assim, livre do formalismo excessivo do direito romano, no direito canônico, o Contrato se estabelece como forma de instrumento abstrato e como categoria jurídica. 1.1.4 Do Jusnaturalismo à Revolução Francesa O jusnaturalismo concedeu uma imensa contribuição, o clímax do direito contratual19, ressalta-se: 15 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.26 e 27. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p.40. 17 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p. 27. 18 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 40 16 8 São os jusnaturalistas que levam o contratualismo ao seu apogeu, baseando num Contrato a própria estrutura estatal (O Contrato Social de Rousseau) e fazendo com que em determinadas legislações o Contrato não mais se limite a criar obrigações, podendo criar, modificar e extinguir qualquer direito, inclusive os reais20. Com a Revolução Francesa a autonomia de vontade ganha novo fôlego, sendo impulsionada pelo movimento da burguesia. A autonomia de vontade foi inserida no Código Civil Francês de 1804, inovando as idéias individuais e voluntaristas, sendo inspirador para que vários códigos fossem elaborados, inclusive o brasileiro de 191621. Na análise da Função Social retoma-se o pensamento a partir da revolução francesa, dando ênfase aos direitos metaindividuais. Entretanto, Leciona Coelho22: Podem-se divisar, na evolução do tratamento que o direito dispensa aos acordos entre os sujeitos privados, três modelos fundamentais. O primeiro, em que prevalece sempre a vontade das partes, e a interferência do aparato estatal limita-se, basicamente, a garantir tal prevalência (modelo liberal); o segundo, em que a interferência do aparato estatal substitui, em determinadas situações, a vontade manifestada pelas partes por regras de direito positivo (modelo neoliberal); e, por fim, o terceiro, em gestão, em que se distingue o acordo feito por sujeitos privados iguais do Contrato entre os desiguais, como intuito de prestigiar a vontade das partes naquele e tutelar o economicamente mais fraco neste (modelo reliberalizante). Ressalta-se que o segundo e terceiro modelo citado serão tratados dentro da perspectiva da Função Social do Contrato. 19 WALD. Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Obrigações e Contratos. Volume II, 12ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 161. 20 WALD. Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Obrigações e Contratos, p. 161. 21 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p.42. 22 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, 3º v. – São Paulo: Saraiva 2005, p. 05. 9 1.2 CONCEITO DE CONTRATO Segundo Lopes23, “a formação do conceito de Contrato, [...] representa uma conquista, fruto de uma longa evolução”. São múltiplos os conceitos existentes nas doutrinas acerca da palavra Contrato. O Contrato é um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas de natureza bilateral que visa assim a uma regulamentação de interesses entre as pessoas, com a finalidade de modificar, adquirir ou extinguir relações jurídicas de caráter patrimonial. “O Contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados”24. Para Beviláqua25: Num Contrato, as partes contratantes acordam que se devem conduzir de determinado modo, uma em face da outra, combinando seus interesses, constituindo, modificando ou extinguindo obrigações. Para Pereira26, situa-se a noção estrita de Contrato em rol mais detalhado como sendo um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. E destaca que27: É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, em o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. 23 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil, p. 31. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 23. 25 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das obrigações, p. 132. 26 PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 2. 27 PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 2. 24 10 Ensina Bulgarelli28, que o Contrato pode ser tomado em várias acepções: Em sentido amplo, como o negócio jurídico com origem num concurso de vontades, que costuma também ser confundido com a convenção, e ainda como o conjunto de normas, ou seja, o Contrato normativo. Em sentido estrito, o Contrato pode ser entendido como o acordo de vontades gerador de efeitos obrigacionais. Para Gomes29, o conceito vincula-se ao ato jurídico: A escala na genealogia do conceito de Contrato sobe ao negócio jurídico, denominado entre nós ato jurídico, e daí para o fato jurídico. Nessa perspectiva, o Contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral. Portanto, pode conceituar Contrato como sendo um acordo de vontades com o intento de produzir efeitos jurídicos e ainda, constituir, regulamentar ou extinguir entre duas ou mais partes, uma relação jurídicopatrimonial. 1.3 PRINCÍPIOS DOS CONTRATOS Etimologicamente a palavra princípio exprime início, começo ou primeiro instante. Na definição do dicionário Antônio Houaiss da Língua Portuguesa, princípio é “o que serve de base para alguma coisa; causa primeira, raiz, razão30”. Celso Antônio Bandeira de Mello31 acerca dos princípios descreve: Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia 28 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis, p. 56. GOMES, Orlando. Contratos, p. 4. 30 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2.299. 31 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de direito administrativo, p. 230. 29 11 sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Plá Rodriguez32 afirma que são “linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientarem a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”. Os princípios, no ramo do direito, são vistos como fundamentos, regras basilares, dispostos a ordenar o sistema jurídico, inclusive, o legislativo quando propõe a norma. Em suma, tem maior importância do que a norma e servem como as primeiras verdades do ordenamento jurídico, inclusive para balizar qualquer norma ou interpretação, os princípios são os alicerces de qualquer operador do Direito 33. No direito contratual não existe uma paridade entre os autores para tratar sobre a matéria de princípios. Gonçalves autonomia da vontade, traz sete princípios supremacia da ordem do pública, direito contratual, consensualismo, realatividade dos Contratos, obrigatoriedade dos Contratos, revisão dos Contratos e boa-fé34. Wald, por sua vez, traz em sua obra quatro princípios, quais sejam, autonomia da vontade, supremacia da ordem pública, obrigatoriedade dos Contratos e da boa-fé35. 32 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho, p. 16. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8ª ed. 4º v. – Rio de Janeiro, Forense, 1984. p. 447. 34 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito das Obrigações: Parte Especial, p. 08/12 35 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos, p. 189. 33 12 No presente trabalho, Tendo em vista a diversidade de princípios que os autores apresentam, discorrer-se-á sobre os princípios, abaixo elencados. 1.3.1 Princípio da autonomia da vontade O princípio da autonomia da vontade vem sendo considerado ”essencial para a eficácia do negócio jurídico, uma vez que os contraentes devem declarar a sua vontade de forma livre, séria e no sentido da contratação”36. Gomes37, acerca do conceito genérico da autonomia da vontade leciona: Significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. No exercício desse poder, de toda pessoa capaz tem aptidão para provocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se. [...] Outros conceituam a autonomia da vontade como um aspecto da liberdade de contratar, no qual o poder atribuído aos particulares é o de se traçar determinada conduta para o futuro, relativamente às relações disciplinares da lei. No que se refere à liberdade contratual, é o ensinamento de Wald38: A liberdade contratual permite a criação de Contratos atípicos, ou seja, não especificadamente regulamentados pelo direito vigente, importando na possibilidade para as partes contratantes de derrogar as normas supletivas ou dispositivas, dando um conteúdo próprio e autônomo ao instrumento lavrado. O autor39 prossegue: Quanto à liberdade de contratar, tem sido mantida em termos gerais, embora, em determinados casos, possa constituir infração 36 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos, p. 84. GOMES, Orlando. Contratos, p. 22. 38 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos, p. 185. 39 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos, p. 185. 37 13 à lei a pessoa deixar de vender determinado artigo, por considerar o sistema legislativo vigente tais omissões como contrárias à ordem econômica e social estabelecida. Braga40 contribui com a matéria descrevendo, que é seguindo essa idéia de liberdade, que o código civil insere no art. 421 que a liberdade de contratar será exercida nas razões e limites da função social, como se verá adiante. O princípio da autonomia da vontade é aplicável aos Contratos, porém, merece séria reflexão sobre a sua aplicação diante da estrutura dos Contratos visando à função social. 1.3.2 Princípio da força obrigatória dos Contratos O princípio da força obrigatória gera um comprometimento entre as partes contratantes onde vez celebrado o Contrato, este se torna lei entre os contratantes, por força do referido princípio. Gomes41 assim enfatiza: O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o Contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O Contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Venosa42, também emite seu parecer acerca da matéria: [...] O acordo de vontades faz lei entre as partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória, aliás como tudo em Direito. Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O 40 BRAGA, Natan Ben-Hur. Et. al. Responsabilidade civil por inobservância da Função Social do Contrato nos Contratos de adesão. Boletim Informativo Juruá: Juruá, 01 a 15 de maio/2007, p. 17. 41 GOMES, Orlando. Contratos, p. 36. 42 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 406-407. 14 ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o Contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o Contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto possível a vontade contratual, a intenção das partes. Tal princípio menciona da impossibilidade de retratação, alteração ou revogação do Contrato, fazendo menção ao princípio da intangibilidade. No que diz respeito à intangibilidade Lisboa43 pondera: Uma vez celebrado o Contrato, o seu conteúdo é imutável, a fim de que sejam preservados os interesses que motivaram a sua formulação. Trata-se, desse modo, de negócio jurídico irretratável, diante da idéia de segurança jurídica. Tão-somente em situações excepcionais se terá por rompido o vínculo jurídico [...]. É o sábio entendimento de Gomes44: [...] Diz-se que é intangível, para significar-se a irretratabilidade do acordo de vontades. Nenhuma consideração de equidade justificaria a revogação unilateral do Contrato ou a alteração de suas cláusulas, que somente se permitem mediante novo concurso de vontades. Desta forma, ao ser celebrado o Contrato e aceito entre as partes, deve este ser fielmente cumprido, a fim de assegurar o negócio jurídico. 