ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA 20) FARMACOLOGIA DA ISQUEMIA CARDÍACA A cardiopatia isquêmica é decorrente de balanço inadequado entre a oferta e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. É causada por situações de diminuída oferta de oxigênio (aterosclerose, trombose e espasmo coronariano) ou de consumo excessivo de oxigênio (miocardites e acentuada hipertrofia miocárdica). Delas, a predominante é a aterosclerose coronariana, associada ou não a trombose. Na prática médica, cardiopatia isquêmica é sinônimo de doença arterial coronariana. É uma doença crônica, de origem multifatorial, e com componente inflamatório bem definido. Já o infarto de um segmento miocárdio se dá quando há o bloqueio de um vaso coronariano por trombose. Os miócitos cardíacos dependem do metabolismo aeróbico e, se seu suprimento de oxigênio permanecer abaixo de um valor crítico, sobrevém uma seqüência de eventos que conduzem à morte celular por necrose, ou também por apoptose. A extensão da necrose do miocárdio após lesão isquêmica depende da ,massa do miocárdio suprida pela artéria ocluída, do tempo decorrido com oclusão total da artéria e do grau de circulação colateral. A isquemia miocárdica resulta em angina ou infarto do miocárdio. A necessidade de oxigênio do miocárdio aumenta quando ocorrem aumentos da freqüência e contratilidade cardíacas, da pressão arterial ou aumento do volume ventricular. Esses eventos ocorrem frequentemente durante exercícios físicos e durante a descarga simpática. A angina de peito é a principal manifestação clínica da cardiopatia crônica. Ela ocorre quando o suprimento de oxigênio ao miocárdio é insuficiente para atender as suas necessidades. A dor tem uma distribuição característica no tórax, braço e pescoço, sendo desencadeada pelo esforço ou pela excitação. Tanto da fisiopatologia quanto a abordagem clínica da cardiopatia isquêmica em pacientes com coronáriopatia crônica (angina estável) diferem daquelas de pacientes com síndromes coronarianas agudas (angina instável, e infarto do miocárdio com ou sem elevação do segmento ST do ECG). Clinicamente são reconhecidos três tipos de angina: - a angina estável caracteriza-se por dor previsível com o esforço. É produzida pelo aumento da demanda sobre o coração, sendo devida a um estreitamento fixo dos vasos coronarianos, quase sempre por ateroma. Tratamento farmacológico da angina estável Os três principais grupos de fármacos atualmente aprovados para uso na angina estável (beta-bloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio e nitratos orgânicos) diminuem a necessidade de oxigênio do miocárdio, ao diminuir os determinantes da demanda do oxigênio: - a angina instável é reconhecida por dor que ocorre com esforços cada vez menores, culminando com o aparecimento de dor em repouso. É causada por trombo de plaquetafibrina associada a ruptura de placa ateromatosa, porém sem oclusão completa do vaso. - a freqüência cardíaca; - a tensão da parede ventricular; e - a angina variante é incomum e ocorre em repouso, sendo causada por espasmo da artéria coronária, geralmente em associação com doença ateromatosa. - a contratilidade cardíaca. O tratamento da angina tem como principais objetivos terapêuticos interromper ou evitar um episódio agudo e aumentar a capacidade do paciente de efetuar exercícios físicos. Esses objetivos podem ser atingidos ao se reduzir a demanda global de oxigênio do miocárdio ou se aumentar o suprimento de oxigênio em áreas isquêmicas. 1) As drogas bloqueadoras beta-adrenérgicas (atenolol, propanolol, esmolol, nadolol e metaprolol) agem como antagonistas que bloqueiam as funções do sistema nervoso simpático mediadas pelos beta-receptores. Há dois tipos de receptores beta: beta1 e beta2. Os receptores beta-1 são encontrados principalmente no coração, enquanto os receptores beta-2 estão presentes nos músculos lisos (brônquios, vasculatura, etc) e em outras partes do corpo. Na angina, os principais benefícios das drogas bloqueadoras beta-adrenérgicas derivam de seus efeitos sobre os receptores beta-1 no coração, reduzindo a demanda de oxigênio ao diminuir a freqüência e a contratilidade cardíacas. Os beta-bloqueadores não devem ser administrados juntamente com os bloqueadores dos canais de cálcio. Além disso, podem exacerbar o broncoespasmo em pacientes que 1 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA apresentam asma ou obstrução crônica das vias respiratórias. Os efeitos colaterais de ocorrência comum dos antagonistas beta consiste me fadiga, letargia, insônia e impotência, sendo está última ocasionada pelo bloqueio da vasodilatação periférica mediada pelos receptores beta2-adrenérgicos. A insuficiência cardíaca descompensada constitui uma contra-indicação para o uso de certos bloqueadores de cálcio, em virtude de seus efeitos inotrópicos negativos. 