ROCHA, Célio Augusto Raydan. A GESTÃO SOCIAL NO CENTRO

Propaganda
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
LOCAL
A gestão social no Centro de Referência da Assistência
Social em Belo Horizonte: desafios da atividade de
trabalho
CÉLIO AUGUSTO RAYDAN ROCHA
Belo Horizonte - MG
2012
CÉLIO AUGUSTO RAYDAN ROCHA
A gestão social no Centro de Referência da Assistência
Social em Belo Horizonte: desafios da atividade de
trabalho
Dissertação apresentada ao Mestrado
em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Local do Centro
Universitário UNA, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Inovações
Sociais, Educação e Desenvolvimento
Local.
Linha de pesquisa: Processos PolíticoSociais - Articulações Institucionais e
Desenvolvimento Local (Ênfase em
Gestão Social).
Orientadora: Profa. Dra. Eloísa Elena
Santos
Belo Horizonte – MG
Centro Universitário UNA
2012
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca do Centro Universitário UNA
R672g
Rocha, Célio Augusto Raydan.
A gestão social no Centro de Referência da Assistência Social em Belo Horizonte:
desafios da atividade de trabalho / Célio Augusto Raydan Rocha. – 2012.
168f.
Orientador: Profª. Drª Eloísa Elena Santos
Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2012. Programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.
Bibliografia f.155-162.
1. Gestão social. 2. Assistência social – Brasil. I. Santos, Eloísa Elena. II. Centro
Universitário UNA. III. Título.
CDU: 364.23
AGRADECIMENTOS
Para que pudesse chegar ao final desta etapa contei com o apoio, compreensão e
incentivo de pessoas significativas que fizeram parte deste processo.
O meu agradecimento especial à professora e orientadora Eloisa Santos que com
o seu cuidado e seu saber conduziu toda a dramática que envolve a elaboração de uma
atividade de trabalho como esta. Personagem principal que soube direcionar a minha
experiência profissional para a produção acadêmica proposta, que me apresentou novos
saberes e me provocou a ir além.
Aos professores que participaram da banca Maria Lúcia Afonso de Miranda e
Bruno Lazarotti que contribuíram com observações pertinentes, o olhar de fora tão
necessário para as correções de rumos e revisões na elaboração de conceitos.
Em nome de todos os professores agradeço à Prof. Lucília Machado,
coordenadora do Mestrado, que com sua firmeza e sensibilidade conduz este curso, e
que, com um simples gesto me motivou superar as limitações físicas e emocionais e a
retomar o propósito de fechar mais um ciclo na vida em um duplo desafio.
Um agradecimento à Shirlei Jacimar e Magali Deslande gestoras da Proteção
Social Básica da Secretaria Municipal Adjunta da Assistência Social da PBH,
verdadeiras companheiras na trajetória da consolidação da política de assistência social.
Ocuparam um lugar estratégico como incentivadoras e facilitadoras para a realização da
pesquisa junto aos CRAS.
Aos trabalhadores dos CRAS Independência e Coqueiral em especial às
coordenadoras Magda e Adriana, protagonistas neste processo ao oferecerem
informações significativas por meio de depoimentos verdadeiros que demonstram um
comprometimento com o trabalho coletivo, com os propósitos da política de assistência
social e com a sua consolidação como uma política de garantia de direitos.
À coordenadora do curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA
Fabrícia Maciel pelo companheirismo que muito me facilitou conciliar as atividades,
que com a sua suavidade consegue equilibrar as necessidades institucionais com os
limites humanos.
Um agradecimento especial à Mariana Lelis pela sua cumplicidade, por
compartilhar a vida afetiva nos momentos de alegria e dor, desejos e incertezas, nos
debates e embates de conteúdo teórico e profissional, por resgatar minha espiritualidade
e me fazer mais humano.
À minha filha Lis por estar sempre ao meu lado com seu afeto, sua capacidade
de compreensão e por me transmitir luz e doçura nas mais diversas situações.
Um agradecimento aos meus pais D. Lindaura e Sr. Célio e minha irmã Solange pelo
acolhimento recebido principalmente nos momentos mais difíceis, que apesar do meu
distanciamento e minhas ausências neste período, sempre estiveram ao meu lado.
Chaquib e Maurício responsáveis por me desafiar, ao longo da vida, a
transgredir as normas e renormalizar a vida, ir além do senso comum.
Ao Dr. Paulo Albarez, um agradecimento especial pela precisão cirúrgica ao me
devolver a possibilidade de projetar a vida, que me permitiu uma dupla superação e o
meu restabelecimento a tempo de concluir mais este desafio.
Aos trabalhadores do CRAS Mariano de Abreu Ana Paula, Mariana, Mary,
Thaís, Joana, Adriana, Márcia Cristina, Joyce, Selmeli, companheiras que na
convivência nas dramáticas da atividade de trabalho desafia a construção de novos
saberes do coletivo por meio das trocas dos saberes na experiência.
Aos moradores do território e usuários do CRAS Mariano de Abreu que nos
ensina ser possível a superação nas adversidades da vida. Atores importantes que nos
apontam a necessidade em renormalizar a nossa atividade de trabalho, nos desafiam a
cumprir com a função pública, a qualificar os serviços oferecidos e a direcionar a
intervenção profissional com um compromisso ético e político na superação das
desigualdades sociais.
Aos colegas de mestrado e principalmente Ana, Roberta, Cristina, Débora,
Guilver, Andrea pela convivência fraterna, pelas conversas, pelos cuidados oferecidos e
pela solidariedade.
Aos amigos Alexia, Xande, Fernando, Waine, Adelina, Marcelinho, Vitinho,
Rodrigão, Cibele, Eliete, Alcione e tantos outros que na convivência fraterna e nas
reflexões sobre o mundo da vida transformamos as relações em processos de
aprendizagem e crescimento político e humano.
RESUMO
Esta dissertação realiza um estudo investigativo sobre a gestão do Centro de Referência
da Assistência Social – CRAS no município de Belo Horizonte tendo como ponto de
partida a análise da atividade de trabalho realizada pelos seus trabalhadores e a
caracterização como um processo de gestão social. Para tanto, optou-se por identificar a
política de assistência social no contexto da formulação da política pública brasileira, a
trajetória da administração pública com a formulação de modelos, concepções, uma
aproximação do conceito de gestão social e uma elaboração conceitual da atividade de
trabalho sistematizada pela perspectiva ergológica. A gestão social caracterizada como
uma gestão de caráter relacional, participativa e democrática qualifica um modelo de
gestão pública que incorpora a contribuição dos trabalhadores, agentes públicos
responsáveis pela gestão do CRAS, como protagonistas do processo de gestão com a
instrumentalização da sua atividade de trabalho. Para a realização da atividade de
trabalho no CRAS, os trabalhadores da assistência social recorrem às normas ou
prescrições legais, aos saberes acadêmicos ou científicos, aos saberes adquiridos na
experiência de vida e de trabalho e na relação estabelecida com seus pares, como
recursos para gerir o seu próprio trabalho. Todo este processo provoca uma
renormalização individual e, com a mediação da linguagem, uma renormalização
coletiva, ou seja, o coletivo de trabalho cria e recria normas, fluxos e procedimentos no
intuito de preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito e o real. Como
forma de potencializar todo esse saber investido adquirido na experiência de trabalho,
um modelo de gestão pública comprometida com a democratização interna da estrutura
governamental encontra ressonância política nos princípios de gestão social.
Palavras chave: Gestão social, assistência social, CRAS, ergogestão, atividade de
trabalho.
LISTA DE SIGLAS
BPC – Benefício de Prestação Acumulada
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CRAS – Centro de Referência da Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DD3P – Dispositivo Dinâmico a Três Polos
DOU – Diário Oficial da União
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FONSEAS – Fórum Nacional de Secretários de Assistência Social
GET – Grupo de Encontro de Trabalho
GPSO – Gerência de Proteção Social
GPSOB – Gerência de Proteção Social Básica
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
NOB – Norma Operacional Básica
NOB-RH/SUAS – Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único
de Assistência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
PBF – Programa Bolsa Família
PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
RMV – Renda Mensal Vitalícia
SMAAS – Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social
SMPS – Secretaria Municipal de Políticas Sociais
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUMÁRIO
1 – Introdução................................................................................................................09
2 – Metodologia..............................................................................................................22
2.1 – Metodologia da Pesquisa......................................................................................22
2.1.1 - Pesquisa bibliográfica........................................................................................23
2.1.2 - Pesquisa documental..........................................................................................24
2.1.3 - Pesquisa de campo..............................................................................................24
2.1.3.1 – Contexto da pesquisa......................................................................................24
2.1.3.2 - Sujeitos da pesquisa........................................................................................26
2.1.3.3 - Instrumentos de coleta de dados....................................................................26
2.2 – Estrutura da Dissertação.....................................................................................27
3 - A política de assistência social e a formulação da política pública brasileira....29
3.1 - A descentralização no contexto da política pública...........................................29
3.1.1 - A descentralização na formulação político-administrativa brasileira..........31
3.1.2 – Intersetorialidade: dilemas e desafios para a política pública......................32
3.2 - A organização da Assistência Social e sua normatização..................................37
3.2.1 – A matricialidade sociofamiliar.........................................................................47
3.2.2 – Territorialidade.................................................................................................50
3.3 – A Caracterização do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS.....52
3.3.1 – O CRAS entre a Assistência Social e a Política Social em Belo Horizonte...56
4 - Gestão social e a administração pública: uma construção contra hegemônica..59
4.1 – A administração pública e a transição entre os modelos de gestão pública....60
4.1.1 – Administração Pública Burocrática.................................................................61
4.1.2 – Administração Pública Gerencial....................................................................63
4.1.3 - Administração Pública Societal........................................................................66
4.1.4 – Reflexões sobre os modelos de administração pública...................................68
4.2 – Governança pública: avanços e contradições....................................................71
4.3 – Gestão social e gestão pública: uma aproximação possível..............................77
4.3.1 – Gestão social – um conceito em construção.....................................................80
5 - A Ergologia e a atividade de trabalho: princípios e conceitos.............................89
5.1 – A atividade de trabalho e a produção de saberes..............................................89
5.2 – O trabalhador, a norma, o debate de normas e a renormalização: entre o
trabalho prescrito e o real.............................................................................................94
5.3 – A gestão do trabalho...........................................................................................102
6 – Análise da atividade de trabalho no CRAS.........................................................108
6.1 – Prescrições legais e as normas antecedentes....................................................109
6.2 – O saber constituído e o saber investido em desafio na atividade...................115
6.3 – Atividades de Trabalho Realizadas..................................................................120
6.3.1 – Composição das equipes – condições de trabalho para a realização da
atividade.......................................................................................................................120
6.3.2 – Funções e atribuições: ações interdisciplinares no trabalho coletivo.........121
6.4 – A linguagem: ferramenta de trabalho e a atividade sobre a atividade..........125
6.5 – Relações Interinstitucionais...............................................................................138
7 – Considerações finais..............................................................................................148
8 – Proposta de intervenção........................................................................................152
9 – Referências Bibliográficas....................................................................................155
1 – INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 traz no âmbito da Seguridade Social a
Assistência Social como um dos pilares do sistema de Proteção Social Brasileiro,
juntamente com a Saúde e a Previdência Social. Regulamentada pela Lei Orgânica da
Assistência Social1 – LOAS, em dezembro de 1993 alcança um novo marco referente no
campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. A
assistência social alcança o seu caráter de política de Proteção Social, voltada à garantia
de direitos e de condições dignas de vida como política não contributiva.
No sentido de consolidar a assistência social como política pública e direito
social, a IV Conferência Nacional de Assistência Social, em 2003, aponta como
principal deliberação a construção e a implementação do Sistema Único de Assistência
Social. Ao acatar a deliberação da Conferência, o Governo Federal, por intermédio do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, sanciona em 2004 a
Política Nacional de Assistência Social – PNAS, e abre caminhos para os avanços no
campo das políticas sociais. No ano seguinte, após um processo de amplo debate que
envolveu a sociedade civil e gestores dos três níveis de governo, foi aprovada a Norma
Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS. Em 2006 é
publicada a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOBRH/SUAS, com o objetivo de traçar diretrizes para a política de gestão do trabalho no
Sistema.
A PNAS normatiza e organiza a sua configuração institucional, e aponta os
seguintes objetivos:
- prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e,
ou especial para as famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem;
- contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos,
ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais
em áreas urbana e rural;
- assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na
família, e que garantam a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004,
p. 33).
Para a efetivação da proteção social, a PNAS organiza os serviços a partir de
níveis de complexidade e das chamadas proteções afiançadas: Proteção Social Básica e
Proteção Social Especial.
O Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, definido pela PNAS
como uma unidade pública estatal da política de assistência social de base territorial
1
Lei Orgânica da Assistência Social: Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
local, é responsável pela execução de serviços da proteção social básica e pela
organização e coordenação da rede de serviços socioassistenciais locais. Atua com
famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, com vistas à orientação e ao
convívio sociofamiliar e comunitário. Como um equipamento público da Proteção
Social Básica da política de assistência social tem como funções a oferta do Serviço de
Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF e a Gestão da Proteção Social Básica
no Território (BRASIL, 2009).
O PAIF é ofertado exclusivamente pelo CRAS, e constitui-se em uma ação de
atendimento/acompanhamento às famílias moradoras no território de abrangência. Esta
ação visa à garantia do direito à convivência familiar e comunitária e assegura a
matricialidade sociofamiliar prevista no atendimento socioassistencial.
A outra função do CRAS, gestão territorial da Proteção Social Básica, refere-se
às articulações político-institucionais pertinentes ao estabelecimento de parcerias e uma
ação proativa no território. A gestão territorial diz respeito à relação do serviço com a
rede comunitária e institucional do território.
Entre o período de promulgação da LOAS, em 1993, até o ano de 2004, a
política de assistência social passou por um processo de descontinuidade organizacional
e uma fragmentação orçamentária traduzidos por uma frágil institucionalidade no
âmbito da política pública. Outra característica deste período se refere ao caráter
residual, herdado historicamente, caracterizado como uma ação compensatória resultado
do clientelismo e do assistencialismo na prática de caridade destinada aos “pobres”. Nos
últimos anos, a política de assistência social tem incorporado novos procedimentos
regulatórios que visam ao aperfeiçoamento de um processo de descentralização
intergovernamental mais cooperativa. Fica evidente na recente formulação uma
concepção quanto ao papel do Estado, uma nova delimitação de competências entre os
entes federados e uma relação de complementaridade com a sociedade. O novo patamar
organizacional da política de assistência social possibilita resgatar compromissos
históricos voltados para a garantia dos direitos de cidadania e a credencia enquanto uma
política de proteção social. Incorporam no seu conteúdo novos aportes conceituais e
teóricos, preceitos metodológicos e princípios políticos, introduzindo um novo desenho
organizacional que traz em si uma concepção de gestão de política pública (NERY,
2009).
Resultado do novo modelo organizacional, o CRAS surge como uma unidade
pública descentralizada mais próxima da população.
Resoluções e normas advindas do órgão gestor federal estão definidas e servem
como diretrizes gerais para os municípios, no que se refere à implantação e
implementação do CRAS, bem como à delimitação das funções e atribuições. Contudo,
considerando a grande diversidade do perfil dos municípios brasileiros, essas diretrizes
não conseguem abarcar todas as particularidades presentes na experiência de execução
do serviço. Neste sentido, fica como atribuição dos municípios a elaboração de
regulamentações com um maior grau de detalhamento que contemple as
particularidades locais.
Ao se fazer uma observação mais detalhada das normas legais do serviço,
percebe-se uma tendência na formulação de diretrizes gerais de caráter políticogerencial regulamentada pelo gestor federal. No que se refere à função de oferta do
PAIF, ou seja, quanto ao acompanhamento às famílias, as orientações são estabelecidas
com uma maior ênfase pelo gestor municipal. São prescrições com um maior grau de
detalhamento e referem-se a procedimentos metodológicos. A função de gestão
territorial e as ações que a subdividem aparecem como orientações gerais, carecendo de
um maior detalhamento e uma prescrição no âmbito municipal. Portanto, não se trata de
uma ausência de normas, visto que nos documentos oficiais as prescrições
metodológicas e os procedimentos de gestão, ainda que generalizados, apontam para um
determinado modelo de atuação.
Nesta investigação será compreendido como “processo de gestão” todos os
procedimentos necessários ao funcionamento do CRAS, incluindo a organização
administrativa, o atendimento técnico às famílias e as articulações políticoinstitucionais. Portanto, apesar de haver níveis distintos de atribuições e funções, a
gestão é realizada não somente pela coordenação da unidade, mas por todos os
trabalhadores do CRAS. Neste sentido, a gestão do serviço se faz pelo conjunto das
ações, dos procedimentos e a sua compreensão para o exercício das funções, seus
desdobramentos e especificamente na realização da atividade de trabalho.
No município de Belo Horizonte, os CRAS estão localizados em territórios de
vulnerabilidade social, e têm como atribuição promover a inclusão social das famílias
moradoras na área de abrangência. A categorização do território onde se localiza tornase um aspecto relevante. São territórios com elevados índices de vulnerabilidade social,
atravessados pelas manifestações da questão social e pelas diversas formas de
expressões da violência estrutural com todas as variáveis causais e as conseqüências
desta violência. Situações como essas encontradas influenciam negativamente a
qualidade das relações entre os indivíduos na família e na comunidade. Neste cenário,
questões das mais diversas ordens se apresentam para a realização da atividade de
trabalho dos profissionais, bem como para a condução dos processos de gestão do
serviço. O CRAS referencia demandas geradas pela realidade dos territórios, relativas à
totalidade das necessidades dos cidadãos. São questões que dizem respeito às situações
da vida cotidiana, das relações interpessoais, familiares e comunitárias, das
necessidades materiais e estruturais, da violência, dos conflitos e da qualidade dos
vínculos estabelecidos. Absorver todas estas necessidades requer uma capacidade de
respostas por parte dos profissionais e do serviço, que tendem a extrapolar as
competências da política de assistência social.
Atualmente a equipe técnica do CRAS em Belo Horizonte é composta por
assistentes sociais e psicólogos, sendo que a coordenação pode ser ocupada por
profissionais com graduação nas áreas das ciências sociais e humanas desde que seja do
quadro efetivo da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH.
A gestão do CRAS desafia os trabalhadores da assistência social2 e os gestores3
públicos a responder às demandas que este serviço apresenta. A condução dos processos
de gestão de serviços que exigem uma maior flexibilidade hierárquica e relações
dialógicas e participativas não mais se sustenta em modelos tradicionais da
administração pública, seja ela burocrática4 ou gerencialista5. A configuração do CRAS,
como unidade pública estatal descentralizada, responsável por desenvolver serviços e
ações da política de assistência social, se aproxima das características que Paes de Paula
2
O termo trabalhadores ou trabalhadores da assistência social será utilizado para denominar todos
os profissionais que trabalham nos diversos serviços da política de assistência social e especificamente no
CRAS, independentemente da função que ocupam, seja ela administrativa, técnica ou de coordenação.
3
Serão considerados gestores, os agentes públicos localizados nos diversos níveis de governo que
ocupam funções relativas à formulação e monitoramento, bem como das condições de funcionamento dos
benefícios, projetos, programas e serviços da política pública de assistência social.
4
O modelo burocrático weberiano estabeleceu um padrão excepcional de expertise entre os
trabalhadores das organizações. Um dos aspectos centrais é a separação entre planejamento e execução.
(...) A formalidade impõe deveres e responsabilidades aos membros da organização, a configuração e
legitimidade de uma hierarquia administrativa. (...) A impessoalidade prescreve que a relação entre os
membros da organização e entre a organização e o ambiente externo está baseada em funções e linhas de
autoridade claras (SECCHI, 2009, pp. 350-351).
5
A origem da vertente da qual deriva a administração pública gerencial brasileira está ligada ao
intenso debate sobre a crise de governabilidade e credibilidade do Estado na América Latin,a durante as
décadas de 1980 e 1990. Esse debate se situa no contexto do movimento internacional de reforma do
aparelho do Estado, que teve início na Europa e nos Estados Unidos. Em ambos os países, o movimento
gerencialista no setor público é baseado na cultura do empreendedorismo, que é um reflexo do
capitalismo flexível (...) (PAES DE PAULA, 2005, pp. 37-38).
(2005) define como administração pública societal6. Mais do que oferecer serviços
públicos à população, o CRAS tem como princípio na sua formulação a participação
desta mesma população no que se refere ao exercício do controle social 7. Neste sentido,
a gestão pública e a gestão social se aproximam como modelo organizacional na
execução de políticas públicas, que se caracteriza como processos gerenciais de
desenvolvimento da cidadania. A concepção de gestão social, caracterizada como um
processo de gerenciamento participativo e democrático de caráter dialógico e de tomada
de decisões compartilhadas contrapõe-se ao modelo da gestão tecnoburocrática e
hierarquizada de caráter monológico (TENÓRIO, 1998).
A gestão do CRAS é permeada por uma dinâmica própria na organização das
ações e da atividade de trabalho, intercruzada com as demandas oriundas da
imprevisibilidade dos territórios. A cada nova situação, trabalhadores se vêem criando e
recriando estratégias, com a renormalização de procedimentos para responder às
exigências que se lhes apresentam. Está em curso uma experiência de gestão social
realizada pelos trabalhadores dos CRAS. Paralelamente à busca de respostas por parte
destes trabalhadores às atuais exigências na perspectiva de um modelo próprio de gestão
social dos CRAS, novos conceitos estão em processo de elaboração. Há uma
convergência entre um modelo de gestão flexível, democrático, que valorize a
construção de saberes pelos trabalhadores e, simultaneamente, favoreça uma
participação qualificada da população na condução do serviço. Interessa a esta
investigação identificar e sistematizar os mecanismos de gestão sob a perspectiva dos
trabalhadores que operacionalizam as ações do CRAS.
A pesquisa realizada utilizou a Ergologia como referencial teórico e
metodológico que instrumentalizou a investigação para a compreensão da atividade de
trabalho e do processo de gestão do CRAS. Esta abordagem analisa o trabalho como
atividade humana, sendo, portanto mais complexo do que uma simples realização
6
A origem da vertente da qual deriva a administração pública societal está ligada à tradição
mobilizatória brasileira [...]. O tema da inserção da participação popular na gestão pública é o cerne dessa
mobilização [...] que se manifesta na defesa da esfera pública não-estatal, que está intimamente
relacionada com a criação de espaços públicos de negociação e espaços deliberativos (PAES DE PAULA,
2005, p. 39-40).
7
Efeito da ação dos indivíduos e das comunidades sobre a gestão das instituições públicas ou
privadas das quais são usuários. Conforme a NOB-SUAS/2005, tem sua concepção advinda da
Constituição Federal de 1988 e é instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão
político-administrativa-financeira e técnico-operativa. O controle do Estado é exercido pela sociedade na
garantia dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos balizados nos preceitos constitucionais
(Belo Horizonte, 2007, pp. 26-27).
mecânica de tarefas ou uma simples aplicação de técnicas. Para a Ergologia “(...) o
trabalho é um ato da natureza humana que engloba e restitui toda a complexidade
humana” (TRINQUET, 2010, p. 96). É todo o processo de execução do trabalho, onde o
homem mobiliza o seu corpo e sua subjetividade em um movimento de produzir algo,
enquanto uma “(...) atividade interior. É o que passa na mente e no corpo (...)”
(TRINQUET, 2010, p. 96). Neste processo o trabalhador estabelece um debate de
normas com as normas antecedentes, um repensar consciente ou inconsciente das
estratégias e formas de execução do que está prescrito, que resulta em renormalizações,
transgressoras em relação às prescrições ou às normas antecedentes. Em toda atividade
de trabalho há um distanciamento entre o trabalho prescrito e o real, que possibilita o
surgimento de soluções criadas pelos trabalhadores para o preenchimento deste hiato
com uma produção de saberes. O trabalhador se depara com uma imprevisibilidade, em
que é preciso fazer escolhas, tomar decisões cuidadosas e responsáveis, que a ergologia
nomeia como “dramáticas do uso de si”. O mesmo autor ainda afirma que “é nesse
momento que se expressa a personalidade, a individualidade, a história sempre singular,
tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em tempo real como um modo
próprio de realização” (TRINQUET, 2010, p. 98). A atividade de trabalho é rica em
produção de saber e está em constante evolução.
A realização da atividade de trabalho no CRAS nos remete a esta
imprevisibilidade assinalada pela perspectiva ergológica. A dramática do uso de si se
torna uma constante, própria da relação do trabalhador com o trabalho e diante dos
limites e impossibilidades de prescrições de todos os procedimentos técnicos,
metodológicos e políticos. Apesar de estarem definidas, as normas prescritas parecem
não serem suficientes para orientar toda a atividade de trabalho. Há sempre lacunas, ou
seja, “soluções não previstas que devem ser buscadas sem cessar” (SANTOS, 1997, p.
21). As normas antecedentes são necessárias para organizar as atividades de trabalho,
porém, insuficientes para definir todos os procedimentos exigidos no cotidiano.
Segundo Vieira (2003, p. 55), “as normas antecedentes são um conjunto de dispositivos
que compõem o ordenamento e antecedem a atividade do trabalho.” Podem ser
definidas pelas leis, decretos, resoluções, portarias, normas, instruções normativas,
manuais e orientações hierárquicas diversas. Entretanto, na atividade de trabalho nem
tudo pode ser previsto. O espaço entre o trabalho prescrito e o real surge nas mais
diversas situações, levando os trabalhadores sociais do CRAS a se depararem com a
necessidade de renormalizações, individual e coletiva, que o trabalho real impõe. Neste
movimento constante, os conhecimentos já formalizados são mobilizados, novos
saberes são produzidos, o que provoca uma reflexão sobre a práxis profissional, e sobre
o processo de gestão do serviço. Diante de uma prática reflexiva, “o trabalho convoca a
inteligência de cada trabalhador e do coletivo de trabalho na descoberta, na
aprendizagem, no desenvolvimento e na produção de saberes” (SANTOS, 1997, p. 15).
Percebe-se uma insuficiência das normas antecedentes e, como em toda
atividade de trabalho, lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Esta situação
faz com que os trabalhadores busquem formas de superar essas insuficiências e criem
estratégias para nortear sua atividade e conseqüentemente, construir novos modelos de
gestão que possam contemplar toda a diversidade apresentada.
A investigação procurou identificar o processo de gestão realizado pelos
trabalhadores do CRAS na sua atividade de trabalho, bem como, compará-lo com o
conceito de gestão social com as características apontadas acima. A expectativa é de que
os resultados da investigação possam contribuir para o processo de gestão do CRAS em
Belo Horizonte, ao reconhecer e valorizar a importância da atividade de trabalho dos
seus trabalhadores como espaço de mobilização e produção de saber para cobrir a
lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho real.
As normalizações legais relativas à instrumentalização do processo de gestão do
CRAS parecem não ser suficientes para abarcar a complexidade apresentada pelo
cotidiano da atividade de trabalho, sendo este um relevante problema investigado por
esta pesquisa.
Regulamentado pela PNAS – 2004 e pela NOB/SUAS – 2005, o CRAS se
define por um conjunto de diretrizes legais que normatiza a sua implantação e seu
funcionamento. Essas diretrizes são formuladas em âmbito nacional e apresentam
aspectos gerais que visam uma organização estrutural e política, vinculada a um
propósito de consolidação da política pública de assistência social.
No âmbito municipal, o CRAS recebe atribuições específicas conforme as
características da realidade local e da configuração administrativa da gestão municipal,
podendo executar ações que se diferenciam, desde que em conformidade com as
diretrizes nacionais.
Ao abordar aspectos específicos da gestão do CRAS no município de Belo
Horizonte, há uma preocupação do órgão gestor em estabelecer diretrizes metodológicas
quanto a procedimentos técnico-operativos, como também diretrizes estratégicas quanto
à condução político-institucional. Há um esforço para regulamentar os processos de
construção de instrumentos de monitoramento da gestão do serviço. Não se trata,
portanto, de uma ausência de prescrições e normas.
Apesar da existência de normas antecedentes e de prescrições dos diferentes
níveis de complexidade, o trabalho no CRAS se caracteriza por situações imprevisíveis,
dinâmicas e intensas, ou seja, situações que escapam a uma formalização. Esta
característica que se apresenta na atividade dos profissionais que atuam no CRAS
desafia os processos de gestão a buscar diferentes instrumentos que possam monitorar a
atividade de trabalho e de gestão.
Neste sentido, torna-se evidente a existência de um modo de gestão realizada
pelos trabalhadores do CRAS na atividade cotidiana de trabalho que ultrapassa as
normas e prescrições já estabelecidas. Evidente, também, é a inexistência de uma
sistematização desse modo de gestão. Conhecê-lo e compará-lo a um conceito de gestão
social que considere toda a complexidade do CRAS é o que se buscou nesta
investigação.
Considerando que há normas antecedentes e prescrições que orientam a
organização e funcionamento do CRAS, mas que estas normas e prescrições são
insuficientes para responder aos desafios que se apresentam na atividade cotidiana de
trabalho, formulou-se como questão central da pesquisa o que configura a experiência
de gestão destes trabalhadores e em que medida esta experiência confirma, amplia ou
subverte os conceitos de gestão social apresentados pela literatura especializada?
A investigação teve como objeto a experiência de criação de procedimentos,
técnicas, estratégias, saberes variados na atividade dos trabalhadores que atuam no
CRAS para responder aos desafios oriundos da insuficiência das normativas legais e das
prescrições, no que diz respeito ao que fazer e como fazer no dia a dia do trabalho.
A hipótese que direciona a investigação parte do pressuposto de que há uma
insuficiência de normas para a organização da gestão e, conseqüentemente, da
existência de um hiato entre o trabalho prescrito e o real, trabalhadores criam
alternativas para responder aos desafios apresentados no cotidiano da atividade de
trabalho e de gestão do CRAS.
Configurou-se como objetivo geral da pesquisa:
- Investigar a experiência de gestão do CRAS no município de Belo Horizonte, a
partir do estudo do cotidiano da atividade de trabalho dos trabalhadores.
E como objetivos específicos:
- Conhecer as normativas legais para o funcionamento do CRAS, de modo a
identificar as normas que prescrevem as atividades dos trabalhadores sociais.
- Identificar os procedimentos, mecanismos, estratégias, saberes criados,
mobilizados, realizados pelos trabalhadores do CRAS no hiato entre o âmbito do
trabalho prescrito e aquele do trabalho real, no que se refere aos atendimentos
individualizados, atividades coletivas grupais e nas articulações comunitárias e
institucionais.
- Comparar a experiência de gestão realizada pelos trabalhadores na atividade de
trabalho no CRAS com as concepções de gestão social disponíveis na literatura
especializada.
Com a realização desta pesquisa espera-se uma melhor compreensão da
atividade de trabalho realizada pelos trabalhadores dos CRAS em Belo Horizonte e de
seus desdobramentos na experiência de construção de uma concepção de gestão própria
ao âmbito desta unidade de serviço. A identificação e sistematização dos ingredientes
que compõem novos modelos de gestão social se apresentam como possibilidade
inovadora, ao contribuir para a melhoria da qualidade na execução das atividades de
trabalho e na construção de mecanismos de monitoramento e acompanhamento técnico
e metodológico, a partir de processos democráticos, participativos e horizontalizados no
âmbito dos CRAS.
A investigação proposta surge no sentido de contribuir para a qualificação do
serviço prestado pelos CRAS voltados para o atendimento à população em áreas de
vulnerabilidade social, com vistas ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários.
Por ser o principal serviço da Proteção Social Básica da Política de Assistência
Social, O CRAS ocupa uma função estratégica na relação do poder público com a
população dos territórios.
A aproximação da política de assistência social com uma gestão social de caráter
democrático, participativa, com relações horizontalizada e dialógica ganha extrema
importância em função do atual momento político em que atravessa o país. A
assistência social passa por um processo de consolidação com a efetivação da Política
Nacional de Assistência Social – PNAS e do Sistema Único de Assistência Social SUAS, ao definir ações de âmbito territorial local com a implantação dos CRAS em
territórios de vulnerabilidade social nos municípios brasileiros. Estas unidades
apresentam como objetivos o propósito atuar nas relações familiares e comunitárias, ao
desenvolver ações individuais e coletivas de caráter educativo, com vistas a ampliar o
universo relacional das famílias e o capital relacional das comunidades.
A localização descentralizada em territórios mais próximos da população
significa estabelecer novas relações e novos significados do exercício da política
pública de assistência social. O distanciamento das estruturas centralizadas do poder
pode acarretar situações de isolamento gerencial, dissociação entre a formulação e a
execução e descontinuidade nos fluxos de informação, com uma conseqüente
fragmentação das ações e um comprometimento na qualidade dos serviços prestados.
Por outro lado, este distanciamento pode provocar situações de superação de vícios
burocráticos e político-administrativos e uma maior autonomia quanto à utilização de
modelos inovadores de gestão. A localização nos territórios proporciona uma vivência
maior com o cotidiano da população, ao aproximar-se da realidade social repleta de
contradições em que se manifesta a questão social8. Conhecer “in loco” a realidade das
famílias possibilita recolher informações atualizadas e retroalimentar o processo de
formulação e planejamento das políticas públicas, em especial da gestão da política de
assistência social na qualificação da oferta de serviços, programas, projetos e benefícios
socioassistenciais.
A investigação procurou conhecer e estudar o funcionamento do CRAS e
identificar na atividade de trabalho dos operadores do serviço, os saberes produzidos
nas relações institucionais e principalmente na relação com a população destes
territórios. Pois é “no trabalhador é que o usuário se referencia, isto é, na possibilidade
de estabelecer um espaço relacional de escuta, capaz de estabelecer vínculos e assegurar
o acesso a bens materiais e subjetivos” (NERY, 2009, p. 24). Assim como na educação
e na saúde, na assistência social a principal peça na operacionalização da política são os
seus profissionais, “(...) o trabalhador da Assistência Social é matéria-prima dessa
política pública, que não se consolida sem uma qualificada atuação profissional”
(NERY, 2009, p. 24). Esta reflexão encontra ressonância nos princípios e diretrizes para
a gestão do trabalho estabelecido pela NOB-RH/SUAS, na afirmação de que “a
qualidade dos serviços socioassistenciais disponibilizados à sociedade depende da
estruturação do trabalho, da qualificação e valorização dos trabalhadores atuantes no
SUAS” (BRASIL, 2006, p. 19).
8
Questão social – [...] é expressão das manifestações das desigualdades e antagonismos ancorados nas
contradições próprias da sociedade capitalista. [...] manifestações das desigualdades e antagonismos que
constituem a “questão social” encontram-se embasadas nos processos estruturais do desenvolvimento
capitalista (PASTORINI, 2004, p. 114).