1.3.3 Princípio da relatividade dos Contratos É o princípio que trata acerca da eficácia dos Contratos. 45 Segundo Venosa , a regra geral é que o Contrato apenas gera efeitos para aqueles que dele participam. De plano, tem-se que os efeitos não podem, nem 43 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos, p. 86-87. GOMES, Orlando. Contratos, p. 36. 45 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, vol. 2: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 407. 44 15 lesar, nem lucrar a terceiros. No que se refere a terceiros, “o Contrato é res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest”. Assim é o entendimento de Diniz46: O Contrato somente produz efeitos entre os contratantes. O ato negocial deriva de acordo de vontade das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo eficácia em relação a terceiros. Assim, ninguém se submeterá a uma relação contratual, a não ser que a lei o imponha ou a própria pessoa o queira. Gomes47 entende, assim como outros autores, que este princípio vem a limitar os direitos e as obrigações nos Contratos, que, em regra somente causa efeitos entre os contratantes, não se aplicando, pois, a terceiros que da relação contratual não fizerem parte. O referido princípio não é absoluto, comportando várias exceções. Neste prisma, é o entendimento do supra citado autor48. [...], o sucessor, a título universal de um contratante, embora não tenha participado da formação do Contrato, terceiro não é, porque a sua posição jurídica deriva das partes, como tal devendo ser tido. Há Contratos que, fugindo à regra geral, estendem efeitos a outras pessoas, quer criando, para estas, direitos, quer impondo obrigações. Tais são, dentre outros, a estipulação em favor de terceiro, o Contrato coletivo de trabalho, a locação em certos casos e o fideicomisso “inter vivos”. Para tanto o Contrato não produz efeitos a terceiros, a menos que tal efeito possa ser produzido tendo como requisito para a sua validade, embasamento legal. 46 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 36. 47 GOMES, Orlando. Contratos, p. 43. 48 GOMES, Orlando. Contratos, p. 43-44. 16 1.3.4 Princípio da probidade e da boa-fé nos Contratos A probidade está diretamente legada ao conceito de honestidade, integridade moral e dignidade, enquanto que a boa-fé é a qualidade daquele que tem pureza nas suas intenções, ou seja, quer praticar coisa lícita. É o aspecto moral da contratação, desde sua formação até a sua extinção. Implica lealdade da palavra, fidelidade no tratamento e cumprimento adequado das obrigações tempo, lugar e modo convencionados. Os contratantes devem agir de forma leal para a consecução dos objetivos delineados no instrumento negocial respectivo. Deve existir entre os negociantes uma relação de confiança mútua e fidelidade ao pactuado49. Preceitua Bittar50 no que se refere ao princípio da boa-fé princípio: É o aspecto moral da contratação, desde sua formação até a sua extinção. Implica lealdade da palavra, fidelidade no tratamento e cumprimento adequado das obrigações – tempo, lugar e modo convencionados. O princípio em tela versa sobre o comportamento fiel e confiável que os contratantes devem desempenhar ao firmar o Contrato. Ratifica Lisboa51, a respeito do assunto: Os contratantes devem agir de forma leal e proba, para a consecução dos objetivos delineados no instrumento negocial respectivo. Deve existir entre os negociantes uma relação de confiança mútua e fidelidade ao pactuado. O princípio da boa-fé, como o próprio nome já diz, aborda acerca da lealdade, com a qual o contratante deve proceder ao realizar o negócio jurídico. 49 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo:Revista do Tribunais, 2001, p. 87. 50 BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil, p. 456. 51 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos, p. 87. 17 Braga52 et. al, adverte que, a doutrina divide o princípio da boa-fé em objetiva e subjetiva, sendo que, nos direitos reais, prevalece o conceito de boa-fé subjetiva. 1.3.5 Princípio da supremacia da ordem pública Esse princípio também embaraça o princípio da autonomia da vontade que se vê inerme diante de certas situações, como o caso da aplicação do Código de Defesa do Consumidor a um Contrato irregular de consumo, podendo se dar de ofício, pois é matéria de ordem pública. Com o pensamento esboçado, encontra-se conforto nas palavras de Wald53, ao dispor: As idéias solidaristas e socialistas e a hipertrofia do Estado levaram, todavia o direito ao dirigismo contratual, expandido-se a área das normas de ordem pública destinadas a proteger os elementos economicamente fracos, favorecendo o empregado, pela criação do direito do trabalho, com a legislação de emergências sobre as locações, e o consumidor, por uma legislação específica a seu favor Dessa forma, pode-se concluir que é interesse do Estado o respeito a este princípio, pois a ordem pública é garantida por ele e dele provém estas normas. 1.4 INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS Bessone54 explica que a interpretação opera sempre sobre um ato de vontade, exprima-se este na lei ou no negócio jurídico. No primeiro caso, a vontade é do Estado e se formula através de normas abstratas e gerais. No segundo, ela emana de entes públicos ou privados e disciplina, concretamente, um certo negócio jurídico. Nos dois casos, a interpretação é uma operação 52 BRAGA, Natan Ben-Hur. Et. al. Responsabilidade civil por inobservância da Função Social do Contrato nos Contratos de adesão, p. 17. 53 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos, p. 190. 54 BESSONE, Darcy. Do Contrato, p. 167. 18 lógica, que tem por objetivo determinar o significado de uma vontade manifestada. Segundo Gomes55: Diz-se que, se o objeto da vontade contratual (negocia) são os efeitos do Contrato. Deve-se admitir, por dedução lógica, que o fim último da interpretação é a determinação de tais efeitos. Afinal, o que importa é definir a vontade contratual objetivamente expressa nas cláusulas, mesmo que não corresponda exatamente à intenção do declarante. É, de resto, comportamento obrigatório dos contratantes que demanda do intérprete clara definição e, se é juiz, a escolha do preceito aplicável em caso de controvérsia (lide). Diniz56 entende que o intérprete do sentido negocial não deverá ater-se, unicamente, à exegese do Contrato: [...] ao exame gramatical de seus termos, mas sim à fixação da vontade dos contraentes, procurando seus efeitos jurídicos, indagando sua intenção, sem se vincular, estritamente, ao teor lingüístico do ato negocial. Por outras palavras, o intérprete deverá, prendendo-se ao tipo contratual, reconstituir o ato volitivo dos contratantes, pesquisando qual teria sido a sua real intenção e os fins econômicos visados por eles, corrigindo sua manifestação, escrita ou verbal, erroneamente expressa. Wald57 descreve que: Quando determinada interpretação leva ao absurdo, isto é, impossibilita a execução do Contrato. O mesmo deve ser interpretado de tal modo que possa prevalecer e ser exeqüível. [...] Faltando cláusulas necessárias para a complementação do sentido do Contrato, o juiz poderá suprir as falhas existentes recorrendo à prática existente no comércio. [...] Esta interpretação complementar do Contrato é denominada por alguns autores interpretação integrativa, pois integra novos elementos no Contrato. Na sua função de completar o Contrato, o juiz atenderá 55 GOMES, Orlando. Contratos, p. 199. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 65. 57 WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos, p. 205-206. 56 19 aos princípios de equidade, aplicando normas supletivas ou, na falta das mesmas, a norma que estabeleceria se fosse legislador [...], desde que compatível com o espírito e as demais cláusulas do Contrato. A interpretação integrativa só pode ocorrer em relação aos elementos não essenciais do Contrato. 1.5 TEORIA DA IMPREVISÃO Como já visto o princípio da obrigatoriedade do Contrato prega a observância do pacto firmado (pacta sunt servanda). A teoria da imprevisão trará um limite a esse princípio. Os Contratos comutativos ou aleatórios de trato sucessivo ou que estejam sob a condição de evento futuro, devem ser cumpridos quando ocorrentes os mesmos fatos que levaram a finalizar o Contrato58. A finalidade da teoria da imprevisão é garantir a segurança jurídica, a igualdade e o equilíbrio contratual, quando sobrevier motivo extraordinário e imprevisível sobre a relação jurídica, sendo que as prestações se tornam excessivamente onerosas, por conseqüência, inviável e desproporcional59. Apesar de anteriormente ao Código Civil de 2002 já existir a teoria da imprevisão no ordenamento jurídico, pois como se bem sabe essa teoria é uma construção doutrinária, agora o novo Código Civil trouxe em seu artigo 478 a teoria da imprevisão materializada em lei: Art. 478. Nos Contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do Contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 58 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p. 108. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 465. 59 20 Em análise ao artigo supra transcrito, Azevedo60 ensina que para aplicação desse princípio é necessário decorrer três pressupostos. O primeiro é concernente às circunstâncias imprevistas e imprevisíveis, devendo a circunstância que assola o Contrato ser imprevisível. O segundo pressuposto diz respeito à existência do enriquecimento ou prejuízo inesperado e injusto para uma das partes. Por fim, seria a própria onerosidade excessiva, sofrendo um dos contratantes a ponto de se tornar inexeqüível a obrigação contratual. Como bem pontua o doutrinador Venosa61, o evento imprevisível deve abarcar uma parcela sensível de pessoas, pois caso não fosse desta maneira, a teoria da imprevisão poderia ser usada a bel prazer por devedores de má-fé ao argüirem fatos de cunho pessoal. Agora, adentrar-se-á, no segundo capítulo, nos Contratos em geral, para que, após, possa se trabalhar, em capítulo próprio, sobre o tema principal do referido trabalho cientifico. 60 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 33/38. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 465 61 21 CAPÍTULO 2 DOS CONTRATOS EM GERAL Apresentada a base primordial dos Contratos, ainda que sucinta, a pesquisa pode voltar-se, então, a análise da classificação e dos princípios contratuais. 2.1 REQUISITOS DE VALIDADES DOS CONTRATOS Encontra-se conforto na doutrina no que tange a classificação dos requisitos de validade do Contrato ao proclamar a existência de requisitos subjetivos, objetivos e formais 62. 2.1.1 Requisitos subjetivos Os requisitos subjetivos irão versar sobre a capacidade genérica dos contratantes, capacidade específica dos contratantes e o consentimento. A manifestação de vontade expressa ou tácita deve estar longe dos vícios de consentimento, seja esse o erro, dolo, coação, simulação ou fraude. A vontade do agente deve estar sendo colocada de forma normal, pois qualquer limiar que obste esta “normalidade” importará na dúvida quanto aos seus efeitos e validade 63. 2.1.2 Requisitos objetivos O requisito objetivo implicará sobre o objeto do Contrato, usando como prisma a licitude do objeto e a possibilidade física e jurídica do objeto. Ter-se-á a impossibilidade jurídica, quando a norma legal proibir o 62 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e prático dos Contratos, v.1 4ª ed. ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 12 63 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e prático dos Contratos, p. 6. 22 Contrato sob determinado objeto, sendo o caso de negociar os bens fora do comércio 64 . O objeto necessita ser determinado ou determinável, de forma que o devedor saiba sobre o que incide a prestação. Faz-se necessário imputar valor ao objeto, versando sobre interesse economicamente perceptível, dando margem à conversão em pecúnia 65. 2.1.3 Requisitos formais A forma de obter o Contrato é livre, podendo-se ter o Contrato verbal ou escrito, tendo a forma escrita caráter público ou particular. Há casos em que a própria lei reclama a forma do Contrato, devendo ser rigorosamente observada sob pena de invalidação. Nos demais casos ficam livres, sendo o escrito para dar maior autenticidade ao documento 66. 2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS As classificações dos Contratos, aqui apresentada, é uma análise doutrinária, pois o legislador não teria como classificá-los na lei. 2.2.1 Dos Contratos quanto sua natureza Os Contratos quanto a sua natureza são classificados em unilaterais e bilaterais, onerosos e gratuitos, comutativos e aleatórios e causais e abstratos. No Contrato unilateral somente uma parte tem obrigações, exemplo, o Contrato de doação pura. Essa classificação não reclama maiores cuidados sendo de fácil entendimento. É Contrato unilateral aquele em que uma só parte do Contrato tem obrigações. “Os Contratos unilaterais, apesar de requererem duas ou mais declarações volitivas, colocam um só dos contraentes na posição de devedor, ficando o outro como credor”67. 64 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito das Obrigações: Parte Especial v. 6 Tomo I: Contratos. 7ª ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2004. p.5. 65 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e prático dos Contratos, p. 6. 66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito das Obrigações: Parte Especial, p.05. 67 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 71-72. 23 É Contrato bilateral o que estabelece direitos e deveres para ambas as partes, em que cada um dos contraentes é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, pois produz direitos e obrigações para ambos, tendo por característica principal o sinalagma, ou seja, a dependência recíproca de obrigações; daí também serem denominados Contratos sinalagmáticos68. Nos Contratos bilaterais é possível se avocar a exceptio non adimpleti contractus, no vernáculo: exceção de Contrato não cumprido. A exceção de inadimplemento só é possível de ser atribuída aos Contratos bilaterais, pois não é plausível que um contratante inadimplente reclame o adimplemento da outra parte69. Rodrigues70 ensina que: A distinção entre estas duas espécies de Contrato é de enorme relevância, porque variam os efeitos do ato conforme o ajuste seja unilateral ou bilateral. Assim, a ‘expectio non adimpleti contratus’, ou seja, a “exceção do Contrato não-cumprido”, é peculiar às convenções sinalagmáticas; também, a cláusula resolutiva tácita é inerente ao Contrato bilateral e estranha ao unilateral, pois, como naquele, as prestações são recíprocas. Ato contínuo, ao contratuar, objetiva-se vantagens, sendo esta vantagem somente a uma parte contratante, ter-se-á o Contrato gratuito, caracterizado quando somente uma parte aufere benefício ou vantagem, caso típico da doação pura. “Os Contratos benéficos ou a título gratuito são aqueles que oneram somente uma das partes, proporcionando à outra uma vantagem, sem qualquer contraprestação. Logo, apenas um dos contratantes obtém proveito, que corresponde a um sacrifício do outro, [...]71” 68 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p.72. 69 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 85/86. 70 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. p. 28. 71 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p.74. 24 Diferentemente do que ocorre nos Contratos gratuitos, nos Contratos onerosos têm-se duas partes que auferem benefícios ou vantagens. Nas palavras de Azevedo72: Sob outro prisma, podemos dizer que, nos Contrato gratuitos, somente existe ônus, desvantagem para um dos contratantes, e que, nos onerosos, à obrigação de um existe a obrigação do outro, a serem cumpridas. Em razão de uma, há sempre um correspectivo Pereira73 ensina que: É preciso não confundir a classificação dos Contratos em bilaterais e unilaterais com a dos onerosos e gratuitos, embora haja coincidência de algumas espécies. Os Contratos onerosos comumente são bilaterais, e os gratuitos da mesma forma unilaterais. Mas é apenas coincidência. O fundamento das classificações difere: uma tem em vista o conteúdo das obrigações, e outra, o objetivo colimado. Não há uma correspectividade necessária, pois que existem Contratos unilaterais que não são gratuitos (e. g., o mútuo), e outros que são bilaterais e podem ser gratuitos (o mandato, por exemplo). Ter-se-á o Contrato comutativo quando existir a devida equivalência entre as prestações do Contrato, a equivalência deve estar conjunta com previsibilidade dos fatores contratuais. Desta forma, nos Contratos comutativos as partes podem prever suas prestações e seus benefícios, de modo que não haja risco para as partes. Leciona Pereira: São comutativos os Contratos em que as prestações de ambas as partes são de antemão conhecidas, e guardam entre si uma relativa equivalência de valores. Não se exige a igualdade rigorosa destes, porque os bens que são objeto dos Contratos não têm valoração precisa. Podendo ser, portanto, estimadas desde a origem, os contratantes estipulam a avença, e fixam prestações que aproximadamente se correspondem74. 72 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 88. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil , p. 67. 74 PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 39-40. 73 25 Os Contratos aleatórios ou de risco, não existe a previsibilidade das prestações. Nos Contratos aleatórios não é possível antever as vantagens e as perdas, quando da concretização do Contrato. Sendo que a aferição se dará no momento do implemento da condição, evento futuro e incerto75. Contrato abstrato é aquele que tira sua força da própria forma externa, independente da causa que o gerou. O exemplo típico do Contrato formal e abstrato era a stipulatio, do Direito Romano, onde a mera circunstância de alguém proferir as palavras solenes da fórmula o vinculava de maneira absoluta. 2.2.2 Dos Contratos quanto sua forma Se tivermos consideração à maneira como se aperfeiçoam, os Contratos se classificam em consensuais e reais e solenes e não solenes. Contrato consensual é aquele que se aperfeiçoa, realiza, através da manifestação inequívoca do consentimento do contratante. Já no que tange aos Contratos reais, esses necessitam da entrega da coisa, ou seja, da tradição do objeto 76. A classificação dos Contratos em solenes e não solenes está relacionada à forma de elaboração do Contrato. Solenes são os Contratos que dependem de forma prescrita em lei; não solene, ou informal, é o Contrato que independe de qualquer formalidade para que tenha validade, essa é a regra geral dos Contratos e declarações de vontades. Nota-se: Os Contratos solenes ou formais consistem naqueles para os quais a lei prescreve, para a sua celebração, forma especial que lhes dará existência, de tal sorte que, se o negócio for levado a efeito sema observância da forma legal, não terá validade77. 75 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 90/91. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito das Obrigações: Parte Especial, p.34. 77 RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 34. 76 26 Existem, ainda, casos onde o Contrato se realiza somente através de comprovação dos requisitos legais, formalidades especiais, exemplo, o Contrato de compra e venda de imóvel, com valor superior a trinta salários mínimos (inteligência do art. 108 do Código Civil)78. 2.2.3 Dos Contratos quanto sua designação Quantas suas designações podem classificar os Contratos em nominados e inominados. Contratos típicos ou nominados são aqueles que além de possuírem um nome próprio ainda constituem objeto de uma regulamentação legal específica. Tais correspondem às espécies negociais mais importantes no comércio jurídico. Pereira79 assim dispõe: A celebração de um Contrato atípico exige-lhes o cuidado de descerem a minúcias extremas, porque na sua disciplina legal falta a sua regulamentação específica. Na solução das controvérsias que surgirem, o julgador ou interprete terá de invocar em suprimento do conteúdo das cláusulas próprias os princípios legais relativos ao Contrato típico mais próximo, e isto nem sempre é fácil, porque a ocupação de zona grísea, entre mais de um, sugere às vezes aproximações várias, nenhuma das quais dotada de pura nitidez. Inominados são aqueles que não se enquadram em nenhum diploma legal e não têm denominação legal própria; surgem, geralmente, na vida cotidiana, pela fusão de dois ou mais tipos contratuais. Contratos formais, denominados solenes, são os que somente se perfazem se for obedecida forma especial. 78 79 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 95. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 61. 27 2.2.4 Dos Contratos quanto sua reciprocidade Considerando uns em relação aos outros, os Contratos se classificam em principais e acessórios. Rodrigues80 assim dispõe: Contrato principal é aquele cuja existência independe da existência de qualquer outro. E Contrato acessório é aquele que existe em função do principal e surge para lhe garantir a execução. [...] Dessa maneira, o Contrato acessório depende da sina do principal. Exemplos típicos do Contrato acessório são a da fiança e as arras. Os Contratos principais são aqueles que podem existir independentemente de quaisquer outros já os acessórios são aqueles que têm por finalidade assegurar o cumprimento de outro Contrato, denominado principal. Pendendo Contrato sobre outro, seja para assegurar a realização do Contrato principal ou simplesmente para acompanhá-lo, ter-se-á o Contrato acessório. Estes seguem o destino do principal, sendo nulo o principal o acessório também se macula com o vício, ex. Contrato de fiança 81. 2.2.5 Dos Contratos quanto seu tempo da execução Tendo em vista o tempo da execução separam-se em: Contratos de execução instantânea e Contratos de execução diferida no futuro. Execuções instantâneas são aqueles onde as partes cumprem seus deveres e auferem seus direitos em um único momento. Leciona Pereira82: [...] de execução imediata ou instantânea é o Contrato em que a solução se efetua de uma só vez e por prestação única, tendo por efeito a extinção cabal da obrigação. E de execução diferida ou retardada é aquele em que a prestação de uma das partes não se 80 RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 35. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 95/96. 82 PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 41. 