BASES DA FORMAÇÃO ECONÔMICA, POLÍTICA E SOCIAL BRASILEIRAS: DO “MUNDO DOS ENGENHOS” À “SOCIEDADE DO AGRONEGÓCIO” Deyvison Dias Gomes1 Acadêmico do curso de Ciências Econômicas Bolsista de Iniciação Científica do CNPq Campus de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas Universidade Estadual de Goiás Palavras-Chave: Bases da Formação do Brasil, Sentido da Colonização, Questão Agrária, Revolução Burguesa, Modernização no Brasil. INTRODUÇÃO O objetivo fundamental desse trabalho é conferir aportes teóricometodológicos à pesquisa maior, a saber, “Os Grilhões da Cana, Seus Agentes e Processos: Trabalho Análogo à Escravidão e Dinâmicas Territoriais nos Canaviais do Centro-Oeste Brasileiro”. Para dar respostas às indagações que levantamos ao longo da pesquisa, nos apoiamos metodologicamente no materialismo histórico-dialético, compreendendo que a apreensão dos fenômenos atuais só é possível quando se tem como base processos históricos, os quais são constituídos por conflitualidades de toda sorte, tendo como elemento central o aspecto material, ou seja, as relações de produção. 1 Este trabalho é resultante do projeto de pesquisa coordenado pelo prof. Dr. Glauber Lopes Xavier, intitulado: “Os Grilhões da Cana, Seus Agentes e Processos: Trabalho Análogo à Escravidão e Dinâmicas Territoriais nos Canaviais do Centro-Oeste Brasileiro”. Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 A pesquisa se apoia nas contribuições de Caio Prado Jr. (Formação do Brasil Contemporâneo e A Questão Agrária no Brasil) e Florestan Fernandes (A Revolução Burguesa no Brasil), sendo que o objetivo é a apreensão das bases da formação econômica, política e social brasileiras. DISCUSSÕES Em seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado originalmente em 1942, Caio Prado Jr. faz uma análise minuciosa do processo histórico que culminou na transição da colônia para a nação. Sua obra faz um resgate do passado colonial da sociedade brasileira com o intuito de apreender os traços fundamentais do Brasil contemporâneo. Caio Prado marca um avanço ao trabalhar a tese do “sentido da colonização”. Segundo ele, é imprescindível compreender o fato histórico da colonização do Brasil de maneira mais ampla, isto é, como parte de um processo maior, a ocupação, por exemplo, é apenas uma etapa de um processo amplo, a expansão marítima. Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”. Este se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem em um largo período de tempo. Quem observa aquele conjunto [...] não deixará de perceber que ele se forma de uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem de ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada orientação. (PRADO JR.,2011, p.15). O sentido da colonização está impresso na história do Brasil, na sua formação e desenvolvimento. O Brasil não foi colonizado para que aqui se construísse uma nova sociedade, mas para servir aos interesses comerciais da metrópole. Segundo Caio Prado, fomos constituídos para fornecer açúcar, tabaco, mais tarde ouro e diamante, depois algodão e em seguida café para o comércio europeu. Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 Esse sentido continua, mesmo após a Independência, a orientar o Brasil social, econômica e politicamente. É o sentido da colonização que determina os fluxos migratórios litoral-interior-interior-litoral; a economia, voltada para a produção de commodities para a exportação sobre o sistema de plantation; os arranjos políticos que se desenvolveram após a Independência etc. O sentido da colonização criou arranjos, tanto materiais quanto imateriais na infraestrutura e superestrutura brasileira, que iriam perpetuar a nossa condição de periferia na economia internacional, a concentração fundiária, a condição de escravidão ou semiescravidão dos trabalhadores rurais e tantos outros aspectos da vida em sociedade. A leitura de Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado se torna indispensável ao entendimento da sociedade atual a partir do momento em que ela recupera nossas origens coloniais, sua essência e sentido. Partindo desse pressuposto podemos avançar nossa compreensão acerca do significado da nossa origem e como esse veio fortemente determinar nossa vida social e material. Ainda em Caio Prado, agora em sua obra A Questão Agrária no Brasil, podemos avançar no sentido de não apenas apreender as nossas bases formadoras, como na leitura anterior, mas compreender melhor os passos que devemos seguir rumo à reflexão sobre a reforma agrária no Brasil, tema de tamanha relevância para a apreensão da organização social da produção e das relações de trabalho no campo. O livro se trata de uma coletânea de cinco artigos publicados originalmente na Revista Brasiliense entre os anos de 1960 e 1964, onde Caio Prado deu contribuições à análise da questão agrária no Brasil durante àquele período. Já nas primeiras leituras percebe-se o que o autor define de “sentido da colonização” e como esse