A gestão do trabalho9 e a valorização do trabalhador no SUAS tem uma
dimensão estratégica para a consolidação da política, sendo inclusive tema da VIII
Conferência Nacional de Assistência Social10 que se realizou em 2011.
Analisar a atividade de trabalho como instrumentalização para o gerenciamento
da gestão pública na perspectiva da gestão social resultará em qualificar serviços
públicos no sentido de promover um desenvolvimento das capacidades humanas com
objetivo à inclusão social da população atendida.
Ao seguir as diretrizes da PNAS - 2004, o CRAS cumpre uma função estratégica
na organização da política. Como uma unidade descentralizada é responsável pela
execução das ações nos territórios, principalmente naqueles com maiores indicadores de
vulnerabilidade social. A atuação nestes territórios aproxima a assistência social de um
cotidiano vivido pela população ao agregar todas as questões relacionadas ao
desenvolvimento social com ênfase nas potencialidades humanas. A territorialização
aponta para ações articuladas em redes ao proporcionar o exercício da intersetorialidade
e de processos de gestão democrático e participativo.
Pesquisar o funcionamento do CRAS, no que se refere ao processo de gestão sob
a perspectiva da atividade de trabalho realizada pelos trabalhadores, direciona o debate
na formulação de tecnologias sociais inovadoras no campo da gestão pública.
A estruturação e a formulação do CRAS aponta novos elementos que delineiam
um campo de intervenção para a política de assistência social com a introdução de
conceitos, entre eles a intersetorialidade, a territorialidade e o atendimento
sociofamiliar. Há uma demanda crescente de gestores e profissionais em compreender e
estudar a implicação destes conteúdos e seus desdobramentos na operacionalização do
CRAS.
A formulação teórica da gestão social ocupa uma área do conhecimento ainda
pouco difundida no meio acadêmico. As produções teóricas estão ainda restritas a um
universo reduzido de pesquisadores e profissionais. No entanto, esta produção científica
vem sendo construída com bases teóricas fundamentadas a partir de projetos de pesquisa
e extensão acadêmicas, associadas a uma aplicabilidade prática no “mundo da vida”, ou
seja, a partir de experiências em projetos sociais, com grupos e comunidades em busca
9
(...) considera-se Gestão do Trabalho no SUAS a gestão do processo de trabalho necessário ao
funcionamento da organização do sistema, que abarca novos desenhos organizacionais, educação
permanente, desprecarização do trabalho, avaliação de desempenho, adequação dos perfis profissionais às
necessidades do SUAS, processos de negociação do trabalho, sistemas de informação e planos de
carreiras, cargos e salários, entre outros aspectos (NOB-RH/SUAS, 2006, p. 101)
10
VIII Conferência Nacional de Assistência Social – Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores
de soluções que visam um processo de transformação social coletiva. Por ter surgido em
torno das concepções da gestão administrativa, percebe-se que a produção do
conhecimento deste campo vem sendo ocupada majoritariamente por pesquisadores e
profissionais da área da administração. Uma aproximação da gestão social com as
diversas áreas do conhecimento, como as ciências sociais, a psicologia social, e o
serviço social, bem como a conseqüente produção de conhecimento, tornam-se
extremamente pertinentes.
Outro aspecto que deve ser salientado é a relação da gestão social com a gestão
da política pública. A gestão social tem uma contribuição significativa a oferecer na
consolidação de novos modelos de gestão e funcionamento da política pública e
especificamente da política de assistência social ao ampliar o universo teórico e
conceitual.
Torna-se de extrema relevância aproximar a política pública dos princípios
norteadores da gestão social como a democratização, participação, transparência,
posicionamento ético, valorização das potencialidades humanas, para que a gestão
pública possa superar uma prática tradicional voltada para o clientelismo,
patrimonialismo e o assistencialismo.
A perspectiva ergológica encontra pontos de interseção com a gestão social ao
apostar que o processo de trabalho pode proporcionar trocas, relações de aprendizagens
e produção de saberes resultantes das experiências dos envolvidos nas situações de
trabalho.
A fundamentação teórica e as experiências práticas sistematizadas por
pesquisadores da área da gestão social surgem no sentido de uma maior
instrumentalização dos trabalhadores destes equipamentos da política pública.
Compreender a sua atividade de trabalho é condição essencial para uma práxis
profissional reflexiva e transformadora da realidade social.
Pesquisar o funcionamento do CRAS no município de Belo Horizonte surge
como necessidade de uma maior compreensão da atividade de trabalho nestes
equipamentos da política de assistência social.
Há um interesse profissional na realização desta investigação, pois o pesquisador
atua profissionalmente em um determinado CRAS no mesmo município e ocupa a
função de coordenação. Questões de diversas ordens surgem decorrentes do exercício da
atividade de trabalho. Ocorre uma grande preocupação por parte dos gestores
municipais com relação aos resultados alcançados, ou seja, com relação aos impactos
sociais provocados na vida da população usuária do serviço, e que precisam de fato ser
avaliados. Percebe-se, no entanto, que fica no plano secundário uma preocupação
quanto aos processos metodológicos relativos à implementação e desenvolvimento do
serviço, sendo este um aspecto pouco explorado. Ocorre uma ênfase na avaliação de
resultados e uma preocupação relativa quanto à avaliação e monitoramento de
processos. A instrumentalização do trabalho, os cuidados metodológicos, a condução
política adequada, a relação dos profissionais com a atividade de trabalho interferem
diretamente na qualidade do serviço ofertado.
A pesquisa procurou identificar, a partir da atividade de trabalho, modelos de
gestão ou ingredientes de modelos de gestão, que possibilitem reconhecer e valorizar os
saberes investidos adquiridos com a vivência prática da experiência, ou seja, os saberes
investidos na atividade de trabalho, em uma confrontação dialética com os saberes
constituídos ou saberes acadêmicos de caráter científico.
Instrumentalização da gestão do serviço com o suporte da Ergologia como
referencial teórico possibilita promover uma reflexão crítica da atividade de trabalho,
propor alternativas e renormalizações coletivas sob a perspectiva dos trabalhadores que
estão na execução direta do exercício profissional. Assim sendo, estará se consolidando
um processo de gestão participativa ao reconhecer os saberes produzidos pelos
trabalhadores na atividade de trabalho que se caracteriza como um processo de gestão
social. É preciso compreender o trabalho para transformá-lo. Para Schwartz (2011) todo
trabalhador realiza a gestão do seu próprio trabalho ao gerir as lacunas entre o trabalho
prescrito e o real, portanto, todos os trabalhadores da assistência social têm a sua parcela
de contribuição na realização da gestão da política da assistência social.
2 – Metodologia
2.1 – Metodologia da Pesquisa
A pesquisa apresentada teve como objeto conhecer o processo de gestão do
CRAS a partir da atividade de trabalho realizada pelos trabalhadores e assim, cumprir
com os objetivos da política de assistência social. Para a investigação da atividade de
trabalho, o referencial teórico sustentado pela Ergologia foi utilizado para a análise das
categorias teóricas. O método de pesquisa qualitativo se mostrou adequado para a
proposta de investigação. Trata-se de um estudo relativo às relações sociais que
envolvem as relações humanas atravessadas pela subjetividade, o que inclui categorias
de análises próprias das ciências sociais e das ciências políticas. Para MINAYO (2009,
p. 21), “esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade
social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e
por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida (...)”. O estudo dessas
relações não pode ser quantificado ou reduzido a números, mas compreendido enquanto
processo histórico que envolve a interpretação de dados junto aos atores sociais
envolvidos na pesquisa, sendo essas relações “objeto da pesquisa qualitativa”.
OLIVEIRA (2007, p. 37) conceitua a pesquisa qualitativa “como sendo um processo de
reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para
compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua
estruturação”.
Pesquisar a atividade de trabalho no CRAS exigiu escutar quem está envolvido
diretamente no contexto, por vivenciar uma relação dinâmica e dialética entre a
objetividade e a subjetividade, entre o mundo real, do possível e o mundo ideal, do
desejo. Foi preciso portanto, um estudo detalhado das relações grupais de atores sociais
e de “fenômenos da realidade”, pois como afirma Oliveira (2007, p. 60) “o pesquisador
deve ser alguém que tenta interpretar a realidade dentro de uma visão holística e
sistêmica (...)”. No paradigma qualitativo o pesquisador buscou a compreensão e o
entendimento das situações por meio da fala e da comunicação dos entrevistados como
capacidade de interpretação da expressão humana. Caracterizado como método
hermenêutico, a investigação interativa se caracterizou “como sendo um processo
hermenêutico-dialético que facilita entender e interpretar a fala e depoimentos dos
atores sociais em seu contexto e analisar definições em textos, livros e documentos, em
uma visão sistêmica (...)” (MINAYO apud OLIVEIRA, 2007, p. 123).
No paradigma da pesquisa qualitativa para Alves-Mazotti (1998, p. 160) “o
pesquisador é o principal instrumento de investigação, (...) realiza sua investigação em
instituições com as quais já tem familiaridade, e nas quais exerce um outro papel”.
Como já citado na justificativa do projeto, há um envolvimento direto do proponente
desta pesquisa em função da atividade de trabalho que exerce em outra unidade pública
similar (CRAS). Foi preciso trabalhar um devido distanciamento das implicações e
envolvimento subjetivo para evitar possíveis interferências e assim preservar o lugar do
pesquisador com a devida isenção. Este distanciamento não se referiu a uma
neutralidade, muito pelo contrário, houve um interesse em explorar a relação subjetiva
do pesquisador e dos sujeitos da pesquisa com seu objeto de estudo para se alcançar a
objetividade. Se nos momentos iniciais foi preciso coletar as informações empíricas ao
proporcionar os trabalhadores a colocar em palavras a sua atividade de trabalho, a
análise das informações possibilitou uma constatação da complexidade da atividade de
trabalho.
A pesquisa realizada compreendeu uma pesquisa bibliográfica, pesquisa
documental e pesquisa de campo.
2.1.1 – Pesquisa bibliográfica
A pesquisa bibliográfica realizada embasou o referencial teórico desta
investigação. As concepções dos autores trabalhados foram incorporadas e receberam as
devidas reflexões na sustentação teórica das questões apresentadas.
O embasamento teórico que fundamenta e conceitua a política de assistência
social recebeu uma criteriosa seleção de autores que desenvolvem uma abordagem
crítica na publicação de livros, artigos, teses e dissertações.
Autores da área da ciência política contribuíram na discussão do papel do
Estado, das relações de poder, administração pública e de temas específicos como a
descentralização, intersetorialidade e territorialidade.
A gestão social é um tema relativamente recente no debate acadêmico e
científico, sendo reduzido o número de autores e publicações. São publicações mais
recentes e que vem progressivamente sendo apropriadas no debate. Apesar do
levantamento bibliográfico deste tema ter sido realizado nas etapas iniciais, novas
publicações foram incorporadas no decorrer da pesquisa
A ergologia é uma abordagem que trata da atividade de trabalho e que sustentou
a investigação como referencial teórico para a análise dos dados.
As referências bibliográficas utilizadas na pesquisa estão incorporadas à
estrutura da dissertação na sequência devida.
2.1.2 - Pesquisa documental
A pesquisa documental constou da consulta de documentos oficiais que
delineiam o marco legal da política pública e especificamente da política de assistência
social composto por leis, decretos, resoluções, diretrizes metodológicas, de âmbito
federal e municipal. Os documentos consultados foram: Constituição Federal de 1988,
Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, Política Nacional de Assistência Social –
PNAS/2004, NOB/SUAS – 2005, NOB-RH/SUAS – 2006, Orientações técnicas: CRAS
– 2009, Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais – 2009, Protocolo de
Gestão Integrada – 2009, Metodologia de Trabalho com Famílias e Comunidades nos
NAF/CRAS – PBH.
Esses documentos oficiais foram categorizados na pesquisa como as normas
antecedentes ou prescrições legais, protocolos fundamentais para a organização e a
institucionalização da política de assistência social e para as prescrições dos objetivos,
das ações e da atividade de trabalho no CRAS.
2.1.3 - Pesquisa de campo
2.1.3.1 – Cenário da pesquisa de campo
A pesquisa de campo foi realizada em instituições públicas municipais e para
tanto foi necessário inicialmente uma autorização, devidamente providenciada, do órgão
gestor das unidades, a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - SMAAS.
Foram investigados dois Centros de Referência da Assistência Social do município de
Belo Horizonte, tendo como critério de escolha: um com o funcionamento desde o
início da implantação dos serviços em 2002, e outro mais recente, com a implantação no
ano de 2009. A definição dos critérios se justificou em função da existência de 33
CRAS11 implantado no município, o que torna impossível investigação em todos eles
em virtude do prazo definido para a realização desta pesquisa. As nove primeiras
unidades foram inauguradas em 2002, ou seja, antes da implantação da PNAS – 2004 e
da NOB/SUAS - 2005. A expansão dos CRAS foi ocorrendo progressivamente ao longo
dos anos, sendo que a unidade pesquisada implantada em 2009 já iniciou suas
atividades após a regulamentação do serviço pelas publicações das prescrições legais.
A investigação do processo de gestão teve como foco os trabalhadores e as
estratégias que utilizam para a realização da atividade de trabalho.
Ao considerar o tempo de funcionamento das unidades, buscou-se conciliar a
pesquisa com a escolha dos entrevistados conforme o tempo de experiência de trabalho
no CRAS. Na primeira unidade visitada, implantada em 2009, os trabalhadores
entrevistados iniciaram suas atividades junto com a implantação do serviço, ou seja, são
trabalhadores com pouco tempo de experiência no CRAS. A exceção ficou com uma
assistente social que após passar por um período de trabalho em outra unidade foi
transferida para a atual, com um tempo de experiência em torno de cinco anos. Na
segunda unidade duas trabalhadoras entrevistadas exercem sua atividade desde a
implantação em 2002. A realidade das situações de trabalho encontrada no campo
pesquisado redirecionou os critérios da coleta de dados, sendo entrevistado um número
maior de trabalhadores com tempo de experiência menor.
A aproximação com as unidades pesquisadas ocorreram de formas diferenciadas.
Inicialmente foi realizado um contato com os coordenadores que após um agendamento
prévio. Em uma das unidades a apresentação foi realizada em uma reunião com toda a
equipe, o que possibilitou um debate produtivo com os trabalhadores do CRAS e a
confirmação quanto à pertinência e os propósitos da pesquisa. Na sequência foi
agendado com cada trabalhador as entrevistas individuais. Em outra unidade os contatos
ocorreram individualmente com os trabalhadores e foi possível constatar uma
defasagem de profissionais na equipe técnica, o que resultou na realização de somente
duas entrevistas.
Em função da natureza da pesquisa tornou-se relevante explorar o conhecimento
adquirido na experiência de trabalho, e, a variação do tempo de exercício da função
como um fator que foi explorado. Definir o critério da temporalidade possibilitou colher
11
Informações concedidas pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, por intermédio da
Gerência de Proteção Social Básica (GPSOB).
informações diferenciadas em função da qualidade das relações e do perfil dos
trabalhadores e das equipes, da organização e da dinâmica de trabalho, o que permitiu
uma análise comparativa das experiências diversas.
Conhecer o universo de trabalho nos CRAS possibilitou identificar situações
singulares, condições estruturais das unidades, realidades de territórios e perfis
profissionais diferenciados. Mas em geral, os trabalhadores, de maneira individual e
coletiva, consolidam um saber adquirido com sua própria vivência na atividade de
trabalho, na interação com equipes mais experientes de outros CRAS com um tempo
maior de funcionamento.
2.1.3.2 - Sujeitos da pesquisa
A investigação se deu em torno da atividade de trabalho envolvendo os
trabalhadores de dois CRAS perfazendo um total de sete entrevistas. No primeiro CRAS
visitado foi encontrada uma equipe composta por cinco profissionais de nível superior:
um coordenador, três assistentes sociais e um psicólogo, sendo estes cinco os sujeitos da
pesquisa entrevistados. No segundo CRAS a equipe estava incompleta, sendo: um
coordenador, três assistentes sociais. Somente um assistente social preencheu os
critérios de tempo de trabalho, sendo os outros dois recém contratados, o que somente
foi possível entrevistar uma coordenadora e uma assistente social.
A categoria de trabalhadores do CRAS não se distingue pela função que
exercem na equipe, o que inclui os profissionais que compõem a equipe técnica e os
coordenadores da unidade. A atividade de trabalho dos coordenadores está inserida nas
situações de trabalho independente da diferenciação de funções e da posição
hierárquica.
As entrevistas foram gravadas com uma duração média de 60 minutos, sendo
realizadas nos locais e nos horários de trabalho dos entrevistados. As gravações foram
transcritas e se encontram juntamente com todo o material utilizado, arquivadas com o
pesquisador. As entrevistas foram selecionadas, dispostas em categorias e analisadas de
acordo com os referenciais teóricos trabalhados, sendo encontras no capítulo 6 desta
dissertação.
2.1.3.3 - Instrumentos de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas. As
entrevistas foram realizadas com sete trabalhadores, que inclui nesta categoria dois
coordenadores. O roteiro de entrevista segue em anexo neste documento. A entrevista
semi-estruturada é considerada por Minayo (2009, p. 64) como um tipo de entrevista
que “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade
de discorrer sobre o tema em questão” e permitiu um diálogo entre o entrevistador e o
entrevistado. Com este tipo de entrevista, o sujeito entrevistado expôs a sua opinião e a
sua visão o que foi possível promover uma reflexão a cerca do universo pesquisado, das
questões subjetivas e objetivas, que incluiu questões relativas a realização da atividade
de trabalho, das relações entre os trabalhadores, com a população usaria do serviço e das
relações políticas com as instituições públicas envolvidas direta ou indiretamente com o
trabalho, que possibilitou uma adequação com os propósitos da pesquisa.
2.2 – Estrutura da dissertação
A dissertação se estruturou em torno dos eixos que abordaram a política de
assistência social contextualizada nos parâmetros legais, os modelos de gestão pública
com ênfase à gestão social e a atividade de trabalho no CRAS. A dissertação está assim
disposta:
O primeiro capítulo consistiu na apresentação dos propósitos da pesquisa com a
contextualização e delimitação do problema a ser investigado com relação à possível
insuficiência das normas antecedentes e das prescrições legais para abarcar a
complexidade da atividade de trabalho no CRAS. Encontra-se na sequência a
formulação da questão central, do objeto da pesquisa e o levantamento de uma hipótese
ao partir de um pressuposto quanto à insuficiência das normas antecedentes e a criação
de alternativas por parte dos trabalhadores para preencher esta lacuna. Neste capítulo
consta ainda a definição dos objetivos da pesquisa, as justificativas e as possíveis
contribuições que se espera com a análise da atividade de trabalho no processo de
gestão do CRAS.
O segundo capítulo se refere ao processo metodológico, os instrumentos de
pesquisa a definição e a caracterização da modelagem da pesquisa e a definição da
abordagem Ergológica como referencial teórico utilizado nas categorias de análises.
No terceiro capitulo foi abordado a configuração da política pública brasileira,
os parâmetros constitucionais, os princípios e concepções do modelo organizacional. A
política pública de assistência social recebe uma abordagem detalhada com as
definições legais, a legislação atualizada, e o percurso recente de conquista até a
formatação do modelo atual. Constam ainda neste capítulo as prescrições legais que
definem a organização, os objetivos e as funções do CRAS.
No quarto capítulo os modelos de administração pública foram apresentados
com as principais características e uma análise crítica comparativa. O capítulo contou
também com uma análise a respeito do conceito de governança pública, sua origem e as
contradições quanto a sua utilização. Por fim a gestão social foi abordada a partir de sua
origem histórica na formação política e social do campo movimentalista no país, os
princípios, as concepções teóricas e as diversas abordagens utilizadas e em especial na
fundamentação de um modelo de gestão pública.
No quinto capítulo a abordagem Ergológica foi sintetizada com a definição dos
principais conceitos que a fundamenta ao considerar a complexidade do trabalho e a
produção de saber investido como resultado da experiência do trabalhador na realização
da atividade de trabalho. O aprofundamento da Ergologia como uma disciplina que se
propõe estudar o trabalho para transformá-lo foi de extrema importância, pois serviu
com referencial teórico que sustentou a análise da investigação.
No sexto capítulo foi realizada a análise dos dados coletados na pesquisa e
cotejados com os referenciais teóricos, com destaque para os conceitos que
fundamentam a Ergologia e alguns princípios e características da gestão social. A
análise das informações foi dividida em quatro categorias que demarcam a atividade de
trabalho no CRAS, sendo elas: as prescrições legais e as normas antecedentes, as
prescrições técnico-científicas e os saberes convocados, a organização dos trabalhadores
para a realização do trabalho real com uma relevância para a presença da linguagem
com as práticas linguageiras e as diversas formas de manifestação e as ações
interinstitucionais e as implicações na relação com os diversos níveis hierárquicos na
estrutura pública municipal.
No sétimo capítulo estão apresentadas as considerações finais a respeito da
pesquisa com o apontamento de questões relevantes para o debate construtivo. E
finalmente a proposta de intervenção como produto final da dissertação e como
contribuição das reflexões proporcionadas pela investigação e pela formação oferecida
pelo mestrado profissional.
3 - A política de assistência social e a formulação da política pública brasileira
3.1 - A descentralização no contexto da política pública
A década de 1980 se apresentou como um marco histórico na redemocratização
do Brasil e, consequentemente, em mudanças significativas do modelo de organização
do Estado. O cenário internacional, no final da década de 1970, passou por um período
de crise fiscal, afetando diretamente a economia mundial. Países do chamado primeiro
mundo e as instituições financeiras internacionais foram conduzidos a repensar o
modelo econômico vigente. Uma reorganização da produção capitalista foi introduzida
em escala mundial impulsionada pelos avanços da produção da informação e da
aplicação de novos mecanismos na organização do sistema financeiro internacional. A
organização burocrática dos Estados fundada nos conceitos weberiano, não mais
respondeu pela exigência de um estado moderno.
Influenciado pelo debate internacional de superação do modelo burocrático, a
descentralização surgiu como uma possibilidade de modernização da estrutura de gestão
e de redefinição do papel do Estado. Foi notória a influência do modelo neoliberal nos
debates relativos à presença mínima do Estado frente à economia e na condução das
políticas públicas, características que se tornaram marcantes na condução da gestão
pública na década subsequente. O modelo neoliberal utilizou-a estrategicamente a
descentralização do Estado como processo de redução de suas competências políticas
com a transferência de atribuições para o setor privado, a redução dos gastos públicos e
a diminuição do tamanho do aparato estatal (JUNQUEIRA et al, 1997). Nas políticas
sociais ocorreu uma desresponsabilização frente a demandas sociais com a introdução
de políticas residuais e compensatórias e a transferência de responsabilidade social para
a sociedade civil. Nesta perspectiva, a descentralização é utilizada para a efetivação da
proposta do Estado Mínimo, com a promoção de privatizações e a redução das ações de
proteção social.
Em contraponto, o modelo de descentralização na perspectiva progressista
surgiu no sentido de um deslocamento do poder de decisões para outras instâncias. Visa
à democratização da gestão pública, no sentido de “reestruturar o aparato estatal” para
que “ganhe mais agilidade e eficiência para aumentar a eficácia das ações das políticas
sociais pelo deslocamento, para esferas periféricas, de competências e de poder de
decisão sobre as políticas” (JUNQUEIRA et al, 1997, p. 09).
No Brasil, a transição política de um regime autoritário para um regime
democrático, na década de 1980, exigiu um redirecionamento no papel do Estado frente
às demandas da sociedade civil e das instituições políticas. Neste processo histórico
houve um esgotamento de um “Estado Desenvolvimentista”, centralizador nas funções
de planejamento, financiamento e estimulador do desenvolvimento. O modelo
burocrático centralizador e de tradição autoritária do Estado brasileiro se mostrou
ultrapassado quanto à condução dos processos de desenvolvimento político, social e
econômico. Não mais respondeu pelas crescentes demandas do país resultantes do
crescimento populacional urbano, do aprofundamento das desigualdades regionais, do
crescimento dos índices de pobreza e do aumento das diversas demandas de cobertura
nas políticas sociais. Por outro lado, com a consolidação do processo democrático,
novos atores políticos forçam um reequilíbrio de forças (ARRETCHE, 1996),
reivindicando maior descentralização política e financeira do Estado.
O debate sobre a descentralização no Brasil “foi pautado sobretudo pela ótica da
política, expressando a exigência de que se estabelecesse um novo contrato social entre
o Estado e a sociedade civil” (JUNQUEIRA et al, 1997, p. 10). Passada a experiência de
duas décadas de um Estado autoritário, a discussão da descentralização foi incorporada
de forma estratégica ao debate da democratização e da participação. A sociedade civil e
política vislumbraram a possibilidade da descentralização contribuir com o
aprofundamento do processo democrático possibilitando uma maior participação nas
decisões políticas.
Ao caracterizar a descentralização, Junqueira (2005, p. 2) afirma que
“descentralizar significa transferir decisão, trazer para junto dos usuários o poder de
decidir”, portanto “a descentralização como um processo de transferência de poder
determina a redistribuição das decisões”.
A descentralização pode promover uma
capilaridade do poder público de forma a aproximar as decisões do cotidiano da
população.
A descentralização contribui de forma significativa para o aperfeiçoamento de
mecanismos democráticos do Estado. Promove uma maior aproximação da sociedade
civil com o Estado, possibilita também a prestação de serviços públicos mais próximos
à população, estimulando a participação social e o exercício do controle social (LOBO,
1990), sendo, portanto, “um instrumento de fortalecimento da vida cívica”, como afirma
Arretche (1996, p. 47).
3.1.1 - A descentralização na formulação político-administrativa brasileira
A Constituição Federal de 1988, no capítulo que trata da organização políticoadministrativa do Estado brasileiro, especificamente no artigo 18, reconhece o
município como ente federativo e autônomo e afirma que “a organização políticoadministrativa da republica Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos (...)” (BRASIL, 1988).
O Capítulo IV trata das competências dos municípios especificamente no artigo
30, e diz que “compete aos municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II –
suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (BRASIL, 1988).
Como se percebe após a Constituição Federal de 1988, o município passa a ter
um reconhecimento com a conquista de prerrogativas e importância na composição
política do Estado brasileiro. Há um fortalecimento do município que conquista
autoridade político-administrativa para legislar sobre os interesses locais, reafirmando o
que pode se chamar de “governo local” (STEIN, 1997).
A descentralização fica explicitada no Capitulo II, que trata da Ordem Social
referente à Seguridade Social. O artigo 194, inciso VII, afirma que o poder público deve
se organizar conduzido por um “caráter democrático e descentralizado da gestão
administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores,
empresários e aposentados” (BRASIL, 1988).
A municipalização e a descentralização têm na Constituição Federal de 1988 um
marco legal, o que abre um indicativo para a participação da população na formulação e
no controle das ações governamentais.
Ainda com relação à Carta Magna, a política de Assistência Social é citada, no
artigo 204, quando afirma que a sua organização tem como diretrizes:
I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as
normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos
programas às esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes
e de assistência social;
II – participação da população, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL,
1988, Art. 204).
Percebe-se assim, que o modelo de descentralização intergovernamental foi
incorporado na formulação constitucional no Brasil. As três esferas de governo
passaram por uma redefinição das atribuições político-administrativas, exigindo novas
formas de organização e de relacionamento entre os entes federados. A descentralização
prevista na carta constitucional deve ser entendida como um processo de transferência
de poder do nível central para os níveis periféricos. União, estados e municípios são
chamados a redefinições de suas competências frente à nova ordem.
A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, regulamentada em dezembro de
1993, seguindo as diretrizes constitucionais estabelecidas, definiu a organização da
política de assistência social a partir de um sistema descentralizado e participativo
organizado nos três níveis de governo e estabelece as devidas competências entre os
entes federados.
O sistema organizacional da política de assistência social se propõe a operar com
o que Sposati (2009) denomina “descentralização compartilhada”, diferente do modelo
conhecido como prefeiturização, onde o município é imbuído de responsabilidades sem,
no entanto receber recursos financeiros e atribuições legais para assumir as funções a
ele delegadas. Ficam estabelecidos critérios iniciais de habilitação como a existência e o
funcionamento de conselho, plano e fundo municipais. Outro critério de financiamento
se refere à capacidade instalada em cada município para a execução das ações que será
detalhado posteriormente neste mesmo capítulo.
Trata-se de longo percurso de pactuação dos agentes federativos para tornar
nacional a política de assistência social. A concretização desse processo se dá
pela habilitação do ente gestor. A operação do sistema de federalismo
cooperativo é realizada pela adesão individual de cada município, que passa a
ter um grau de habilitação no SUAS a partir da infraestrutura implantada
(SPOSATI, 2009, p. 44).
Ao cumprir com o desafio de organização da assistência social em um sistema
descentralizado e participativo, a Política Nacional de Assistência Social – PNAS –
2004, redireciona o desenho organizacional, afirma a sua efetivação “como direito de
cidadania e responsabilidade do Estado”, na perspectiva da construção e implementação
do Sistema Único da Assistência Social – SUAS (BRASIL, 2004).
3.1.2 – Intersetorialidade: dilemas e desafios para a política pública
A estruturação da política pública de forma descentralizada não significa
necessariamente a garantia de um modelo de gestão pública democrática voltada para os
interesses e as demandas da população. A descentralização político-administrativa abre
um debate para a incorporação de outros conceitos objetivando a sua qualificação. Neste
sentido a intersetorialidade aponta para uma mudança de perspectiva da gestão pública.
A descentralização e a intersetorialidade são conceitos que se complementam.
Os conceitos de intersetorialidade e descentralização aproximam-se, na medida
em que este último é compreendido como a transferência do poder de decisão
para as instâncias mais próximas e permeáveis à influência dos cidadãos e o
primeiro diz respeito ao atendimento das necessidades e expectativas desses
mesmos cidadãos de forma sinérgica e integrada. Ambos devem considerar as
condições territoriais, urbanas e de meio ambiente dos micro-espaços que
interagem com a organização social dos grupos populacionais. (Junqueira,
1997, p. 24)
As estruturas da administração pública são tradicionalmente organizadas de
forma hierarquizada, vertical e setorializada, sendo os serviços oferecidos à população
de forma fragmentada. Este modelo de organização compartimenta conhecimentos,
ações públicas e o atendimento às necessidades humanas, tendo o poder público uma
atuação segmentada e desarticulada. Há uma tendência em não considerar o cidadão na
sua totalidade, retalhando as demandas apontadas pela população. Desta forma, o
aparato governamental tem se mostrado insuficiente para dar respostas efetivas às reais
necessidades da população, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento a
situações de pobreza e exclusão social. Segundo Inojosa (2001, p. 103), estas questões
são identificadas no interior das estruturas administrativas, sendo que o “aparato
governamental é todo fatiado por conhecimentos, por saberes, por corporações.
Ninguém encara as pessoas e as famílias como as totalidades que são”. A autora
complementa a sua análise e argumenta que “há, também, uma outra herança, que é a
hierarquia verticalizada, piramidal, em que os processos percorrem vários escalões, mas
as decisões são tomadas apenas no topo, não na base, próximo à população”
(INOJOSA, 2001, p. 103).
A intersetorialidade, como estratégia de qualificação dos processos de
descentralização das políticas públicas, surge como possibilidade concreta na busca de
“novos arranjos” na formulação e na implementação das políticas públicas (Cormelatto,
et. al. 2007). Formular políticas intersetoriais se constitui em verdadeiro desafio para o
setor público. Faz-se necessário uma mudança de paradigmas para que a
intersetorialidade perpasse todo o processo desde o planejamento à execução dessas
políticas. Para Inojosa (2001, p. 105), a intersetorialidade requer uma “articulação de
saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de
políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em
situações complexas”. Portanto, é preciso alterar a lógica da especialização do
conhecimento. Muito mais que integrar ações e projetos, ou aproximar intervenções, as
políticas devem estar em sinergia. É necessário que ocorra uma mudança na cultura
organizacional e no planejamento das ações públicas, para de fato, promover um efeito
sinérgico de potencialização das ações. Mais do que buscar uma ação efetiva da
máquina pública, projetos políticos intersetoriais devem estar voltados para a
transformação da sociedade, perseguindo objetivos visando à justiça social e à redução
das desigualdades sociais. A construção de políticas intersetoriais passa por uma
capacidade de permeabilidade do aparato estatal em possibilitar mudanças nos
processos de trabalho.
A intersetorialidade significa uma nova maneira de abordar os problemas
sociais, enxergando o cidadão em sua totalidade e estabelecendo uma nova
lógica para a gestão da cidade, superando a forma segmentada e desarticulada
como em geral são executadas as diversas ações públicas encapsuladas nos
vários nichos setoriais que se sobrepõem às subdivisões profissionais e
disciplinares. Significa tanto um esforço de síntese de conhecimentos como de
articulação de práticas, buscando unificar o modo de produção de
conhecimento e as estratégias de ação tendo como meta a inclusão social
(MENICUCCI, 2002, p. 11).
A intersetorialidade e a descentralização se convergem a partir da ampliação das
possibilidades outorgadas aos municípios. A descentralização das ações públicas
potencializa os municípios, dando-lhes a responsabilidade pela execução das políticas
sociais. “No município, como espaço definido territorial e socialmente, é que se
concretizará a integração e a ação intersetorial” (JUNQUEIRA et al, 1997, p. 25). Ao
município cabe a primazia pela execução das políticas, sendo responsável pela
condução dos processos de gestão.
O desafio em instituir a intersetorialidade na cultura organizacional das
instituições públicas se torna ainda maior quando o Estado se depara com a necessidade
de elaboração de políticas públicas para uma parcela significativa da população que vive
em situação de vulnerabilidade social e de pobreza.
As políticas sociais encontram desafios para a sua efetividade em cenários
demarcados pelo enfrentamento da pobreza e da desigualdade social como
manifestações da questão social. Bronzo (2010) afirma que ao se fazer uma leitura da
realidade pela linha da abordagem estritamente econômica, a superação da pobreza
poderia ser resolvida pela via do crescimento econômico. No entanto, constata-se por
meio de estudos realizados que a concepção do crescimento econômico se mostra
insuficiente para a redução da pobreza. O aumento da riqueza não implica
necessariamente a redução da pobreza, que em algumas situações pode gerar como
consequência uma forte concentração desta riqueza e um agravamento da situação de
pobreza. Nesta equação aparece a desigualdade como outra variável determinante que
dificultam alcançar os resultados pretendidos. A pobreza reduzida a uma concepção
unilateral, apenas como valor monetário, aponta para uma insuficiência na compreensão
e no enfrentamento do fenômeno. O debate revela que em alguns países, entre eles o
Brasil, faz-se necessário enfrentar a superação da pobreza junto com a redução das
desigualdades. A relação desigualdade e pobreza são fenômenos distintos, mas que em
determinadas conjunturas podem estar vinculados e devem ser analisados sob um
mesmo contexto.