3) A nitroglicerina (trinitrato de gliceril) e os nitratos de ação prolongada (mononitrato de isossorbida) são usados no alívio da dor anginal (ataque agudo) e da isquemia miocárdica silenciosa. Constituem drogas vasodilatadoras que relaxam os vasos venosos e arteriais. A dilatação venosa diminui o retorno venoso ao coração (pré-carga), reduzindo, assim, o volume ventricular e a compressão dos vasos subendocárdicos. Essas drogas também diminuem a tensão na parede do ventrículo esquerdo, de tal modo que é necessária menor pressão para bombear o sangue. O relaxamento das artérias reduz a pressão contra a qual o coração tem de bombear (pós-carga). Além dos seus efeitos vasodilatadores, os nitratos são considerados como tendo um efeito inibitório sobre a ativação e agregação das plaquetas que pode contribuir para seus efeitos benéficos em pessoas com coronariopatia. 2) As drogas bloqueadoras dos canais de cálcio (verapamil, diltiazem e nifedipina) são, às vezes, designadas como antagonistas do cálcio. O cálcio intracelular livre serve para ligar muitos eventos iniciados na membrana a respostas celulares, como a geração dos potenciais de ação e a contração muscular. O músculo liso vascular não é provido do retículo sarcoplasmático e outras estruturas necessárias para o armazenamento intracelular adequado de cálcio; em vez disso, baseia-se no influxo de cálcio do líquido extracelular para a célula, a fim de desencadear e manter a contração. No músculo cardíaco, a lenta corrente de cálcio internamente dirigida contribui para o platô do potencial de ação e contratilidade cardíaca. A lenta corrente de cálcio é particularmente importante à atividade de marcação do ritmo do nodo sinoatrial e às propriedades de condução do nodo atrioventricular. O efeito terapêutico dos antagonistas do cálcio decorre da dilatação arterial coronária e periférica, bem como da redução do metabolismo miocárdico associada à diminuição da contratilidade miocárdica. Os bloqueadores dos canais de cálcio diminuem a força de contração miocárdica, o que, por sua vez, reduz as necessidades de oxigênio do miocárdio. A inibição da entrada de cálcio no músculo liso arterial está associada a uma redução do tônus arteriolar e da resistência vascular sistêmica, resultando em diminuição das pressões arterial e intraventricular. Como resultado de todos esses efeitos, o estresse da parede ventricular esquerda diminui, com conseqüente redução nas necessidades de oxigênio do miocárdio. O mecanismo de ação pode ser explicado pela liberação de óxido nítrico (NO) nas células do músculo liso vascular que estimula a enzima guanilil ciclase, responsável pelo aumento dos níveis do segundo mensageiro GMPc e, conseqüentemente, resulta no relaxamento do músculo liso pela desfosforilação da cadeia leve da miosina. A nitroglicerina relaxa todos os tipos de músculo liso, independentemente da causa do tônus muscular preexistente. Ela praticamente não exerce nenhum efeito direto sobre o músculo cardíaco ou esquelético. Fig. 01 – Mecanismo de ação da Nitroglicerina Os bloqueadores dos canais de cálcio diminuem a demanda de oxigênio do miocárdio ao diminuir a resistência vascular sistêmica e a contratilidade cardíaca. Em outras palavras, a ligação da droga nos canais de cálcio tipo L reduz a freqüência de abertura em resposta à despolarização. Em conseqüência, observa-se acentuada redução na corrente de cálcio transmembranosa associada, no músculo liso vascular, a um relaxamento prolongado; e no músculo cardíaco, a uma redução da contratilidade em todo o coração e diminuição na freqüência do marca-passo do nodo sinusal e na velocidade de condução no nodo atrioventricular. Disso resulta a redução do metabolismo miocárdico com conseqüente diminuição do consumo de oxigênio, e relaxamento das artérias coronárias com conseqüente aumento do influxo sanguíneo ao músculo cardíaco. Cada uma das classes de antagonistas dos canais de cálcio liga-se à subunidade alfa-1 do canal de Ca+ cardíaco, porém em sítios distintos, cada um dos quais interage de modo alostérico entre si e com a estrutura de comporta do canal, impedindo indiretamente a difusão do Ca+ através de seu poro no canal aberto. Esses fármacos são empregado, sobretudo, no tratamento do vaso espasmo coronariano crônico. Os bloqueadores dos canais de cálcio aliviam o vasoespasmo dos vasos coronários através da dilatação das artérias coronárias epicárdicas e dos vasos de resistência arteriolares. 