81 28 dá de um só jato, porém a termo, não ocorrendo à extinção da obrigação enquanto não se completar a solutio. Acrescenta Pereira83: De execução sucessiva ou de trato sucessivo, ou execução continuada, como denominado no art. 478, é o Contrato que sobrevive, com a persistência da obrigação, muito embora ocorram soluções periódicas, até que, pelo implemento de uma condição, ou decurso de um prazo, cessa o próprio Contrato. O que caracteriza é o fato de que os pagamentos não geram a extinção da obrigação, que renasce. A duração ou continuidade da obrigação não é simplesmente suportada pelo credor, mas é querida pelas partes contratantes. Caso típico é a locação, em que a prestação do aluguel não tem efeito liberatório, senão do débito correspondente a período determinado, decorrido ou por decorrer, porque o Contrato continua até a ocorrência de uma causa extintiva. Os Contratos de execução diferida no futuro são os que se protraem no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo; ocorrem quando a prestação de um ou ambos os contraentes se dá a termo; ex: compra e venda á prazo. 2.2.6 Dos Contratos quanto seu objeto Quanto ao seu objeto, pode-se ainda distinguir o Contrato definitivo do Contrato preliminar, sendo que Contrato preliminar consiste naquele por via dos quais as partes contratantes têm o compromisso de celebrar mais tarde outro Contrato, que será o Contrato principal. “O Contrato preliminar mostrase portador de uma característica constante, isto é, a de ter por escopo, sempre, a realização de um Contrato definitivo84”. 83 84 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 70. RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 37. 29 Azevedo85, por seu turno, classifica o Contrato preliminar da seguinte maneira: Contrato preliminar, também conhecido por pré-Contrato, promessa de contratar, Contrato preparatório ou compromisso, é a convenção de que se valem as partes, em uma fase inicial de entablamento de negócio para obrigarem, ou uma delas, à outorga futura de um Contrato definitivo. Já o Contrato definitivo tem por objeto, criar vários tipos de obrigações para os contraentes, por exemplo, impõem ao vendedor o encargo de entregar a coisa e, ao comprador, o de entregar o preço, sendo que cada qual destes ajustes tem um objeto peculiar e as partes que a eles recorrem visam obter esse fim típico em questão. Portanto, conclui-se que o Contrato definitivo é o Contrato puro, com diversidades de objetos. Não é possível enumerar a gama de objetos que pode ter um Contrato definitivo, podendo contratar tudo que seja lícito, possível e determinado86. 2.2.7 Dos Contratos quanto seu modo de formação Quanto ao modo que são formados, subdividem-se em Contratos paritários dos Contratos de adesão. Contratos paritários são aqueles em que as partes interessadas, colocadas em pé de igualdade, discutem, os termos do ato negocial, eliminando os pontos divergentes mediante transigência mútua. Já os Contratos de adesão excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro, aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos. Tais descrições encontram-se arrimo nas palavras Gonçalves87, quando propõe a existência de uma espécie ao lado do Contrato paritário e de adesão, os Contratos-tipos: 85 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 80. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 82/83 87 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito das Obrigações: Parte Especial, p. 31. 86 30 O Contrato tipo (também denominado Contrato de massa, em série ou por formulários) aproxima-se do Contrato de adesão porque é apresentado por um dos contratantes, em fórmula impressa ou datilografada, ao outro, que se limita a subscrevê-lo. Mas dele difere porque não lhe é essencial a desigualdade econômica dos contratantes, bem como admite discussão sobre seu conteúdo. As cláusulas não são impostas por uma parte à outra, mas apenas pré-redigidas. Para Rodrigues88: Contrato de adesão é aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro. O Código do Consumidor estabelece que: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo. Existem, ainda, outras disposições acerca da classificação dos Contratos que não foram aqui apresentadas. 2.3 EFEITOS DOS CONTRATOS O efeito fundamental do Contrato é ligar as partes juridicamente. É o que assevera Diniz89: 88 RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 42. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 94. 89 31 O principal efeito do Contrato consiste em criar obrigações, estabelecendo um vínculo jurídico entre as partes contratantes. Trata-se de uma verdadeira fonte de obrigações; por isso, todos os seus efeitos são meramente obrigacionais, mesmo quando o Contrato serve de título à transferência de direitos reais. Tais efeitos se manifestam não só na força obrigatória, mas também na relatividade do Contrato. O Contrato é, pois, uma fonte de obrigações entre as partes, devendo, portanto, ser cumprido de maneira que os contratantes venham a honrar o que foi estipulado. Diniz90 comenta que “o Contrato tem força vinculante, pois, se não tivesse obrigatoriedade em relação aos contraentes, jamais poderia desempenhar sua função jurídico-econômica”. Neste diapasão, é o ilustre ensino de Gomes91: [...], é tamanha a força vinculante do Contrato que se traduz, enfaticamente, dizendo-se que tem força de lei entre as partes. O Contrato deve ser executado tal como se suas cláusulas fossem disposições legais para os que o estipularam. Quem assume obrigação contratual tem de honrar a palavra empenhada e se conduzir pelo modo a que se comprometeu. A força que vincula o estipulado no Contrato ao seu cumprimento pelos contratantes, chamada força vinculante, resulta em conseqüências. Segundo Gomes92: A primeira conseqüência da força vinculante do Contrato é sua irretratabilidade. Uma vez perfeito e acabado, não pode ser desfeito senão por outro acordo de vontades chamado distrato93. Comporta a regra exceções que, entretanto, não a infirmam. A segunda conseqüência é expressa no princípio de que o Contrato 90 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 94. 91 GOMES, Orlando. Contratos, p. 161. 92 GOMES, Orlando. Contratos, p. 161. 93 Diz-se de distrato a “forma consensual de desconstituição da eficácia do negócio jurídico”. 32 não pode ser alterado pela vontade exclusiva de um dos contratantes. Qualquer modificação em seu conteúdo há de resultar, para valer, do consentimento das duas partes. Algumas exceções, no entanto, admitem-se. As conseqüências supra citadas, acerca da força vinculante do Contrato, toma por base alguns princípios para a melhor compreensão da matéria. Pontifica Gomes94 em relação ao princípio da irretratabilidade: A força vinculante do Contrato revela-se em sua plenitude na irretratabilidade. Contraído o vínculo, nenhuma das partes pode desfazê-lo a seu arbítrio. A vontade unilateral é importante, de regra, para desatá-lo ou rompê-lo, somente podendo dissolver-se por acordo de vontade, tal como nasceu. Em caráter excepcional a lei autoriza, porém, a dissolução por vontade unilateral mas em circunstâncias que não atingem propriamente a regra da irretratabilidade, que significa impossibilidade de arrependimento unilateral. A irrevogabilidade do Contrato é, em síntese, corolário imediato de um dos grandes princípios de Direito Contratual: o da força obrigatória. É, no entanto, admitida a revogação mediante contrarius consensus, se os efeitos do Contrato ainda não se produziram. A revogação por mútuo dissenso tem efeito retroativo. Para prevenir confusões, é preferível substituir o termo revogação por distrato. Outra não é a lição de Diniz95: O Contrato é irretratável e inalterável, ou melhor, ao contraente não será permitido libertar-se ad nutum do liame obrigacional, que apenas poderá ser desfeito com o consentimento de ambas as partes – é o chamado distrato -, [...]. Vale examinar o que relata Gomes96 a respeito do princípio da intangibilidade: Assim como não pode ser desfeito pela vontade de uma das partes, o Contrato não admite modificação do seu conteúdo que não resulte de mútuo consenso. Seus efeitos são, por outras 94 GOMES, Orlando. Contratos, p. 162. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 94. 96 GOMES, Orlando. Contratos, p. 162-163. 95 33 palavras, inalteráveis ao arbítrio de um dos contratantes. Nesses precisos termos formula-se o princípio da intangibilidade dos Contratos. A intangibilidade é conseqüência lógica da irretratabilidade. Se o Contrato é irrevogável, há de ser, pela mesma razão, inalterável. O que se faz pelo concurso de vontades não pode ser desfeito, nem modificado, pela vontade escoteira. No entanto, segundo a doutrina, a vedação em alterar unilateralmente o conteúdo do Contrato não deve ser interpretada de forma absoluta. Nos Contratos encontram-se cláusulas secundárias cuja modificação deixa intacta a intenção essencial de sua conclusão. Outrossim, relata o mesmo autor97 sobre o princípio da relatividade quanto às pessoas: A força vinculante dos Contratos restringe-se às partes, mas o princípio não é absoluto. [...], o Contrato pode influir em pesoas que não o estipularam, como os sucessores a título universal. Os créditos e obrigações passam-lhes subsistindo o Contrato, salvo se intuitu personae se o direito é vitalício, ou se as próprias partes estabeleceram que a morte será causa de extinção. Os sucessores a título universal não são terceiros, mas não podem ser considerados pessoas representadas. O fato de assumirem na relação jurídica a posição da parte a que sucedem não constitui propriamente exceção ao princípio da relatividade dos efeitos do Contrato, mas, como não foram eles que o celebraram, em verdade, submetem-se a efeitos jurídicos que não provocaram pessoalmente. [...]. Em todos esses casos, não há extensão de efeitos do Contrato a outras pessoas. O princípio da relatividade sofre verdadeiramente exceções quando eles ultrapassam as partes e atingem pessoas que não celebraram o Contrato. São chamados terceiros. Nessa expressão, compreendem-se todas as pessoas que não participaram do Contrato. Alheios a sua formação, contudo, a eles estendem-se alguns de seus efeitos. [...]. A regra de que o Contrato é res inter alios acta somente sofre inequívoca exceção na estipulação em favor de terceiro. 97 GOMES, Orlando. Contratos, p. 164. 34 Para finalizar quanto aos princípios mais destacados, que norteiam a matéria dos efeitos do Contrato, vale transcrever o que leciona Gomes98: Em relação ao objeto, o efeito fundamental do Contrato é criar obrigações. Uma vez perfeito e acabado, as partes ficam adstritas ao cumprimento das obrigações contraídas. A relação jurídica estabelecida é de natureza pessoal, surgindo para o contratante a pretensão de exigir do outro as prestações prometidas. As obrigações nascidas do Contrato são de dar, fazer, ou não fazer. Portanto, “as prestações são de coisas ou de fatos, mas, embora a obrigação contratual tenha como objeto a entrega de determinado bem, permanece o efeito pessoal do Contrato consistente apenas no direito do credor a exigir do devedor que faça a entrega e, no caso de recusa, que pague perdas e danos” 99. 2.3.1 Estipulação em favor de terceiro A estipulação em favor de terceiro consiste numa das poucas exceções ao princípio da relatividade dos Contratos. Por meio deste negócio jurídico, um terceiro, determinado ou determinável pode exigir o cumprimento de estipulação em seu favor, mesmo não sendo parte do Contrato, a não ser que haja convenção em sentido contrário . No direito brasileiro, a estipulação em favor de terceiro foi abrangido com o advento do Código Civil atual que, contrariando a orientação romana, permitiu que terceiro pudesse exigir o cumprimento de Contrato do qual não participou, evoluindo a partir do art. 1.121 do Código Civil francês 98 . GOMES, Orlando. Contratos, p. 169. GOMES, Orlando. Contratos, p. 169. 