A descoberta é que a desigualdade social tem impactos profundos
para o crescimento econômico e a redução da pobreza. (...) É
importante enfatizar que pobreza e desigualdade são fenômenos
diversos, mas no Brasil tais fenômenos se sobrepõem. Parte expressiva
da pobreza no Brasil não está associada à escassez de recursos, mas à
perversa estrutura de desigualdade na distribuição da renda.
(BRONZO, 2010, p. 122).
Enfrentar a pobreza e a desigualdade social requer ações eficazes que objetivem
a busca por uma maior equidade na estrutura social. A distribuição desigual de renda é
resultado do modelo capitalista, pois atinge diretamente a população e gera
consequências que podem ser identificadas a sua cicatriz ao analisar os diversos fatores
como raça, gênero, educação, saúde, habitação, inserção no mercado de trabalho, entre
outros (BRONZO, 2010). É, portanto necessário considerar as diversas dimensões
provocadas pela pobreza e sua manifestação no meio social ao considerar o indivíduo e
suas aquisições.
Segundo a autora, a pobreza se apresenta como um fenômeno complexo com
característica multidimensional e ao mesmo tempo multideterminada, ou seja, a sua
manifestação passa por dimensões diversas como a econômica, social, relacional, sendo
também diversas as causas da “produção e reprodução da pobreza”. Dentre essas
diversas causas da manifestação da pobreza, fica evidente a dimensão econômica como
resultante do sistema capitalismo e especificamente de um modelo neoliberal-capitalista
de desenvolvimento empregado no Brasil e na América Latina. Modelo este
concentrador de riqueza e gerador de uma desigualdade social abissal provocando um
efeito devastador nas condições de vida de uma ampla parcela da população.
Como princípio estratégico de gestão, a intersetorialidade se caracteriza como
uma ação prática de enfrentamento a situações reais que exigem uma intervenção
efetiva. Assim como toda ação prática, limites e possibilidades se manifestam
interferindo e condicionando os resultados. Mourão (2010) aborda a complexidade
quanto à implementação das ações intersetoriais, ou seja, entre a concepção teórica e a
sua aplicação prática ao considerar que “(...) entre o modelo teórico e sua prática há uma
série de fenômenos que influenciam sobremaneira o processo propiciando, muitas
vezes, que o modelo idealizado se distancie da execução prática e dos consequentes
resultados alcançados” (MOURÃO, 2010, p. 32). Há uma tendência dos diversos
setores na defesa e proteção das áreas de domínio de conhecimento. Percebe-se,
consciente ou inconscientemente, uma resistência em flexibilizar concepções
consideradas irrefutáveis, para ceder espaços a outros conceitos e outras formas de
abordagens de uma mesma questão. Conflitos desta natureza surgem não somente nas
relações externas entre as organizações como também nas relações internas, dentro das
próprias organizações.
Outro fator apontado por Mourão (2010) diz respeito à proteção de áreas de
interesse por grupos políticos que atuam em torno de áreas temáticas e espaços
institucionais ou territoriais. Processos intersetoriais mobilizam recursos técnicos e
financeiros significativos, aglutinam atores sociais, produzem informações e
conhecimentos, atuam em determinados cenários intervindo na realidade social e na
vida da população. Consequentemente, as ações intersetoriais perpassam relações de
poder e disputa política pela hegemonia na condução do processo ou como defesa
corporativa pela priorização de questões específicas de determinadas políticas setoriais.
Por sua vez como estratégia de gestão, a intersetorialidade contribui para uma
maior eficácia da ação governamental frente aos desafios colocados. A cultura
institucional da organização pública exige uma mudança de paradigma para que a
intersetorialidade se estabeleça estrategicamente em todos os níveis de gestão.
Elaborar e implementar políticas intersetoriais é, sem dúvida, um grande desafio
para as políticas públicas. Este processo não acontece de forma espontânea, por esta
razão é necessário que seja construída cada etapa de forma coletiva, com a pactuação de
deliberações, fluxos entre as políticas e processos de trabalho. A construção da
intersetorialidade deve ser conduzida como verdadeiros processos de aprendizagem.
Ao lidar com situações de vulnerabilidades sociais e situações de extrema
pobreza, as ações de proteção social devem ser realizadas de forma conjunta
incorporada pelos diversos setores das políticas públicas.
3.2 - A organização da Assistência Social e sua normatização
A trajetória da assistência social no Brasil é marcada pelo forte cunho
clientelista e assistencialista. A gestão da política está marcada pelo primeiro-damismo,
pelo uso do apadrinhamento político e apoiada na caridade aos necessitados.
A regulamentação da LOAS demarca uma mudança no direcionamento e na
concepção da assistência social na perspectiva da garantia dos direitos como política
social inserida no campo da seguridade social e de responsabilidade do Estado. “Tratase de uma forte guinada de concepção, pois, como segurança social, está sendo tratada
como bem público e social do estatuto de uma sociedade para alcançar todos os seus
membros” (SPOSATI, 2009, p. 15). A assistência social conquista o status de uma
política pública de dever do Estado e de direito do cidadão e da população que dela
necessitar. A LOAS define a centralidade do Estado na condução da política, procura
garantir a universalização dos direitos e se afirma como um sistema de proteção social
não contributivo. Ao seguir os preceitos da Constituição Federal de 1988, a LOAS
reafirma a descentralização da política e cria mecanismos para a participação popular e
o controle social. Permite a elaboração e a execução da política mais próximas da
população, o que facilita aos usuários opinar e avaliar os serviços, programas, projetos e
benefícios socioassistenciais, exercendo assim o seu direito à participação e à cidadania
(COUTO et al, 2011).
Os relativos avanços na legislação brasileira não se traduzem de forma imediata
no conjunto dos operadores da política. No modelo brasileiro de proteção social existe
uma divergência de concepção quanto ao papel do Estado na condução da seguridade
social e especificamente na política de assistência social. Uma concepção considera o
que Estado deve exercer a primazia na condução da política, ou seja, deve assumir a
responsabilidade pela formulação, regulamentação das ações, pelo financiamento
público de fundo a fundo e pela democratização da gestão. Outra concepção, neoliberal,
diga-se de passagem, interpreta a ação do Estado pelo “princípio de subsidiariedade, isto
é, o Estado deve ser o último e não o primeiro a agir. Nesse sentido, opera a assistência
social sob o princípio de solidariedade como ação de entidades sociais subvencionadas
pelo Estado” (SPOSATI, 2009, p. 16).
No intervalo demarcado entre a promulgação da LOAS, em 1993, e o
lançamento da PNAS – 2004, a política de assistência social pouco avançou. Este
período foi marcado pela reforma gerencial da máquina pública de caráter privatista e a
transferência para a sociedade civil e iniciativa privada das ações de proteção social
(NERY, 2009). A condução das ações governamentais primava pela égide do ideário
neoliberal em que prevaleceu a concepção do “estado mínimo”, com o Estado se
isentando de sua responsabilidade pela condução das políticas sociais. Desta forma, a
proteção social foi pautada pela prevalência de que “o Estado não deve ser mais o
grande patrocinador do bem estar social, cabendo à sociedade (família, comunidades,
associações voluntárias) e à iniciativa privada empresarial, ponderável parcela de
participação no processo de provisão social” (PEREIRA apud YAZBEK, 2010, p. 15).
A condução da política de assistência social no âmbito federal foi caracterizada
pela pulverização de recursos financeiros entre as várias agências governamentais, o que
causou uma fragmentação e superposição das ações e consequente enfraquecimento na
sua institucionalização como política pública. Quando da posse do então presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC) institui-se, por medida provisória, o Programa
Comunidade Solidária, que se manteve responsável por ações de enfrentamento à
pobreza. O Programa ficou vinculado à primeira dama, sustentado com financiamento
específico, dotado de uma estrutura própria como uma ação paralela e concorrente à
estrutura ministerial condutora da política de assistência social. O Programa
Comunidade Solidária teve como atuação “selecionar” municípios com elevados índices
de pobreza para conveniamento e consequente repasse de verbas públicas à margem dos
Conselhos de Assistência Social e sem o controle dos Fundos de Assistência Social. O
referido Programa
(...) reitera a tradição nesta área que é a fragmentação e a superposição de
ações. Esta pulverização mantém a Assistência Social sem clara definição
como política pública e é funcional ao caráter focalista que o neoliberalismo
impõe às políticas sociais na contemporaneidade (YAZBEK apud COUTO et
al, 2011, p. 36).
No plano nacional, a política econômica adotada pelo governo FHC de ajuste
fiscal, aos moldes dos organismos financeiros internacionais, gerou um elevado índice
de desemprego e consequente aumento da pobreza e um aprofundamento da
desigualdade social.
A busca da estabilização da economia e do equilíbrio orçamentário e fiscal a
partir do Plano Real leva, no período dos governos de FHC (1995-1998 e 19992002) a resultados pouco favoráveis para a Proteção Social na esfera pública
estatal. O ambiente é de desacertos e tensões entre a adequação ao ambiente
neoliberal e as reformas sociais exigidas constitucionalmente (YAZBEK, 2009,
p. 16).
Alguns autores afirmam que foi promovido neste período um verdadeiro
“desmonte da nação”
12
com a política econômica em vigor utilizando-se da
privatização de parte do patrimônio público, a desregulamentação de direitos
trabalhistas, o enfraquecimento das políticas de saúde e assistência social, entre outras, e
mudanças na Previdência Social e nos direitos dos aposentados (PEREIRA, 2006). O
país assistiu ao agravamento da questão social e à incapacidade do Estado em garantir
um mínimo de proteção social à população excluída.
Somente em 1998 foi aprovada a primeira Política Nacional de Assistência
Social. Nem mesmo com a aprovação da PNAS – 1998 foi possível alterar o quadro de
sobreposição das ações e da fragmentação imposta. A PNAS – 1998 deu os primeiros
passos na direção da organização da gestão, ainda que incipiente, mas não representou
uma alteração substantiva quanto aos aspectos conceitual e político relativos à
organização da política de assistência social.
Previsto na LOAS em 1993, o Benefício de Prestação Continuada – BPC13 foi
implantado no final do ano de 1995 em substituição à Renda Mensal Vitalícia – RMV,
após uma intensa pressão da sociedade civil organizada. O BPC, de caráter não
contributivo, representou um avanço significativo na ação do Estado quanto à proteção
social aos indivíduos em condições de extrema vulnerabilidade.
No ano de 2003, ocorre uma mudança no cenário político brasileiro com a
eleição do presidente Lula. A condução do governo federal altera de forma significativa
o enfretamento aos problemas sociais com a formulação de novas estratégias de
abordagem. Com a criação do Programa Fome Zero e, posteriormente, com o Programa
Bolsa Família procura reposicionar o Estado como condutor das políticas de proteção
social à população excluída. Ocorre uma unificação gradual dos diversos programas de
transferência de renda de reduzida amplitude social criados no governo anterior e uma
ampliação da cobertura do número de famílias beneficiárias, o que veio a potencializar o
impacto social do Programa Bolsa Família. “O Programa Bolsa Família criado em 2003
pelo governo federal é considerado um eixo estratégico para a integração de políticas e
ações no enfrentamento à pobreza, no acesso à educação e no combate ao trabalho
infantil” (YAZBEK, 2009, p. 24).
12
Lesbaupin, Y. (Org.) O Desmonte da Nação - Balanço do governo FHC RJ, Ed. Vozes: 1999.
O Benefício de Prestação Continuada tem como critérios o repasse de 1 salário mínimo às pessoas com
deficiência e aos idosos acima de 65 anos com renda familiar per capita menor que ¼ do salário mínimo.
13
No primeiro ano do governo Lula ainda persistia uma dispersão das ações de
enfrentamento à pobreza mesmo tendo iniciado um processo de unificação destas ações.
A criação em 2004 do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome –
MDS, “que unificou a política de combate à Fome com as Políticas de Transferência de
Renda e de Assistência Social foi um significativo passo na direção de unificar um
conjunto de iniciativas na perspectiva de integrar a intervenção federal no campo social”
(YAZBEK, 2009, p. 19).
Mais do que uma mudança no arranjo institucional, a criação do MDS marca
uma alteração na concepção da política de assistência social, vindo ao encontro dos
anseios de uma parcela do movimento social e das instâncias de participação dos atores
envolvidos na consolidação da assistência social como política pública.
A IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003, aprova
como principal deliberação a construção do Sistema Único de Assistência Social e a
consequente atualização da Política Nacional de Assistência Social, responsável pela
reformulação da concepção e da estrutura organizacional para a vigência do novo
modelo de gestão. A nova PNAS foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência
Social – CNAS em 15 de outubro de 2004, por meio da Resolução n. 145 e publicada no
Diário Oficial da União – DOU em 28/10/2004.
O processo de construção do texto final da PNAS passou por um amplo debate
na sociedade com a contribuição de diversos setores envolvidos.
Ressalta-se a riqueza desse processo, com inúmeras contribuições recebidas
dos Conselhos de Assistência Social, do Fórum Nacional de Secretários de
Assistência Social – FONSEAS, do Colegiado de Gestores Nacional, Estaduais
e Municipais de Assistência Social, Associações de Municípios, Fóruns
Estaduais, Regionais, Governamentais e Não governamentais, Secretarias
Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Assistência Social,
Universidades e Núcleos de Estudos, entidades de assistência social, estudantes
de Escolas de Serviço Social, Escola de gestores da assistência social, além de
pesquisadores, estudiosos da área e demais sujeitos anônimos (BRASIL, 2005,
p. 11).
A aprovação da PNAS – 2004 possibilita uma mudança histórica na efetivação
de uma política pública de proteção social não contributiva, pois incorpora “demandas
da sociedade na área da assistência social, a inovação em trabalhar com a noção de
território, a centralidade da família e de sua proteção e, sobretudo, pela perspectiva de
constituição do SUAS” (PEREIRA, 2006, p. 9). Altera de forma significativa a
organização da política de assistência social, promove uma adequação do seu sistema de
gestão e introduz uma nova cultura institucional, o que vai exigir uma maior
participação e democratização na sua operacionalização.
A PNAS-2004 vai explicitar e tornar claras as diretrizes para efetivação da
Assistência Social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado,
apoiada em um modelo de gestão compartilhada pautada no Pacto Federativo,
no qual são detalhadas as atribuições e competências dos três níveis de governo
na provisão de ações socioassistenciais, em consonância com o preconizado na
LOAS e nas Normas Operacionais editadas (COUTO et AL 2011, p. 38).
A NOB/SUAS14, aprovada em plenária pelo CNAS em 15 de julho de 2005
através da Resolução n. 130, propõe uma nova organização institucional para a política
de assistência social. Com ênfase na gestão pública, fortalece o sistema descentralizado
e participativo com atribuição de competências entre as esferas de governo, propõe uma
gestão compartilhada com uma divisão de responsabilidades entre união, estados,
Distrito Federal e municípios, institui instâncias que compõem o processo de gestão,
organiza o sistema em níveis de gestão e estabelece uma nova relação com as
organizações da sociedade civil. Define o financiamento por meio de mecanismos de
transferência, critérios de partilha e de transferência de recursos, que fica condicionado
ao grau de habilitação do município conforme sua capacidade de organização da gestão
e de operacionalização das ações (BRASIL, 2005). Para Sposati (2006, p. 111), “o
SUAS é uma racionalidade política que inscreve o campo de gestão da assistência social
(...)”.
O financiamento da assistência social se apresenta, até então, como um dos
principais entraves para a sua consolidação. A NOB/SUAS estabeleceu critérios de
financiamento e convocou os municípios para a organização do sistema local. Desta
forma, vinculou o co-financiamento da União à capacidade de organização da gestão e
de execução das ações propostas pelas diretrizes estabelecidas pelas normativas em
âmbito nacional.
A política de assistência social, que se pautou no pacto federativo com o
detalhamento de atribuições nas três esferas de governo, fortaleceu concomitantemente
o princípio da descentralização política, administrativa e financeira conferindo
estímulos à cooperação intergovernamental, o que proporciona maior autonomia aos
municípios.
14
Norma Operacional Básica – instrumento jurídico do governo federal que regulamenta e organiza o
Sistema Único de Assistência Social. Hoje a LOAS (após última alteração) também regulamenta e
organiza o SUAS.
A NOB/SUAS reafirmou a centralidade do Estado na condução da política e
regula as atribuições da sociedade civil e o controle social exercido pela participação da
população.
Seus princípios e diretrizes apontam para a universalização do sistema; a
territorialização da rede; a descentralização político-administrativa; a
padronização dos serviços de assistência social; a integração de objetivos,
ações, serviços, benefícios, programas e projetos; a garantia da proteção social;
a substituição do paradigma assistencialista e a articulação de ações e
competências com os demais sistemas de defesa de direitos humanos, políticas
sociais e esferas governamentais (PEREIRA, 2006, p. 8).
Ao seguir a mesma direção com vistas a estabelecer normas e diretrizes de
funcionamento da política, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do
SUAS - NOB-RH/SUAS é aprovada pelo CNAS por meio da Resolução n. 269, de 13
de dezembro de 2006, e publicada em 25 de janeiro de 2007.
A NOB-RH/SUAS é um instrumento de gestão que visa normatizar a gestão do
trabalho15 no âmbito do SUAS. As diretrizes definidas pela resolução têm como
finalidade orientar “a ação de gestores das três esferas de governo, trabalhadores e
representantes das entidades de assistência social” (BRASIL, 2011, p. 13), na busca
permanente de ofertar serviços públicos de qualidade aos usuários da política.
A gestão do trabalho no SUAS supõe, a criação e a manutenção de estruturas
de referência técnica e institucional para a orientação e o apoio permanentes; a
regulamentação de aspectos relacionados ao trabalho na assistência social, a
serem pactuados e submetidos ao controle democrático da sociedade civil
organizada e atuante nas mesas de negociação e nos conselhos e instancias de
pactuação (SILVEIRA, 2011, p. 12).
A assistência social, historicamente, foi marcada pela informalidade, pela
benemerência e pela caridade exercida pelo voluntariado, ou mesmo pela
desregulamentação do trabalho. Assim sendo, a NOB-RH/SUAS surge com a
intencionalidade de uma mudança de paradigma com o propósito de inversão desta
tradição no sentido de instituir uma profissionalização do trabalho na assistência social,
fundamentado em uma perspectiva crítica. É sem dúvida um marco delimitador da
gestão, o que representa
(...) um ganho político significativo na pactuação federativa entre gestores da
política de assistência social e na luta dos seus trabalhadores por condições
materiais, técnicas e éticas de trabalho nos órgãos gestores, nos CRAS e
CREAS e nas entidades de assistência social vinculadas ao SUAS (...)
(RAICHELIS, 2010, p. 761).
15
Considera-se Gestão do Trabalho no SUAS a gestão do processo de trabalho necessário ao
funcionamento da organização do sistema, que abarca novos desenhos organizacionais, educação
permanente, desprecarização do trabalho, avaliação de desempenho, adequação dos perfis profissionais às
necessidades do SUAS, processos de negociação do trabalho, sistemas de informação e plano de carreira,
cargo e salários, entre outros (BRASIL, 2006, p. 68)
Os trabalhadores da assistência social16 e o trabalho ganham um capítulo
especial na consolidação da política de assistência social. A caracterização do trabalho
na política pública de assistência social deve ser tratada de acordo com a sua natureza e
sua especificidade própria. “O trabalho aqui tratado, portanto, não se fundamenta na
lógica mecanicista do mercado, nem das práticas corporativistas que disputam espaços e
poder simbólico, sem muitas vezes garantir a centralidade do próprio usuário e dos
processos democráticos” (SILVEIRA, 2011, p. 28). Há uma relação imbricada entre os
trabalhadores e os usuários beneficiários diretos da ação. O propósito maior nesta
relação deve estar centrada no compromisso ético e político com a garantia dos direitos
sociais e no empoderamento e autonomia dos usuários, ou seja, o resultado da atividade
de trabalho, juntamente com a qualificação da gestão, incidem diretamente na qualidade
do serviço prestado à população.
O que está em questão, portanto, é a ressignificação do trabalho na assistência
social, referenciada em um projeto coletivo de redefinição do trabalho, das
formas de organização e gestão institucional que incorporem mecanismos
permanentes de democratização, qualificação e capacitação continuada, como
questão estratégica para a valorização do trabalho e dos trabalhadores no
SUAS (RAICHELIS, 2010, p. 58).
Segundo a NOB-RH/SUAS, a gestão do trabalho deve ainda “garantir a
“desprecarização” dos vínculos dos trabalhadores do SUAS e o fim da terceirização,
garantir a educação permanente17 dos trabalhadores e garantir a gestão participativa com
controle social” (NOB-RH/SUAS, 2006, p. 20).
A formulação atual da política de assistência social se insere em um contexto
político conjuntural permeado pela compreensão do processo histórico das experiências
de elaboração das políticas sociais. Potyara Pereira (2011), afirma que a elaboração de
políticas sociais “não se dá num vácuo teórico, conceitual e ideológico, e nem está
isenta de ingerências econômicas e correlações de forças políticas. (...) são essas
ingerências e correlações que a orientam (...) num contexto movido por mudanças
estruturais e históricas” (TITMUS apud PEREIRA, 2011, p. 16). Fica evidenciado como
16
Trabalhadores da assistência social são aqueles que atuam institucionalmente na política de assistência
social, conforme preconizado na LOAS, na PNAS e no SUAS, inclusive quando se tratar de consórcios
intermunicipais e entidades e organizações da assistência social (BRASIL, 2006, p.70)
17
Educação permanente constitui-se no processo de permanente aquisição de informações pelo
trabalhador, de todo e qualquer conhecimento, por meio de escolarização formal ou não formal, de
vivências, de experiências laborais e emocionais, no âmbito institucional ou fora dele. (...) Tem o
objetivo de melhorar e ampliar a capacidade laboral do trabalhador, em função de suas necessidades
individuais, da equipe de trabalho e da instituição em que trabalha das necessidades dos usuários e da
demanda social (NOB-RH/SUAS).
as políticas sociais flutuam entre avanços e retrocessos conforme a conjuntura política e
econômica assim o determina.
O redesenho da arquitetura institucional da política pública de assistência social
no Brasil, direcionado pela PNAS – 2004, pela NOB/SUAS e pela NOB-RH/SUAS,
representam um posicionamento diante do papel do Estado com primazia na condução
das políticas sociais e na proteção social à população vulnerabilizada. Há uma
intencionalidade político-ideológica, no que diz respeito à função do Estado, e um
contraponto às estratégias neoliberais que atribuem uma desresponsabilização estatal
frente às manifestações da questão social.
Sem ter a pretensão de solucionar o problema da exclusão social e a garantia
plena de direitos a todos os cidadãos brasileiros, a política de assistência social é apenas
parte de um esforço político de iniciativas públicas para a constituição de um Estado
que venha garantir a proteção social aos seus cidadãos. Sposati afirma que
A PNAS-2004 concretiza o esforço de sistematizar o conteúdo da assistência
social como política de proteção social. Não se pode dizer que essa política
contenha todas as respostas às questões (...), mas, com certeza, seu conteúdo
estabelece o fio condutor de uma política de proteção que se quer pública e de
direitos (SPOSATI, 2009, p. 40-41).
O SUAS organiza a política de assistência social tendo como eixos norteadores
a matricialidade sociofamiliar, a descentralização político-administrativa e a
territorialização. Procura estabelecer novos parâmetros na relação entre o Estado e a
sociedade civil, critérios e condicionantes para o financiamento e o controle social
(BRASIL, 2008).
A PNAS – 2004 e o SUAS estabelecem como funções da assistência social a
vigilância social, a defesa social e institucional e a proteção social.
A vigilância social “consiste no desenvolvimento da capacidade e de meios de
gestão assumidos pelo órgão público gestor da Assistência Social para conhecer a
presença das formas de vulnerabilidade social da população e do território pelo qual é
responsável” (BRASIL, 2005, p. 93). É a capacidade em identificar situações de
precarização, vulnerabilidades e riscos sociais vividos pelas famílias nos territórios.
Para isto “deve buscar conhecer o cotidiano da vida das famílias, a partir das condições
concretas do lugar onde elas vivem (...)” (BRASIL, 2005, p. 93). A vigilância
socioassistencial tem a função de “monitoramento de riscos”, adquirindo um caráter
preventivo.
A defesa socioinstitucional vem afirmar a proposição da assistência social como
política de garantia de direitos e de condições dignas de vida. Visa romper com as idéias
do assistencialismo, da tutela, da benemerência e da subalternidade “que identificam os
cidadãos como carentes, necessitados, pobres, mendigos, discriminando-os e apartandoos do reconhecimento como sujeitos de direito” (BRASIL, 2005, p. 93). A
universalização dos direitos sociais e o exercício da cidadania devem estar incorporados
na “dinâmica dos serviços, proporcionando aos usuários condições de autonomia,
resiliência e sustentabilidade, protagonismo, acesso a oportunidades, capacitações,
condições de convívio e socialização, de acordo com sua capacidade, dignidade e
projeto pessoal e social” (BRASIL, 2005, p. 93).
A proteção social “refere-se às ações voltadas para resguardar os cidadãos contra
riscos pessoais e sociais” (BRASIL, 2008, p. 44). A proteção social da política de
assistência social, de acordo com Sposati (2009, p. 19), opera nas situações de “proteção
às vulnerabilidades próprias do ciclo de vida; proteção às fragilidades da convivência
familiar; proteção à dignidade humana e combate às suas violações”. O modelo de
proteção social brasileiro é composto por um conjunto de ações ordenadas na política de
assistência social que compõem o sistema de seguridade social, que articula-se às
demais
políticas
sociais
e
econômicas
e
que
mantêm
uma
relação
de
complementaridade.
A efetivação da proteção social de assistência social deve ter o direcionamento
voltado para o “desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania”,
envolvendo um conjunto de garantias de seguranças articuladas, sendo:
- a segurança de acolhida;
- a segurança social de renda;
- a segurança do convívio ou vivência familiar, comunitária e social;
- a segurança do desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social;
- a segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais (BRASIL. 2005, p. 90).
A proteção social de assistência social como política afiançadora de direitos
deve ser conduzida na perspectiva emancipatória, de forma a responder às necessidades
sociais e coletivas decorrentes das situações de vida das famílias e indivíduos. A sua
operacionalização é normatizada pela PNAS – 2004 e divide-se em proteção social
básica e proteção social especial.
A proteção social básica “tem como objetivos prevenir situações de risco por
meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários” (BRASIL, 2004, p. 33). Destina-se à população que
vive em situação de vulnerabilidade social, advinda da privação de renda e de acesso
aos serviços públicos e/ou fragilização de vínculos afetivos, relacionais e de
pertencimento social. Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais
de acolhimento, convivência e socialização de famílias e indivíduos, bem como a
concessão de benefícios socioassistenciais. Os serviços desta proteção afiançada são
estabelecidos na base territorial local, próximo à população, tendo como ênfase o caráter
preventivo. Podem ainda ser executados em parceria com a sociedade civil e de forma
direta pelo Estado nos CRAS – Centros de Referência de Assistência Social.
A proteção social especial tem como objetivo a intervenção em situações de
violação de direitos, “destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de
risco pessoal e social” (BRASIL, 2004, p. 37):
(...) é a modalidade de atendimento destinada a famílias e indivíduos que se
encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono,
maus tratos físicos, psicológicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,
cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho
infantil, entre outras (BRASIL, 2004, p. 37).
As ações da política de assistência social podem ser executadas de forma direta
pelo poder público ou em parceira com a sociedade civil, compondo a rede
socioassistencial18. As ações são classificadas em serviços, programas, projetos e
benefícios.
De acordo com a LOAS e com a NOB/SUAS – 2005, são entendidos por:
Serviços
Atividades continuadas (...) que visam a melhoria da vida da população e cujas
ações estejam voltadas para as necessidades básicas da população, observando
os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas (...). A Política Nacional de
Assistência Social prevê seu ordenamento em rede, de acordo com os níveis de
proteção social: básica e especial, de média e alta complexidade.
Programas
Compreendem ações integradas e complementares (...) com objetivos, tempo e
área de abrangência, definidos para qualificar, incentivar, potencializar e
melhorar os benefícios e os serviços assistenciais, não se caracterizando como
ações continuadas.
Projetos
(...) caracterizam-se como investimentos econômico-sociais nos grupos
populacionais em situação de pobreza, buscando subsidiar técnica e
financeiramente iniciativas que lhes garantam meios e capacidade produtiva e
de gestão para a melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do
padrão de qualidade de vida, preservação do meio ambiente e organização
social, articuladamente com as demais políticas públicas. De acordo com a
PNAS/2004, esses projetos integram o nível de proteção social básica,
podendo, contudo, voltar-se ainda às famílias e pessoas em situação de risco,
público-alvo da proteção social especial.
18
A rede socioassistencial é um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que
ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas
unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de
complexidade (BRASIL, 2005, p. 94).
Benefícios
• Benefício de Prestação Continuada: (...) é provido pelo Governo Federal,
consistindo no repasse de 1 (um) salário mínimo mensal ao idoso (com 65 anos
ou mais) e à pessoa com deficiência que comprovem não ter meios para suprir
sua subsistência ou de tê-la suprida por sua família.
• Benefícios Eventuais: (...) visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou
morte, ou para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade
temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa com
deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública.
• Transferência de Renda: (...) visam o repasse direto de recursos dos fundos de
Assistência Social aos beneficiários, como forma de acesso à renda, visando o
combate à fome, à pobreza e outras formas de privação de direitos, que levem à
situação de vulnerabilidade social, criando possibilidades para a emancipação,
o exercício da autonomia das famílias e indivíduos atendidos e o
desenvolvimento local. (BRASIL, 2005, P. 94)
A proteção social formulada pela política de assistência social tem como
princípios a matricialidade sociofamiliar, a territorialização, a proteção pró-ativa,
integração à seguridade social e a integração às políticas sociais e econômicas.
Dois eixos estruturantes do SUAS recebem um destaque especial por se
constituírem princípios estratégicos para a proteção social de assistência social. São
eles: a matricialidade sociofamiliar e a territorialização.
3.2.1 – A matricialidade sociofamiliar
A matricialidade sociofamiliar na política de assistência social representa o
direcionamento da proteção social de assistência social com o foco no grupo familiar,
sendo um princípio ordenador previsto no SUAS. Se por um lado, a estruturação da
PNAS/2004 centrada na família potencializa ações e resultados, por outro lado, exige do
Estado um maior investimento em recursos financeiros, metodológicos e na articulação
com as diversas políticas públicas.
Ao considerar o princípio da matricialidade sociofamiliar, a assistência social
(...) parte da concepção de que a família é o núcleo protetivo intergeracional,
presente no cotidiano e que opera tanto o circuito de relações afetivas como de
acessos materiais e sociais. Fundamenta-se no direito à proteção social das
famílias, mas respeitando seu direito à vida privada (SPOSATI, 2009, p. 43).
Historicamente, o Estado e a sociedade têm exigido da família responsabilidades
sem, no entanto, oferecer suporte e proteção para que possa cumprir com a proteção
social a seus integrantes. O ideário neoliberal em curso no Brasil, a partir da década de
1990, procurou eximir o Estado das responsabilidades de proteção social dos
indivíduos, transferindo esta função para a sociedade e principalmente para as famílias.
A PNAS – 2004 reafirma a importância da unidade familiar como matriz de atenção e
proteção social, mas também, merecedora de cuidados, apoio e ações de fortalecimento
extensivo aos seus integrantes no enfrentamento das necessidades sociais (COUTO et
al, 2011). Resgata assim a co-responsabilidade do Estado no papel de proteção social,
com o propósito de respeitar sua singularidade e as expressões da identidade social,
cultural e afetiva.
O SUAS considera família “como núcleo afetivo, vinculado por laços
consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e
mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero” (BRASIL, 2005, p.
90). Desta forma, amplia o leque de possibilidades de arranjos familiares, não
restringindo a apenas a relação de consanguinidade.
Observa-se um número crescente de novos arranjos familiares, sendo cada vez
menor o número de famílias definidas como nucleares. As mudanças culturais e
demográficas no perfil da população brasileira, nas últimas décadas, alteraram
significativamente a configuração das famílias.
(...) as transformações ocorridas na sociedade contemporânea, relacionadas à
ordem econômica, à organização do trabalho, à revolução na área da
reprodução humana, à mudança de valores e à liberalização dos hábitos e dos
costumes, bem como ao fortalecimento da lógica individualista em termos
societários, redundaram em mudanças radicais na organização das famílias
(BRASIL, 2004, p. 42).
Torna-se relevante a compreensão do significado de família como representação
social para a sua contextualização no atual momento. Bruschini (2009, p. 57) afirma que
“a família tal como conhecemos atualmente em nossa sociedade, não é uma instituição
natural (...)”, sendo, portanto, “uma instituição criada pelos homens em relação, que se
constitui de formas diferentes em situações e tempos diferentes, para responder as
necessidades sociais, (...) e que orienta a conduta de seus membros” (REIS, 1988, p.
102). Esta concepção contrapõe-se à idéia de família como uma forma de organização
social natural, ou seja, a idéia de família como um grupo natural devido sua relação de
consanguinidade e filiação, restrita somente ao aspecto biológico. Nesta perspectiva, a
família deve ser entendida como “uma instituição social historicamente condicionada e
dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida” (MIOTO, 1997,
p. 116). Portanto, a família se caracteriza pela sua mutabilidade e se constitui no
decorrer da história social da humanidade como um fato cultural e histórico para
satisfazer às necessidades nas relações econômicas e de poder.
A partir de uma leitura crítica, a família cumpre com duas funções básicas: a
função ideológica e a função econômica. A função ideológica se manifesta na tarefa de
socialização de seus membros, na padronização de comportamentos, nas definições de
papeis sociais, direcionados por uma reprodução da ideologia dominante. A família
cumpre com sua função econômica com a reprodução da mão de obra. É a família e
especificamente em determinado modelo de família permeada pela ideologia dominante,
que se processa a reprodução biológica geradora de futuros trabalhadores para suprir a
necessidade do capital. A divisão sexual do trabalho tem no modelo nuclear burguês um
ambiente que reproduz as relações de poder que envolve as questões de gênero e idade.
Se a família rural se constituía como uma unidade de produção, a família urbana hoje se
apresenta como uma unidade de consumo (REIS, 1988, BRUSCHINI, 2009).