2 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA A nitroglicerina é absorvida pela circulação portal e destruída no fígado, quando administrada por via oral; por isso, é administrada por pílulas sublinguais ou aerossóis que contornam a circulação portal. A absorção sublingual é rápida, e o alívio da dor tem início geralmente em 30 segundos. A tolerância é uma consideração importante no uso dos nitratos. A dor torácica que não é aliviada com 2 ou 3 comprimidos dentro de 30 minutos pode ser causada por infarto agudo do miocárdio. As estatinas inibem a enzima HMG CoA redutase, que é fundamental para a síntese hepática de colesterol. Essa redução na síntese de colesterol resulta em aumento da expressão hepática dos receptores LDL e, portanto, aumenta a depuração das partículas de lipoproteína contendo colesterol na corrente sanguínea. Os inibidores da HMG CoA redutase estão contra-indicados para mulheres que estão grávidas ou em fase de lactação ou passíveis de engravidar. Outro aspecto importante é o fato de que o sindenafil (viagra – que atua ao aumentar o GMPc, inibindo a sua degradação pela isoforma 5 da fosfodiesterase) potencializa a ação dos nitratos utilizados para a angina. Foi relatada a ocorrência de hipotensão grave e de alguns casos de infarto do miocárdio em homens que fazem uso de ambas as drogas. Recomenda-se um intervalo de pelo menos 6 horas entre o uso de um nitrato e a ingestão de sildenafil. Tratamento farmacológico da angina instável e do infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST O tratamento farmacológico dessas formas de coronariopatia tem por objetivo aliviar os sintomas isquêmicos e evitar a formação adicional de trombo no local de ruptura da placa. Tipicamente são utilizados aspirina, heparina, nitroglicerina e antagonistas beta-adrenérgicos. Outros agentes antiplaquetários (por exemplo, antagonistas GPIIb-IIIa e antagonistas do receptor de ADP das plaquetas) estão indicados para pacientes de alto risco, a fim de evitar a formação adicional de trombos. Os agentes trombolíticos estão contra-indicados para pacientes com angina instável e do infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST. 4) Aspirina Como a ativação das plaquetas possui importância crítica no processo de formação do trombo, os agentes antiplaquetários desempenham um papel central no tratamento de pacientes com coronariopatia. A aspirina inibe irreversivelmente a cicloxigenase plaquetária, uma enzima necessária para ageração do composto pró-agregante, o tromboxano A2 (TXA2). Por conseguinte, a inibição plaquetária que ocorre após a administração de aspirina persiste durante o tempo de sobrevida das plaquetas (cerca de 10 dias). Esse fármaco é utilizado para prevenir a trombose arterial que resulta em acidente vascular ecerbral e ataque isquêmico transitório, bem como o infarto do miocárdio. A aspirina é mais efetiva como agente antiplaquetário seletivo quando administrada em baixas doses e/ou a intervalos infreqüentes. Está contra-indicada para pacientes com alergia conhecida ao fármaco; nesta situação, indica-se o clopidogrel (um antagonista do receptor de ADP das plaquetas) como agente alternativo. 5) Agentes hipolipêmicos Provastatina) (Sinvastatina Tratamento farmacológico do infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST O tratamento farmacológico para esse tipo de patologia tem por objetivo a reperfusão imediata da artéria coronária epicárdica ocluída. A aspirina e a heparina constituem o tratamento padrão. Entretanto, quando utilizados isoladamente, esses agentes não são suficientes para recanalizar uma artéria coronária ocluída. Existem duas abordagens terapêuticas: trombólise farmacológica; e realização de angioplastia ou derivação da artéria coronária de emergência. e Para a realização da trombólise são empregadas a estreptoquinase, a ateplase, tenecteplase e a reteplase. A administração de fármacos que reduzem os níveis séricos de colesterol LDL diminui o risco de eventos cardiovasculares isquêmicos. A seleção de um agente hipolipêmico específico baseia-se tanto em dados provenientes de estudos clínicos quanto ao fenótipo lipídico do paciente. Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. 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