100 BESSONE, Darcy. Do Contrato: teoria geral. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 1997.p. 165. 101 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 3 ed.. São Paulo: Revista dos tribunais, 1.984. t. 26. p. 217-218; Santos, Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 7 ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1.964. v. 15. 102 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 270. 103 A despeito de conferir eficácia a um Contrato celebrado em favor de terceiro, o Código Civil francês ainda é marcado pela influência romana que, como regra, vedava tais Contratos. A 99 35 Para Gomes104: A estipulação em favor de terceiro é, realmente, o Contrato por via do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual. (...). Para haver estipulação em favor de terceiro é necessário que do Contrato resulte, para este, uma atribuição patrimonial gratuita. O benefício há de ser recebido sem contraprestação e representar vantagem suscetível de apreciação pecuniária. A gratuidade do proveito é essencial, não valendo a estipulação que imponha contraprestação. A estipulação não pode ser feita contra o terceiro. Há de ser em seu favor . A estipulação em favor de terceiro, por ser um Contrato gratuito e uma exceção ao princípio da relatividade dos Contratos, deve ser interpretada restritivamente, conforme elementar regra de hermenêutica constante do art. 6º da primeira Lei de Introdução ao Código Civil atual. Lopes105 assim dispõe: O princípio fundamental da estipulação em favor de terceiro é de ordem psicológica: a intenção do estipulante de contratar, não no seu próprio interesse, senão no de terceiro. Essa intenção necessita vir manifestada de um modo expresso e inequívoco. Não basta uma cláusula suscetível de proporcionar, ocasionalmente, ou por repercussão, vantagens a terceiros. Cumpre que tudo decorra, sem nenhuma dúvida possível, do resultado da própria operação, ou de circunstâncias indicativas da intenção do estipulante de conferir um direito a um terceiro. Tratase de uma questão de interpretação de vontade A regra hermenêutica vem ainda referendada pelo art. 114 do novo Código Civil que manda interpretar restritivamente os negócios jurídicos benéficos, como é o caso, reproduzindo o art. 1.090 do Código Civil atual, com a vantagem de fazê-lo no lugar próprio, ou seja, na parte atinente aos atos jurídicos e não somente aos Contratos. maior admissibilidade destes Contratos somente ocorreu por força do trabalho dos operadores do direito (Miranda, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado..., t. XXVI, pp. 214/217). 104 GOMES, Orlando. Contratos, p. 165/166 105 “LOPES, Serpa. Curso de direito civil, p. 112/113. 36 As partes são livres para distratar o negócio enquanto o terceiro beneficiário não tiver a pretensão, ou seja, ainda não tenha ocorrido a condição ou termo que torne exigível o direito de terceiro, as partes têm inteira liberdade para alterar o negócio. Ensina Miranda106: Em princípio, segundo o Código Civil: (a) O terceiro, a favor de quem se estipulou, adquire o direito desde a conclusão do Contrato. Para que isso não se dê, é preciso que se haja preestabelecido a não aquisição desde logo ou a) pela inexão de condição ou termo ao próprio direito, de modo que se não irradie o próprio direito (o que não se presume) (...). Se foi reservada a resolução negocial, têm-se por permitidos, também, o distrato, a remissão de dívida, a compensação entre o promissário e o promitente. Se não foi reservada a resolução, não há pensar-se em desconstituição dos efeitos por vontade do promissário, salvo se não nasceu o direito ao terceiro. Enquanto não tem direito o terceiro, a liberdade dos figurantes é completa, e pode o promissário, por si só, afastar o efeito futuro da promessa do outro figurante, desde que a isso não se oponham os termos do Contrato entre eles. A possibilidade de terceiro exigir o cumprimento de Contrato está condicionada à existência de pretensão que lhe seja exclusivamente favorável, sem que haja, portanto, qualquer prestação que lhe caiba. 2.3.2 O Contrato por terceiro a declarar É negócio jurídico celebrado pelas partes, por meio do qual se prevê que uma delas poderá indicar outrem para assumir a sua posição jurídica, o que liberaria o declarante, conseqüentemente, do vínculo originário. É conveniente destacar o que adverte Lisboa107: [...] é negócio jurídico celebrado pelas partes, por meio do qual se prevê que uma delas poderá indicar outrem para assumir a sua posição jurídica, o que liberaria o declarante, conseqüentemente, 106 107 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado..., t. XXVI, p. 242/255 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos, p. 131. 37 do vínculo originário. [...] No caso de resposta afirmativa, o nomeado passará a aquisição de todos os direitos e obrigações concernentes ao Contrato principiado, desde que tenha se verificado a cientificação do promitente acerca da nomeação realizada. O nomeado tem a faculdade de aceitar ou não a indicação, porém, no caso de resposta afirmativa, o nomeado passará a aquisição de todos os direitos e obrigações concernentes ao Contrato principiado, desde que tenha se verificado a cientificação do promitente acerca da nomeação realizada. A aceitação tem efeito “ex tunc”. Convém registrar o que entende Gomes108: [...]. A pessoa designada toma, na relação contratual, o lugar da parte que a nomeou, tal como se ela própria houvera celebrado o Contrato. O designante sai da relação sem deixar vestígios. [...], o contraente in próprio nomeia terceiro titular do Contrato. Um exemplo é o compromisso de venda e compra, onde seja estabelecido que o compromissário comprador poderá indicar terceiro, o qual assumirá sua posição contratual. O artigo 468 do Código Civil determina que: Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do Contrato, se outro não tiver sido estipulado. Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o Contrato. Permanecerá válido somente entre os contratantes iniciais; quando não ocorrer a indicação da pessoa; quando o nomeado não aceitar a indicação; se o nomeado era insolvente e o outro contratante desconhecesse tal fato na época da indicação; se o indicado era civilmente incapaz no momento da nomeação. 108 GOMES, Orlando. Contratos, p. 166. 38 2.4 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS 2.4.1 Distrato O distrato nada mais é, que o acordo de vontade entre as partes contratantes, a fim de extinguir vínculo contratual anteriormente estabelecido. O Código Civil, em seu artigo 472 estabeleceu que “o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o Contrato”. O rompimento do vínculo contratual pela vontade de apenas uma das partes é possível, porém como exceção, sendo assim o artigo 473 do nosso Código Civil ampara a resilição unilateral somente “nos casos em que à lei expressa ou implicitamente o permita”, e ainda, o rompimento unilateral do Contrato exige a denúncia notificada da outra parte. Uma hipótese de resilição unilateral do Contrato é a prevista no artigo 46 da Lei 8245/90, que trata da locação residencial, o qual é a seguir transcrito: Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução Contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Parágrafo 1º. Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do Contrato. Parágrafo 2º. Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o Contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para a desocupação. 39 Convém observar que qualquer que seja o efeito do distrato, ele não atinge os terceiros que adquiriram direitos em virtude da existência do Contrato extinto109. Ademais, o Contrato que já foi executado, e portanto, extinto pela quitação torna logicamente incabível o distrato. Daí que para Darcy Bessone não seja cabível o distrato nos Contratos de execução imediata110, pois neste caso a obrigação é cumprida instantaneamente no momento da celebração do Contrato. 2.4.2 Cláusula resolutiva A expressão resolutiva tem a acepção de resolver, colocar fim, assim sendo, a cláusula resolutiva prevê hipótese onde poderá ocorrer o término da relação contratual. A cláusula resolutiva pode ser tácita ou expressa. A cláusula resolutiva tácita tem seu fundamento na lei e alcança todos os Contratos, ela é prevista no Código Civil. Art. 475. À parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do Contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Cláusula resolutiva expressa é a que foi inserida pelas partes no Contrato. A cláusula resolutiva expressa, todavia, deve se referir ao descumprimento específico de um dever contratual determinado, sob pena de se reputar tácita a cláusula inserida em termo geral111 109 BRASIL, TJRS – Ap. Cível 70007970239 – 16ª Câm. Cív. – Rel. Dês. Helena Ruppenthal Cunha – j. 17/3/2004. 110 BESSONE, Darcy. Do Contrato: teoria geral p. 251. 111 BESSONE, Darcy. Do Contrato: teoria geral, p. 252. 40 A cláusula resolutiva expressa dispensa a intervenção judicial, pois ela opera de pleno direito112, inibindo, segundo Gomes, que o credor opte pela execução do Contrato, ação de cumprimento113. Todavia, há autores que, embora admitam a resolução de pleno direito, neste caso, apontam à necessidade de sentença declaratória para, assim, verificar-se, por exemplo, a validade da cláusula, a forma como o direito dela resultante foi exercida, se de boa ou má-fé, aquilatar o tipo de inadimplemento e se dá ensejo, de fato, à resolução do Contrato. A pesquisa até o presente momento abordou o estudo dos Contratos. Tais estudos servirão de base para a elaboração do capítulo a seguir, que tratará das considerações acerca da Função Social dos Contratos. 112 ASSIS, Araken de. Resolução do Contrato por inadimplemento, 3 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1999. p. 118. 113 GOMES, Orlando, Contratos, p. 175. 41 CAPÍTULO 3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO O presente capítulo, terceiro e último do presente trabalho, tem como objeto o estudo da Função Social do Contrato, trata-se, o capítulo em comento, do objetivo principal do presente trabalho científico. 3.1 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS O pensamento contemporâneo de que a obrigação contratual encontra limite na função social, está ligada à idéia de interesse transidividual, é o que ensina Negrão114: A Função Social do Contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. Diante dessa afirmação é necessário descrever o significado de interesses transindividuais. Inexiste diferença entre interesse transindividual e metaindividual, pois ambos são sinônimos. A única diferença entre os nomes e que o primeiro tem o prefixo latino e o segundo prefixo grego115, Mazzilli116 preleciona preferência na primeira palavra, eis que toda a palavra é latina, ou seja, existindo junção de prefixo latino com radical latino. 114 NEGRÃO, Teotônio; José Roberto Ferreira Gouvêa. Código Civil e Legislação em Vigor , 22. ed., São Paulo :Saraiva, 2004, p. 214. 