Mioto (1997, p. 117) afirma que “a família não é a priori o lugar da felicidade”.
A naturalização da família reproduz uma concepção da inviolabilidade, do núcleo
sagrado que deve ser preservado das influências do seu meio. A dinâmica relacional de
cada família é construída ou desconstruída nas relações cotidianas, que implica na
capacidade de lidar com os conflitos internos e com as interferências e demandas de seu
meio externo. Mudanças ocorridas nas relações homem/mulher e nas relações
pais/filhos surgem como uma necessidade dos membros que compõem a família em se
reposicionar diante das novas situações em conflitos e na reformulação dos novos
papéis sociais. A família pode se tornar um lugar de felicidade e de vínculos afetivos
fortalecidos, como também um lugar de infelicidade e de relações marcadas por graves
conflitos e, com a consequente fragilização dos vínculos.
Outro aspecto relevante a se considerar na contemporaneidade tem sido a grande
incidência de famílias classificadas como monoparentais femininas, ou seja, famílias
chefiadas por mulheres que assumem a função de provedoras materiais e afetivas.
Neste contexto, importa destacar que as famílias que dependem exclusivamente
do trabalho feminino são as mais vulneráveis em função da segregação da
mulher, a atividade de baixa remuneração e alta incidência de trabalho informal
e precário, que caracteriza a sua inserção no mercado de trabalho (BRASIL,
2008, p. 59).
É cada vez mais comum o número de mulheres que assumem sozinhas a
responsabilidade de provedora da família. O tempo dividido entre o trabalho, os
cuidados com a casa e a educação e socialização dos filhos sobrecarrega a mulher e
expõe uma situação de vulnerabilidade, fato este que denuncia um quadro social de
consequências imprevisíveis. A forte presença da mulher aponta para a pertinência da
inclusão da temática de gênero na formulação das ações de assistência social, bem como
de outras políticas públicas.
A intervenção deve evitar o caráter punitivo e normatizador, sendo direcionada
para o fortalecimento de vínculos e a promoção da autonomia do grupo familiar. Ao
abordar a categoria matricialidade sociofamiliar apontada pelo SUAS, Couto (2011)
levanta preocupações que devem ser destacadas: é preciso romper com o pré-conceito
para lidar com os diversos arranjos familiares, as famílias somente poderão oferecer
cuidados básicos para o desenvolvimento de seus membros se atendida nas suas
necessidades sociais, ou seja, a família em situação de vulnerabilidade precisa receber
cuidados e proteção social do Estado para oferecer cuidados aos seus membros. As
metodologias de atendimento às famílias precisam ser revistas para evitar intervenções
de caráter moralista e disciplinador. Por fim, é preciso entender a família na sua
singularidade, respeitar sua individualidade e que esta mesma família está inserida em
um contexto social e conjuntural mais amplo permeado pela disputa de um projeto
societário emancipador (COUTO et al, 2011).
O trabalho com famílias na política de assistência social tem como objetivos o
aumento da capacidade protetiva do grupo familiar, o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários, a aquisição de potencialidades e a superação das situações de
risco e vulnerabilidades. Tem como princípios o respeito à diversidade cultural e aos
diversos arranjos familiares. A metodologia de trabalho prevê como eixos de ação: a
intervenção de caráter assistencial, de apoio prestado às famílias e seus membros, de
acesso aos serviços básicos; e ações de caráter socioeducativo, que prevêem a reflexão
com as famílias sobre o seu cotidiano e suas diversas formas de organização, no que diz
respeito aos aspectos estrutural, funcional e relacional (PNAS-2004, NOB/SUAS-2005).
3.2.2 - Territorialidade
A territorialidade é a base da organização do Sistema Único de Assistência
Social considerando a sua estrutura em instâncias descentralizadas. Para a política de
assistência social o território é mais do que uma delimitação geográfica,
(...) são espaços de vida, de relações, de trocas, de construção e desconstrução
de vínculos cotidianos, de disputas, contradições e conflitos, de expectativas e
de sonhos (...). É também o terreno das políticas públicas, onde se concretizam
as manifestações da questão social e se criam os tensionamentos e as
possibilidades para seu enfrentamento (BRASIL, 2008, p. 53).
Considerar a escala local para planejar e executar ações de desenvolvimento
possibilita um acompanhamento mais próximo por parte da população envolvida no
processo. Possibilita considerar elementos conflitantes que se complementam e se
superam. A perspectiva do lugar se sobrepõe à concepção meramente de espaço
geográfico, transportando-o para o espaço dinâmico das trocas, das relações
significativas da escala humana. A referência do local diz respeito às relações da vida
cotidiana estabelecidas nas relações interpessoais, na construção de identidades por
meio das trocas e interações.
O lugar e o espaço se interagem dialeticamente: enquanto o lugar se abre para
uma dimensão das “possibilidades”, “(...) o espaço é o lugar do praticado. O lugar seria
o campo do permitido enquanto o espaço, o do possível” (CERTEAU19 apud
MARTINS, 2002, p. 56). Nesta relação entre o lugar e o espaço, surge a dimensão do
cotidiano e das relações de vizinhança.
No lugar - um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e
instituições - cooperação e conflito são a base da vida em comum. O lugar é o
quadro de uma referência pragmática ao mundo (...) é também o teatro
insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação
comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da
criatividade (SANTOS, 2006, p. 218).
A política de assistência social tem o território como base de operacionalização
das ações públicas, em especial nos territórios de vulneráveis socialmente “tendo em
vista à superação da fragmentação, o alcance da universalidade de cobertura, a
possibilidade de planejar e monitorar a rede de serviços, realizar a vigilância social das
exclusões e estigmatizações presentes nos territórios de maior incidência de
vulnerabilidade” (BRASIL, 2008, p. 53).
A delimitação da abrangência territorial é compreendida na escala do município
e suas subdivisões geográficas e administrativas, de acordo com a diversidade do
universo dos municípios brasileiros. A implementação dos serviços próximos aos
cidadãos pode facilitar o acesso da população usuária, bem como antecipar situações na
perspectiva da proteção social, e para tanto,
(...) deverão ser organizados a partir do conhecimento do território, de seus
recursos, de sua população, das relações sociais e de classes da identificação
das demandas sociais, das suas carências, mas também das potencialidades
locais e regionais que esses territórios contêm (BRASIL, 2008, p. 57).
A proteção social pró-ativa de assistência social ocorre preferencialmente nos
territórios, sendo um dos princípios norteadores da proteção social básica, “(...) é o
trabalho social em sintonia com a realidade, que monitora e atua no território para
19
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1 - artes de fazer. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
reduzir e eliminar a presença de fatores de risco, por um conjunto de ações
fortalecedoras da cidadania” (CARRION e CALOU, 2008, p. 15).
Os territórios
caracterizados pela condição de vulnerabilidade social são permeados por uma
diversidade de fatores resultantes das expressões da questão social e como
consequências apresentam uma imprevisibilidade quanto às demandas para as políticas
públicas. A imprevisibilidade dos territórios desafia as instituições públicas ali
instaladas com vistas a buscar alternativas no enfrentamento às condições adversas, de
forma a exigir constantemente um deslocamento dos protocolos burocráticos, a fim de
constituir novas rotinas e percursos protocolares com a renormalizaçao de
procedimentos técnicos mais criativos e flexíveis.
A descentralização na política de assistência social incorpora, na sua
formulação, conceitos como a territorialidade e a intersetorialidade, que se
complementam e interagem, o que fundamenta todo o modelo de gestão e a arquitetura
organizacional.
3.3 – A Caracterização do Centro de Referência de Assistência Social - CRAS
A presença do Estado executando a política pública de assistência social nos
territórios se manifesta especificamente com a existência do Centro de Referência de
Assistência Social. O CRAS se constitui como uma unidade pública estatal de base
territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social, que referencia um total de até
5.000 famílias (BRASIL, 2004) e atende até 1.000 famílias por ano. Tem como objetivo
geral contribuir para a inclusão social por meio do fortalecimento dos vínculos
familiares, comunitários e sociais. Tem ainda como objetivos específicos encaminhar e
acompanhar famílias e indivíduos para a rede de serviços socioassistenciais; promover o
grupo familiar englobando a sua reorganização e o seu protagonismo para a superação
de vulnerabilidades e riscos, bem como a sua potencialização como matriz de
convivência, cuidado, mediação e defesa de direitos dos seus membros; promover a
socialidade no território de abrangência do equipamento (BRASIL, 2005).
Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais20, a Proteção
Social Básica possui três serviços, são eles: Serviço de Proteção e Atendimento Integral
à Família, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e Serviço de Proteção
20
Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009 do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.
Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas. O Serviço de
Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF é o principal serviço da Proteção
Social Básica, principalmente por ser garantidor da matricialidade sociofamiliar. Deve
ser ofertado exclusivamente pela esfera estatal sendo executado necessariamente no
CRAS. Os demais serviços são complementares ao PAIF e podem ser executados em
outros espaços socioassistenciais devendo, no entanto, ser referenciados no CRAS.
Estes serviços devem manter uma articulação com o PAIF, pois “é a partir do trabalho
com famílias no serviço que se organizam os serviços referenciados no CRAS”
(BRASIL, 2009, p. 6).
O CRAS tem como funções primordiais a oferta do PAIF e a gestão da Proteção
Social Básica no território (BRASIL, 2009). As duas funções se interagem e se
complementam.
A oferta do PAIF se refere ao atendimento às famílias realizado diretamente
pelos profissionais que atuam no CRAS. O serviço “consiste no trabalho social com
famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das
famílias, prevenir a ruptura de seus vínculos, promover o acesso e usufruto de direitos
(...)” (BRASIL, 2009, p. 6). As ações de atendimento e acompanhamento às famílias
podem ser de caráter individual ou coletivo. Ao seguir a diretriz, no que se refere à
centralidade na família, a metodologia de trabalho deve pautar-se por uma abordagem
psicossocial com vistas à garantia dos direitos de cidadania. “A abordagem psicossocial
se ocupa do vínculo social, a socialidade, que constitui a relação entre os sujeitos,
mediados pelo social, (...) as relações entre indivíduos, grupos e instituições, (...) bem
como processos de transformação social” (BELO HORIZONTE, 2007, p. 26).
De acordo com o documento Orientações Técnicas sobre o PAIF Volume II
(2012) publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
constituem-se como ações metodológicas do Serviço: acolhida, oficinas com famílias,
ações comunitárias, ações particularizadas e encaminhamentos.
A acolhida se caracteriza como o contato inicial da família ou do indivíduo no
trato das questões e das demandas junto à equipe do PAIF. É um momento estratégico
de escuta e criação de vínculo entre o serviço e a família. Significa ir alem da inserção
no serviço, onde deve ser exercido um processo de escuta qualificada por parte dos
profissionais como estratégia para a identificação de necessidades “que permita à
família falar de sua intimidade com segurança”, e, “que o saber profissional seja
colocado à disposição da família, auxiliando-a na construção do conhecimento sobre sua
realidade e, consequentemente, no seu fortalecimento” (BRASIL, 2012, p. 17). Os
princípios da matricialidade familiar com uma abordagem crítica devem nortear toda a
intervenção profissional na relação com a família.
As atividades coletivas podem ser de caráter grupal por meio das oficinas com
famílias e ações comunitárias. As atividades coletivas podem proporcionar uma relação
dialógica de troca de informações e de experiências de vida e favorecer um processo de
convivência, reflexão coletiva, práticas de mobilização social e participação das famílias
na vida comunitária.
As oficinas com famílias se apresentam como espaços coletivos de convivência
e reflexão e podem proporcionar processos de caráter educativos. “As oficinas com
famílias propiciam a problematização e reflexão crítica das situações vividas em seu
território, além de questões muitas vezes cristalizadas, naturalizadas e individualizadas”
(BRASIL, 2012, p. 23). Podem ainda ser utilizadas técnicas de trabalho com grupos e
atividades de desenvolvimento de habilidades ocupacionais como estratégias de
mobilização e reflexão.
As ações comunitárias têm como objetivos:
(...) promover a comunicação comunitária, a mobilização social e o
protagonismo da comunidade; fortalecer os vínculos entre as diversas famílias
do território, desenvolver a sociabilidade, o sentimento de coletividade e a
organização comunitária – por meio, principalmente, do estímulo à
participação cidadã (BRASIL, 2012, p. 35).
Podem ser desenvolvidas atividades como: palestras, campanhas educativas no
território, eventos e atividades de mobilização comunitária. O envolvimento do CRAS
em questões que dizem respeito à organização comunitária nos territórios é de extrema
importância, por se tratar do envolvimento mais efetivo no cotidiano da vida da
população local usuária do serviço e da realidade social destes territórios. Desta forma o
CRAS pode contribuir com as ações e a organização comunitária, como também
contribuir e incentivar uma participação social dos usuários do serviço na vida
comunitária.
As ações particularizadas dizem respeito ao atendimento técnico à família ou
indivíduos diante situações específicas em casos de:
(...) suspeita de situações de violação de direitos, entendimento e
enfrentamento das causas de descumprimentos reiterados de condicionalidades
do Programa Bolsa Família, beneficiários do BPC de 0 a 18 anos fora da escola
e demais situações que pressupõem sigilo de informações e que podem gerar
encaminhamento para a Proteção Social Especial ou para o Sistema de
Garantia de Direitos (BRASIL, 2012, p. 39).
São ações que exigem uma abordagem cuidadosa por se tratar de situações
localizadas no limiar entre a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial.
O PAIF como uma ação localizada no âmbito da política de Proteção Social
Básica, deve seguir essa diretriz e priorizar o atendimento com ênfase nas atividades
coletivas, cumprindo desta forma uma ação de caráter preventivo.
A gestão territorial da Proteção Social Básica refere-se à capacidade de
articulação com vistas a qualificar e aumentar a efetividade do atendimento, além de
possibilitar à população o acesso aos serviços das demais políticas públicas na
perspectiva da inclusão social. Trata-se de estabelecer uma relação interativa entre os
serviços da política de assistência social, entre estes e os serviços das demais políticas
sociais e as organizações comunitárias atuantes nestes territórios.
A gestão territorial da proteção básica responde pelo princípio de
descentralização do SUAS e tem como objetivo promover a atuação
preventiva, disponibilizar serviços próximo do local de moradia das famílias,
racionalizar as ofertas e traduzir o referenciamento dos serviços ao CRAS em
ação concreta (...) (BRASIL, 2009, p. 20).
A gestão territorial se divide em ações de articulação da rede socioassistencial de
proteção social básica referenciada ao CRAS, de promoção da articulação intersetorial e
de busca ativa.
A articulação da rede socioassistencial de Proteção Social Básica consiste no
estabelecimento de contatos, alianças, fluxos de informações e encaminhamentos entre
o CRAS e as demais unidades de Proteção Social Básica do território.
A promoção da articulação intersetorial propicia o diálogo da política de
assistência social com as demais políticas, e requer a articulação entre os múltiplos
saberes. “Possibilita a superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas
sociais, para produzir efeitos significativos na vida da população, respondendo com
efetividade a problemas sociais complexos” (BRASIL, 2009, p. 26). A articulação
intersetorial possibilita uma maior efetividade dos serviços com a integração das ações
institucionais, além de facilitar o acesso da população a serviços, especialmente aquela
que se encontra em situação de maior vulnerabilidade social.
A busca ativa no território do CRAS é uma importante ferramenta que propicia o
contato direto com a população e possibilita uma ação de caráter preventivo. A busca
ativa é uma atividade realizada no âmbito dos serviços socioassistenciais com o
propósito de identificar e buscar o usuário ou a família para inserção ou reinserção no
serviço. A gestão territorial ao tratar da busca ativa, amplia este conceito e a caracteriza
também como um instrumento de reconhecimento do território, de sua dinâmica, da
identificação das vulnerabilidades e potencialidades, do seu cotidiano e da sua realidade
social. “A busca ativa tem por foco os potenciais usuários do SUAS cuja demanda não é
espontânea (...), tem por princípio a dimensão ética de incluir os ‘invisíveis’” (BRASIL,
2009, p. 30).
3.3.1 – O CRAS entre a Assistência Social e a Política Social em Belo Horizonte
De acordo com os preceitos constitucionais, os municípios brasileiros ganham
importância e autonomia na composição do aparato estatal, no que se refere à
formulação e gestão da política pública. Na política de assistência social, a formulação
da estrutura organizacional prevê que as diretrizes e normativas de âmbito nacional
recebam adequações locais, conforme a realidade e as características dos municípios
brasileiros.
No município de Belo Horizonte, a arquitetura institucional da política
municipal de assistência social se apresenta de forma singular e acompanha desenho
organizacional da estrutura da administração municipal. De acordo com a reforma
administrativa instaurada na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da Lei nº
9.011 de 1º de janeiro de 2005, o órgão gestor da política municipal de assistência social
– Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social – SMAAS, se localiza
hierarquicamente subordinada à Secretaria Municipal de Políticas Sociais – SMPS.
Art. 41 – A Secretaria Municipal de Políticas Sociais tem por finalidade
articular a definição e a implementação das políticas sociais do Município de
forma integrada e intersetorial.
Art. 42 – Compete à Secretaria Municipal de Políticas Sociais:
I – elaborar planos, programas e projetos de desenvolvimento social;
II – coordenar a estratégia de implementação de planos, programas e projetos
de desenvolvimento social;
III – coordenar a execução das atividades de proteção e defesa do consumidor;
IV – coordenar as atividades relativas a direitos humanos e cidadania;
V – coordenar as atividades de cultura, política de abastecimento, assistência
social e esportes;
VI – planejar, coordenar e executar programas e atividades de apoio à pessoa
portadora de necessidades especiais e à pessoa que apresenta dependência
química, visando à reintegração e readaptação funcional na sociedade;
VII – gerir os fundos municipais de Assistência Social, da Criança e do
Adolescente, da Merenda Escolar, de Abastecimento Alimentar, do Idoso e de
Proteção e Defesa do Consumidor;
VIII – coordenar as ações do Município em relação à Associação Municipal de
Assistência Social – AMAS;
IX – coordenar as atividades relativas às políticas de gênero;
X – coordenar as atividades relativas às políticas para a população idosa;
XI – coordenar outras atividades destinadas à consecução de seus objetivos.
(PBH, Lei nº 9.011, de 1º de janeiro de 2005).
A reforma administrativa implementada em 2005 manteve muito da estruturação
organizacional e dos princípios estratégicos da gestão pública, como a descentralização
e a intersetorialidade, preconizados na reforma administrativa anterior de 2000. Se por
um lado, o desenho proposto representou apenas um “ajuste” ou uma adequação do
arranjo organizacional, por outro lado, criou certo “constrangimento administrativo e
político” às políticas setoriais que perderam poder com o rebaixamento no nível
hierárquico (MOURÃO, 2011).
Afetada diretamente por esta formatação, a SMAAS – órgão gestor da política
de assistência social, perdeu autonomia política nas instâncias de negociação interna da
administração municipal, ao mesmo tempo em que ocorrem avanços, em âmbito
nacional, com o processo de implementação do SUAS.
A SMPS é a agência municipal responsável pela coordenação das ações das
políticas sociais, exceto pelas políticas de saúde e educação, que se mantêm com uma
estrutura própria. Entre as atribuições prescritas no artigo 41 da Lei 9.011, consta que as
ações devem ser realizadas de “forma integrada e articulada”. A SMPS assume a
condução das ações e fortalece a descentralização e a intersetorialidade como princípios
estratégicos do modelo da gestão administrativa. Responsável por desenvolver
iniciativas das secretarias temáticas nos territórios de maior vulnerabilidade social, o
Programa BH Cidadania é criado ainda na estrutura da reforma administrativa do ano de
2000. São objetivos do Programa:
Objetivo Geral
- promover a inclusão social das famílias residentes em áreas socialmente
críticas definidas para intervenção.
- consolidar modelos integrados de atuação na área social, com base nos
princípios da descentralização, intersetorialidade, territorialidade e participação
do cidadão.
Objetivos Específicos
- garantir a acessibilidade aos bens e serviços de Saúde, Educação, Cultura,
Esportes, Abastecimento, Assistência Social, Direitos da Cidadania.
- Reduzir os fatores de risco e vulnerabilidade social das famílias.
- Promover relações de solidariedade entre os membros da comunidade.
- Disponibilizar um sistema único de informações cadastrais e de fluxo (de
entrada/permanência/saída) das famílias beneficiadas pelo Programa (PBH,
2003, p.6).
Conforme a afirmação de Mourão (2011, p. 82) os objetivos do Programa visam
“a articulação das ações e serviços das políticas setoriais, diminuindo a fragmentação e
concentrando esforços para solucionar as deficiências das políticas em regiões
determinadas da cidade”.
Ao seguir estes preceitos, o Programa BH Cidadania assume a condução da
implantação de núcleos ou equipamentos públicos em territórios de vulnerabilidade
social conforme indicadores sociais identificados e mapeados pelo Índice de Qualidade
de Vida Urbano – IQVU. O Programa se coloca como uma estratégia com vistas a
garantir a acessibilidade aos bens e serviços públicos, aproximar esses serviços da
população usuária e inverter a lógica setorializada e fragmentada das ações das políticas
sociais.
A sua operacionalização se dará a partir de cinco eixos estratégicos:
socialidade, transferência de renda, inclusão produtiva, direitos à educação e à
saúde (BELO HORIZONTE, 2002, p. 19).
Os equipamentos públicos estão instalados em territórios caracterizados pela
situação de vulnerabilidade social, com uma população de até 5.000 famílias. O
Programa assim incorpora alguns critérios da política de assistência social como a
caracterização do público, a delimitação dos territórios, e ações da Proteção Social
Básica, entre outros. A SMAAS é convocada a participar do Programa e assume um
protagonismo com as ações da Proteção Social Básica, e principalmente com a
incorporação do CRAS. Assim sendo, no município de Belo Horizonte os CRAS estão
instalados nestes equipamentos públicos e incorporados ao Programa BH Cidadania.
Para finalizar este capítulo, ressalta-se que pesquisar o trabalho realizado pelo
CRAS significa conhecer a dinâmica de funcionamento e a atividade de trabalho
realizada pelos trabalhadores da assistência sociais a partir do referencial dos dois eixos
– gestão do PAIF e gestão territorial – que regulamentam as funções do serviço. E que a
compreensão do processo de gestão do CRAS tem como pressuposto a compreensão do
lugar que esta Unidade ocupa no conjunto da política de assistência social. Objeto de
estudo nesta pesquisa, as atividades de trabalho realizadas pelos seus profissionais
compõem um conjunto de ações planejadas, prescritas e normatizadas a partir da
regulamentação federal e do desenho organizacional, conforme a realidade do
município de Belo Horizonte.
4 – Gestão social e a administração pública: uma construção contra-hegemônica
Quanto mais técnica torna-se a política, mais regride a competência
democrática. (EDGAR MORIN)
A administração floresce no período inicial da Revolução Industrial com o
aprimoramento do capitalismo. Surge como suporte organizacional para melhor definir
de forma racional os processos de trabalho e de produção. Mais do que “meio” tem
como objetivo o cumprimento de uma finalidade que se traduz pela acumulação do
capital. O contexto histórico é marcado pelo desenvolvimento produtivo e influenciado
pelo caráter político a serviço dos interesses econômicos. Identifica-se na origem das
ciências administrativas um forte vínculo ideológico com a política econômica
hegemônica, fato este que vai caracterizar a abordagem nos diversos campos de atuação.
Estudos que envolvem as ciências administrativas apontam para reflexões que
afirmam não ser a organização a definição do objeto exclusivo de conhecimento da área.
Assim sendo, a ciência da administração define o estudo da gestão como seu objeto do
conhecimento, pois
(...) cabe à administração estruturar formas de gestão que viabilizem os
objetivos da organização. Por essa razão, a gestão é apenas um dos conteúdos
que dão forma institucional e essência às organizações. Então, podemos
concluir que é a gestão e não a organização que caracteriza o objeto e que dá
autonomia à administração enquanto um campo próprio do conhecimento
(SANTOS et al, 2009, p. 930).
A administração tradicional tem na sua literatura como definição clássica da
gestão o processo gerencial, o que posiciona a gestão numa função “meio” (FRANÇA
FILHO, 2008). Ao considerar que todo conceito científico ou que toda intervenção na
realidade social envolve relações sociais, a condução processual da gestão está
direcionada para uma determinada finalidade.
Por ser a gestão o objeto da administração, tem como propósito organizar as
relações sociais de produção e distribuição para um melhor bem-estar da
humanidade. Resta-nos saber, agora, qual o método ou quais os métodos que
melhor servem àquele propósito. Ao tomar o método como o caminho pelo
qual se atinge um determinado objetivo, (...) pensamos a clareza do método que
possa melhor servir aos interesses do processo civilizatório da humanidade
(SANTOS, et al, 2009, p. 931).
Não sendo possível considerar uma suposta neutralidade no processo
gestionário, o método utilizado é escolhido de acordo com a finalidade que se pretende
alcançar. A finalidade da gestão está tradicionalmente direcionada por uma concepção
ideológica a serviço do capital, “a gestão é entendida como um processo que visa o uso
racional dos recursos para a realização de fins econômicos” (CARRION e CALOU,
2008, p. 15). Essa concepção focalizada no desenvolvimento meramente econômico
refere-se à administração de empresas como sustentáculo organizacional do capitalismo,
direcionada para a economia de mercado. Atende aos propósitos da acumulação
capitalista e assegura a reprodução das riquezas materiais sobre as dimensões humanas
relacionadas aos aspectos sociais, culturais, ambientais (CARRION e CALOU, 2008;
TENORIO, 2008).
Em oposição a esse direcionamento do conceito de gestão empregado no campo
das ciências administrativas clássica, a gestão social se insurge “contra esta visão
reducionista do sujeito histórico, (...) que se centra no processo de desenvolvimento na
proteção da vida, na preservação do meio ambiente, no atendimento das necessidades e
no desenvolvimento das potencialidades humanas” (CARRION e CALOU, 2008, p.
15). A inversão de uma lógica organizacional voltada para as instituições exige uma
mudança nos mecanismos de tomada de decisões com maior participação dos
envolvidos, transparência e democracia, características que se contrapõem a um
posicionamento historicamente hegemônico centrado na rigidez dos processos
organizacionais e na “racionalidade administrativa”. Nesse sentido, a gestão social se
estabelece
como
um
processo
contra-hegemônico
no
âmbito
das
ciências
administrativas.
4.1 – A administração pública e a transição entre os modelos de gestão pública
No campo da administração pública, os modelos de gerenciamento da máquina
estatal têm, ao longo dos anos, modificado os processos organizacionais.
Ideologicamente inserido na lógica da produção e acumulação capitalista, a gestão
pública recebe influências da gestão privada e introduz no seu interior modelos
organizacionais transpostos da iniciativa privada.
A gestão pública “diz respeito àquele modo de gestão praticado no seio das
instituições públicas de Estado nas suas mais variadas instâncias” (FRANÇA FILHO,
2008, p. 32). A administração pública tem a prerrogativa de instrumentalizar e organizar
o funcionamento da estrutura de Estado. Se na gestão privada a finalidade é o lucro e a
“satisfação pessoal”, a finalidade da gestão pública é o “bem público”. Em tese seria
uma melhor organização das instituições públicas para a oferta de serviços públicos para
os cidadãos.
4.1.1 – Administração Pública Burocrática
A administração pública se estruturou por um longo período referenciado pelo
modelo burocrático sistematizado por Max Weber no período compreendido entre os
séculos XIX e XX. No entanto, conforme afirma Secchi (2009),
(...) desde o século XVI o modelo burocrático já era bastante difundido nas
administrações públicas, nas organizações religiosas e militares, especialmente
na Europa. Desde lá o modelo burocrático foi experimentado com intensidades
heterogêneas e em diversos níveis organizacionais, culminando com sua
adoção no século XX em organizações públicas, privadas e do terceiro setor
(SECCHI, 2009, p. 350).
Os estudos realizados por Weber consolidaram as bases teóricas e científicas da
burocracia alicerçadas no princípio da racionalidade e da legalidade. Segundo Weber, a
organização burocrática é marcada por uma rígida hierarquia administrativa, pela
formalidade, por relações de impessoalidade no ambiente organizacional, por definição
de normas e por ter a meritocracia como valor atribuído ao profissionalismo.
Na sua descrição sobre os modelos ideais típicos de dominação, Weber
identificou o exercício da autoridade racional-legal como fonte de poder dentro
das organizações burocráticas. Nesse modelo, o poder emana das normas, das
instituições formais, e não do perfil carismático ou da tradição (SECCHI, 2009,
p. 351).
Idealizado sob a perspectiva positivista, o modelo burocrático reafirma o
princípio taylorista da divisão técnica do trabalho com a dissociação entre a concepção e
a execução, além de condicionar a eficiência racional a um controle no cumprimento
das prescrições e normas. O resultado do excesso de rigidez das normas na regulação
dos procedimentos no trabalho incide diretamente sobre a motivação e a criatividade
dos trabalhadores. Para Secchi (2009)
O modelo burocrático weberiano estabeleceu um padrão excepcional de
expertise entre os trabalhadores das organizações. Um dos aspectos centrais é a
separação entre planejamento e execução. Com base no princípio do
profissionalismo e da divisão racional do trabalho, a separação entre
planejamento e execução dá contornos práticos à distinção wilsoniana entre a
política e a administração pública, na qual a política é responsável pela
elaboração de objetivos e a administração pública responsável por transformar
as decisões em ações concretas (SECCHI, 2009, p. 352).
Há controvérsias quanto aos estudos que Max Weber realizou a respeito da
burocracia. Se para alguns o autor foi um defensor desse modelo, outros afirmam que
Weber apenas o identificou e revelou suas características não sendo um ideólogo e sim
um crítico do sistema burocrático. Paes de Paula (2008) afirma que “para Tragtenberg,
Weber não estuda a burocracia para salientar suas virtudes organizacionais; pelo
contrário, o faz para refletir como podemos nos defender de seu avanço implacável e de
sua quase impossibilidade de destruição” (TRAGTENBERG apud PAES DE PAULA,
2008, p. 957). Não se trata de uma defesa da concepção weberiana, mas de uma
concordância quanto ao diagnóstico e a análise minuciosa da burocracia, no entanto,
limitada apenas como um fenômeno técnico e organizacional. Nesse ponto, a análise de
Weber é restrita e incompleta, pois a burocracia “é acima de tudo um fenômeno de
dominação e um sistema de condutas significativas. (...) Ela própria monopoliza os
poderes econômico e político, tendendo a se tornar autônoma como um poder acima da
sociedade” (TRAGTENBERG apud PAES DE PAULA, 2008, pp. 957-958).
Consolidado como um modelo organizacional, a burocracia não se restringiu
apenas à administração pública e se estendeu, com os seus princípios, para todos os
setores da sociedade. O modelo burocrático serviu como base organizacional para o
crescimento do capitalismo e ditou regras de funcionamento para as instituições com as
mais diversas características. A iniciativa privada incorporou o modelo burocrático com
sua prática gerencial ao sistema de produção industrial associado ao modelo tayloristafordista e ditou o ritmo do crescimento econômico e da produtividade por um longo
período. Vale destacar que o referido modelo não se restringiu apenas aos países
capitalistas. Serviu também como base da organização do socialismo real no bloco
soviético, fato este que vem demonstrar a sua abrangente influência.
Após presenciar ao longo do século XX uma série de crises econômicas do
capitalismo internacional, o modelo organizacional burocrático apresentou sinais de
esgotamento. O modo capitalista de produção apoiado no binômio taylorismo-fordismo
entrou em processo de decadência. Esse modelo até então responsável pela organização
do capital e do trabalho teve como características a produção em massa, ganhos de
produtividade, acúmulo de capital, consequente aumento do poder aquisitivo dos
trabalhadores (especialmente nos países desenvolvidos) e a regulação social com a
pactuação por garantias e proteções sociais (welfare state) (LUSTOSA DA COSTA,
2010). O autor elenca questões para análise que contribuem para a compreensão do
momento:
Esse sistema entrou em crise, com a redução dos ganhos de produtividade das
economias industriais sem diminuição nas altas salariais, reduzindo as taxas de
lucro. A necessidade de aumento da produtividade, com a adoção de novos
sistemas de produção e práticas gerenciais, gerou desemprego e redução da
capacidade de pressão dos sindicatos, minando o poder dos trabalhadores e as
bases de financiamento do welfare state. (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p.
249)
Outras avaliações citadas parecem complementar as análises para a compreensão
da situação com a afirmação de “que a crise de racionalidade do Estado capitalista
decorre da contradição entre a necessidade de proteger a propriedade privada (e a
acumulação do capital) e, ao mesmo tempo, cumprir funções sociais (de caráter
redistributivo)” (HABERMANS apud LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 248).
A crise no sistema produtivo e financeiro internacional atinge diretamente a
capacidade gerencial do Estado e ganha contornos de uma crise de dimensões políticas
nos países. Assim Lustosa da Costa (2010) sintetiza:
(...) a crise do Estado é, ao mesmo tempo, uma crise de regulação, uma crise de
governabilidade e uma crise de democracia, que se manifesta:
- na perda de sua capacidade de regular as relações entre economia e sociedade,
as transferências de renda dentro da sociedade e os conflitos distributivos a elas
inerentes;
- na redução dos seus graus de liberdade para formular políticas públicas e
coordenar decisões econômicas; e
- na reconfiguração da cidadania, pela perda de centralidade do trabalho como
fundamento das identidades individuais e coletivas (LUSTOSA DA COSTA,
2010, p. 249).
Sem conseguir dar respostas efetivas à crise internacional que debilitava a
economia, “o modelo burocrático weberiano foi considerado inadequado para o
contexto institucional contemporâneo por sua presumida ineficiência, morosidade, estilo
autorreferencial, e descolamento das necessidades dos cidadãos” (SECCHI, 2009, p.
349).
4.1.2 – Administração Pública Gerencial
Durante a década de 1980, sob forte efeito da crise fiscal, organismos
financeiros internacionais juntamente com países capitalistas centrais estabeleceram
novas regras para o funcionamento do sistema financeiro global e um repertório de
medidas direcionadas à reformulação das atividades governamentais de caráter
liberalizante. O chamado “Consenso de Washington” passou a ditar o novo contrato
internacional quanto à circulação e a globalização do capital financeiro ao inaugurar o
modelo neoliberal na economia. O receituário de medidas destinadas ao funcionamento
da máquina pública dos países incluía (e ainda inclui) iniciativas de reformulação do
modelo gerencial e da gestão administrativa, já em processo de implementação pelos
governos dos EUA e Inglaterra. Surge, assim, o gerencialismo como modelo de gestão
pública em substituição ao modelo burocrático weberiano. Tem como origem
características do “ufanismo americano” e da “tradição vitoriana”, “em ambos os países,
o movimento gerencialista no setor público é baseado na cultura do empreendedorismo,
que é um reflexo do capitalismo flexível (...) (PAES DE PAULA, 2005, pp. 37-38)21.