sentido está impresso em nossa história a orientar o formato da nossa estrutura fundiária e das nossas relações de trabalho no campo. O acentuado grau de concentração da propriedade fundiária que caracteriza [...] a generalidade da estrutura agrária brasileira, é reflexo da natureza de nossa economia, tal como resulta da formação do país desde os primórdios da colonização, e como se perpetuou, em suas Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 linhas gerais e fundamentais, até os nossos dias. (PRADO JR., 2000, p. 47-48). Nesse trabalho Caio Prado volta o seu olhar para a posição do trabalhador rural e observa que, além do efeito-causa entre miséria da população rural e o tipo de estrutura agrária do país, havia um fenômeno de assalariamento do trabalhador rural brasileiro. A apreensão dessa característica das relações de trabalho e produção baseada no assalariamento do trabalhador do campo é de extrema relevância, pois “[...] uma falsa caracterização teórica das relações de trabalho e produção na agropecuária brasileira pode levar a graves distorções e erros práticos, e ao obscurecimento de eventuais perspectivas para a reforma agrária.” (PRADO JR., 2000, p. 71). É, aliás, sobre a reforma agrária e o seu objetivo fundamental, a melhoria das condições de vida do trabalhador do campo, que Caio Prado trabalha a sua análise. O autor defende que a reforma agrária deve acontecer em duas frentes, primeiro com a criação de uma legislação social-trabalhista que estenda a proteção legal do trabalhador rural e segundo com ações no sentido de reduzir a concentração da propriedade fundiária, favorecendo o seu acesso e utilização pelos trabalhadores rurais. Em A Questão Agrária no Brasil, Caio Prado aponta um panorama bastante amplo sobre o campo e suas relações de trabalho, fundamental para que se possa compreender a persistência de relações precárias de trabalho na atual sociedade do agronegócio2. Em A Revolução Burguesa no Brasil de Florestan Fernandes, publicado originalmente em 1975, é possível avançar no sentido de se apreender a dinâmica das classes sociais no processo de modernização do Brasil. Florestan faz uma análise sociológica da formação da sociedade brasileira, mas antes de partir para a análise, levanta três questões de relevância interpretativa, a saber, como a noção de “burguês” e “burguesia” têm sido explicadas e como devem ser entendidas no estudo da sociedade brasileira, a questão da “Revolução Burguesa” como realidade histórica em nosso país e 2 Sobre a economia e sociedade do agronegócio, ver: HEREDIA, Beatriz, PALMEIRA, Moacir, LEITE, Sérgio Pereira. Sociedade e economia do agronegócio no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 25 n° 74 outubro/2010. Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 como essa noção pode ser calibrada a partir de situações históricas vividas ou em processo no seio da sociedade brasileira. Quanto à primeira questão, Florestan é contra a tese de que o burguês e a burguesia surgiram com a implantação e a expansão da grande lavoura exportadora no Brasil. Avesso a essa ideia, o autor argumenta que o senhor de engenho não poderia ser associado ao burguês, pois o que ele desempenhava era um papel marginal no processo de mercantilização da produção agrária, o senhor de engenho era, portanto, uma espécie de facilitador para a apropriação colonial. O que ele realizava como excedente econômico não configurava o lucro, e estava mais para um tipo de remuneração que lhe cabia do processo de apropriação colonial. “No conjunto, nada justificaria assimilar o senhor de engenho ao „burguês‟, e é um contrassenso pretender que a história da burguesia emerge com a colonização” (FERNANDES, 2005, p. 33). Florestan também contra argumenta a tese de que no Brasil nunca existiu burguês ou uma burguesia, segundo o autor o que se pode dizer é que se trata de entidades que aqui apareceram tardiamente. Mesmo que a formação da burguesia brasileira tenha se dado por um curso diferente do da burguesia europeia, podemos citar tendências que configuram destinos sociais análogos, tanto pela perspectiva da formação social quanto pela perspectiva da personalidade. Quanto à segunda questão, Florestan diz que há uma tendência generalizada de se negar a Revolução Burguesa no Brasil. A argumentação seria que, ao se considerando uma Revolução Burguesa nacional, estaríamos explicando o Brasil em termos de Europa, portanto de forma repetitiva e anacrônica. Florestan contra argumenta que a questão estaria mal colocada, o que queremos determinar, ao contrário, é como se processou a absorção de um padrão estrutural e dinâmico da sua organização, sociedade, cultura e economia. Sem a universalização do trabalho assalariado e a expansão da ordem social competitiva, como iríamos organizar uma economia de mercado de bases monetárias e capitalistas? É dessa perspectiva que “burguês” e a “Revolução Burguesa” aparecem no horizonte da análise sociológica. (FERNANDES, 2005, P. 37). Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 Florestan, assim como Caio Prado Jr., é contra a explicação da sociedade brasileira com base nos termos eurocêntricos, o que aqui se desenvolve é complementarmente distinto em termos históricos e sociais. É preciso criar novos modelos explicativos ao se tratar das particularidades com que se deram os processos históricos no Brasil. O que não se deve deixar de lado, no entanto, é como foram absorvidos certos padrões estruturais desses povos na nossa modernização. Quanto à terceira questão, Florestan destaca a importância de se considerar as bases psicossociais e políticas no processo de uma revolução social. Segundo o autor “Uma revolução social, por diluída e débil que seja, não se processa sem uma complexa base psicossocial e política” (FERNANDES, 2005, p. 38). Portanto, Florestan destaca que em primeiro lugar é necessário que existam categorias de indivíduos capazes de atuar socialmente e persistentemente na mesma direção e em segundo lugar é necessário que essas categorias de indivíduos disponham de um mínimo de consciência social, capacidade de ação conjugada e inconformismo diante do status quo para conjuntamente reconstruírem a nação social, política e economicamente. Superadas essas questões preliminares de importância interpretativa, podemos avançar no sentido de apreender os elementos essenciais da modernização no Brasil e ao mesmo tempo os elementos mais arcaicos que continuam vivos no seio de nosso tempo no tocante à questão agrária. Segundo Florestan em nenhuma das fases do desenvolvimento capitalista houve uma [...] ruptura com a associação dependente, em relação ao exterior; [...] desagregação completa do antigo regime e de suas sequelas ou, falando alternativamente, das formas pré-capitalistas de produção, troca e circulação; [...] a superação de estados relativos de subdesenvolvimento, inerentes à satelização imperialista da economia interna e à extrema concentração social e regional resultante da riqueza. (FERNANDES, 2005, p. 262). Em nenhum momento no Brasil houve um colapso do poder oligárquico, o que houve foi uma recomposição das estruturas de poder na transição da era colonial para a era burguesa. Isso se deu em grande parte pelo fato que o grosso da burguesia tinha essência oligárquica, portanto o mesmo horizonte cultural da aristocracia agrária. Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 O que se observa é que a modernização burguesa no Brasil não solapou as bases da aristocracia agrária, não houve uma ruptura ou um processo de transformação profundo nas estruturas econômicas e políticas da sociedade. A coexistência do moderno e do arcaico é um traço fundamental e característico da nossa história e é como nossos elementos humanos ao longo do tempo assimilaram esses traços o que determinou todos os aspectos sociais, psicossociais, políticos e econômicos do país enquanto nação. CONSIDERAÇÕES FINAIS A fim de se apreender a dialética que permeia a história econômica, política e social brasileiras, ao tempo que se deve primar por suas peculiaridades quando comparadas aos processos sociais no âmbito da Europa, tem-se que as obras de Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes fornecem aportes fundamentais. Caio Prado destaca os elementos anacrônicos na formação social e econômica do Brasil, ou seja, da convivência de elementos mutuamente contraditórios, conformados em diferentes temporalidades. Florestan aponta os aspectos psicossociais de uma nação segundo ele heteronômica tanto à luz do pensamento marxista, abordando aspectos materiais quanto os aspectos sociais, portanto, numa perspectiva weberiana, fornecendo considerável contribuição para a pesquisa em tela , a saber que elementos do mundo dos engenhos3, ressignificados constituem a sociedade do agronegócio, bastando levar a termo que a propriedade fundiária da terra continua concentrada pelas elites agrárias do país e as condições dos trabalhadores rurais continuam a serem dramáticas. REFERÊNCIAS FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Terra, trabalho e poder: O mundo dos engenhos no nordeste colonial. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. FERLINI, Vera Lúcia Amaral. A civilização do açúcar: Séculos XVI a XVIII. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. 3 Sobre o mundo dos engenhos, ver as obras de Vera Lúcia Amaral Ferlini. Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015 FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5º ed. São Paulo: Globo, 2005. HEREDIA, Beatriz, PALMEIRA, Moacir, LEITE, Sérgio Pereira. Sociedade e economia do agronegócio no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 25 n° 74 outubro/2010 PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia.1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. PRADO Jr., Caio. A Questão Agrária no Brasil. 5º ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. Pirenópolis – Goiás – Brasil 20 a 22 de outubro de 2015