115 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19ª ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006. p. 50. 116 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 50. 42 Esse entendimento origina-se da tradicional dicotomia do direito: Direito Público e Direito Privado. Essa divisão, ainda vivaz nos tempos contemporâneos, transcende à Revolução Industrial. O interesse público, dominantemente, tem se firmado como interesse geral, social117. Por sua vez, o interesse individual, guarnece o indivíduo como titular do direito. Essa divisão tem se tornado alvo de várias críticas, principalmente após da subdivisão em interesse público primário e secundário118. O interesse primário é o interesse social direto – bem comum – verdadeiro interesse difuso; o secundário é o interesse público que envolve apenas a Administração Pública de per si119. Colocando em cheque a velha distinção entre interesse público e interesse privado, o interesse transindividual é colocado entre os clássicos institutos. Neste sentido, é a lição de Mazzilli120: Situados numa posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado, existem os interesses transindividuais (também chamado de interesses coletivos, em sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (como os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público. De outro lado, Mazzilli121 explica que os interesses transinsividuais sob o prisma processual: 117 LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 56. 118 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 47. 119 LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, p. 57. 120 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 48. 121 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses., p. 48. 43 Sob o aspecto processual, o que caracteriza os interesses transindividuais, ou de grupo, não é apenas, porém, o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos pela mesma relação jurídica ou fática, mas, mais do que isso, é a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade de que o acesso individual dos lesados à Justiça seja substituído por um processo coletivo, que não apenas deve ser apto para evitar decisões contraditórias como ainda deve conduzir a uma situação mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é exercido de uma só vez, em proveito de todo o grupo lesado. O direito transindividual comporta três subespécies, o interesse difuso, interesse coletivo e interesses individuais homogêneos que se fundamenta no art. 81 do Código de Defesa do consumidor, com grifos: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Os interesses difusos correspondem a um grupo de pessoas indetermináveis e possui objeto indivisível, advindo de uma situação de fato. O entendimento de Lei é corroborado pela doutrina. 44 Nota-se o que descreve Mazzilli122: Os interesses difusos compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas. Os interesses coletivos caracterizam-se por sujeitos determináveis, com objeto indivisível e unidos por uma circunstância relação jurídica. Lisboa123 descreve que “o interesse coletivo é de natureza transidividual e objeto indivisível, verificando-se a titularidade coletiva do direito, por meio da comunhão, e do bem, através do condomínio”. Os interesses individuais homogêneos são classificados por possuírem sujeitos determináveis, com objeto divisível e possuindo origem comum. Nota-se Mazzilli124: Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo). Conclui-se que há sempre implícita uma situação jurídica e inexiste circunstância fática nos direitos coletivos125. 122 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 50 e 51. 123 LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos: consumidor, meio trabalho, agrário, locação, p. 62. 124 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 54. 125 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 55. ambiente, ambiente, ambiente, ambiente, 45 Quanto à importância dos efeitos práticos, dado a distinção acima, colhe-se da doutrina: A distinção entre os vários tipos de interesses transidividuais tem consequências práticas. Entre outros aspectos, adianemos que a lei trata diversamente a coisa julgada de acordo com a natureza do interesse ofendido; alem disso, só os interesses individuais homogêneos têm objeto divisível; ademais, a sentença de procedência em ação civil pública só poderá ser executada individualmente se a lesão envolver interesses individuais homogêneos, ou ainda, como veremos mais adiante, se envolver interesses coletivos em sentido estrito126. Em um mesmo caso concreto pode ter um ou mais direitos transdividuais. Assim, se o Ministério Público ajuizar uma Ação Civil Pública no interesse de diversos, ter-se-á, respectivamente, direitos coletivos e individuais homogêneos127. 3.2 FUNÇÃO SOCIAL O significado de Função Social encontra-se expresso no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 que dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Analisando o artigo pode-se retirar a impressão de cunho finalístico da Função Social na interpretação do direito, voltando-se à aplicação dos interesses sociais na resolução dos conflitos128. O fim social que a lei visa é a proteção do indivíduo e sua personalidade, bem como da sociedade como um todo 129. Pasold130 ensina que: 126 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 58. 127 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 56. 128 MANCEBO, Rafael Chagas. A Função Social do Contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.15/19. 129 MANCEBO, Rafael Chagas. A Função Social do Contrato, p.15/19. 46 [...] à Função Social compete servir como grande estímulo ao progresso material, mas sobretudo à valorização crescente do ser humano, num quadro em que o Homem exercita a sua criatividade para crescer como indivíduo e com a Sociedade. Para Braga131 et. al. O código civil apresenta de forma expressa preocupação com os interesses sociais, dando prioridade ao caráter igualitário do dispositivo legal. Nota-se que o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil trata, também, sobre o bem comum, uma das finalidades da Função Social é atingir o bem comum, seja quando se aplica uma norma de ordem pública para regular determinada situação, seja na vontade das partes em aplicar a Função Social ao Contrato. Tem-se o bem comum considerando o homem como o centro. A idéia era simples, o bem comum atingia o indivíduo, este estando completo com o seu bem, conseqüentemente, atingiria os outros indivíduos, completando-os também. Em outras palavras, privilegiar-se-ia o indivíduo na busca atingir a coletividade, eis que antes de ser uma coletividade, eram diversos indivíduos132. O bem comum inverteu seu significado, com a consagração do Estado Social passando a ser a busca pelo bem da coletividade. Essa teoria era totalmente contraposta à teoria do individualismo133. A teoria da coletividade passa a colocar o interesse individual abaixo ao da coletividade, tendo a sociedade prevalência sobre o indivíduo. Concepções como esta, trouxeram a tona o totalitarismo134. 130 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.129 BRAGA, Natan Ben-Hur. Et. al. Responsabilidade civil por inobservância da Função Social do Contrato nos Contratos de adesão, p. 15. 132 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p. 130/131. 133 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.131/132. 134 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.131/132. 131 47 De outro lado, a teoria individualista e a coletivista, Santos135 apresenta uma teoria que muito se amolda às aspirações contemporâneas, diz o autor: Nesse sentido o bem comum é a eterna busca, um eterno aperfeiçoar das relações entre os homens, de modo que um indivíduo não anule o outro e, ao mesmo tempo, que a proteção da sociedade não asfixie o indivíduo. Para o bem comum é necessário que todos os homens, e cada um, tenham condições de se realizar como pessoas. É necessário que o bem do todo se harmonize com o bem do indivíduo. Nota-se que está sendo proposta uma teoria intermediária, onde o individualismo e o Estado Social se auxiliam. Ambas as teorias encaradas de forma isolada se mostram deficientes, tanto para a coletividade quanto para o indivíduo. Nestes termos, pode-se verificar que a Função Social e o bem comum se entrelaçam a ponto de se unificarem. Nem a função social, nem o bem comum possuem conceitos fechados e absolutos, mas sim uma idéia a ponto de buscar a evolução teórica. 3.2.1 A Função Social e a constituição de 1988 A Constituição da República Federativa do Brasil seguiu em seu limiar a idéia da dignidade da pessoa humana, que estava em auge à época da sua elaboração. Afirma-se acima, que o fim social que busca a lei transcende a simples idéia do individualismo, como queriam os interpretes da época do iluminismo, a Constituição Federal retratou bem a nova idéia de fins sociais dedicando um título aos Direitos e Garantias Fundamentais, incluindo em seu bojo direitos e deveres individuais e coletivos, bem como direitos sociais. O código civil de 1916, com uma ideologia totalmente individualista, de cunho liberal, obteve um choque com constituição de 1988, que 135 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.133. 48 incorporou uma ideologia fortemente social, tanto que foi chamada de constituição cidadã 136. Se a Constituição Federal de 1988 traz consigo uma nova abordagem com escopo social, é inevitável que traga uma idéia de função social. Neste diapasão a Carta Magna refere-se à Função Social da propriedade, que será o próximo tópico sob análise, a idéia central é colocar a Função Social de maneira indissociável da Constituição da República Federativa do Brasil. Aparentemente a idéia trazida de Função Social na Constituição Federal de 1988 pode levar a um engano, acreditando-se ser aplicável somente a propriedade imobiliária. A Função Social é um princípio de nosso ordenamento, para tanto, deve-se ter uma visão ampliada de sua aplicação, conclui-se que a Função Social deve ser usada sobre toda propriedade inclusive a intelectual. O Código Civil veio fortalecer esse pensamento, porém a função social, também, era aplicada ao Contrato antes de sua elaboração, pois o Contrato nada mais é do que o meio de transferência da propriedade; se se aplica a Função Social sobre o objeto do Contrato, é inevitável que tenha que aplicar sobre o próprio Contrato137. Com o exposto, é possível entender que a função social, em sentido estrito, na Constituição Federal de 1988 transcende a idéia de Função Social da propriedade como se verá a seguir. 3.2.2 A Função Social da propriedade O direito de propriedade está garantido pela CFRB/88 (artigo 5º, XXII). Cabe sublinhar, igualmente, que pelo Código Civil de 2002, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavêla do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. A caracterização do Direito da Propriedade, em relação ao Direito Constitucional Brasileiro, vem sofrendo alterações com o surgimento dos 136 FERREIRA, Carlos Alberto Goulart. Contrato: Da Função Social. In: Revista jurídica, nº 247, maio de 1998, p. 09. 137 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p. 142. 