O modelo de gestão que estrutura a administração pública gerencial importa
princípios e ferramentas de gestão da iniciativa privada para sua transposição no setor
público, como a reengenharia organizacional e programas de qualidade, com ênfase nos
resultados (PAES DE PAULA, 2005; SECCHI, 2009). Secchi (2009) afirma que:
A administração pública gerencial ou nova gestão pública (new
publicmanagement) é um modelo normativo pós-burocrático para a
estruturação e a gestão da administração pública baseado em valores de
eficiência, eficácia e competitividade (SECCHI, 2009, p. 354).
Influenciado pelo projeto neoliberal implementado pelo sistema financeiro
internacional, a reforma do Estado brasileiro segue princípios e ferramentas da
administração privada, adotando um “estilo pragmático de gestão pública” (SECCHI,
2009). O Brasil passava por um período instável nos primeiros anos da década de 1990
com sua economia desgastada pela crise fiscal internacional, diante de uma baixa
capacidade de governabilidade e de baixa credibilidade interna. A reforma do aparelho
do Estado e a sua instrumentalização por meio do modelo da administração pública
gerencial introduzida na segunda metade da década 1990 fortalecem o projeto
hegemônico de desenvolvimento. Com o objetivo de implementar a reforma nesses
moldes nas estruturas do Estado brasileiro, ganha força eleitoral um bloco de partidos
políticos com as seguintes proposições: “a estratégia de desenvolvimento dependente e
associado; as estratégias neoliberais de estabilização econômica; e as estratégias
administrativas dominantes no cenário das reformas orientadas para o mercado” (PAES
DE PAULA, 2005, p. 38).
A onda neoliberal aporta no Brasil de forma definitiva com o receituário
determinado pelo Consenso de Washington “que nos obrigaram a repensar o conceito de
gestão pública. (...) Significava entender a Administração Pública não mais como um
meio à contribuição ao desenvolvimento do país, mas apenas como um instrumento de
regulação do mercado” (TENÓRIO, 2008, p. 39).
21
No campo da organização da produção, o modelo taylorista-fordista, em crise, também foi substituído
por modelos de organização e gestão flexíveis, caracterizados pelo modo de produção sustentado no
modelo toyotista com maior fluidez na produção e no capital.
A implantação da reforma da estrutura pública é definida pelo Plano Diretor da
Reforma do Estado elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado –
MARE e divide as atribuições estatais em dois blocos:
- (...) as “atividades exclusivas” do Estado: a legislação, a regulação, a
fiscalização, o fomento e a formulação de políticas públicas, que são atividades
que pertencem ao domínio do núcleo estratégico do Estado,
- (...) as “atividades não-exclusivas” do Estado: os serviços de caráter
competitivo e as atividades auxiliares ou de apoio. No âmbito das atividades de
caráter competitivo estão os serviços sociais (e.g. saúde, educação, assistência
social) e científicos, que seriam prestados tanto pela iniciativa privada como
pelas organizações sociais que integrariam o setor público não-estatal (PAES
DE PAULA, 2005, p, 38).
Configuram-se como marcas desse modelo as privatizações, a condução do
Estado-mínimo, a transferência das responsabilidades para a sociedade civil no
enfrentamento às questões sociais, e o Estado como instrumento de regulação do
mercado ocupando-se da política macroeconômica (MAIA, 2005; PAES DE PAULA,
2005; TENÓRIO, 2008). A administração pública gerencial caracteriza-se pelo
centralismo com o foco na estrutura e na eficiência da gestão, características estas com
ênfase na dimensão técnica em detrimento dos processos políticos (PAES DE PAULA,
2005).
Ao analisar a reforma neoliberal, Maia (2005b, p.5) afirma: “Fica plenamente
comprovada a força do capital à medida que sua reestruturação produtiva determina a
direção da reestruturação da vida da sociedade e de suas instituições (...)”.
Nesse período o país assistiu ao desmonte da máquina pública com a diminuição
contínua da estrutura do aparato estatal, que se exime de prerrogativas constitucionais
consideradas estratégicas no campo social como nas políticas de saúde e assistência
social, que compõem a seguridade social. Ocorre um processo de desresponsabilização
do Estado e de transferência de atribuições para a sociedade civil e o terceiro setor na
condução das políticas sociais e no enfrentamento às expressões da questão social, “com
isso, o terceiro setor acaba constituindo-se em uma importante mediação funcional e
instrumental do capital, em torno da qual se explicita a tensão público-privada, cuja
hegemonia se coloca nos processos de privatização” (MONTAÑO apud MAIA, 2005b,
p. 4). As privatizações de empresas públicas tornam-se marca registrada na implantação
desse modelo e o país assiste à liquidação do patrimônio público sem um controle social
nas operações. Trabalhadores passaram por um tenebroso inverno com o achatamento
salarial e conviveram ainda com altas taxas de desemprego no país. As medidas na área
econômica geraram, como consequência, um agravamento das condições sociais com
um aumento da pobreza e da desigualdade social.
Sob o manto de uma reforma administrativa na estrutura do Estado, a reforma
neoliberal ditou mudanças profundas e de graves consequências para a população, o que
revela como a finalidade política é decisiva na formulação de um modelo de
gerenciamento público.
A reforma do Estado é, acima de tudo, uma questão política e, como tal, deve
ser tratada (Nogueira, 1998 e 2004). Há uma tendência entre os reformadores
gerencialistas a tratá-la como uma questão “técnica”, que deve ser objeto de
políticas pragmáticas. Segundo esse ponto de vista, os limites da intervenção
do Estado no domínio econômico são ditados por critérios de eficiência; o
equilíbrio fiscal de curto e longo prazos é um objetivo em si mesmo imposto
pela racionalidade econômica; a política monetária e as atividades de regulação
devem ser imunes à interferência nefasta dos interesses políticos; a gestão por
resultados é a culminação do processo de racionalização da administração
pública (NOGUEIRA apud LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 243).
4.1.3 - Administração Pública Societal22
Em contraposição ao modelo gerencialista do Estado, “experiências alternativas
de gestão pública” são implantadas em governos municipais por partidos políticos de
esquerda e centro-esquerda, com a participação dos movimentos populares, instaurando
espaços democráticos participativos de caráter consultivo e deliberativo. A participação
popular na gestão pública é a característica principal da administração pública societal
(PAES DE PAULA, 2005).
Os movimentos sociais no Brasil apresentam um histórico de organização e
resistência no enfrentamento à ditadura militar após o golpe de 1964 que desemboca na
mobilização pela redemocratização do país e na efetiva participação com a inclusão de
conquistas sociais na elaboração da Constituição Federal de 1988. Os temas
protagonizados pelo campo movimentalista apresentava uma heterogeneidade de
questões em torno da democratização do Estado, conquistas sociais, reivindicações de
melhoria dos serviços públicos e uma maior participação da sociedade civil nas decisões
da vida pública (PAES DE PAULA, 2005).
Nesse contexto, multiplicaram-se pelo país governos com propostas inovadoras
de gestão pública, que abrigavam diferentes experiências de participação
social. Essas experiências foram construídas principalmente nos governos das
Frentes Populares, que começavam a ganhar maior importância no cenário
político. Ampliava-se assim a inserção do campo movimentalista, que passou a
atuar nos governos municipais e estaduais por meio dos conselhos de gestão
22
Administração Pública Societal é uma nomenclatura utilizada por Paes de Paula (2005) como resultado
de uma sistematização de experiências de gestão pública no Brasil.
tripartite, comissões de planejamento e outras formas específicas de
representação (JACOBI apud PAES DE PAULA, 2005, p. 39).
Para a autora, esse modelo de gestão pública está voltado para um
direcionamento político em defesa dos interesses nacionais, “enfatiza a participação
social e procura estruturar um projeto político que repense o modelo de
desenvolvimento brasileiro, a estrutura do aparelho de Estado e o paradigma de gestão”
(PAES DE PAULA, 2005, p. 41). A característica dessa nova configuração da gestão
pública reposiciona o papel do Estado que “sem perder a centralidade, deixa de ter o
monopólio de poder para – juntamente com a Sociedade Civil – planejar, traçar
diretrizes e tomar decisões (...)” (CARRION e CALOU, 2008, p. 15). Desloca o foco
nos processos de tomada de decisões, subverte a lógica no exercício do poder e resgata a
utopia na afirmação de que “outro mundo é possível”. Processos democráticos e
construções coletivas são categorias que proporcionam relações de confiança,
aprendizagem, cooperação, produção de saber e tecnologia social.
Paes de Paula (2005) nomeia essa nova concepção de gestão pública como
administração pública societal. Trata-se de um modelo de administração não acabado,
ainda em processo de construção, surgido na experiência brasileira como resultado do
processo histórico político.
A administração pública societal configura um processo de gestão social que
“enfatiza a elaboração de experiências de gestão focalizadas nas demandas do públicoalvo, incluindo questões culturais e participativas” (PAES DE PAULA, 2005, p. 41).
Experiências de gestão participativa ampliam-se em governos municipais em
que o Estado assume uma nova organização política e exerce uma função de articulador
e coordenador do espaço público junto à sociedade civil. Uma gestão compartilhada se
estabelece permeada por conflitos e interesses contraditórios. A necessidade de um
reposicionamento do Estado no exercício de suas funções é tema de reflexões também
de Boaventura S. Santos (1999) ao sistematizar esse movimento e afirmar que “as
tarefas de coordenação são antes de tudo de coordenação de interesses divergentes e até
contraditórios, (...) o Estado, mais que uma materialidade institucional e burocrática, é
um campo de luta política convencional.”, em que interesses privados e “despóticos”
podem estar representados, mas que “as forças democráticas terão de centrar suas lutas
por uma democracia redistributiva, transformando o Estado em componente do espaço
público não estatal” (SANTOS, 1999, pp. 67-68). É preciso, portanto, uma combinação
de democracia representativa e democracia participativa que, na visão do autor,
inaugura uma mudança de paradigma quanto ao papel do Estado, o que o qualifica de
“Estado como novíssimo movimento social”, pois nesse contexto “a democratização do
Estado está na democratização societal e, vice-versa, a democratização societal está na
democratização do Estado” (SANTOS, 1999, p. 73). Há uma convergência de
propósitos nas reflexões de Paes de Paula (2005), que encontra fundamentação teórica
nas análises de Santos (1999).
A administração pública societal, no entanto, tem se restringido ao âmbito local
em governos municipais, com experiências fragmentadas com ênfase na dimensão
sociopolítica. Apresenta-se como uma mudança política histórica na relação entre o
Estado e a sociedade, no entanto, pouco aborda princípios e métodos de funcionamento
da estrutura administrativa e da gestão do aparato estatal. O modelo societal aponta para
intencionalidade política direcionada para uma finalidade democrática, humanizante e
de transformação social, que o diferencia dos modelos de administrações públicas
anteriores fundamentadas em princípios do pensamento liberal. No entanto, como
modelo de gestão pública apresenta ainda lacunas com relação à função “meio”, ou seja,
“a administração pública societal vem elaborando alternativas para a gestão pública,
mas não apresenta ainda uma proposta para a organização administrativa do aparelho do
Estado (...)” (PAES DE PAULA, 2005b, p. 52), podendo ocorrer situações que levem a
uma convivência híbrida do modelo societal com características de outros modelos. Para
que o Estado possa realmente ser conduzido por uma gestão participativa e absorver de
fato os interesses da sociedade civil é preciso readequar internamente a organização
administrativa do aparato estatal com métodos e técnicas gerenciais que venham alterar
a estrutura hierárquica, relações de poder, fluxos internos, canais de decisões, relação
com os trabalhadores do setor público, ou seja, introduzir uma nova cultura de gerência
pública e de perfil de gestores públicos.
4.1.4 – Reflexões sobre os modelos de administração pública
É possível que “entre organizações e dentro de uma mesma organização, o
pesquisador pode encontrar ainda diferentes graus de penetração dos diversos modelos
organizacionais. (...) Eles não são, portanto, modelos de ruptura”. (SECCHI, 2009, pp.
362-365). Mesmo após a substituição de um determinado modelo por outro, aspectos
anteriores continuam presentes na cultura organizacional. É comum encontrar modelos
híbridos mesclados por elementos técnicos e políticos dos diversos tipos de gestão
pública. Percebe-se a permanência de características da administração burocrática e até
mesmo pré-burocrática como o patrimonialismo, o nepotismo, rotinas administrativas,
hierarquização acentuada, incrustadas na rotina da máquina pública.
Uma característica presente nos modelos burocrático e gerencialista diz respeito
à dissociação “taylorista” entre ação política e a técnica administrativa, como creditar
uma suposta neutralidade aos procedimentos técnicos (SECCHI, 2009). A racionalidade
técnica fica evidente na formulação da administração pública gerencial com a afirmação
de que “trata-se de uma nova forma de organizar e administrar o Estado, (...). Não se
trata de uma forma de governar, (...) mas de saber como gerir o aparelho do Estado”
(PEREIRA, 2005, p. 50). A forma de gerir é uma instrumentalização que melhor
convêm à organização da máquina estatal e serve de sustentáculo para a forma de
governar direcionada para cumprimento de determinada finalidade político-ideológica.
O argumento acima atribui uma neutralidade política à técnica administrativa, como se
fosse possível separar instrumentalização técnica de uma intencionalidade na condução
política. Ainda caracterizado pela divisão social do trabalho e a hierarquização das
tarefas encontra-se nos dois primeiros modelos, a dissociação entre, de um lado, o
planejamento e a formulação, e de outro, a tarefa de execução, pois “ao manterem a
divisão entre planejadores e executantes do trabalho, perpetuam a opressão do
trabalhador e impedem sua autonomia” (TRAGTENBERG apud PAES DE PAULA,
2008, p. 950). Há uma intencionalidade em romper com essa dicotomia no modelo
societal, em que um planejamento “participativo” procura envolver diversos atores e a
ação técnica ganha contornos sociopolíticos (PAES DE PAULA, 2005).
A participação da sociedade é outro aspecto que deve ser observado. O modelo
burocrático não institui mecanismos de gestão que preveem a participação da população
na estrutura do aparato estatal. Na administração pública gerencial a ênfase está na
eficiência técnica e nos resultados alcançados, sendo a participação restrita e limitada às
estruturas institucionais de colegiados, conselhos e câmaras setoriais. Esse modelo
reafirma a prerrogativa do controle do poder executivo na formulação e nas decisões das
políticas públicas, portanto “não aponta os canais que permitiriam a infiltração das
demandas populares” (PAES DE PAULA, 2005, p. 43). A participação popular
encontra na administração pública societal canais de fortalecimento da ação pública.
Algumas experiências, ainda que majoritariamente de âmbito local, têm constituído
canais de formulação e deliberação junto aos atores da sociedade civil. Essa
característica reafirma o caráter de coordenação do Estado na ação pública e a
democratização do espaço público tornando-o mais permeável aos interesses da
população. É preciso ainda criar novos arranjos e rotinas institucionais para que venha
permitir que a máquina estatal absorva as demandas da população e contribua “para a
construção de uma cultura política democrática nas relações entre o Estado e a
sociedade combinando ação e estrutura, política e técnica” (PAES DE PAULA, 2005, p.
44).
No modelo da administração pública societal a participação social possibilita
que o controle da ação pública seja exercido pela própria população por meio do
“controle social da sociedade civil sobre o Estado na perspectiva de sua
democratização” (RAICHELIS e EVANGELISTA, 2009, p. 204). Ao participar do
processo de formulação e de tomadas de decisões, a população adquire um
conhecimento do aparelho estatal, de seu funcionamento, o que a instrumentaliza para
monitorar a ação pública. No modelo burocrático o controle é caracterizado pelas
relações de “formalidade e de impessoalidade” que regem a conduta dos agentes
públicos nas relações “intraorganizacionais e da organização com o ambiente”
(SECCHI, 2009, p. 362). A função controle na administração pública gerencial é
exercida pelo mecanismo de controle das metas e resultados das políticas públicas.
O modelo de administração pública tem uma vinculação estreita com o
direcionamento ideológico associado a um projeto político de um determinado grupo
hegemônico no poder. Fica evidente a impossível dissociação da ideologia política na
instrumentalização do modelo de administração pública. Portanto, o estudo a respeito
dos diversos tipos de gestão pública vem revelar que a forma como o Estado se organiza
tem uma vinculação direta com o projeto e a condução política do grupo majoritário à
frete dos governo; isto é, há uma relação indissociável entre a administração e a política.
Como afirma Santos (et al, 2009):
A administração política, então, tem como ocupação principal a organização e
gestão do trabalho humano em sua relação com a natureza e consigo mesmo,
com o intuito de libertá-lo num maior grau relativo possível. (...) cabe à
administração política em criar as melhores formas de gestão a partir dos
demais conhecimentos especializados — físico, matemático, sociológico,
político, epistemológico etc. — para criar as condições menos onerosas
possíveis do desiderato de bem-estar que a humanidade está determinada.
(SANTOS, et al, 2009, p. 941).
Os modelos de administração pública aqui apresentados de forma sintética têm o
propósito de explicitar as características dos instrumentos de gestão pública e identificar
uma demarcação contraditória entre as concepções. Conhecer os diferentes modelos de
administração pública é de fundamental importância para propor avanços nos
instrumentos de gestão e na condução dos processos de trabalho no âmbito do setor
público. Certamente na literatura especializada encontra-se registro de outras
nomenclaturas23 e variações que mesclam características e técnicas que resultam em
novas roupagens administrativas e políticas.
4.2 – Governança pública: avanços e contradições
Ao abordar o tema relativo à administração pública é presença constante na
literatura o termo “governança”. Diante desse fato procuraremos fazer uma
aproximação quanto a sua polissemia conceitual e identificar o seu emprego na gestão
pública.
O termo governança, tradução para o português de governance, foi introduzido
no debate da política pública internacional pelo Banco Mundial, como representação da
capacidade do Estado em conduzir de forma eficiente a política pública, sendo que a
“capacidade governativa não seria mais avaliada em função apenas dos resultados das
políticas governamentais, passando a significar a forma pela qual o governo exerce seu
poder” (DINIZ, 1997, p. 37). Segundo Leila L. Frischtack (1994), consultora do Banco
Mundial, havia a necessidade de fazer uma diferenciação conceitual e de conteúdo com
o termo governabilidade. Assim, governabilidade poderia ser caracterizada pelas
condições institucionais mais gerais do Estado o que inclui a configuração quanto ao
exercício de poder, a sua organização política, “a forma de governo, as características
dos sistemas partidário e eleitoral, entre outras” (DINIZ, 1997, p. 38). Portanto, para a
autora, essa categorização não seria suficiente para analisar questões relativas à
capacidade do Estado em implementar políticas públicas, em mensurar metas e
resultados e em dimensionar o envolvimento e a participação da sociedade civil nas
decisões da vida pública, características mais apropriadas à definição do termo
governança. Este seria mais apropriado por se referir à capacidade do Estado em
conduzir a política pública no “exercício dinâmico do ato de governar”, que envolve as
seguintes dimensões: “capacidade de coordenação, capacidade de liderança, capacidade
de implementação e credibilidade” (FRISCHTACK, 1994, p. 196). A introdução do
23
Ver SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Rev. Adm.
Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, abr. 2009. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script >.
acessos em 10 abr. 2011. doi: 10.1590/S0034-76122009000200004.
termo governança no debate político desafia o perfil tradicional de governantes e
gestores na condução da administração pública brasileira. Para Gohn (2001, p. 38) “o
conceito de governança alterou o padrão e o modo de pensar a gestão de bens públicos,
antes restrita aos atores presentes na esfera pública estatal”. Fischer (1996, p.19) define
a governança “como um conceito plural, que compreende não apenas a substância da
gestão, mas a relação entre os agentes envolvidos, a construção de espaços de
negociação e os vários papéis desempenhados pelos agentes no processo”. Portanto, a
governança, além de envolver processos administrativos ou gerenciais, envolve
principalmente dimensões de caráter relacional e político, e assume uma estratégia de
ação no desenvolvimento da política pública.
Na iniciativa privada o termo governança tem sido empregado com a
nomenclatura de governança corporativa por envolver as relações entre as organizações
de mercado e novas práticas na gestão privada, também denominados como
stakeholders. Encontram-se também na literatura outras configurações e denominações
do termo como a governança pública conforme a condução de processos e arranjos
organizacionais com o envolvimento dos diversos setores (Estado, sociedade civil e
iniciativa privada), ou seja, por meio de redes ou das “parcerias tri-setoriais24”.
A polissemia que o termo governança recebe é alvo de constantes debates como
os realizados por Carrion e Bauer (2011). O termo governança é empregado em
situações distintas e pode receber um direcionamento em duas vertentes: uma delas diz
respeito à “eficácia nos processos administrativo-gerenciais, e propõe a transposição de
métodos, técnicas, processos e critérios de avaliação e de gestão próprios do setor
privado, para o setor público (...)” (CORONADO apud CARRION e BAUER, 2011, p.
4/19). Esta utilização recebe forte influência da concepção gerencialista.
Retornar à origem do conceito de governança possibilita uma reflexão crítica
quanto à intencionalidade e ao propósito político de sua utilização. Introduzida no
debate pelas agências internacionais e
(...) sob pressão do Banco Mundial que aponta a “boa governança”, ou
governança “democrática” como condição de base para a promoção do
“desenvolvimento” e “luta contra a pobreza”, o termo se tornou sinônimo de
incorporação dos princípios de flexibilidade, eficácia, integração, focalização e
externalização, que nortearam a reengenharia do setor privado nas décadas de
1970, e 1980, e nos anos seguintes à reengenharia do próprio Setor Público (...)
sob cuja influência serão implantados os processos de descentralização e de
24
Ver em TEODÓSIO, A. S. Parcerias Tri-Setoriais: em busca de seus desdobramentos sobre a cidadania
na América Latina. In: IX CONGRESSO ANUAL DE INVESTIGACIÓN SOBRE EL TERCER
SECTOR EN MÉXICO. 2009.
gestão por metas e resultados, que irão nortear o novo desenho institucional do
Estado brasileiro (CARRION e BAUER, 2011, p. 5/19).
Outra vertente direciona a compreensão do termo para um conteúdo permeado
por princípios democráticos, com um chamado para a participação cidadã da sociedade
civil na tomada de decisões na esfera pública não estatal em temas de interesse da
maioria da população. Nessa vertente, governança
(...) finca sua hipótese sobre o papel democrático ou democratizador que exerce
o governo nos assuntos públicos, entendido como mediação de relações entre o
Estado e a sociedade, através de instituições, mas também mediante a
articulação do poder em rede ou fluxos sociais (...). Por isso, a ênfase
metodológica se situa na participação cívica, na construção da cidadania a
partir de diversos âmbitos que transitam da escala global à local (...)
(CORONADO apud CARRION e BAUER, 2011, p.4/19).
Nesses termos o conceito de governança, apesar de recheado por procedimentos
administrativos da gestão privada e sustentáculo para o desenvolvimento econômico,
pode ser utilizado com outro propósito e se referir ao fortalecimento do processo
democrático, de participação, inclusão, de desenvolvimento social e das potencialidades
humanas.
Governança recebe denominações diversas e transita por escalas territoriais
adicionadas à sua estratégia de ação. O âmbito local se estabelece como um espaço
privilegiado para o exercício de alteração dos modelos verticais tradicionais da ação
política. Carrion e Bauer (2011) exploram o conceito de governança territorial
elaborado por Gohn:
(...) governança local é um conceito híbrido que busca articular elementos do
governo local com os de poder local. Ele se refere a um sistema de governo em
que a inclusão de novos atores sociais é fundamental, por meio do
envolvimento de um conjunto de organizações públicas (estatais e não-estatais)
e organizações privadas. (...) A governança local diz respeito ao universo das
parcerias, a gestão compartilhada entre diferentes agentes e atores, tanto da
sociedade civil como da sociedade política (GOHN apud CARRION e
BAUER, 2011, p. 4-19).
Os autores citados no debate em torno do tema apontam para o seu uso
ideológico e levantam um questionamento quanto à intencionalidade política da
proposta, diante de situações passíveis de uma “confluência perversa (...), ou seja, de
situações em que uso de palavras comuns acoberta projetos políticos distintos - no
sentido gramsciniano do temo” (DAGNINO apud CARRION e BAUER, 2011, p. 5-19).
Há um confronto entre dois campos políticos de concepções distintas, sendo eles o
“projeto democratizante” que procura estabelecer uma nova relação entre a sociedade
civil e o Estado no fortalecimento da esfera pública com a participação social, e o
“projeto neoliberal”, que em nome de uma suposta modernização do Estado promoveu
uma avalanche de privatizações no setor público e transferiu para a sociedade civil a
responsabilidade pela proteção social.
A confluência perversa reside no fato de que ambos os projetos, cada um deles
articulando campos heterogêneos, utilizam um discurso comum, embora em
direções políticas opostas em muitos casos antagônicas, de defesa de uma
sociedade civil ativa e propositiva, de incorporação do discurso de cidadania,
da participação e do fortalecimento da sociedade civil (RAICHELIS e
EVANGELISTA, 2009, p. 210).
A mesma nomenclatura pode ser utilizada em situações e configurações diversas
e ainda com finalidade voltada para objetivos diferenciados e antagônicos. O uso
político em torno de um propósito simbólico pode promover uma adesão de setores,
sem a devida transparência quanto às reais intenções e com isso acobertar o uso
ideológico de uma proposta. Situações como essa pode gerar uma “tal confusão
semântica que impossibilita à maioria das pessoas identificarem a ideologia subjacente
ao projeto ao qual estão aderindo” (CARRION e BAUER, 2011, p. 5-19).
Os argumentos empregados para qualificar a governança pública consideram a
capacidade do Estado em conduzir sua prática política por meio do consenso. Tem se
tornado comum o uso ideológico de termos que causam certa confusão conceitual na
sociedade e servem a interesses políticos e partidários. O processo de abertura na
condução do Estado para a participação controlada da sociedade civil é frequentemente
usado para justificar os “consensos” forjados. Segundo Gohn (2001, p. 15), ocorre uma
participação caracterizada por uma concepção do tipo liberal (corporativa ou
comunitária), “que busca sempre a constituição de uma ordem social que assegure a
liberdade individual”. A participação pode adquirir uma conotação política “associada a
processos de democratização (...), mas também pode ser utilizado como discurso
mistificador em busca da mera integração social de indivíduos, isolados em processos
que objetivam reiterar os mecanismos de regulação e normatização da sociedade (...)”
(GOHN, 2001, p. 14-15).
A abordagem do termo “consenso” como uma conquista de posições no jogo
político, traz consigo o seu uso ideológico. Simionatto (2011) e Coutinho (2007)
alertam de como as forças hegemônicas na sociedade utilizam ideologicamente os
“aparelhos privados de hegemonia” para o “controle do consenso”. Em determinadas
situações pode-se deparar com consensos forjados de forma sutil, sem o emprego da
força, com a utilização de ideias e argumentos, pela dominação cultural conforme
definição de Gramsci.
Na luta pela manutenção do poder de Estado pela classe social dominante,
busca-se o controle da direção política pela conquista do consenso e assim ampliar a
base social de sustentação. Nesse processo “a classe dominante repassa a sua ideologia e
realiza o controle do consenso através de uma rede articulada de instituições culturais,
que Gramsci denomina ‘aparelhos privados de hegemonia’, incluindo: a escola, a Igreja
e os meios de comunicação” (SIMIONATTO, 2011, p. 49; grifo meu).
Consensos podem ser usados como resultantes do princípio das harmonias
administrativas e políticas fundadas na abordagem positivista das relações sociais que
considera o conflito como fator desintegrador da sociedade e se caracterizam pela
“negação ou manipulação dos conflitos, pela utilização de mecanismos diretos ou
indiretos de controle social” (TRAGTEMBERG apud PAES DE PAULA, 2008, p.
959). O controle social nesse caso específico é entendido como o controle do Estado ou
do capital sobre a sociedade e os cidadãos. Ao dissimular a tensão entre os diferentes
interesses, perpetuam-se as relações de dominação e reduzem-se as possibilidades de
alcançar maior autonomia e emancipação política dos cidadãos (TRAGTEMBERG
apud PAES DE PAULA, 2008).
O projeto neoliberal de Estado apresenta uma tendência em negar o conflito e
utiliza-se do consenso pelo viés da adesão. A sua atuação é regida por uma
contratualização de cunho liberal individualista regida não pela concepção do contrato
social entre categorias de interesses divergentes que “não reconhece o conflito e a luta
como elementos estruturais do combate. Pelo contrário, os substitui pelo assentimento
passivo a condições supostamente universais consideradas incontornáveis” (SANTOS,
1999, p. 44). Há um nítido movimento que incorpora a lógica do setor privado na vida
pública e especificamente no setor público.
A capacidade do exercício da governança democrática e participativa retoma o
debate relativo às novas formas de organização do Estado e sua função de regulação
social. Boaventura Santos (1999) afirma que:
Compete ao Estado coordenar as diferentes organizações, interesses e fluxos
que emergiram da desestatização da regulação social. A luta democrática é
assim, antes de mais, uma luta pela democratização das tarefas de coordenação.
Enquanto antes se tratou de lutar para democratizar o monopólio regulador do
Estado, hoje é preciso, sobretudo lutar pela democratização da perda desse
monopólio. (...) As tarefas de coordenação são antes de tudo coordenação de
interesses divergentes e até contraditórios (SANTOS, 1999, p. 68).
Diferentemente da concepção de Estado como governo, seu aparelho coercitivo
e suas instâncias administrativas, “a sociedade civil, sociedade política e sociedade
econômica são esferas constitutivas da realidade social” (SIMIONATTO, 2011, p. 73).
As mudanças no âmbito do Estado devido às novas exigências de reorganização e
regulação social têm na participação da sociedade civil um instrumento de
fortalecimento da vida pública. No espaço público da sociedade civil se manifestam
interesses convergentes como também interesses em confronto, permeada por conflitos
e contradições, o que a torna uma arena dinâmica e privilegiada da disputa política. “A
sociedade civil compreende o conjunto de relações sociais que engloba o devir concreto
da vida cotidiana, da vida em sociedade” e se constitui no “espaço de disputa pela
hegemonia” (SIMIONATTO, 2011, p. 71). No interior da sociedade civil pode tanto
servir à manutenção da ordem social hegemônica como se constituir em um espaço de
criação alternativa e formulação de uma nova ordem cultural, política e social.
Para Gramsci, a sociedade civil é um espaço da luta política, da luta de classes,
é um momento do que ele chama de “Estado ampliado”. O Estado não
necessariamente é o mal. Se o Estado for conquistado pelas forças
progressistas, ele se torna progressista. E, mesmo que ainda sob controle da
classe dominante, é possível introduzir mudanças importantes no Estado, que
não é instrumento direto de uma classe, mas resultado da correlação de forças,
ainda que com predomínio de uma classe (COUTINHO, 2002, p. 16).
A sociedade civil é um campo em que diversas forças se manifestam e se
colocam em disputa no intuito de fazer prevalecer seus interesses. É nesse espaço
público que as forças hegemônicas atuam na cooptação de grupos e classes sociais
disseminando sua ideologia. Por outro lado, é também o espaço em que lideranças
autênticas identificadas com as classes subalternas e os movimentos sociais de base
emergem e promovem uma disputa contra-hegemônica de resistência à ordem
estabelecida.
A hegemonia necessita da contra-hegemonia – a hegemonia e a contrahegemonia devem ser vistas como “movimentos duplos simultâneos” formados
em reciprocidade – a hegemonia dá forma à contra-hegemonia, e os esforços
contra-hegemônicos levam as forças hegemônicas a realinharem-se e a
reorganizarem-se. (...) A sociedade civil é o espaço criativo, de onde grupos
subalternos, motivados por intelectuais, se podem unir, formar um bloco
histórico, e travar uma guerra de posição contra hegemônica para alterar a
sociedade (KATZ, 2007, p. 4).
A transformação do modo de regulação social tem exigido uma mudança na
forma de organização política do Estado que passa a assumir a função de articulador
desse processo e que, para ser viabilizado, vê-se desafiado a criar novas instâncias de
gestão e fluxos organizacionais. A democracia representativa como mecanismo
tradicional da estrutura do Estado não mais responde sozinha pela representação dos
interesses sociais, sendo, portanto, imprescindível instituir canais que viabilizem o
exercício da democracia participativa. A suposta “despolitização” do Estado pelo fato
de não ser mais o único condutor do processo abre uma perspectiva para a sua
“repolitização” conforme o novo marco. Ao exercer a coordenação do processo de
gestão pública e, assim, exposto a interesses antagônicos, instaura-se “um campo de luta
política muito menos codificada e regulada que a luta política convencional” (SANTOS,
1999, p. 67).
4.3 – Gestão social e gestão pública: uma aproximação possível
A origem da gestão social está ligada ao processo histórico de organização e
mobilização social e política no Brasil a partir da década de 1960. A tradição
mobilizatória brasileira alcança um marco na luta pela implantação das reformas de base
protagonizadas pelos movimentos sociais, organizações estudantis, setores culturais e
intelectuais, movimento sindical durante o governo do então Presidente da República
João Goulart. Segundo Semeraro (2007)
(...) as mobilizações que “sacudiram” o Brasil antes de 1964 apresentavam
condições mais favoráveis para mudar os rumos do país. Suas intensas
atividades não apenas desvendavam as contradições estruturais e faziam
compreender as raízes profundas da dominação, mas com sua força
organizativa e suas articulações políticas esboçavam um projeto alternativo de
sociedade (SEMERARO, 2007, p. 96).
A reação conservadora das elites nacionais a esses movimentos desembocou no
golpe militar de 1964, que causou um retrocesso político no país com a interrupção do
processo democrático e a implantação de uma ditadura militar.
Os movimentos sociais de resistência entraram para a clandestinidade e se
refugiaram no campo e nas periferias das cidades com o apoio das igrejas progressistas,
principalmente da Igreja Católica pelas pastorais e nas Comunidades Eclesiais de Base –
CEBs. O retrocesso nas conquistas sociais torna-se uma realidade e o movimento de
resistência retoma o caminho das discussões dos problemas coletivos originários do
cotidiano da vida nas comunidades, “inspirada pelos ideais da teologia da libertação e
da educação popular” (PAES DE PAULA, 2005, p. 39). Nesses ambientes alternativos
era retomada a prática da mobilização social e da participação política ativa com o
trabalho educativo e de formação de novas lideranças populares. A educação política
torna-se uma ação de caráter transformador e a concepção da “libertação” como reação
não somente à ditadura como também à ideologia dominante de âmbito político e
cultural na perpetuação da subalternidade de classes.
