Sociologia da Mudança Social no Brasil

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ESTADO, MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL NA
ÓPTICA SOCIOLÓGICA DE FLORESTAN FERNANDES
Maria Arminda do Nascimento Arruda
Após a crise do chamado Estado desenvolvimentista, especialmente a partir do
decênio de 1980, os temas afeitos à mudança social perdem espaço entre os objetos de
pesquisa das Ciências Sociais diminuindo a sua importância na hierarquia dos assuntos
tratados, chegando quase à desaparição. Nesse quadro, os temas do desenvolvimento e da
mudança social deixavam de ser suficientemente legitimados para construir posições de
prestígio acadêmico; o período de intenso crescimento econômico e de fundas mudanças
sociais, durante os primeiros quinze anos dos Governos militares, negava a aposta anterior
que identificava a ação do Estado e as políticas de planejamento como instrumentos de
construção de uma nação autônoma, democrática e socialmente mais justa. O ideário
nacional-desenvolvimentista passou a ser entendido, grosso modo, como mera ideologia,
como ilusão de intelectuais demiurgos.
O retorno do tema da mudança social e do desenvolvimento são sintomas, portanto,
de transformação da agenda de pesquisa das Ciências Sociais, apontando para novos
tempos, quando as políticas neoliberais foram postas em questão pela atual crise do
capitalismo mundial, obrigando os Estados a interferir ativamente nos mercados e articular
políticas corretivas. Enfim, quando partidos mais à esquerda chegam ao poder,
especialmente na América Latina; no momento em que os Estados Unidos derrotam as
bandeiras direitistas e elegem um presidente democrata e de origem africana; na situação
em que a chamada racionalidade do mercado revela-se ilusória.
No caso específico do Brasil, o governo Lula introduziu alterações ponderáveis em
setores importantes da economia em comparação ao Governo de Fernando Henrique
Cardoso, ainda que mantivesse o curso geral da política macro-econômica do antecessor,
evidentes em certas medidas tomadas: refreou as privatizações; ampliou a política social,
embora aprofundando o seu caráter assistencialista; alargou o raio de ação dos fundos de
pensão que adquiriram ações de grandes empresas e ativos financeiros no mercado,
reforçando o poder de uma burocracia sindical que alça posições de grande relevo e se
beneficia das políticas de desenvolvimento. Em tal cenário, o Estado reassume a posição de
ator central, não apenas porque é a instituição a mediar os conflitos, mas, especialmente,
pelo caráter de administrador das chamadas “verbas carimbadas”, dos recursos previamente
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fixados para manter a política social. Em conseqüência, o desenvolvimento é a contraface
do empenho orçamentário, pois, sem crescimento, não há como atender demandas
crescentes e não há como garantir políticas de investimento, já que não é mais possível
financiá-la com emissão monetária, pois, além da inflação, acentuaria a crise financeira.
Nesse contexto, a participação de dirigentes mais identificados com as bandeiras
sociais, ou genericamente de esquerda, reforça a criação de políticas desenvolvimentistas, a
despeito da dissolução, no âmbito do Governo, das posturas socialistas. É possível
reconhecer no Governo Lula uma ultrapassagem do antigo ideário, substituído por ações
inequivocamente pragmáticas e justificadas em nome da discutível governabilidade, que
têm como efeito desmobilizar parte das posturas críticas e de oposição. O atual Governo,
ao criar condições para a retomada de políticas de desenvolvimento, naturalmente diversas
da anterior, deixa parte das esquerdas sem assunto, ou, pelo menos, sem possibilidade de
apresentar propostas mais abrangentes, que passam a expressar as suas discordâncias em
relação a decisões localizadas. Independentemente desse efeito dissolvente da crítica, o
reconhecimento da importância do desenvolvimento dirigido por uma política estatal
conseqüente teve o mérito de desnaturalizar concepções arraigadas sobre o caráter
inelutável dos processos econômicos, especialmente dos movimentos inerentes ao mercado.
A recuperação de temas que pareciam definitivamente abandonados pela reflexão
deriva, em minha opinião, dessa particular conjunção a qual me referi de forma muito
geral. De qualquer modo, a volta a objetos que nuclearam a reflexão dos cientistas sociais
brasileiros elucida a própria trajetória da história do Brasil ao longo de quase todo século
XX; uma história da constituição e dos problemas do desenvolvimento na sociedade
moderna no país, na lente privilegiada de Florestan Fernandes.
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