49 novos direitos. Nessa linha de raciocínio, Fernanda de Salles Cavedon138 conclui que o Direito de Propriedade vem passando por um processo evolutivo que vai desde a concepção individualista e absoluta até a propriedade revestida de caráter social e ambiental. A Constituição de 1824139 garantia o direito de propriedade em toda a sua plenitude (artigo 179), direito inviolável, salvo se o bem público exigisse a ingerência na propriedade particular, mediante indenização. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891(artigo 72), manteve o mesmo conceito sobre a propriedade. A propriedade começou a perder o seu caráter individual para ganhar um escopo social através das palavras de Léon Duguit. As constituições posteriores começaram a abarcar a nova idéia proposta, o Brasil teve a idéia caracterizada na Constituição de 1934, que teve curta duração. As palavras de Duguit140: A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a Função Social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito inatingível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. Na Constituição de 1934141, houve, pela primeira vez, a vinculação do exercício do direito de propriedade ao interesse social e inserção 138 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e ambiental da propriedade, p. 62. BRASIL. Constituição (1924). Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 140 Apud LEONETTI, Carlos Araújo. Função Social da Propriedade: Mito ou Realidade, p. 72. 141 BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 139 50 do Direito à Subsistência. No Inciso XVII do artigo 113 da Constituição de 1934 assim está escrito, conforme Cavedon142: É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar a desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei. Mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo eminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito a indenização ulterior. A Constituição de 1937143 (artigo 122) apresentou um retrocesso no processo evolutivo da propriedade em relação ao bem social e coletivo, pois foi suprimida esta vinculação preconizada na Constituição de 1934. Nota-se na Constituição de 1946144, nova vinculação do uso da propriedade ao bem-estar social. O artigo 147 da Constituição de 1946 assim dispõe: “O uso da propriedade será condicionado ao bem estar social. A lei poderá, com observância do disposto no artigo 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos” 145. O termo Função Social da propriedade foi introduzido na Constituição do Brasil em 1967146. Este termo, a partir daí passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro como princípio da ordem econômica. O artigo 157 e inciso III consideram que: “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: [...]III – Função Social da propriedade [...]”. A propriedade começou a perder o seu caráter individual para ganhar um escopo social através das palavras de Duguit. As constituições 142 CAVEDON, Fernanda de Salles. .Função Social e ambiental da propriedade, p. 63. BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 144 BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 145 BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 146 BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil, de 20 de outubro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 143 51 posteriores começaram a abarcar a nova idéia proposta, o Brasil teve a idéia caracterizada na Constituição de 1934, que teve curta duração. Veja-se as palavras de Duguit147: A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a Função Social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito inatingível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. A CRFB/88148, além de continuar contemplando a Função Social da propriedade como princípio da ordem econômica, vinculou também a esta a defesa do meio ambiente e fez entrar o enunciado do direito à igualdade. A Função Social da propriedade, principalmente da rural, tem como um dos requisitos o cumprimento à proteção do meio ambiente. O Direito de Propriedade, previsto no Inciso XXII, do artigo 5º da CRFB/88, traz o rol dos direitos fundamental, bem como o direito ao meio ambiente, previsto no artigo 225 do texto constitucional. Por conseguinte, ambos são considerados princípios jurídicos constitucionais. O princípio de proteção ao direito de propriedade, valor de ordem individual, de longa data enquadrada como direito, permeia a liberdade do cidadão, e se traduz na condição indispensável à plena satisfação das necessidades e aspirações individuais. 147 Apud LEONETTI, Carlos Araújo. Função Social da Propriedade: Mito ou Realidade, p. 72. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br>. 148 52 3.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO A Função Social do Contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui cláusulas gerais, que reforça o princípio de conservação do Contrato, assegurando trocas úteis e justas. O enunciado 23 do Centro de Estudos Judiciários assim dispôs: A Função Social do Contrato prevista no art. 421. do novo Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana149. O artigo 421 determina que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da Função Social do Contrato, enquanto que o artigo 422 dispõe que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do Contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boafé. Com advento da 2ª Guerra Mundial e suas conseqüências para a humanidade, passou-se a exigir do Estado uma postura mais voltada ao social. No campo do direito privado encontra-se o reflexo desse modo de pensar e do interesse com os Contratos não se limita ao individual, mas é ampliado em prol do social. Essa alteração de postura não se dá de forma abrupta, mas paulatinamente; são transplantadas para o direito contratual as mesmas idéias que norteiam o direto administrativo na proteção do administrado em face da poderosa administração pública. 149 NEGRÃO, Teotônio; GOUVÊA;, José Roberto Ferreira. Código Civil e Legislação em Vigor , 22. ed., São Paulo :Saraiva, 2004, p. 214. 53 A Igreja Católica reunida com o Vaticano II decide a sua opção pelos pobres, enriquecendo a luta em favor do social. Nos campos do chamado Direito Social, tais como educação, saúde, trabalho, lazer, consumo, segurança, previdência social, economia e outros, verificam que o interesse preponderante está na coletividade, para a formação de uma vida digna em sociedade. Desse modo, evolui a teoria contratual para acompanhar a formação do Estado Social, assim sentida por Lobo150: O Estado Liberal assegurou os direitos do homem de primeira geração, especialmente a liberdade, a vida e a propriedade individual. O Estado Social foi impulsionado pelos movimentos populares que postulam muito mais que a liberdade e a igualdade formais, passando a assegurar os direitos do homem de segunda geração, ou seja, os direitos sociais. Esse momento de transformação é sentido pelo legislador pátrio que consigna expressamente no novo Código Civil, quando trata dos Contratos, o respeito à Função Social e ao Princípio da Boa-fé, como normas de ordem pública. 3.3.1 Função Social como princípio do direito contratual Para Braga151 et. al, “o Contrato seguindo o mesmo rumo da propriedade, acaba por recepcionar, em seu contexto, uma nova perspectiva, concernente a idéia de exercício, a qual está sujeita, a função social”. Coelho152 ensina que a Função Social do Contrato é uma cláusula geral e faz uma distinção de cláusula geral e princípio, explica o doutrinador: As cláusulas gerais não são princípios. Há uma diferença significativa entre esses dois tipos de normas jurídicas. Os 150 LÔBO, Luiz Neto. Contrato e mudança social. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 722, p. 42. BRAGA, Natan Ben-Hur. Et. al. Responsabilidade civil por inobservância da Função Social do Contrato nos Contratos de adesão, p. 15. 152 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 32. 151 54 princípios, estudou-se, são normas de âmbito de incidência extremamente largo, que se projetam sobre as demais, informando-lhe a interpretação. Podem estar expressos em dispositivos de direito ou ser revelados pelos tecnólogos. Já as cláusulas gerais não se caracterizam pela amplitude do âmbito de incidência e, embora possam servir à interpretação de outras normas, não são propriamente vocacionadas para esse desiderato. Prossegue Coelho153: A diferenciação entre o princípio e cláusula geral é importante porque a interpretação desta última não pode contrariar o primeiro. Há por assim dizer, uma hierarquia que privilegia o princípio sobre a cláusula geral – a mesma hierarquia que o destaca relativamente à norma jurídica de qualquer outro tipo. Assim, as cláusulas gerais podem ser caracterizadas por princípios expressos pelo legislador no ordenamento jurídico, dando-lhe maior credibilidade e aplicabilidade em nosso ordenamento. Ademais firma posicionamento da hierarquia do princípio sobre a cláusula geral. De outro lado, Ruy Rosado Aguiar154, defende a inexistência de hierarquia entre o princípio e cláusula geral. Assim a Função Social do Contrato é um princípio do direito contratual expressado por uma cláusula geral155. Diante de termos indeterminados, basta ao juiz precisar o seu conteúdo para ter a norma pronta a ser aplicada, enquanto a cláusula geral exige um reenvio para outros fatores valorativos e um trabalho de criação. Para distinguir a cláusula geral dos princípios, a autora entende que o cerne da definição de princípio está em que ele é uma norma considerada como fundamento de outra. A cláusula geral pode expressar um princípio, mas não é um princípio. O princípio pode ser expresso ou não, enquanto a 153 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 34. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 18, p. 221-228, 2000, p. 225. 155 AGUIAR Jr. Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a Concretização das Cláusulas Gerais: Limites e Responsabilidade, p. 225. 154 55 cláusula geral sempre é e só pode ser expressa. Tanto assim que no nosso Direito, antes de termos a cláusula geral expressa na legislação civil, tínhamos o princípio não expresso da boa-fé, implicitamente admitido e decorrente do sistema. ALEXIS, em trabalho recente sobre o direito brasileiro, observou que antes da regulamentação dos dispositivos constitucionais que não são auto-aplicáveis, podem tais preceitos funcionar como princípios orientadores do sistema. Santos156 ensina que a Função Social do Contrato é uma cláusula geral. Assim, a expressão ‘função social’, como cláusula geral que é, e com a vagueza semântica que lhe é ínsita, não pode ser precisada e enunciada a menos que se cuide de caso concreto e específico. Santos157 ainda afirma ser a Função Social princípio do direito contratual, reforçando o exposto acima: E, ainda, como princípio do direito contratual, a Função Social é diretiva flexível dotada de enorme variação de significados e que orienta o exercício do direito de contratar, tornando-o mais eficaz e útil ao determinar que se cumpram as exigências do bem comum e da justiça social. Assim Função Social é princípio do direito contratual e merece essa amplitude e, como cláusula geral deve ser rigorosamente observada sob pena de macular o Contrato. Para Azevedo158 é possível averiguar sua posição em colocar a Função Social como princípio contratual, Percebe-se que o novo Código retrata boa orientação contratual ao referir-se à Função Social do Contrato, pois que, embora exista este princípio, reconhecido pela Doutrina, às vezes, ao aplicar da lei, são feridos valores sociais insubstituíveis. 