Intelectuais e educadores posicionam-se alinhados às lutas populares e
direcionam sua prática para uma atuação política nas comunidades de base, de forma
que “em plena ditadura, assistimos a um florescimento espantoso de práticas políticopedagógicas inovadoras e de criações teóricas em diversos campos que tiveram na
‘libertação’ sua temática aglutinadora” (SEMERARO, 2007, p. 96). Representada pelo
pensamento de Paulo Freire a educação popular consolida-se como prática políticopedagógica de formação. Paulo Freire afirma ser impossível uma educação neutra,
desprovida da natureza política. A educação é tomada como uma ação política e “do
ponto de vista crítico é tão impossível negar a natureza política do processo educativo
quanto negar o caráter educativo do ato político” (FREIRE, 1986, p. 26). O processo
educativo assim como todo ato político, exige um direcionamento, sendo preciso ter
clareza se “a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê (...).
Entendemos então, facilmente, não ser possível pensar, sequer, a educação, sem que
esteja atento à questão do poder” (FREIRE, 1986, p. 27). A educação popular é
caracterizada como sendo “aquela que é produzida pelas classes populares ou para as
classes populares, em função de seus interesses de classe (...)”, entendidas como classes
populares “aquelas que vivem numa condição de exploração e dominação no
capitalismo, sob suas múltiplas formas (...)” (WANDERLEY apud FLORES, 1986, p.
35). A educação popular fundamentada no ideário marxista encontra como aliados
setores da Igreja Católica inspirados na Teologia da Libertação e faz dessa junção um
impulso contra-hegemônico no enfrentamento da ditadura militar, das desigualdades e
pobreza resultante da exploração do capitalismo periférico (PAES DE PAULA, 2005,
SEMERARO, 2007).
A educação assume um caráter de formação política de perspectiva libertadora e
se multiplica pelo país sob diferentes formas de organização com atuação de cunho
reivindicatório em torno das mais variadas manifestações sociais. Essas organizações se
caracterizavam pela luta por melhores condições de trabalho e de vida, mas também
“por um outro projeto de civilização. (...) Era necessário aprender a construir o próprio
projeto de vida, a narrar a própria história e a afirmar a própria ‘alteridade’”
(SEMERARO, 2007, p. 98).
O movimento popular no Brasil fortalecia o papel da sociedade civil que
centrava força em reivindicações pela garantia e ampliação dos direitos sociais e
promovia um questionamento quanto ao papel do Estado no direcionamento e na
condução das políticas públicas (PAES DE PAULA, 2005). Na corrente dessa
efervescência dos movimentos sociais surgem experiências associativistas de autogestão
como alternativa de trabalho e geração de renda, organizada em torno de grupos de
produção ou em associações comunitárias no meio urbano e rural. Muitas dessas
experiências são conduzidas pelos princípios metodológicos da educação popular e
geridas pelos próprios trabalhadores. O saber popular é valorizado em uma relação de
troca com o saber acadêmico ou científico. De acordo com Brandão (1982) o
compromisso de profissionais com uma ação política libertadora das classes populares é
expressa nas diversas experiências.
De toda parte e a partir das mais diferentes experiências e dos mais diversos
contextos de compromisso entre classes populares e profissionais militantes,
surgem e crescem iniciativas de não apenas criar um novo tipo de
conhecimento que oriente a prática política de operários e camponeses, mas
também de produzir seus próprios instrumentos de produção (BRANDÃO,
1982, p. 14).
O acúmulo de forças do movimento social, do movimento sindical e da
sociedade civil de forma mais ampliada protagoniza ações que interferem na agenda
política brasileira, utilizando-se do instrumento da pressão e da participação popular, o
que vai provocar o fim do regime militar e o início do processo de redemocratização do
país. Movimentos de caráter reivindicatório se fortalecem, sendo um período marcado
pelas grandes mobilizações como nas “Diretas já”, no processo de participação popular
na elaboração da Constituição de 1988. O envolvimento da sociedade civil nas decisões
políticas do país vai exigir uma mudança na relação entre o Estado brasileiro e a
sociedade. Ao retratar esse cenário, Semeraro (2007) analisa que:
Era preciso avançar em direção à elaboração de propostas alternativas,
desenvolver a capacidade de constituir novas organizações políticas na
sociedade civil, conquistar espaços suficientes para preparar a formação de um
Estado democrático-popular. (...) Além de se “libertar” era necessário,
portanto, conquistar a “hegemonia”. Para chegar a isso (...) era preciso
conquistar espaços na complexa rede da sociedade civil e se organizar como
sociedade política. Era urgente ganhar o consenso ativo da população no
imenso campo da cultura, na elaboração da ideologia, nas organizações sociais,
na formação de partidos, na orientação da produção, na condução da economia
e da administração pública (SEMERARO, 2007, p. 99 - grifo meu).
Se antes a participação social expressava-se pelo caráter reivindicatório, após
esse período a participação adquiriu caráter propositivo ao ocupar espaços políticos
institucionais e fazer a disputa na esfera pública de um projeto de desenvolvimento para
o país. A gestão das organizações públicas (estatais e não estatais) ganha relevância e
experiências inovadoras são colocadas em prática com desenhos organizacionais que
refletem relações mais democráticas, que possibilitam a participação popular e o
controle social. O acúmulo do trabalho político de base do campo movimentalista
apresenta resultados com a eleição de governos “democráticos-populares” em
municípios e estados.
Nesse contexto, multiplicaram-se pelo país governos com propostas inovadoras
de gestão pública, que abrigavam diferentes experiências de participação
social. Essas experiências foram construídas principalmente nos governos das
Frentes Populares, que começavam a ganhar maior importância no cenário
político. (...) Essa visão alternativa tenta ir além dos problemas administrativos
e gerenciais, pois considera a reforma um projeto político e de
desenvolvimento nacional (PAES DE PAULA, 2005, p. 39).
Em meio a um cenário de consolidação do processo democrático, novas formas
de gestão são desenvolvidas no intuito de aprofundar cada vez mais a democratização
das funções do Estado.
4.3.1 – Gestão social – um conceito em construção
A gestão, em organizações públicas ou em organizações não governamentais, é
objeto de questionamentos, estudos e experimentos que traduzem a demanda por
relações democráticas, menos hierarquizadas e mais flexíveis. As ações de caráter
público procuram refletir as necessidades dos cidadãos em um país com um elevado
índice de pobreza e desigualdade social. A preocupação com a inclusão social e com a
garantia dos direitos de cidadania ganha importância e a racionalidade instrumental
administrativa perde a centralidade. Assim, a “gestão” ganha o adjetivo “social” que a
qualifica e a diferencia (TENÓRIO, 2008) como objeto de estudo, imbuído de
concepções teóricas e práticas, que a insere no universo objetivo das relações sociais.
Gestão social é um conceito ainda em construção, que carrega uma diversidade
de tendências, segundo a orientação teórica dos autores que o apresentam.
Para Fischer (2006, p.17) a gestão social pode ser entendida como “ato
relacional que se estabelece entre pessoas, em espaços e tempos relativamente
delimitados, objetivando realizações e expressando interesses de indivíduos, grupos e
coletividades”. Nesse sentido, França Filho (apud SCHOMMER et al, 2009, p. 98)
afirma que “a noção de gestão social pressupõe ação política entre pessoas,
organizações e interorganizações – agentes públicos e privados que se articulam e se
complementam num espaço compartilhado, em torno de objetivos coletivos”.
Segundo Schommer (et. al., 2010), a gestão social pode ser pensada quanto à sua
“finalidade” e quanto ao “modo de gerir”, ou seja, como objetivo ou propósito político
da ação voltada para intervenção no âmbito do “social” e como formas de construção e
condução dos processos organizacionais regidos por princípios éticos. A gestão social se
diferencia dos modelos tradicionais de gestão pela sua finalidade e pelo processo.
Finalidade e processo se complementam como faces da mesma moeda. O modo de gerir
é reinventado para alcançar determinada finalidade, a finalidade proposta reformula e
transgride o modo de gerir em um movimento dialético.
A partir de uma orientação habermasiana, Tenório (2008, p. 40) considera que é
preciso entender a gestão social “(...) como um processo gerencial dialógico onde a
autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação, (...) entendido como
o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm direito à fala, sem nenhum tipo
de coação”. O mesmo autor acrescenta:
(...) entende-se como gestão social os processos em que a ação gerencial se
desenvolve por meio da interação negociada entre os atores sociais, perdendo o
caráter tecnoburocrático em função da relação direta entre gestão e
participação, o que possibilita fazer uso de esquemas organizacionais
diferenciados e múltiplos (TENÓRIO, 2007, p.11).
O modo de gerir por meio da capacidade dialógica é característica marcante para
o aperfeiçoamento desse modelo de gestão. Para Tenório (2002),
(...) a gestão social busca o atendimento das atuais necessidades e desafios da
administração quanto à democracia e à cidadania participativa, aplicando-se
técnicas de gestão que considerem o intercâmbio dos vários atores envolvidos
nos processos administrativos, estimulando o convívio e o respeito às
diferenças (TENÓRIO, 2002, p. 7).
Em todo processo que favorece o diálogo, os conflitos são inevitáveis. A
capacidade relacional e a mediação de posições antagônicas tornam-se um exercício
constante na caracterização da gestão. A linguagem expressa uma intencionalidade
como resultante de uma formação ideológica inserida em um contexto histórico e social.
Carrion e Bauer (2011) afirmam que:
A estratégia de forçar consensos, é anti-democrática. O conflito, é implícito à
práxis democrática, sinaliza a presença da diversidade e, portanto, a
necessidade de chegar-se não a consensos, mas às concertações. Isto é, à
definições que minimamente contemplem os diferentes interesses
representados no campo (CARRION E BAUER, 2011, p. 15-19).
Pensar a gestão como processo ou quanto ao modo de gerir, não significa
necessariamente seguir um modelo de instrumentalização dos processos sustentado na
racionalidade técnica administrativa tradicional. A gestão social caracteriza-se pela
construção coletiva de regras, normas e instrumentos de gestão; pela inovação de
metodologias que privilegiam o diálogo, a participação, decisões compartilhadas,
horizontalidade hierárquica, com a valorização de diferentes saberes na ação. O modo
de gerir da gestão social constitui-se como verdadeiros processos coletivos de
aprendizagens (SCHOMMER e FRANÇA FILHO, 2010). Tenório (2008, p. 65) afirma
que a gestão social “está mais afinada com a abordagem social da aprendizagem, que
enfatiza as interações sociais que ocorrem entre as pessoas como bases da
aprendizagem, tanto coletiva quanto individual”. O processo educativo na condução da
gestão social é feito “a partir de múltiplas origens e interesses, mediados por relações de
poder, de conflito e de aprendizagem” (FISCHER apud MAIA, 2005, p. 10).
A gestão social resgata o processo da gestão coletiva e democrática deixada
como herança pela educação popular idealizada por educadores da geração dos anos de
1960 e 1970. Portanto a gestão social deve ser entendida como um processo educativo,
e, como afirma Paulo Freire (1986), todo processo educativo é um ato político. Nesse
sentido a gestão social é um ato político, e, portanto, deve ter um posicionamento
político quanto à sua finalidade, “a favor de quem e do quê”.
A dimensão relacional na gestão social é fator determinante na sua
caracterização. A capacidade de comunicação é o fio condutor que perpassa todo o
processo em que as diferentes formas de linguagem ganham importância. A
comunicação verbal favorece a interação e o diálogo como condição essencial das
relações humanas, pois “as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios”
(BAKHTIN, 2006, p. 32). A comunicação e as diversas formas de linguagem são veículos
ou métodos para a construção dos instrumentos de gestão para dar concretude à forma
de gerir, mas ao mesmo tempo é também uma atividade inserida nas atividades de
gestão. A ação e a reflexão em uma ação contínua é condição indispensável para a
construção da práxis, com uma afirmação da unidade entre a teoria e a prática. É
preciso, portanto, posicionar a capacidade de comunicação e diálogo a serviço do
trabalho. A gestão social, por mais inovadora e democrática que seja, está inserida em
um contexto histórico e social como resultado da relação entre capital e trabalho.
A finalidade ou os objetivos da gestão voltados para o campo social ou “da
esfera social da vida” se diferencia da visão tradicional das ciências administrativas, que
por sua vez teve sua formulação voltada para a finalidade econômica e a produção de
mercado. Ocorre uma inversão de prioridades entre os objetivos econômicos da gestão
tradicional para os objetivos sociais, foco prioritário da gestão social (SCHOMMER, et.
al. 2010).
Ao definir como finalidade o direcionamento do foco de intervenção para as
demandas da sociedade, a gestão social provoca uma reflexão acerca das dimensões da
realidade social. A proposição de intervir nessa realidade concreta, nas demandas e
necessidades apresentadas pela sociedade, posiciona o debate para a compreensão da
configuração e das características formadoras do universo social. É preciso
compreender a realidade social como totalidade, inserida em um contexto históricosocial, tendo o homem como sujeito e resultado desse processo. A realidade social nos é
imposta por uma cultura de fragmentação da constituição dos elementos que a
compõem. Conforme formulações de Marx, o conhecimento do homem é resultado da
sua interação com a realidade concreta, que por meio do trabalho transforma a natureza,
a realidade e a si próprio, portanto aquilo que “é a raiz do mundo dos homens, o ato que
funda o ser social, ou seja, o ato do trabalho” (TONET, 2006, p. 3). Ainda segundo o
autor,
Tomando, então, como fundamento ontológico do ser social o trabalho –
entendido como síntese de teleologia e realidade objetiva e como atividade de
transformação da natureza para a produção de valores de uso – Marx constata
que este – o ser social – se caracteriza por ser uma totalidade, isto é, um
conjunto de partes que se vão constituindo em determinação recíproca, mas
cuja matriz fundante é o trabalho. (...) o mundo social tem uma lógica própria,
que ele não é um amontoado caótico de fragmentos, mas um conjunto de partes
articuladas (TONET, 2006, pp. 3-4).
A gestão direcionada para intervenção no “mundo social” depara-se com as
diversas manifestações da questão social geradas pelas contradições impostas pelo
capital com o seu projeto hegemônico de desenvolvimento.
Incitados por esse desafio, compreendemos que a gestão social é construção
social e histórica constitutiva da tensão entre os projetos societários de
desenvolvimento em disputa no contexto atual. Assim, a gestão social é
concebida e viabilizada na totalidade do movimento contraditório dos projetos
societários – por nós concebidos como desenvolvimento do capital e
desenvolvimento da cidadania (MAIA, 2005, p. 64).
A presença do projeto hegemônico de desenvolvimento do capital sob a
inspiração do gerencialismo tem se utilizado de um discurso comum, o que provoca
uma “confluência perversa” (RAICHELIS e EVANGELISTA, 2009) entre projetos
societários antagônicos. A sociedade civil e o terceiro setor têm sido chamados para
promover ações públicas no campo social de caráter compensatório e em substituição às
prerrogativas do Estado na condução das políticas públicas e em especial às políticas
sociais. Finalidade e processo invertem-se e o “social” passa a ser usado como “meio”
tendo o capital como “fim”. Sob a roupagem de novas formas de reedição da filantropia
e da caridade, ações de responsabilidade social das empresas, do voluntariado são
instituídas como instrumentos de fortalecimento do projeto neoliberal hegemônico em
detrimento ao fortalecimento da sociedade e das condições estruturais para a superação
da desigualdade e da exclusão social (MAIA, 2005). A gestão social recebe um novo
atributo como “gestão do social”, sendo tratada pela perspectiva gerencial e de caráter
meramente instrumental, o que pode ser identificada como uma “gestão contra o social”
por ser “mais uma estratégia do capital na direção de cada vez mais aperfeiçoar seus
métodos de controle e exploração da classe trabalhadora” (CARVALHO apud MAIA,
2005, p. 65).
Ao realizar pesquisa a respeito das concepções teóricas de gestão social,
Marilene Maia apresenta a seguinte síntese:
GESTÃO SOCIAL
Categorias
Valores
Propósitos
Focos
Locos
Agentes
Metodologia
Características
Democracia e cidadania.
Projeto societário de desenvolvimento da cidadania.
Processo social de desenvolvimento ou conjunto de
processos sociais viabilizador do desenvolvimento
societário.
Gestão social como um processo de afirmação ou
transformação do desenvolvimento.
Estado, mercado e sociedade civil.
Políticas públicas, econômicas e sociais.
Redes, interorganizações e o espaço local.
Organizações populares, lideranças comunitárias,
população, indivíduos, grupos e as coletividades.
Processo social como estratégia metodológica.
Fonte: MAIA, Marilene. Práxis da gestão social nas organizações sociais – uma
mediação para a cidadania. Tese de doutorado. PUCRS. 2005
A construção do conceito de gestão social aponta para o campo interdisciplinar
que agrega diversas áreas do conhecimento. Ao procurar ressaltar valores sociais e
políticos, Marilene Maia (2005) redimensiona o conceito de gestão social com ênfase na
sua finalidade política. A autora avança no debate e amplia os objetivos quanto à
“finalidade” da gestão social, considerando-a não apenas como uma atuação direcionada
para o social. Deixa mais evidente a orientação quanto a um projeto político societário
transformador, voltado para a garantia de direitos, a inclusão e a justiça social. Sendo
assim, a autora compreende a gestão social como:
(...) um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do
desenvolvimento societário emancipatório e transformador. É fundada nos
valores, práticas e formação da democracia e da cidadania, em vista do
enfrentamento às expressões da questão social, da garantia dos direitos
humanos universais e da afirmação dos interesses e espaços públicos como
padrões de uma nova civilidade. Construção realizada em pactuação
democrática, nos âmbitos local, nacional e mundial; entre os agentes das
esferas da sociedade civil, sociedade política e da economia, com efetiva
participação dos cidadãos historicamente excluídos dos processos de
distribuição das riquezas e do poder (MAIA, 2005b, p. 15-16).
A gestão social procura direcionar modelos organizacionais que objetivam a
consolidação de um projeto político societário em que a democracia e a participação
cidadã ativa sejam exercidas por todos os atores envolvidos, numa relação dialética
entre os sujeitos, com a aproximação do conhecimento técnico dos profissionais e o
poder político da população.
Prática de gestão compartilhada de construção e execução de políticas públicas
constitui-se em um modelo organizacional caracterizado como processos gerenciais e
societários de desenvolvimento da cidadania. A construção política de um sistema de
proteção social e garantia de direitos deve passar por processos de uma gestão
democrática e participativa da sociedade e das instituições.
É preciso estabelecer uma diferenciação entre a gestão social e a administração
pública societal, assim como o gerencialismo com a administração pública gerencial
como alerta Paes de Paula (2005b). A gestão social e o gerencialismo são tipos ou
modalidades de gestão do campo das ciências administrativas que referenciam modelos
gerenciais e organizacionais em todos os setores, sejam eles públicos, privados ou do
terceiro setor. A administração pública societal e a administração pública gerencial são
modelos de organização e administração da máquina do Estado, implementados de
acordo com a concepção e o direcionamento político governamental. Assim como a
gestão social orienta a administração pública societal, o gerencialismo fundamenta os
princípios da administração pública gerencial. Contudo “o gerencialismo e a gestão
social não são formas de organizar do Estado, mas também não podem ser
considerados tipos de regime político e governo, sob pena de contrariar a base desses
conceitos da ciência política” (PAES DE PAULA, 2005b, p. 52).
A tarefa de operacionalização da administração pública societal depara-se com
uma dupla responsabilidade de caráter fundante para a concepção da gestão social. O
primeiro desafio diz respeito à consolidação de canais e instâncias de participação
popular com a competência na formulação e deliberação de políticas públicas. Tão
importante quanto à primeira tarefa é o desafio da democratização interna da
organização pública (PAES DE PAULA, 2005). Uma cultura burocrática extremamente
hierarquizada está presente na estrutura da máquina pública e reflete internamente
relações perversas de disputa de poder, isolamento das áreas temáticas, fragmentação
das políticas e ainda a dicotomização entre as funções de planejamento e execução por
parte dos gestores públicos. É preciso instituir instâncias participativas internas de
diálogo e valorização do saber dos servidores públicos responsáveis pela
operacionalização das políticas públicas.
A administração pública, quando incorpora o princípio da gestão social,
possibilita uma mudança na concepção do exercício do poder priorizando a “dimensão
sociopolítica da gestão”, de forma a exigir novas habilidades no “desenvolvimento de
técnicas de gestão adequadas” capazes de romper com o “hiato entre a técnica e a
política” (PAES DE PAULA, 2005, p. 46).
A gestão social demanda uma mudança no perfil do gestor público ao exigir dele
visão estratégica participativa e solidária, com habilidades de atuar na conjunção entre a
técnica e a política (PAES DE PAULA, 2005). Requer do gestor social a capacidade de
mediação entre o conhecimento e a prática, a capacidade de “movimentar-se entre
opostos, conciliando conhecimentos, ética e efetividade. É um mediador entre pessoas
(dimensão individual), coletivos (dimensão relacional) e interorganizacional e redes de
redes (dimensão transacional)” (FISCHER, 2006, p. 22).
A gestão social provoca um deslocamento de poder nas relações hierárquicas e
não constitui somente uma ação administrativa ou estratégia administrativa. É antes de
tudo uma ação política contra-hegemônica frente às formas tradicionais de gestão.
A formulação da política de assistência social aponta desafios para a gestão
pública quanto a um reposicionamento do Estado brasileiro no que se refere à sua
condução e a sua organização, bem como ao modelo de desenvolvimento para o país e a
sua finalidade política. Cabe um apontamento com relação a questões abordadas neste
capítulo. Uma delas diz respeito à reflexão quanto à diferenciação entre a concepção de
gestão social e a “gestão do social”. Esse debate deve ser realizado pelos agentes
públicos, por pesquisadores e pela sociedade civil organizada, balizados por um
referencial crítico, pois assim poderá permitir melhor formatação quanto ao modo de
gerir e principalmente quanto à intencionalidade política.
Outro aspecto diz respeito ao debate quanto à democratização do Estado no que
se refere à transparência pública permeável pela via da participação popular com o
efetivo exercício do controle social e pela via da democratização interna da estrutura
governamental. A dimensão da intervenção no âmbito local com a estruturação do
CRAS permite uma aproximação com a realidade social e com a vida dos cidadãos, o
que oportuniza a construção de mecanismos de participação e controle social mais
efetivos. Com relação à democratização interna, os mecanismos de organização da
política legislam sobre a gestão de recursos humanos por meio da NOB-RH/SUAS com
o objetivo de valorização dos trabalhadores da assistência social e o reconhecimento da
sua importância como protagonista na construção e na condução da gestão. Os
trabalhadores da assistência social como protagonistas são também responsáveis pela
gestão da política.
Percebe-se uma estreita aproximação do conceito de gestão social e do modelo
da administração pública societal com a arquitetura organizacional da política de
assistência social. A ampliação desse diálogo possibilitará o enriquecimento do debate.
Há uma aproximação conceitual entre a concepção da gestão social e a
abordagem ergológica. A Ergologia propõe a Ergogestão como uma possibilidade de
gerir o trabalho. A gestão da atividade de trabalho nessa perspectiva incorpora toda a
problematização resultante da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real. É
imprescindível escutar os trabalhadores responsáveis pela execução, pois são portadores
de saberes produzidos na atividade de trabalho. Propõe assim uma gestão democrática e
mais horizontalizada da atividade de trabalho em uma tentativa de atuar no princípio da
divisão técnica e social do trabalho com a diminuição da dissociação entre o
planejamento e a execução. Para sustentar a organização do trabalho é preciso
normalizar, no entanto, é impossível normalizar todos os procedimentos, impor regras
rígidas para os seres humanos. Por isso os trabalhadores renormalizam as normas
antecedentes. A Ergogestão considera a importância das normalizações das atividades
coletivas, mas elas devem ocorrer até certo grau, evitando excesso de rigidez. Cabe ao
gestor,
(...) levar em conta os imperativos de toda a atividade humana e essa
contradição entre o que ele quer fazer e o que lhe é pedido para fazer e o que
ele, in fine, pode fazer, considerando as situações sempre singulares. É preciso
adaptar-se a cada situação. (...) a gestão coloca-se mais como uma arte do que
como uma técnica (TRINQUET, 2010, p. 110).
Os conceitos da Gestão Social e da Ergologia apresentam pontos de
interseção entre si. Escutar os trabalhadores dos CRAS para conhecer a atividade de
trabalho e identificar as insuficiências e as lacunas das prescrições é um princípio da
Ergogestão e condição essencial do conceito de gestão social. A consolidação da
política de assistência social exige participação efetiva dos trabalhadores sociais. A
atividade de trabalho é permeada pela complexidade, imprevisibilidade, por normas
antecedentes que são constantemente desafiadas e renormalizadas para cumprir com a
função de proteção social de uma população excluída, na perspectiva da garantia de
direitos sociais.
5 – A Ergologia e a atividade de trabalho: princípios e conceitos
A realização de uma pesquisa tendo como tema a análise da gestão do CRAS
condiciona a inúmeras possibilidades de abordagem. A definição da gestão pela ótica do
trabalhador como objeto de pesquisa, de quem operacionaliza as ações por meio da sua
atividade de trabalho, revela a riqueza do trabalho real no seu cotidiano e a experiência
e os saberes adquiridos na realização da atividade.
O estudo sobre o trabalho encontra na perspectiva ergológica um referencial de
análise com definições conceituais que colabora com a compreensão de toda trama que
caracteriza a atuação profissional dos trabalhadores do CRAS no exercício da sua
atividade.
5.1 – A atividade de trabalho e a produção de saberes
A ergologia propõe-se a estudar o trabalho para melhor conhecê-lo e, assim,
intervir nas diversas situações com o objetivo de transformá-lo, o que implica
considerá-lo como atividade humana. Estudar o trabalho como atividade humana amplia
a compreensão da atividade de trabalho e a considera em toda a sua complexidade,
incorpora novas categorias de análise que permitem modificar seu caráter, retirando-o
de sua dimensão de atividade meramente técnica. Trinquet (2010, p. 94) considera que a
ergologia “permite abordar a realidade da atividade humana, em geral, e a atividade de
trabalho, em particular, (...) é um método de investigação pluridisciplinar em função de
a atividade humana ser muito complexa para se compreender e analisar”.
Para a ergologia, trabalho se diferencia da atividade: “o trabalho é apenas uma
forma de atividade humana” (SCHWARTZ, 2011, p. 154). A atividade de trabalho é
reconhecida na execução do processo de trabalho, no ato do trabalho real, imbuída de
uma singularidade em que o homem mobiliza o seu corpo e sua subjetividade em um
movimento de produzir algo, enquanto uma “(...) atividade interior. É o que passa na
mente e no corpo da pessoa, em diálogo com ela mesma, com seu meio e com os
outros” (TRINQUET, 2010, p. 96). A atividade de trabalho convoca o homem a se
reposicionar por inteiro diante das situações, de fazer escolhas e de tomar decisões, o
que conduz a uma “obrigação feita de pensar” e de produção de saber. O agir humano
manifesta-se como capacidade de escolher e de pensar, conduz o trabalhador a uma
ressingularização e à construção da sua identidade. A atividade convida à transgressão
de normas, pois o trabalho não é mera repetição: tudo pode ser reinventado e ajustado.
Portanto, o trabalho é algo mais complexo do que aparenta ser, porque, nele, o
trabalhador renova indefinidamente a sua atividade e se transforma nesse processo. Não
se pode reduzir o trabalho a uma simples execução de tarefas, a uma reprodução
repetitiva de movimentos. A tentativa de simplificação do trabalho de que se tem
registro histórico na configuração da produção industrial, atribui à divisão técnica do
trabalho um processo que induz à alienação do trabalhador, que anula a sua inteligência
e a sua criatividade. Por meio do trabalho o homem transforma a natureza, o seu meio e
se transforma interiormente como agente realizador da atividade. Schwartz (2011)
aponta como um dos impasses do trabalho a sua “impossível simplificação”. A
simplificação do trabalho contradiz a condição humana, opondo-se à singularidade do
homem, à sua capacidade criativa de transformação. Significa desconhecer a relação
ontológica25 do homem com o trabalho e um “parcial desconhecimento do que é a
atividade industriosa humana”, pois na atividade humana haverá sempre algo que
escapará a uma codificação (SCHWARTZ, 2011, p. 27). A atividade industriosa
convoca o trabalhador com a sua habilidade e a sua capacidade de fazer e realizar a
refletir e pensar, a uma produção de saber produto de um debate de normas. A atividade
de trabalho é uma realização da natureza do homem que incorpora e resgata toda sua
complexidade. Sendo assim, a ergologia afirma que o trabalho é algo mais complexo do
que se imagina. Identificar o trabalho pela ótica da simplificação reduz a sua
compreensão, o que aumenta a dificuldade em lidar com as relações que aí se
estabelecem, com a sua organização e com o gerenciamento das “atividades laboriosas”
(TRINQUET, 2010).
O trabalho é tomado pela ergologia não somente como um objeto de estudo, mas
como “matéria estrangeira” que provoca um incômodo, um estranhamento a quem lhe
interroga. Schwartz resgata essa expressão de Georges Canguilhem, filósofo e médico
francês, e a utiliza como recurso de sempre interrogar o trabalho pelo viés da sua
concretude. O estudo do trabalho como objeto limita a sua compreensão, porque o
pesquisador precisa se colocar em posição de escuta, de humildade e desconforto em
face do desconhecido, em um lugar de aprendizagem na dialética entre a sua
singularidade e sua complexidade presente na atividade de trabalho (SCHWARTZ,
25 Schwartz considera que a evolução do homem está vinculada à sua relação com o trabalho na dimensão ontológica ao
transformar a natureza e se transformar e na dimensão antropológica ao favorecer a sua evolução cultural e social.
2008). Tomar o trabalho como matéria estrangeira exige compreendê-lo pela ótica de
quem o executa.
Para analisar e compreender o trabalho é preciso se colocar em um permanente
“desconforto intelectual”, em que a comodidade da racionalidade intelectual
fundamentada no conceito seja desafiada pela complexidade da atividade de trabalho.
Somente os conceitos não serão suficientes para traduzir o que acontece nas situações
de trabalho: é preciso colocar em diálogo os conceitos já dominados com os saberes
investidos na experiência dos trabalhadores, ou seja, deve-se conhecer o trabalho por
intermédio de quem o realiza. Significa ser desestabilizado pelo desconforto ao se
colocar no plano do retrabalhar permanentemente o campo dos valores e das concepções
preestabelecidas.
A atividade não pode nunca deixar-nos confortavelmente instalados em
interpretações estabilizadas dos processos e dos valores em jogo numa situação
de atividade (...). Trata-se, pelo contrário, de se deixar incomodar metodicamente ao mesmo tempo nos nossos saberes constituídos e nas nossas
experiências de trabalho, a fim de progredir incessantemente nos dois planos
(DURRIVE e SCHWARTZ, 2008, p. 4 - 5).
Com o propósito de conhecer o trabalho, a ergologia propõe um método de
investigação pluridisciplinar das diversas áreas do conhecimento. A atividade de
trabalho como uma das modalidades da atividade humana carrega uma complexidade
que requer mais que uma única disciplina para compreendê-lo e analisá-lo. A ergologia
propõe uma interação dialética permanente entre as disciplinas que ao mesmo tempo
interroga os saberes complementados na análise da atividade de trabalho. É preciso,
portanto, colocar em diálogo todas as áreas do conhecimento científico, dos saberes
acadêmicos entre si. Mas isso não é suficiente. A ergologia ressalta a necessidade de
fazer dialogar esses saberes com os saberes da experiência, nem sempre formalizados,
ou seja, com os saberes dos trabalhadores que vivenciam o trabalho. Aos primeiros –
saberes científicos, acadêmicos – a ergologia denomina saberes constituídos, e àqueles
da experiência, saberes investidos, que estabelecem uma relação complementar.
O saber constituído é o saber acadêmico, disciplinar, produto do conhecimento
científico.
Trata-se do que, em geral, chama-se, simplesmente, de saber, ou dito de outro
modo: saber acadêmico. Em outros termos, tudo o que é conhecido,
formalizado nos ensinos, nos livros, nos softwares, nas normas técnicas,
organizacionais, econômicas, nos programas de ensino, etc. (TRINQUET,
2010, p. 100).
O saber constituído é fundamental para a formação de trabalhadores, para o
aprofundamento teórico e científico nas variadas áreas de atuação. Ele é imprescindível,
pois “entender o conceito é fundamental para compreender a vida e suas múltiplas
manifestações”, o que proporciona “reflexões e abertura de novos caminhos, revendo
conceitos e revisitando-os” (FURTADO e FISCHER, 2011, p. 190). O saber constituído
possibilita ao trabalhador refletir sobre o seu fazer, sistematizar o conhecimento
adquirido na experiência produzida com o trabalho. Esse tipo de saber é importante e
não pode ser desconsiderado, porém, sozinho, ele é insuficiente para a compreensão do
que acontece na atividade de trabalho. Durrive (2011, p. 54) afirma que “a atividade
humana no trabalho não é a simples aplicação de saberes já constituídos: no curso da
atividade, outros saberes se produzem”.
A ergologia considera o saber investido resultado da capacidade de cada
indivíduo gerir as lacunas entre o trabalho prescrito e o real que se manifesta em toda
atividade de trabalho. Esse saber é fruto da experiência do fazer adicionado a um saber
pessoal adquirido ao longo da vida e das relações do trabalhador com seu meio,
(...) é o resultado da história individual de cada um, sempre singular, ou seja,
adquirida da própria experiência profissional e de outras experiências (social,
familiar, cultural, esportiva, etc.) e que remete a valores, à educação, em
resumo, à própria personalidade de cada um (TRINQUET, 2010, p. 100).
Ao saber investido estariam adicionados os saberes da experiência profissional,
com o que poderiam ser nomeadas outras formas de saberes como o conhecimento
tácito, conhecimento popular, o conhecimento não formal ou não acadêmico. Schwartz
(2006) argumenta que a experiência não é resultante de um processo acabado, está
sempre em movimento, não tem inicio nem fim, é produto do acúmulo de informações
codificadas nas situações concretas, em que cada sujeito singularizado registra e
processa essas informações.
Isso reenvia à especificidade da competência adquirida na experiência, que
deve ser investida em situações históricas. São saberes que ocorrem em
aderência, em capilaridade com a gestão de todas as situações de trabalho, elas
mesmas adquiridas nas trajetórias individuais e coletivas singulares,
contrariamente aos saberes acadêmicos, formais que, são desinvestidos, ou
seja, que podem ser definidos e relacionados com outros conceitos
independentemente das situações particulares (SCHWARTZ, 2006, p. 44).
O saber investido, que advém da experiência do trabalhador, muitas vezes não
chega a ser explicitado, (re)normalizado ou até mesmo colocado em linguagem. É
incorporado no inconsciente individual ou no coletivo de trabalho e utilizado com
frequência na resolução das situações, não sendo necessariamente formalizado
(SANTOS, 1997, SCHWARTZ, 2006, DURRIVE, 2011).
O conceito de saber investido, proposto pela ergologia como saber produzido na
atividade de trabalho, contrapõe-se ao ideário taylorista-fordista da divisão intelectual e
técnica do trabalho, da dissociação entre a concepção e a execução. A possibilidade de
gerir as lacunas entre o trabalho prescrito e o real torna o trabalhador protagonista de
um saber até então desconsiderado e leva ao reconhecimento de que do “chão de
fábrica” brota um saber que deve ser colocado em evidência, pois pode em muito
contribuir para se conhecer melhor o trabalho.
O saber investido pode ser produzido individualmente em decorrência da
singularidade que cada indivíduo carrega na mobilização do “corpo si”, bem como na
interação grupal nas relações do coletivo de trabalho. Em pesquisa realizada por Santos
(2006) junto a uma categoria de trabalhadores, os “ferramenteiros” revelaram como
prática comum instituída, o diálogo entre eles e a troca de informações para a realização
do trabalho. Além dos protocolos de normas e prescrições, os ferramenteiros recorriam
aos “saberes do coletivo de trabalho” no desenvolvimento da sua atividade produtiva.
Tornou-se uma prática comum trabalhadores menos experientes consultar outros
trabalhadores com mais experiência quanto às possibilidades em realizar determinadas
tarefas,
“a socialização de saberes entre os trabalhadores ocorre, normalmente, de
maneira informal, ou seja, não oficial. Neste sentido, encontramos diversas
situações em que os ferramenteiros se valem dos saberes do seu coletivo de
trabalho para realizar determinada atividade, cujo conteúdo não é totalmente
conhecido pela gerência” (Santos, 2006, p. 105).
Prática comum nesse ambiente de trabalho pode ser encontrada muito
frequentemente em outros espaços ocupacionais. A inexistência ou a insuficiência de
normas antecedentes abre inúmeras possibilidades de criação e recriação de saber pelos
trabalhadores proporcionado uma interação do coletivo de trabalho.
A atividade é um campo propício à produção de saberes. Os saberes
disciplinares e os saberes dos protagonistas26 do trabalho confrontam-se e
dialeticamente complementam-se no exercício da atividade. No entanto, há uma
26 Os protagonistas das situações de trabalho designam todos os atores implicados numa atividade. Não são somente os
trabalhadores ou empregados, mas também os quadros, os dirigentes de empresa e mais amplamente ainda os representantes destes
atores na vida social à escala macro. Cada um é convidado a uma démarche ergológica para participar na elaboração de saberes e
para tirar partido das reservas de alternativas escondidas nas atividades humanas (DURRIVE e SCHWARTZ, 2008, p. 26-27).
incompletude desses saberes na relação com o mundo do trabalho, o que Schwartz
(2000) denomina “zonas de cultura e de incultura”, Os saberes constituídos, assim como
os saberes formulados na experiência como resultados das renormalizações, ou seja, na
produção de novos saberes, quando acionados se constituem em “força de convocação e
reconvocação”. A situação de trabalho requer o acionamento da força de convocação
dos saberes disciplinares para que o reducionismo e os entraves em consequência das
limitações das normas antecedentes possam ser superados. Por outro lado, entra em ação
a “força de reconvocação testando e avaliando estes conhecimentos, colocando-os em
confronto com os universos de saberes e experiência” (SCHWARTZ, 2000, p. 43).
5.2 – O trabalhador, a norma, o debate de normas e a renormalização: entre o
trabalho prescrito e o real
Um princípio empregado de forma marcante pela perspectiva ergológica diz
respeito à categorização do trabalho prescrito e do trabalho real. Identificada pela
ergonomia de língua francesa, na década de 1970, a distinção entre trabalho prescrito e
trabalho real surgiu de pesquisa sobre postos de trabalho taylorizados e saúde dos
trabalhadores realizada por um grupo de pesquisadores, sob a coordenação de Alain
Wisner. A pesquisa apontou que os procedimentos prescritos na linha de montagem não
eram efetivamente aqueles realizados pelos trabalhadores. Constatou-se que, mesmo em
locais onde a incidência da divisão do trabalho acontece com maior intensidade, ainda
assim existiam lacunas entre a prescrição e o trabalho de fato realizado. A ergologia
incorpora essa descoberta da ergonomia e ressalta que a atividade de trabalho implica
gerir a lacuna existente entre o trabalho prescrito e o real.
O trabalho prescrito é a definição prévia da maneira como o trabalhador deve
executar o trabalho: o modo de utilizar os equipamentos e as ferramentas, o
tempo concedido para cada operação, o como fazer e as regras que devem ser
respeitadas. O trabalho prescrito tem ainda, a característica de ser definido por
outra pessoa que não o trabalhador que vai realizá-lo (SANTOS, 2000-b, p.
344).
O trabalho prescrito é concebido e planejado, previamente, muitas vezes
dissociado da realidade, pensado a partir do trabalho ideal e no trabalhador ideal.
O trabalho real é aquele que de fato é executado e manifestado de maneira
própria por cada trabalhador ou pelos coletivos de trabalho no exercício da atividade. O
que foi prescrito dificilmente será realizado exatamente como foi concebido, caso
contrário, os seres humanos estariam sendo considerados como máquinas ou robôs,
seres autômatos.
As prescrições são necessárias, porém nem tudo pode ser previsto. A distância
“entre trabalho prescrito e o trabalho real é um laboratório por excelência onde o
‘informalizável’ ou o que resiste à formalização se apresenta” (SANTOS, 1997, p. 20).
Nesse sentido, sempre existirá uma distância, ou seja, lacunas entre o trabalho prescrito
e o real. Gerir essa distância transforma o trabalho e a natureza humana e desafia o
trabalhador: “é neste momento que se expressa a personalidade, a individualidade, a
história sempre singular, tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em
tempo real” (TRINQUET, 2010, p. 98). O trabalhador posiciona-se de forma consciente
ou inconsciente na realização do trabalho e depara-se com a necessidade de produção de
um saber refundando novos procedimentos para aquela determinada atividade. Para
Santos (1997, p. 15), “o trabalho convoca a inteligência de cada trabalhador e do
coletivo de trabalho na descoberta, na aprendizagem, no desenvolvimento e na produção
de saberes”. Pode-se afirmar que não há uma única maneira de realizar uma atividade, é
sempre possível encontrar soluções que ainda não foram previstas.
O modelo de organização e gestão taylorista-fordista do trabalho tem na divisão
do trabalho uma concepção produtiva da acumulação capitalista. Assim como na
diferença entre o trabalho prescrito e o real, a demarcação desse ideário está também
alicerçada na distinção entre a concepção e a execução do trabalho. A concepção e o
planejamento são concebidos geralmente em um ambiente à parte, distante do campo de
operações, cercado de um rigor teórico. Por outro lado, a execução acontece em outro
ambiente encarregado da função operacional, cercado de outra lógica, segundo a qual
quem tem a responsabilidade em executar os procedimentos não participa da concepção,
“tudo teria sido pensado pelos outros, antes que os executantes agissem: aliás, a eles não
é permitido agir, eles executam” (SCHWARTZ, 2006, p. 42). Essa distinção transportase para o campo do saber no qual quem planeja e prescreve é possuidor de um
conhecimento técnico e científico especializado, enquanto quem executa não precisa ter
conhecimentos ou é desprovido de conhecimentos, basta executar. Fica explicitamente
embutido nesse propósito uma relação de poder hierarquizando saberes e posições no
trabalho. Ocorre uma dissociação acentuada entre a concepção e a execução, ou seja,
entre a teoria e a prática, o que reduz a uma aplicação mecânica do conhecimento
teórico. O referido modelo de organização do trabalho estendeu-se para outros campos
configurando uma “lógica racional” replicada nos mais diversos ambientes de
organização social27.
Preencher a lacuna existente entre o trabalho prescrito e o real convoca o
trabalhador a fazer escolhas, inovar, criar e tomar decisões. Instala-se um momento de
transgressão das normas, em que o homem refaz a sua própria história e a história da
humanidade. A história do trabalho movimenta e acompanha a evolução da
humanidade, “(...) a evolução do trabalho, desde muito tempo, explica, por um lado, a
evolução do Homem e que a evolução do Homem explica, por outro lado, a evolução de
sua atividade laboriosa. Que há uma íntima dialética entre essas duas evoluções”
(TRINQUET 2010, p. 97).
Na sociedade contemporânea a humanidade encontra-se cada vez mais cercada
por normas que regulamentam a organização da sociedade, das instituições e das
relações sociais. Durrive (2011) resgata a origem em latim do termo norma como
“aquilo que se pretende corrigir, ou retificar”: a norma, assim definida, viria depois do
fato, após a transgressão no sentido de corrigir ou retificar a ação em um segundo
momento. No entanto, a norma vem sendo aplicada na antecipação dos fatos, antes do
agir, na intenção de prever a ação humana. O propósito de uma determinada norma é
antecipar o fazer, de definir regras e enquadrar a ação humana. Percebe-se um paradoxo,
pois não se trata de uma lei natural e sim de regras inscritas de caráter contratual em um
contexto social e cultural na história da civilização. Para o autor, as normas são
colocadas antecipadamente para serem apreendidas como iniciais e permanentes e assim
ganharem consistência.
O homem contemporâneo tem buscado posicionar-se no mundo com mais
liberdade e autonomia, elaborando suas próprias regras nas relações que estabelece e
nos seus modos de agir, como forma da manifestação de sua singularidade. No entanto,
“o que caracteriza o homem é, na verdade, a capacidade de se mover dentro de um
mundo de normas” (DURRIVE, 2011, p. 49).
Uma norma é consequentemente a expressão daquilo que uma instância avalia
como devendo ser. Esta instância pode ser exterior ao indivíduo: são as normas
exógenas, aquilo que exigimos de cada um, aquilo que procuramos lhe impor.
Mas esta instância pode ser também o próprio indivíduo, porque cada um tende
a definir suas próprias normas para agir, cada um tenta estar na origem das
exigências que o governam (normas endógenas). Ninguém se conforma com a
27 Ainda que o modelo taylorista-fordista de organização e gestão do trabalho tenha perdido sua hegemonia no contexto das
transformações ocorridas nas últimas décadas, os novos modelos flexibilizados e integrados não chegaram a eliminar a ideologia
que o sustentou.
imposição do meio como se fosse um conteúdo ajustado (...). O homem não se
deixa totalmente comandar de fora, ele está, ao contrário, numa relação
polêmica com o mundo das normas nas quais se encontra (DURRIVE, 2011, p.
49).
A perspectiva ergológica utiliza-se do pensamento de Canguilhem para refletir
sobre o homem e as normas. Para Durrive (2011, p. 50), “o ser humano responde às
solicitações do seu meio – o que os outros em geral lhe pedem para fazer (...)”. O
homem age em função de uma provocação, uma solicitação de alguém ou do meio, mas
ao mesmo tempo busca organizar o meio em função de si, de forma a se colocar no
centro das decisões com relação ao seu próprio agir.
Ocorre uma constante tentativa de padronização das diversas formas de
representação do agir humano por modelos de “arquiteturas mentais que precedem a
atividade em todos os níveis. O espírito humano (...) manifesta uma potência de
antecipação que o autoriza a querer programar, organizar, enquadrar” (SHWARTZ,
2010, p. 136). As normas estão presentes e acompanham a evolução do processo
civilizatório com conquistas e avanços científicos nas diversas áreas como nas
tecnologias, em processos industriais, na construção, na biologia humana, no direito por
meio de leis, constituições e regulamentações na esfera da vida social. Todas essas
normas antecedentes utilizam-se das diversas formas de codificação e prescrição e vêm
no sentido de antecipar a atividade humana. Por outro lado, as normas podem tornar-se
instrumentos de manipulação da vida social no cumprimento de uma função ideológica
obscura nas relações de poder, no enquadramento dos procedimentos e condutas em
modelos que induzem a uma divisão social e a uma fragmentação do conhecimento.
Schwartz (2010) observa ainda que “há um significativo uso socialmente manipulador
dessas normas antecedentes (...) elas podem se tornar uma ferramenta na construção de
relações de força para garantirem poderes, dominações, vantagens adquiridas”. Servem
ainda como “instrumentos de exploração no sentido industrial, ou jurídico do termo;
mas também no sentido econômico que tomou a história” (SCHWARTZ, 2010, p. 136).
Enfim, as normas antecedentes representam uma dualidade na vida social entre
conquistas e avanços, como em contraposição, em riscos e opressões. É preciso estar
atendo quanto ao uso seu ideológico, pois “nenhuma norma é puramente técnica e, por
isso mesmo, neutra” (SCHWARTZ, 2010, p. 136). O tratamento da norma é de extrema
importância e inclui-se no rol de conquistas da humanidade, mas também pode se
transformar em um risco considerá-la como um fim em si mesmo e ignorar que a vida
ressurge e refaz-se a todo o momento.
As normas inserem-se de uma maneira mais ampla nas relações da vida
cotidiana dos homens, ou seja, nas relações estabelecidas na atividade humana. As
normas antecedentes evidenciam-se na relação entre o trabalho prescrito e o real,
inseridas no universo da atividade de trabalho, e são permeadas por relações de poder.
Apresentam como característica posicionar-se antes de iniciar o trabalho e serem
anônimas, ou seja, “elas não levam em conta a singularidade de quem se prepara para
agir, (...) elas se apresentam como neutras”. (DURRIVE, 2011, P. 51). Não se pretende
aqui defender a eliminação das normas antecedentes ou torná-las improcedentes. Elas
são necessárias para o ordenamento da sociedade e em diversas áreas, responsáveis
pelos avanços e conquistas científicas, técnicas, jurídicas e sociais. Schwartz (2006)
afirma:
É claro que precisamos de normas antecedentes, porque elas também
são patrimônio universal. (...), temos que propor normas antecedentes e
compartilhar esse conceito de atividade. É preciso normatizar, claro,
mas temos que conseguir formas de organização ou de normatização
que deixem sempre um espaço para retrabalhar as normas, em função
das renormatizações sempre presentes (SCHWARTZ, 2006, p. 462).
A organização do trabalho exige uma regulação que organiza e prescreve os
procedimentos a serem observados. Para Vieira (2003, p. 55), “as normas antecedentes
são um conjunto de dispositivos que compõem o ordenamento e antecedem a atividade
do trabalho”. A insuficiência das normas gera uma adaptação, ou seja, uma
renormalização “pois o trabalho não é lugar da repetição, já que os indivíduos
renormalizam sua atividade” (VIEIRA, 2003, p. 56). A renormalização é promovida
pelo indivíduo ou pelo coletivo de trabalho no exercício da atividade, como forma de
transformação das normas no intuito de buscar estratégias e construir alternativas
quanto à incompletude das normas antecedentes.
Schwartz (2010, p. 138) afirma que “nenhuma norma antecedente, nenhuma
prescrição poderá abstrair os vazios de normas. A antecipação exaustiva é impossível”.
O trabalhador, ao deparar-se com a insuficiência ou com a inadequação das normas,
promove um silencioso debate de normas e, renormaliza, individual ou coletivamente,
as regras estabelecidas para a execução da atividade. Há certamente um espaço de
tensão, mas, sobretudo, um movimento dialético entre as normas antecedentes e a
renormalização que faz com que uma preceda a outra em um movimento contínuo.
O trabalhador renormaliza a sua atividade para se manter vivo, como garantia da
sua saúde e da sua lucidez no trabalho, da sua percepção subjetiva para resgatar o
sentido ontológico do trabalho e se transformar por meio do seu agir. O preenchimento
das lacunas geradas pela incompletude das normas é o que proporciona os encontros de
encontros no trabalho.
A atividade de trabalho convoca o trabalhador a um permanente debate de
normas já que ele se vê sempre em conflito com as normas antecedentes à realização da
atividade. O deslocamento de uma posição confortável diante das normas preexistentes
convoca o trabalhador a uma renormalização da sua atividade.
Para a ergologia, o trabalho representa a convocação do indivíduo com toda
a sua herança cultural, sua história de vida e um lugar ocupado socialmente, na busca
constante de encontrar a vida na realização da atividade, na realização em ato do
trabalho vivo. O trabalhador é convocado na realização da sua atividade não somente
com a sua “força de trabalho”. O agir predispõe o ato físico, mas também uma
mobilização subjetiva do indivíduo, por sua vez portador de uma singularidade
construída ao longo da história de sua existência, nas relações estabelecidas e na
construção da sua identidade.
O sujeito ao gerir sua atividade de trabalho traz consigo uma história de vida de
sofrimentos, sucessos, fracassos, valores de uma cultura adquirida nas relações
familiares, nas relações com a sua comunidade ou grupo social, nas relações com o seu
entorno mais amplo e na visão que elabora dos acontecimentos localizados e datados em
um momento histórico e conjuntural. O trabalho como experiência torna-se fonte
produtora de saber não somente pela realização das tarefas predeterminadas e prescritas,
mas, sobretudo pela perspectiva de encontros de encontros em que o “corpo si”
mobiliza-se com todo seu “patrimônio histórico” no debate de normas, exigindo do
trabalhador uma mobilização interna para tornar-se capaz de fazer escolhas e gerir a sua
atividade. Schwartz (2007, p. 198-199) argumenta que a concepção de “corpo si” “não é
inteiramente biológica, nem inteiramente consciente ou cultural, (...) trata-se do
histórico, mas do histórico funcionando em alquimias que vão além de nós”, é a
representação do indivíduo na sua totalidade envolvendo as dimensões físicas,
psíquicas, culturais, cognitivas e inconscientes na construção da sua singularidade numa
situação de trabalho. Trinquet (2011) considera que o “corpo si” é “matéria e espírito
em dialética”. É por meio do ”corpo si” que o trabalhador deixa de ser objeto
consumido pelo trabalho e torna-se o centro dessa arbitragem para conduzir a sua
atividade.
Quando se adota a perspectiva da atividade, entende-se que trabalhar é fazer
escolhas, o que provoca no trabalhador um conflito, um incômodo, definido pela
ergologia como uma “dramática do uso de si”. Para Schwartz (2007), não existe
execução e sim uso, e o indivíduo na sua totalidade do ser é convocado na atividade.
Todo trabalho é sempre uso, uso de si por si, como também uso de si pelos outros. Essa
dualidade gera um problema a ser resolvido, ou seja, provoca um drama com o
trabalhador posicionado no centro das decisões.
Também quando se diz que o trabalho é uso de si, isso quer então dizer que ele
é lugar de um problema, de uma tensão problemática, de um espaço de
possíveis sempre a se negociar: há não execução mas uso, e isto supõe um
espectro contínuo de modalidades. É o indivíduo em seu ser que é convocado;
(...). Há uma demanda específica e incontornável feita a uma entidade que se
supõe de algum modo uma livre disposição de um capital pessoal. Tal é a
justificação para a palavra “uso” e tal é aqui a forma indiscutível de
manifestação de um “sujeito” (SCHWARTZ, 2000, p. 41).
O trabalhador coloca-se inteiramente a trabalho fazendo uso de todo o seu
ser, corpo e alma em conflito na realização da atividade. É a manifestação do uso de si
por si, pelo próprio trabalhador, do seu corpo, da sua inteligência, da sua
individualidade, da sua formação histórica, com seu saber adquirido na experiência.
Schwartz (2000, p. 42) afirma que “no estudo dos atos de trabalho, o “uso” não é
somente o que fazem de você, mas também aquilo que cada um faz de si mesmo”. A
dramática do uso de si por si convoca o trabalhador a pensar a sua atividade e buscar
alternativas diante das insuficiências das normas antecedentes.
O “uso de si pelo outro” é o uso que o trabalhador faz de si para atender ao
gestor, ao capital, como também às prescrições estabelecidas pelas normas e
regulamentos. Na atividade de trabalho, principalmente no trabalho mercantil, reina um
universo de definições de normas, procedimentos, regras, técnicas, hierarquias, condutas
que submetem os trabalhadores a uma relação de subordinação e de poder. O trabalho
mercantil, gerenciado pelas organizações sustentadas no capital, nega os aspectos
subjetivos e culturais do trabalhador e nesse sentido “usa” ou faz “mal-uso” do
trabalhador pela expropriação da força de trabalho, da impessoalidade, da racionalidade
mecânica. Se há uma identificação de um “mal-uso” é porque há possibilidades de
existência de outras formas de gestão do trabalho.
Esta “dramática”, em alguns momentos torna-se mais forte e em outros
momentos se arrefece e distenciona o conflito, o que pode propiciar o surgimento de
“encontros de encontros” no trabalho resgatando a sua dimensão ontológica. Cabe,
portanto uma constante negociação entre a difícil articulação na relação dialética entre o
uso de si por si e o uso de si pelo outro.
No hiato entre o trabalho prescrito e o real, a ergologia encontra um infinito
universo de reflexões para a compreensão do sujeito na relação com a atividade de
trabalho. Esse hiato é que possibilita um espaço de criação e o resgate do trabalhador
como protagonista do seu próprio trabalho, já que ele resiste a um aprisionamento pelas
normas prescritas e procedimentos operatórios. Diante dessa situação, o ”corpo si”
expressa-se fazendo o “uso de si por si”, momento em que o trabalhador manifesta a sua
singularidade, renormaliza o seu trabalho, encontra soluções não previstas, produz saber
e se identifica como sujeito do trabalho real. Devido às variabilidades do trabalho
humano, as normas prescritas não conseguem antecipar todos os desafios que se
apresentam na atividade em que cada trabalhador é convocado e ao mesmo tempo
convoca-se a lidar com o vazio de normas. Como na perspectiva ergológica trabalhar é
gerir, pode-se afirmar que todo trabalhador é gestor do seu próprio trabalho.
O conflito entre o desejo interior, o que ele exige de si e as regras externas, o que
é exigido dele, expressa a disputa que se apresenta toda vez que o trabalhador é
convocado a agir. Esse conflito leva o sujeito a um silencioso impasse, o que resulta
num debate de normas. A atividade aponta para o constante debate de normas e que, em
um dado momento, é exigido que o trabalhador faça escolhas, tome decisões no sentido
de solucionar o impasse empregando o seu modo próprio de agir. Ele faz o “uso de si”,
resgata a sua identidade e toda a sua singularidade, promove uma “renormalização” para
melhor adaptar-se ao ato de gerir o trabalho. O exercício da atividade de trabalho gera
um processo de aprendizagem e a elaboração de um saber provocado por um
permanente debate de normas. Schwartz (2006) utiliza o conceito de “atividade
industriosa”, que insere no debate de normas, amplia a compreensão e o distanciamento
entre o trabalho prescrito e o real e relaciona a noção de trabalho real com a
conceituação das normas antecedentes. A atividade industriosa permite uma
conceituação que transita entre o trabalho real com o seu “fazer” e convoca o
trabalhador a uma elaboração do seu “saber” provocado pelo debate de normas. “A
partir do trabalho como atividade industriosa, reencontramos todas as diferentes
dimensões do trabalho” (SCHWARTZ, 2006, p. 459).
O movimento constante de renormalização gera um processo de aprendizagem e
uma produção de saberes por parte dos trabalhadores, recriando formas e estratégias de
realização da atividade. Para Schwartz (2000, p. 43) “a renormalizaçao que se produz
nas atividades gera uma situação de desconforto intelectual”, e esse desconforto
“consiste em admitir que generalidades e modelizações devem ser sempre reapreciadas”
(2000, p. 44). Instaura-se um processo de transgressão das normas antecedentes,
desafiam-se os saberes técnicos e disciplinares, o que provoca um incômodo dado pela
confrontação dos saberes. Schwartz argumenta que tanto os sabres disciplinares ou
acadêmicos quanto os saberes da experiência apresentam “zonas de cultura e de
incultura”, ou seja, deve-se reconhecer e valorizar esses saberes, porém eles não são
suficientes, isoladamente, para a compreensão da atividade de trabalho. Colocar em
debate esses saberes possibilita um processo constante de aprendizagem e a produção de
novos sabres que promove uma renormalização permanentemente da atividade.
No campo da política pública, as normas antecedentes surgem como de extrema
relevância com o intuito de codificar as ações do poder público nas diversas instâncias.
Elas podem ser definidas pelas leis, decretos, resoluções, portarias, normas, instruções
normativas, manuais e orientações técnicas diversas. Identificam-se entre essas normas
instrumentos jurídicos de valor legal, que definem de maneira generalizada
procedimentos administrativos e organizacionais sem, no entanto, tecer detalhes quanto
à execução operacional. Esse conjunto de normas legais é acompanhado de mecanismos
de fiscalização e acompanhamento de seu cumprimento, bem como de regras que
definem a sua possível revisão. Há também outros instrumentos legais como as
instruções normativas, manuais e orientações técnicas que tecem detalhes operacionais e
normatizam quanto a procedimentos que regulam as atividades de trabalho. Nesse
conjunto de procedimentos, as possibilidades de revisões estão ao alcance das instâncias
responsáveis pela sua execução.
5.3 – A gestão do trabalho
A gestão do trabalho impõe como condição lidar com a singularidade dos
sujeitos responsáveis pela sua execução, ou seja, os trabalhadores. Cada um destes
sujeitos possui uma avaliação própria da situação de trabalho e um modo próprio de
gerir o seu fazer. E os trabalhadores estarão sempre inseridos em um coletivo de
trabalho, cercados pelos seus pares e subordinados a uma hierarquia organizacional.
Ao lidar com as lacunas existentes entre o trabalho prescrito e o real e as
possibilidades de renormalização, surge outro conceito empregado pelo pensamento
ergológico definido como “reservas de alternativas”. “Há sempre a possibilidade de
fazer de outro modo. Não pode haver uma única maneira melhor de fazer as coisas, de
responder às obrigações, de governar os seres humanos" (TRINQUET, 2010, p. 109).
Schwartz (2007) argumenta que a compreensão do trabalho como atividade permite
considerar a dimensão da transformação, pois há sempre possibilidade de “trabalhar de
outra forma”. A realização da atividade de trabalho possibilita fazer escolhas e
consequentemente assumir riscos, pois as escolhas nem sempre resultam na melhor
solução para as situações em que o trabalhador se vê envolvido. Fazer escolhas é correr
riscos e um exercício constante de erros e acertos.
O processo de gestão depara-se, a todo momento, com a imprevisibilidade e a
complexidade do trabalho, com as possibilidades e com as impossibilidades. Portanto,
levar em consideração as reservas de alternativas é abrir-se às novas idéias “a fim de
integrar os novos saberes sobre o trabalho e se adaptar às evoluções das situações (...)”
(TRINQUET, 2010, p. 109).
O movimento constante de renormalização da atividade de trabalho pode
produzir um efeito de determinada ordem, sendo inevitável a obrigação de renormatizar
ou rever as normas antecedentes por parte do gestor do trabalho. Portanto “renormatizar
quando é preciso ajustar ou não respeitar determinada esfera de normas antecedentes
supõe que os protagonistas das escolhas dialoguem, explicita ou implicitamente, com
um universo de valores já estabelecidos” (SCHWARTZ, 2010, p. 141). A
renormatização por parte do gestor pode tornar-se um processo participativo com os
coletivos de trabalho. Schwartz (2010, p. 139) ainda afirma que “o tratamento do vazio
de normas sempre comporta mais ou menos uma gestão coletiva”. É preciso constituir
espaços de debates e negociações da gestão do trabalho para que o processo de
renormatizações não seja um movimento individualista, mas resultado de um processo
coletivo “na sinergia da construção de um patrimônio histórico coletivo” (FRANÇA e
MUNIZ, 2011, p. 211). O fato de as renormatizações advirem das renormalizações
compartilhadas do agir coletivo implica que elas também, provavelmente, tornar-se-ão
insuficientes para tudo prever. O gestor ou a organização normalizam, quando há um
vazio de normas, e renormatizam a partir das renormalizações que os trabalhadores
fazem, individual ou coletivamente, diante das insuficiências das normas antecedentes.
O método ergológico de investigação do trabalho resgata na história grega um
processo dialético de alimentação da produção de saber na atividade de trabalho, o
chamado “processo socrático de duplo sentido”. Esse processo indica que não somente
quem é possuidor do conhecimento erudito aponta questões aos trabalhadores, que
devem dar as respostas, mas que os trabalhadores também podem e devem apontar
questões aos supostos detentores do conhecimento erudito ou técnico. A interação
dialética entre os saberes é imprescindível para uma análise ergológica das situações de
trabalho.
No intuito de promover um diálogo entre os saberes e experiências e permitir a
realização do processo socrático de duplo sentido, a ergologia propõe o Dispositivo
Dinâmico a Três Polos – DD3P, que representa um processo metodológico de
investigação da atividade de trabalho que tem como objetivo
incitar aqueles que vivem e trabalham a pôr em palavras um ponto
de vista sobre sua atividade, a fim de torná-la comunicável e de
submetê-la à confrontação de saberes. Ele solicita que os saberes
constituídos e socialmente reconhecidos se deixem interrogar pela
atividade humana, tal como ela aparece nos pontos de vista
argumentados (SCHWARTZ, 2010, p. 162).
Somente o coletivo dos trabalhadores é capaz de responder aos problemas
relativos à organização e ao funcionamento do trabalho. Esse é o lugar de incitar as
variadas áreas do conhecimento, as múltiplas disciplinas a uma interação dialética entre
elas, em um diálogo com os saberes da experiência ou os saberes investidos. Esse
diálogo deve acontecer sem uma hierarquização de poder entre os diversos saberes, de
forma a valorizar e reconhecer a importância de cada um. Constitui-se em um processo
de revisitar os conceitos e saberes, possibilitar um encontro entre eles e facilitar a sua
circularidade. O DD3P aplica-se não somente a toda atividade de trabalho, mas também
a qualquer situação no campo da atividade humana. Schwartz (2000) considera que
“este dispositivo a três polos gera, ao mesmo tempo, efeitos sobre a produção de
conhecimento e sobre a gestão social das situações de trabalho, pois há efeitos
recíprocos entre o campo científico e o campo da gestão do trabalho” (SCHWARTZ,
2000, p. 45).
O DD3P compõe-se de três polos. O primeiro polo consiste nos saberes
constituídos, “refere-se a todos os conceitos, competências e conhecimentos
disciplinares acadêmicos e/ou profissionais” (TRINQUET, 2010, p. 104). Incluem-se
aqui as normas antecedentes, prescrições e diretrizes estabelecidas para a organização
do trabalho. Esse polo comporta ainda leis, decretos, portarias, orientações
metodológicas. É um polo extremamente relevante, porém ele sozinho não é suficiente
para elucidar as situaçoes de trabalho. É o polo da validação dos conceitos que está em
desaderência com a atividade e deve ser olhado com reservas para que não imponha à
distância protocolos que dificilmente poderão ser aplicados.
O segundo polo refere-se aos saberes investidos, aqueles gerados pelos
trabalhadores no exercício da atividade de trabalho. É o polo das forças de convocação e
de reconvocação, em que o trabalhador mobiliza o seu “corpo si”, aciona sua força
recriadora por meio do debate de normas, transgride as normas antecedentes e
renormaliza as prescrições. É o lugar da valorização do saber da experiência que
permite gerir o encontro de encontros, em que o trabalhador com sua singularidade ou o
coletivo de trabalhadores, em um contexto real, produz um saber em aderência e que
encontra soluções exigidas pela atividade de trabalho .
O terceiro polo consiste em promover o diálogo entre os dois primeiros polos, ou
seja, colocar em diálogo os saberes constituídos e os saberes investidos. Esse polo
convoca os valores éticos e humanos, na produção conjunta de novos saberes. O terceiro
polo é sintese demarcada por princípios ou proposições maiores de convívio social.
Tem como objetivo colocar em diálogo conceitos e experiências, “incitar aqueles que
vivem e trabalham a por em palavras um ponto de vista sobre a atividade, a fim de
torná-la comunicável e submetê-la à confrontação de saberes” (SCHWARTZ, 2010, p.
162). É o polo provocador do encontro, do momento de confrontação entre os saberes,
da complementaridade entre os saberes e, consequentemente. produtor de novos
saberes. O terceiro polo é resultante do “processo socrático de duplo sentido”, da
interação dialética entre os saberes no trabalho. O propósito desse polo depende da
consistente fundamentação dos dois primeiros polos, dos saberes constituídos e dos
saberes investidos. O resultado do dialogo e da confrontaçao entre os dois polos deve
estar referenciado por uma postura ética diante das diferenças entre saberes e dos
propósitos condizentes com valores civilizatórios da humanidade.
O DD3P pode provocar um efeito sobre a atividade de trabalho já que facilita o
debate entre os trabalhadores resultando na produção de conhecimento sobre o trabalho
e na busca de solução para os problemas encontrados. Para que resultados possam ser
alcançados é preciso que os envolvidos tenham formação mínima em ergologia ou que
estejam sintonizados com a sua base conceitual e com os fundamentos do esquema
teórico-metodológico da proposição. É imprescindível que haja envolvimento dos
participantes e que todos tenham clareza dos objetivos que se pretende com o debate.
Para a aplicação do dispositivo, a perspectiva ergológica aponta a necessidade de
se criarem espaços ou momentos entre os envolvidos diretamente com a situação para
lidar com os inevitáveis impasses surgidos no trabalho.
Para operacionalizar o DD3P, são propostos os Grupos de Encontro de Trabalho
que se constituem em uma estratégia ou um recurso para conhecer a atividade de
trabalho na perspectiva de transformá-lo. Os GETs concretizam-se por meio da reunião
de um grupo de trabalhadores com o intuito de conhecer e debater questões relativas ao
trabalho, mas principalmente de buscar soluções conjuntas para os problemas
enfrentados. Partem do pressuposto de que conhecer o trabalho requer escutar o
trabalhador, que é quem sabe dizer sobre o trabalho e sobre a melhor maneira de
executá-lo.
Os GETs são orientados pelo esquema teórico-metodológico do DD3P. Nesse
espaço o trabalho é traduzido em palavras, os saberes constituídos confrontam-se e
complementam-se com os saberes investidos, o que resulta, no vetor do terceiro polo,
numa elaboração de novos saberes. Os saberes da experiência formulados
individualmente são explicitados, debatidos e apropriados pelo coletivo. Os GETs
permitem que as renormalizações individuais e coletivas possam ser renormatizadas.