156 SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.128. SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p.158. 158 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos, p. 33. 157 56 Portanto, defendesse a Função Social como um princípio do direito contratual expresso no Código Civil, tornando-se, pois, também uma cláusula geral. 3.3.2 Função Social do Contrato e a integração com os demais princípios contratuais. Quando determinada matéria tem o escopo social, é inevitável que ela vá observar os princípios que informam o seu ordenamento, sob pena de comprometer a sua própria finalidade social. Nesse contexto é possível observar que para cumprir a Função Social é necessário observar os princípios, portanto, os princípios estão estritamente unidos com a função social. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior159 a base da Função Social do Contrato estaria no princípio da igualdade, o qual atuaria, in casu, para superar o individualismo, de modo a fazer com que a liberdade de cada um dos contratantes seja igual para todos. Ainda expõe o autor160 que: [...] a Função Social estaria ligada à observância dos princípios da igualdade material, eqüidade e boa-fé objetiva, por parte dos contratantes, todos decorrentes da grande cláusula constitucional de solidariedade, sem que haja um imediato questionamento acerca do princípio da relatividade dos Contratos. Nas palavras de Nery Junior161: [...] é clausula geral, o juiz poderá preencher os claros do que significa essa função social, com valores jurídicos, econômicos e morais. A solução será dada diante do que se apresentar, no caso concreto, ao juiz. É importante frisar, que o instituto abordado neste trabalho, não tem o caráter filantrópico “assistencialista” de promoção do bem estar social, mas sim, o de garantir o equilíbrio entre as partes diante da necessidade de concretização do negócio estabelecido. 159 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua função social, p. 44. THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua função social, p. 45. 161 NERY JUNIOR, Nelson. Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado: e legislação extravagante. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 160 57 Na busca de uma justiça contratual não é plausível enxergar a Função Social isolada, pois se estaria pecando em outro ponto, como no equilíbrio contratual. Essa visão indissociável dos princípios e da Função Social é o primeiro ponto a se partir quando da verificação da Função Social do Contrato 162 . A Função Social sempre guardará incessante correlação aos demais princípios, isto porque, os demais princípios servem como veículo de aplicação á função social. A título de exemplo, não é admissível que se aplique a Função Social sem a cláusula geral e princípio da boa-fé objetiva, não como limitador, mas como colaborador de um ideal de eqüidade. 3.3.3 A Função Social do Contrato e a integração com os demais ramos do direito Na era de globalização em que um Estado voltado com preocupações sociais é redundante falar em Função Social em matérias de Direito, pois todas as esferas do Direito devem cumprir sua função social. Tomase como exemplo o Direito Penal em que a Função Social deve ser o prisma dos olhares ou o Direito Administrativo em que deve-se observar a supremacia do interesse público. Contudo, irá ser ressaltado matérias de Direito sob a visão da Função Social do Contrato. O ordenamento jurídico brasileiro há tempos reclamava a expressa menção à Função Social do Contrato. Com o advento do Código Civil de 2002 o artigo 421 veio satisfazer anseios da sociedade ao proclamar: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da Função Social do Contrato”. É com essa disposição que o legislador brasileiro marca a Função Social no âmbito do Direito Civil e, principalmente no Direito Contratual163. A Função Social do Contrato está em crescente análise, sendo que sua abrangência está em constante evolução. 162 163 MANCEBO, Rafael Chagas. A Função Social do Contrato, p. 48. SANTOS, Eduardo Sens dos. A Função Social do Contrato, p 149. 58 3.3.4 A Função Social do Contrato e sua interpretação e aplicação ao direito Necessário fazer um disparate da interpretação da Função Social e a aplicação ao direito, ou seja, a Função Social na jurisprudência. Ao interpretar uma norma de ordem pública sempre deve-se dar preferência a esta em detrimento de uma norma de incidência particular, assim a Função Social do Contrato deve ser interpretada, sempre em primazia diante o interesse individual. A jurisprudência deve transcrever os anseios e interesse social na busca do bem comum. Se o judiciário pode apreciar a lei e valorá-la diante da sociedade, essa transformação ocorreu através do interesse público e, é nesse diapasão que a jurisprudência deve se pautar ao erigir decisões sobre a Função Social do Contrato164. Ao se determinar uma afronta ao princípio da Função Social do Contrato, faz-se necessário a nulidade dessa afronta. Este é o pensamento de Mancebo165: O interesse social, jurisdicionado por questões de ordem pública e pelo valor da justiça social, informa o conceito da Função Social do Contrato, que, parece-nos, é razão suficiente para que um acordo firmado no regime anterior seja anulado retroativamente. Em verdade, por mais louvável que seja a doutrina que proclama a nulidade de um Contrato por não cumprir a função social, a prática é diferente, pois quase não é alegada, e quando muito alegada, o seu subjetivismo é usado como válvula de descumprimento. Após, apresenta-se às considerações finais, finalizando o presente trabalho acadêmico. 164 165 MANCEBO, Rafael Chagas. A Função Social do Contrato, p. 133. MANCEBO, Rafael Chagas. A Função Social do Contrato, p.117. 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a finalidade de manter fidelidade à ordem proposta no sumário e tornar a exposição objetiva, serão apresentadas algumas considerações a respeito das hipóteses de pesquisa desenvolvida no decorrer desse trabalho, de uma forma conclusiva. São múltiplos os conceitos existentes nas doutrinas acerca da palavra Contrato. Assim, pode-se considerar o Contrato como um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas de natureza bilateral que visa assim a uma regulamentação de interesses entre as pessoas, com a finalidade de modificar, adquirir ou extinguir relações jurídicas de caráter patrimonial. O Contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados. Razão pela qual resta confirmada a primeira hipótese de pesquisa. Igualmente, confirmada está a segunda hipótese de pesquisa, tendo em vista que os princípios são linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientarem a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos. Os princípios, no ramo do direito, são vistos como fundamentos, regras basilares, dispostos a ordenar o sistema jurídico, inclusive, o legislativo quando propõe a norma. Em suma, tem maior importância do que a norma e servem como as primeiras verdades do ordenamento jurídico, inclusive para balizar qualquer norma ou interpretação, os princípios são os alicerces de qualquer operador do Direito. Assim, a interpretação opera sempre sobre um ato de vontade, exprimase este na lei ou no negócio jurídico. Portanto, o intérprete do sentido negocial não deverá ater-se, unicamente, à exegese do Contrato mas sim à fixação da vontade dos contraentes, procurando seus efeitos jurídicos, indagando sua intenção, sem se vincular, estritamente, ao teor lingüístico do ato negocial. 60 Com relação à terceira hipótese de pesquisa encontra-se conforto na doutrina no que tange a classificação dos requisitos de validade do Contrato ao proclamar a existência de requisitos subjetivos, objetivos e formais. Os requisitos subjetivos irão versar sobre a capacidade genérica dos contratantes, capacidade específica dos contratantes e o consentimento. O requisito objetivo implicará sobre o objeto do Contrato, usando como prisma a licitude do objeto e a possibilidade física e jurídica do objeto. Por fim, a forma de obter o Contrato é livre, podendo-se ter o Contrato verbal ou escrito, tendo a forma escrita caráter público ou particular. Há casos em que a própria lei reclama a forma do Contrato, devendo ser rigorosamente observada sob pena de invalidação. Nos demais casos ficam livres, sendo o escrito para dar maior autenticidade ao documento. Quando ao questionamento conclusivo, conclui-se que: À Função Social compete servir como grande estímulo ao progresso material, mas, sobretudo à valorização crescente do ser humano, num quadro em que o Homem exercita a sua criatividade para crescer como indivíduo e com a Sociedade. A Função Social do Contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui cláusulas gerais, que reforça o princípio de conservação do Contrato, assegurando trocas úteis e justas. O Contrato seguindo o mesmo rumo da propriedade acaba por recepcionar, em seu contexto, uma nova perspectiva, concernente a idéia de exercício, a qual está sujeita a função social. Quando determinada matéria tem o escopo social, é inevitável que ela vá observar os princípios que informam o seu ordenamento, sob pena de comprometer a sua própria finalidade social. Nesse contexto é possível observar que para cumprir a Função Social é necessário observar os princípios, portanto, os princípios estão estritamente unidos com a função social. Isso posto, a jurisprudência deve transcrever os anseios e interesse social na busca do bem comum. Se o judiciário pode apreciar a lei e valorá-la diante da sociedade, essa transformação ocorreu através do interesse 61 público e, é nesse diapasão que a jurisprudência deve se pautar ao erigir decisões sobre a Função Social do Contrato. Por fim, há necessidade de que a comunidade acadêmica e os demais operadores do direito continuem refletindo seriamente acerca dessa questão de modo a aprofundar e consolidar o determinado entendimento. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 18, p. 221-228, 2000. ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982. p.28 ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento, 3 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1999. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. BENJAMIN, Antonio Hermen Vasconcelos. O Conceito Jurídico de Consumidor. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 628. BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4 ed.. São Paulo: Saraiva,1997. BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. 5 ed.. São Paulo: Francisco Alves, 1.938.v. 4. BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos, contratos. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000. BRAGA, Natan Ben-Hur. Et. al. Responsabilidade civil por inobservância da Função Social do Contrato nos Contratos de adesão. Boletim Informativo Juruá: Juruá, 01 a 15 de maio/2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília, DF. 63 BRASIL. Lei n. 10.406. 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. BRASIL. Lei n. 8.078. 11 de setembro de 1990. 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