São estratégias de:
Apropriação: uma familiarização conceitual com a atividade como
tratamento enigmático da confrontação entre formas protocolizadas da
experiência industriosa e a necessidade de aí sempre gerir, nessas
formas, os encontros de encontros. Instrução: um colocar em
visibilidade e em palavras essa experiência, desdobrando habilidades,
sinergias eficazes e inaparentes, as lacunas ou inadequações das
normas antecedentes, as reservas de alternativas em sofrimento nesses
lugares de utilização da atividade humana. (SCHWARTZ, 2010, p.
164)
Portanto, é no processo de renormalização que o trabalho transforma-se e ganha
novas proporções, deixa de ser mera repetição mecânica, como consequência de uma
prática reflexiva e pró-ativa dos trabalhadores. “A atividade é obrigação feita de pensar”
(SCHWARTZ, 2010, p. 162).
Esses conceitos orientarão a análise que se fará dos dados empíricos, pois a
compreensão do processo de gestão do CRAS e da atividade de trabalho nesse espaço
sócio-ocupacional está intimamente relacionada à insuficiência de normas antecedentes
e à impossibilidade de “tudo prever”, devido à natureza do serviço permeada pela
imprevisibilidade. Os trabalhadores sociais são levados a uma constante renormalização
de sua atividade, que resulta, ao mesmo tempo, numa atitude reflexiva e numa produção
e mobilização de saberes.
6 – Análise da atividade de trabalho no CRAS
O homem deve adquirir sua própria liberdade através de sua própria
atuação. Mas ele só pode fazê-lo porque toda sua atividade já contém,
enquanto parte constitutiva necessária, também um momento de
liberdade (GEORG LUKÁCS).
Nesta seção temática a análise da atividade de trabalho no CRAS procurou
seguir um roteiro que indicasse uma sequência lógica das etapas e a tradução da origem
e da manifestação do trabalho real. As categorias teóricas aparecem ao longo da análise
dos dados empíricos. Ter como foco a gestão do trabalho exige identificar inicialmente
as normas antecedentes e as prescrições legais previstas na política pública de
assistência social, pois toda a organização do processo de trabalho está ancorada na
legislação federal e na sua adequação à legislação municipal. Durante a pesquisa
ficaram evidentes a forte influência das prescrições e os avanços obtidos neste campo a
se considerar o pouco tempo de implantação do atual modelo de organização da política
de assistência social. Para os trabalhadores do CRAS essas prescrições legais tendem a
ser cada vez mais incorporadas ao processo de trabalho e como pauta para estudos, o
que não impede que nas situações de trabalho as normas antecedentes sejam
ressingularizadas em renormalizações frequentes.
As prescrições técnico-científicas, o saber constituído e o saber investido
compõem outro item analisado que, juntamente com as prescrições legais, fundamentam
a atuação dos trabalhadores do CRAS.
A composição da equipe de referência com definições das funções e atribuições
proporciona uma variedade de questões quando analisadas diante das situações reais na
realização da atividade de trabalho. O trabalho real é revelado neste item, incorpora os
saberes interdisciplinares que se fundem na realização da atividade. Ao mesmo tempo
em que preserva a subjetividade e a singularidade de cada trabalhador, consolida um
saber coletivo e um modo próprio de gerir o trabalho.
No decorrer da pesquisa foi revelada a forte influência da linguagem no
desencadeamento da atividade de trabalho, o que motivou a inclusão da linguagem
como uma categoria de análise. A linguagem perpassa o processo de trabalho como uma
ferramenta e ao mesmo tempo como um fenômeno inserido na atividade de trabalho a
serviço dos trabalhadores ao orientar a ação, na mediação das relações interna na equipe
e no contato com a população usuária do CRAS. A caracterização da gestão social como
um processo dialógico e democrático, ganha relevância com a compreensão da
manifestação das diversas dimensões da linguagem no processo gestionário do CRAS.
As relações interinstitucionais se enquadram como uma das funções do CRAS,
que se revela como uma ação que vai exigir dos trabalhadores habilidades e saberes.
Essas ações foram analisadas pela ótica dos trabalhadores na relação com as demais
políticas públicas e os diversos níveis hierárquicos do governo local.
6.1 – Prescrições legais e as normas antecedentes
A política pública de assistência social historicamente careceu de uma legislação
própria capaz de organizar e normatizar o seu funcionamento em todo o território
nacional. A legislação federal cumpre uma importância na prescrição das normas legais
que definem a estrutura e a organização da política de assistência social. Os documentos
são recentes e resultantes de um esforço em dimensionar as ações, na tentativa de
estabelecer uma coerência com seu propósito constitucional e com um posicionamento
do Estado com relação à proteção social à população. O conjunto das prescrições legais
são as normas antecedentes que definem a organização da política de assistência social e
que, ao serem elaboradas, podem representar conquistas e avanços, como também riscos
de engessar procedimentos e concepções no processo técnico e político de gestão.
A prescrição legal da política de assistência social é composta pelo conjunto de
leis, resoluções, decretos, normas operacionais, instruções normativas e documentos de
orientação técnica e metodológica (VIEIRA, 2003). Todo esse conjunto de normas
antecedentes deve ser capaz de traduzir em aplicação prática as ações públicas nos três
níveis de governo – federal, estadual e municipal – a fim de proporcionar certa
unicidade e padronização, além de possibilitar a construção de uma identidade como
política pública. A legislação cumpre um importante papel ao delimitar a compreensão
da política pública, apontar diretrizes, ordenar o seu funcionamento e definir serviços e
os princípios metodológicos que irão garantir o funcionamento traduzido no nível da
atividade de trabalho.
A pesquisa junto aos trabalhadores da assistência social com atuação nos CRAS
identificou que há um reconhecimento quanto à importância das prescrições legais com
o intuito de nortear a atividade de trabalho. Esses documentos são de amplo
conhecimento do conjunto de trabalhadores investigados.
E5. O CRAS começou a funcionar em 2009, então foi muito bom porque ele
começou junto com a Tipificação, então eu comecei a estudar a Tipificação da
assistência, e eu lia e relia a Tipificação e o Protocolo de Gestão, é mais
baseado nesses documentos que agente trabalha.
Percebeu-se que alguns dos entrevistados encontraram dificuldades em citá-los,
enquanto outros descrevem os documentos com maior desenvoltura. Os documentos
mais consultados foram aqueles relacionados às prescrições que garantem o
funcionamento do CRAS, devido à sua utilização freqüente pelos trabalhadores, como:
a PNAS-2004, NOB/SUAS-2005, Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,
o caderno de Orientações Técnicas – CRAS, o Protocolo de Gestão Integrada. Fica
evidente que os trabalhadores não só conhecem como utilizam com frequência variada,
de acordo com a necessidade, os documentos oficiais que normatizam o serviço.
E3. (...) vejo que a gente usa a Tipificação, principalmente, e o Protocolo de
Gestão no plano de ação que vai dar para desencadear as atividades que a gente
vai fazer durante um ano.
E6. (...) a Tipificação virou o be-a-bá nosso aqui, a Política Nacional também,
acho que ela é o grande guarda-chuva, e dele você tem outras coisas.
E5. Eu recorro a esses documentos não com muita frequência, na verdade, fica
em cima da minha mesa, quando eu tenho alguma dúvida eu leio.
Entretanto outros documentos legais são de amplo conhecimento dos
trabalhadores entrevistados e foram citados, como a Lei Orgânica da Assistência Social
– LOAS, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e o Estatuto do Idoso, etc.
Os objetivos propostos pela legislação para a atuação do CRAS são
compreendidos e incorporados pelos trabalhadores. Percebe-se uma plena assimilação e
uma defesa dos objetivos institucionais propostos. Segundo os entrevistados, os
objetivos citados se referem à questão do acesso e da garantia dos direitos de cidadania
e ao fortalecimento de vínculos. A tradução dos objetivos em ações de fato efetivadas é
uma preocupação dos trabalhadores no exercício da sua atividade:
E6. No objetivo dos documentos e do trabalho que a agente faz aqui, está muito
ligado na garantia dos direitos do cidadão que mora aqui no território. Então,
do acesso às políticas, do acesso à rede sócioassistencial, do acesso às
informações, do acesso a locais que ele possa refletir sobre a sua vida, se
fortalecer, do acesso às atividades que possam dar o empoderamento a esse
sujeito no território.
E7. (...) a gente trabalha com a questão do direito, fortalecimento de vínculos
familiar e comunitário, então, atendimento à família com objetivo de dar
acesso aos direitos, de informar a respeito dos direitos.
A formatação da política de assistência social apresenta o CRAS como uma
unidade pública localizada em territórios caracterizados pela situação de vulnerabilidade
social. O CRAS como um serviço descentralizado de base local surge neste cenário
imbuído de significativa importância e vem preencher uma lacuna na estrutura
institucional pública com aproximação da realidade vivida pelos usuários. A realidade
dos territórios é geradora de demandas diversas, tanto por parte da sua população quanto
das demais políticas públicas. As demandas oriundas da população são acolhidas,
tratadas pelo serviço e trabalhadas conforme a capacidade de resolutividade. As
demandas originárias das demais políticas setoriais, ou seja, das demais instâncias
públicas, são tratadas como relações institucionais hierarquizadas e que em algumas
situações escapam da governabilidade do serviço. Essa relação será tratada
posteriormente de forma mais detalhada.
Ao investigar a existência de outros objetivos além dos já prescritos para o
CRAS, identifica-se uma situação conflitante. Ficou revelada uma percepção de que as
ações realizadas no CRAS estão todas prescritas pelas normativas legais, ou seja, ao
comparar as normas antecedentes com as atividades realizadas, constata-se que o que
foi prescrito está sendo realizado. Entretanto, ao se inverter a análise, tendo como
referência as atividades realizadas pelos trabalhadores, constata-se que outros objetivos
não prescritos estão sendo endereçados para o CRAS. O trabalho de fato realizado
extrapola as prescrições das normas antecedentes, outras ações não previstas nos
documentos oficiais estão sendo executado pelo CRAS, o que fica constatado no relato
abaixo:
E6. Claro, faz muitas coisas, na visão das outras políticas que atuam aqui, o
CRAS faz tudo, é o que tem que resolver tudo. E ao mesmo tempo é o que
coloca o bedelho em tudo, para população é a mini-prefeitura de Belo
Horizonte. Aqui tem demandas de todas as naturezas, aí a gente acaba fazendo
uma porção de coisas.
E5. Tem algumas coisas que a gente vai além. Eu entendo que o objetivo é
sempre a diminuição das vulnerabilidades e a inclusão social. (...)
O CRAS tem cumprido com os objetivos definidos, mas tem também realizado
ações que nem sempre estão prescritas na legislação por uma imposição do contexto
territorial em que está inserido, ou até mesmo pela falta de compreensão por parte das
demais políticas sociais e dos gestores de outras instâncias hierárquicas de seus
objetivos. A novidade que o CRAS representa no conjunto da política pública, faz com
que os seus objetivos e as ações correspondentes sejam constantemente testados e
desafiados a ampliar o seu alcance. Percebe-se isto na abordagem de um entrevistado:
E6. Eu acho que pelo fato da política nacional ser tão nova, a prescrição está
sendo feita aos poucos (...).
Há um grande número de ações previstas nos documentos oficiais que são
realizadas, mas há também uma quantidade de procedimentos que não foram sequer
previstos e que começam a ser revelados com a implementação do serviço. Essa
situação faz com que uma série de procedimentos que já são realizados, mas que ainda
não foram prescritos mereça que sejam normatizados. Há entre os entrevistados um
consenso em afirmar que os objetivos e as diretrizes do CRAS estão coerentes com a
legislação federal que normaliza o serviço, mas que as atividades realizadas pelos
trabalhadores são intensas e extrapolam em muito os objetivos do serviço.
E3. Acho que a gente faz coisa demais e que nem sempre a gente consegue
atender tudo que está colocado nesses documentos, (...) a demanda do CRAS é
grande demais da conta.
A realidade do território é apontada como uma variável com capacidade de
alterar procedimentos e apresentar demandas até então não previstas. As múltiplas
manifestações da questão social são reveladas nos territórios onde as situações de
vulnerabilidade social desafiam o poder público e se tornam matéria-prima da
intervenção social.
E6 (...) na área urbana você vê algumas diferenças de território, aí ela (as
normas) não dá conta delas.
E3. Acho que a dinâmica do CRAS é muito mais ampla (do que as
prescrições).
Apesar da constatação quanto à insuficiência das prescrições no ordenamento do
CRAS, há um reconhecimento quanto à importância dessas prescrições nas situações de
trabalho. As normas são necessárias para o direcionamento da política de assistência
social e para posicionar a atuação do CRAS neste sistema, como na afirmação a seguir:
E7. Elas não são suficientes, mas elas nos dão um direcionamento.
É comum os trabalhadores identificarem a existência de situações que não foram
previstas nas diretrizes de funcionamento do CRAS, ou seja, a constatação da existência
de insuficiência e de vazios de normas. As normativas legais não são suficientes para
prever todo o trabalho no CRAS. Como afirma Schwartz (2011, p. 138) “(...) nenhuma
norma antecedente, nenhuma prescrição poderá abstrair os vazios de normas. A
antecipação exaustiva é impossível”. Os trabalhadores do CRAS reconhecem que todo
este conjunto de normas antecedentes que definem a atuação do CRAS não é capaz de
tudo prever. Ocorrem situações que escapam às prescrições, mas que precisam ser
geridas. É preciso agir nestas situações, criar e recriar soluções coletivas, ou seja, é
preciso renormalizar, e posteriormente renormatizar reconstruindo rotinas, protocolos e
procedimentos junto com o coletivo de trabalho. Diante das insuficiências das normas o
trabalhador promove individualmente e junto com o coletivo uma renormalização capaz
de gerir a atividade, o que se constitui em processos de aprendizagem e produção de
saberes. A dinâmica e a variabilidade da atividade de trabalho no CRAS fazem com que
os trabalhadores recorram a seus pares na equipe em busca de soluções coletivas. A
experiência, a intuição e a criatividade são recursos mobilizados diante de situações
imprevistas.
E5. (...) a gente vai pela intuição, pela experiência, pelo que você escuta das
necessidades do território, acho que assim a gente consegue. (...) na verdade a
gente cria muito na nossa prática. A partir da normativa usa a criatividade da
equipe e o que está vendo de demanda no território. Quando existe alguma
novidade, se pergunta: “será que a gente pode?”, aí recorremos ao técnico de
acompanhamento da GPSOB, no que diz respeito às atividades do CRAS
mesmo.
E7. Olha, quando não tem a questão da legislação a gente recorre a outro
CRAS, a outras pessoas que já têm experiência nesse trabalho. Aí seriam
outros profissionais da área que acompanham, que trabalham no CRAS, da
equipe mesmo. Ou mesmo buscando assessoria na Secretaria, da equipe de
acompanhamento.
Diante do vazio de normas o coletivo de trabalho produz renormalizações na sua
atividade e renormatiza ao instituir regras de funcionamento interno. É comum cada
coletivo de trabalhadores dos CRAS renormatizar procedimentos até então não
prescritos e regular os processos de gestão para melhor se adaptar às situações.
E6. A gente começa a institucionalizar isso, mesmo não estando prescrito, eu
penso assim. O que vai ser prescrito é aquilo que não está prescrito (ainda e)
que precisa ser. Então, eu como gestora desse equipamento, eu faço legitimar,
institucionalizar algumas práticas que a gente tem aqui, principalmente da
questão de intersetorialidade, está não prescrita em todos os ângulos, digamos
assim. E então algumas coisas passam a ser uma rotina, eu acho importante,
pois é isso que vai ajudar na prescrição de novos procedimentos.
É preciso ter clareza quanto aos objetivos e à finalidade dos serviços que
compõem, em conjunto, determinadas funções na estruturação da política pública. A
definição dos objetivos do CRAS, como a de qualquer outro serviço da estrutura
pública, deve ser bem explicitada e bem compreendida, tanto para as instituições com as
quais se relaciona, como para a população atendida. O CRAS está inserido no modelo
organizacional do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, em que cumpre uma
função com competências delimitadas e que responde por determinadas ações a ele
atribuídas.
Na realização do trabalho identifica-se um distanciamento entre o trabalho
prescrito e o trabalho real, ou o trabalho de fato realizado, que a ergologia denomina
atividade. Por mais que se tente antecipar o agir por meio das prescrições, haverá
sempre lacunas e o trabalho realizado apresentará situações não prescritas que precisam
ser realizadas. Ao investigar a atividade de trabalho no CRAS, constata-se a existência
desse conflito próprio das situações de trabalho. O lugar que o CRAS ocupa na política
pública, especificamente na política de assistência social, e a sua localização em
territórios de vulnerabilidade social faz com que a realidade social seja mais desafiadora
ao apresentar demandas de toda ordem e que não se enquadram nas funções setorizadas
dos serviços e agências públicas. Os trabalhadores do CRAS deparam-se com situações
inusitadas, com tramas sociais particulares em um contexto permeado por problemas
sociais, que precisam ser tratados no âmbito profissional e institucional, mas que por
outro lado não encontram prescrições e protocolos previstos nos saberes acadêmicos e
nas normas legais. O desafio para os trabalhadores é intenso. Ao lidar com o
“informalizável”, eles recorrem aos diversos saberes e à sua singularidade como sujeito
para gerir a sua própria atividade. A realização da atividade de trabalho no CRAS não se
traduz pela simples aplicação de protocolos e normas antecedentes. Schwartz (2010, p.
43) afirma que “toda atividade é sempre de um lado a aplicação de um protocolo e, de
outro, um encontro de encontros a gerir, podemos dizer que toda atividade é um debate
(...)”.
As normas antecedentes traduzidas nos protocolos legais são instrumentos
imprescindíveis na consolidação da política de assistência social. Em um país com uma
diversidade regional e com municípios dispersos em realidades singulares como o
Brasil, torna-se impossível traçar diretrizes gerais que contemplem todo esse universo
de particularidades. O preceito constitucional outorga aos municípios brasileiros relativa
autonomia na instituição de políticas públicas, o que garante uma adequação das
diretrizes nacionais à realidade e às particularidades locais. Nesse sentido, outras
atribuições além das previstas nos protocolos federais podem ser incorporadas na
formatação local dos serviços. No entanto, é imprescindível uma constante vigilância
para que não haja o desvirtuamento e a descaracterização dos serviços e o consequente
descumprimento da finalidade e dos objetivos até então formulados.
No município de Belo Horizonte, parece haver um relativo reconhecimento e
valorização do lugar ocupado pelos CRAS na efetivação das políticas públicas locais.
Ocorre também uma supervalorização e uma expectativa que ultrapassam aos objetivos
do serviço. Esse contexto acarreta um excesso de atribuições para os CRAS nos
territórios sem que haja um dimensionamento adequado das condições para a realização
do trabalho, o que vem sobrecarregar cada vez mais as equipes, como ficou constatado
nas entrevistas. A intensidade de trabalho nos CRAS é um fator gerador de uma
precarização das condições de trabalho já identificada na literatura (NERY, 2009;
RAICHELIS, 2010).
A promoção de debates democráticos com a participação efetiva dos
trabalhadores da assistência social, bem como o reconhecimento dos profissionais como
produtores de saberes, sem dúvida levará a uma compreensão maior a respeito dos
objetivos principais e das funções primordiais do serviço. Consequentemente, o CRAS
poderá cumprir seu objetivo de contribuir com a inclusão social e com a garantia dos
direitos sociais.
6.2 – O saber constituído e o saber investido em desafio na atividade
O conhecimento científico fundamenta a intervenção profissional nos
espaços sócio-ocupacionais dos trabalhadores da assistência social. O saber constituído,
definido pela ergologia como o saber adquirido ou não na formação acadêmica,
fundamentado em bases teóricas e científicas, é desafiado pela atividade de trabalho dos
trabalhadores no CRAS. A atuação profissional é referenciada no saber constituído, na
busca constante de adequação às abordagens teórico-metodológicas e técnicooperativas. O conhecimento já formalizado é uma ferramenta imprescindível para a
realização da atividade de trabalho neste campo. O domínio dos conceitos é condição
fundamental para a práxis ao transpor o senso comum para um posicionamento crítico28
diante da realidade social. Para Simionatto (2011, p. 81) “o senso comum é explorado e
utilizado pelas classes dominantes para cristalizar a passividade popular, bloquear a
autonomia histórica que poderia resultar, para as massas, no seu acesso a uma filosofia
superior”. O senso comum promove a incorporação de uma ideologia dominante que
impõe uma concepção de mundo como uma suposta verdade e impede que sejam
desveladas outras possibilidades de reflexões sobre as diversas formas do viver. Um
coletivo de trabalhadores da assistência social qualificado passa necessariamente pela
capacidade de realização de uma análise crítica, além do senso comum sem grandes
aprofundamentos, e de uma elaboração do lugar que ocupa diante da realidade social.
28
Simionatto sustenta-se na concepção gramsciana ao afirmar que a capacidade crítica está relacionada à
cultura, entendendo-a não como uma aquisição de conhecimentos, mas à cultura relacionada a “um
posicionamento frente à história. A cultura está relacionada, pois, com a transformação da realidade, uma
vez que através da ‘conquista de uma consciência superior (...) cada qual consegue compreender seu valor
histórico, sua própria função na vida, seus próprios direitos e deveres’” (GRAMSCI apud SIMIONATTO,
2001, p. 8).
A realização da atividade de trabalho no CRAS desafia os trabalhadores e a
formação acadêmica nas diversas áreas do conhecimento. Interrogados em relação à
formação acadêmica, todos os trabalhadores do CRAS consideraram-na insuficiente
para o exercício da atividade de trabalho. De forma geral, há uma concepção de que a
formação acadêmica é muito teórica e distante da realidade social, isto é, ocorre um
distanciamento entre a teoria e a prática.
E7. A formação acadêmica é muito teórica, foge um pouco da realidade.
E5. Eu tive duas ou três cadeiras de psicologia social, muito mal dadas e foi há
muito tempo atrás. Eu formei em 1991! Era uma matéria que não te atraia, eu
não tinha a menor idéia que eu iria trabalhar nessa área, e me encantei por ela.
(...) com certeza ele (o trabalhador do CRAS) vai aprender mesmo é na prática.
Os profissionais com graduação em Serviço Social que concluíram o curso antes
de 2004 afirmaram que não estudaram os fundamentos da política de assistência social,
pois a legislação é muito recente. Somente foram conhecer esse conteúdo no exercício
profissional ao trabalhar com a política pública.
E1. Formei em 2001 e não havia uma elaboração da política de assistência
social como hoje. Em 2001 as coisas estavam começando ainda. Na verdade,
não existia essa ênfase, não existia isso ainda, a gente trabalhava só com a
LOAS. (...) E quando cai no mercado (de trabalho) aí são outras coisas que
estão, desenvolveu muito rápido, a política de assistência social é nova (...).
E7. Formei em 94. Naquela época era muita teoria. Formei em 94, em 93
surgiu a LOAS, ninguém sabia dizer da LOAS, era uma coisa nova, é muito
nova a política. Eu lembro quando o CRES foi lá falar da LOAS, mas ninguém
sabia dizer mais. E aí é uma Lei Orgânica, a política ainda não existia.
E3. Pra te falar a verdade não! Assim, eu acho que fica uma lacuna sabe, entre
o que a gente aprendeu. (...) a questão da assistência acho que mudou muito
(...).
Há, no entanto, um reconhecimento quanto à importância da graduação em
cursos da área social como contribuição na formação e na preparação para lidar com as
situações com as quais se deparam na atividade de trabalho no CRAS. Ainda que a
graduação em Psicologia venha incorporando, recentemente, as políticas sociais
públicas em sua matriz curricular, essa não era a realidade de alguns anos atrás, em
especial no que se refere aos fundamentos da política pública de assistência social. Esse
fato acarreta certa dificuldade desses profissionais em responder às exigências da sua
prática profissional nesse espaço sócio-ocupacional. Mesmo assim, a formação
acadêmica pode até não fundamentar tecnicamente os profissionais em ações
específicas, mas oferece uma preparação de base teórica e cientifica para maior
compreensão diante do ato de gerir as situações com as quais se deparam na atividade
de trabalho, como na afirmação abaixo:
E2. (...) mas, contribui mesmo pra eu conseguir conduzir essa conversa com a
família, tentar ter sensibilidade em entender. Às vezes, a dona fulana queria vir
aqui só porque ela queria chorar, né, isso não me incomoda, isso não me
frustra, isso não me fala que eu tinha que encaminhar (realizar
encaminhamentos) Isso me mostra que ela está em um outro momento, é
diferente. Às vezes a pessoa precisa só de um espaço para se fortalecer, né.
A pesquisa identificou também trabalhadores graduados em cursos da área de
Educação que atuam no CRAS. Houve um posicionamento que considera a formação
em Serviço Social mais inserida na política de assistência social e mais adequada à
prática profissional no CRAS do que as demais formações acadêmicas. No entanto, os
processos socioeducativos no CRAS são relacionados à práxis no campo da Educação,
tanto no que diz respeito à relação com os usuários como à relação no interior do
coletivo de trabalho. O debate conceitual entre os vários trabalhadores do CRAS surge
como uma prática interdisciplinar em dialética com a confrontação de saberes, o que
lhes permite uma reflexão construtiva e uma elaboração coletiva de novos saberes.
E6. Há um saber que é construído na universidade, no curso de serviço social,
que eu acho um saber muito importante que agrega valores na condução do
trabalho. É um saber técnico que é importante um gestor ter, eu acredito nisso.
Mas, eu corro muito atrás de fazer um estudo meu, entende? Eu tenho uma
literatura ampla relacionada ao serviço social, que ajuda até a brigar com o
serviço social, discutir concepções. Acho que, de modo geral, para ser um
coordenador de CRAS, é necessária essa formação, porque as atividades que a
gente desenvolve aqui são muito socioeducativas. É isso que agente faz na
escola, pelo menos eu como professora fazia, e como gerente, quando a gente
planejava a política. E a política de educação está centrada nisso também.
É comum os trabalhadores recorrerem a estudos em outras áreas de
conhecimento para o trabalho no CRAS. A formação acadêmica é considerada
insuficiente para que os profissionais possam responder às exigências do trabalho. São
estudos relativos à política de assistência social, por se tratar de uma formulação recente
no campo da política pública. Essa procura se dá com vistas à melhor capacitação para
responder às demandas impostas pela atividade de trabalho em torno de temas de pouco
domínio teórico. Há, sim, uma procura por estudos em outros campos do conhecimento
científico que possam complementar a formação acadêmica.
E5. (...) eu tenho estudado muito, neste sentido, para exercer essa atividade
(...).
E6. Na literatura da assistência social, no serviço social, na psicologia.
E7. Mais à área do serviço social. Às vezes da psicologia e sociologia também.
De acordo com os entrevistados, trata-se de iniciativas individuais e solitárias.
Foi identificado que cerca de 70% dos entrevistados já fizeram cursos de pós-graduação
ou de especialização nessa área, o que vem constatar o reconhecimento dos
trabalhadores do CRAS quanto à importância do saber acadêmico como suporte para o
exercício da atividade de trabalho. A dinâmica de trabalho no CRAS é intensa, o que
pouco permite incluir no espaço de trabalho momentos de estudos teóricos junto com a
equipe técnica.
E3. Para minha especialização do cuidador de idoso sim, eu gostei muito.
Dentro do que me é permitido, eu tentei me especializar, tanto no projeto
cuidador, quanto no grupo de convivência de idosos. (...) nesse momento, não
estou recorrendo a nada, eu não tenho tempo, eu gosto de estudar, mas o que
me falta hoje é tempo para ler.
O trabalho como atividade humana é muito mais complexo para ser analisado e
decifrado a partir apenas de uma única disciplina acadêmica. Como afirma Trinquet
(2010, p. 94) “todas são necessárias, embora nenhuma seja suficiente. Trata-se,
portanto, de colocá-las em dialética – e não somente sobrepô-las umas sobre as outras –
o conjunto de saberes elaborados pelas outras disciplinas”. A formação acadêmica
disciplinar apresenta-se incompleta para qualificar os trabalhadores em todas as
habilidades exigidas pelas situações de trabalho no CRAS.
A política de assistência social tem nas diversas manifestações da questão social
o seu objeto de intervenção. Esse fenômeno social se caracteriza pela sua
multidimensionalidade. Daí decorre que, para a atuação profissional neste campo, é
exigida a formulação de um saber pluridisciplinar para melhor compreensão e
ampliação das possibilidades de intervenção na realidade social.
No que diz respeito à relação do conhecimento acadêmico já formalizado com a
atividade de trabalho, é preciso resgatar a fundamentação teórica como base do
pensamento crítico e não somente como suporte para a operacionalização de
procedimentos técnico-operativos. A atividade de trabalho no campo da política de
assistência social requer uma prática profissional reflexiva e sustentada em teorias e
conceitos que possibilitem ao trabalhador um empoderamento de suas competências que
lhe permita “acionar estratégias e técnicas; a capacidade de leitura da realidade
conjuntural, a habilidade no trato das relações humanas, a convivência numa relação
interprofissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 94).
Além do conhecimento científico, outros saberes são requisitados, pois esses
trabalhadores se deparam com situações inusitadas em que prescrições técnicas ou
científicas não são suficientes para apontar caminhos com vistas a uma resolutividade
satisfatória. A cada situação encontrada no atendimento às famílias, os trabalhadores do
CRAS têm que usar a criatividade e a inventividade ao construir e reconstruir
procedimentos e estratégias para responder às demandas e à dinâmica da realidade
social. Trabalhadores recorrem a “forças de convocação” dos saberes disciplinares e a
“forças de reconvocação” com o ato de testar e avaliar esses saberes acadêmicos
“colocando-os em confronto com os universos de saberes e de experiências”
(SCHWARTZ, 2000, p. 43). Os saberes adquiridos na experiência prática, os saberes
investidos na atividade são constantemente acionados. Esse saber investido está situado
em tempo real e a sua elaboração está em aderência com a situação de trabalho
(TRINQUET, 2010; SCHWARTZ, 2010). A experiência produz um conhecimento
sobre algo, mas a experiência associada à elaboração de conceitos permite a produção
de saber. O saber investido é sempre individual e singular. Repensar a experiência
permite inseri-la ao processo individual vivenciado no trabalho, somado ao acúmulo da
experiência ao longo da vida, portanto, a experiência é sempre singular. A realização da
atividade de trabalho no CRAS desafia os trabalhadores ao aprofundamento dos saberes
disciplinares, a colocá-los em dialética em uma construção pluridisciplinar, de forma a
associá-los aos saberes investidos adquiridos na experiência de trabalho. Os saberes
acadêmicos, segundo Schwartz (2010, p. 44), “são desinvestidos, ou seja, que podem
ser definidos e relacionados com outros conceitos independentemente das situações
particulares”, sendo comum a percepção do distanciamento entre a formação acadêmica
de base teórica com a prática encontrada na atividade de trabalho. Na formação de uma
equipe de trabalho de CRAS, a junção dos diversos sujeitos ao fazer interagir os saberes
em dialética produz um “saber do coletivo de trabalho”, ou seja, cada equipe produz um
saber coletivo próprio. É uma situação rotineira quando trabalhadores do CRAS
recorrem aos colegas para uma troca de saberes para o atendimento aos usuários.
Percebe-se o encontro de saberes no coletivo de trabalho na troca de experiências para a
realização da atividade de trabalho, como nos depoimentos abaixo:
E3. (...) aos colegas mesmo, eu acho que vem com outras experiências né, a
gente recorre muito à equipe mesmo. Ás vezes, até no atendimento surge uma
dúvida aqui, a gente vai lá dentro e pergunta, a gente pesquisa. Às vezes, você
está aqui e não sabe a informação que o usuário te pediu, a gente pesquisa na
internet alguma coisa assim, (...) a gente recorre muito à equipe técnica assim,
eu acho isso muito bacana e a gente recorre uns aos outros (...).
E7. Eu tenho contato com professores, outros profissionais também da área, eu
recorro a eles, uma supervisão. Peço ajuda aqui mesmo, na equipe, na gerência
na secretaria.
E6. (...) e muito de intuições também, e experiência de vida.
O trabalho exercido como uma prática coletiva é uma condição essencial nos
espaços socioassistenciais da política de assistência social, e, como afirma Silveira
(2011):
As práxis se complementam (...). Sobressai a produção coletiva de saberes
críticos e competentes, que materializem o compromisso político com os
usuários. Os saberes requisitados possuem complexidades próprias orientadas
pelos projetos profissionais coletivos, e se inscrevem no projeto social do
direito à assistência social, o que requer a compreensão da trajetória desta
política e de sua natureza, a produção de respostas técnicas e éticas vinculadas
às demandas e processos essenciais que possibilitam a mediação entre o direito
e as necessidades dos usuários (...) (SILVEIRA, 2011, p. 28).
O saber constituído em bases científicas é imprescindível para a realização da
atividade de trabalho no CRAS, pois o domínio dos saberes disciplinares e dos
conceitos é condição para o debate e a confrontação com a experiência. Os conceitos se
atualizam na experiência e a atividade se renova nas reflexões instigadas pelos
conceitos. O domínio dos conceitos é fundamental para que seja colocada em debate a
atividade de trabalho na intenção de melhor conhecê-la, “mesmo que se perceba depois
que esses conceitos precisam ser reformulados, retrabalhados, passando pela atividade.
(...) os conceitos não antecipam tudo, é sempre necessário esse olhar sobre a atividade”
(SCHWARTZ, 2010, p. 137). Para a execução das ações no CRAS, os trabalhadores
precisam dos saberes disciplinares que lhes ofereçam um olhar crítico e reflexivo que
possibilite a formulação de conceitos, pois “o conceito é um instrumento a serviço do
conhecimento” (DURRIVE, 2011, p. 57). Como afirma ainda Schwartz (2010, p. 137)
“precisa-se de conceitos para melhor compreender sua própria experiência de trabalho,
caso contrário ela não se liberta de certas limitações”.
6.3 – Atividades de Trabalho Realizadas
6.3.1 – Composição das equipes – condições de trabalho para a realização da
atividade
A legislação federal estabelece em forma de prescrições legais a organização do
CRAS, assim como a composição e as funções do coletivo de trabalho. A equipe do
CRAS, definida como “equipe de referência29”, de acordo com a NOB-RH/SUAS de
2006, é composta de um recepcionista, um auxiliar administrativo, um coordenador e
uma equipe técnica formada por assistentes sociais e psicólogos. O número desses
profissionais tem variado conforme o número de habitantes do município e a capacidade
29
Equipes de referências são aquelas constituídas por servidores efetivos responsáveis pela organização e
oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, levando-se em
consideração o número de famílias e indivíduos referenciados, o tipo de atendimento e as aquisições que
devem ser garantidas aos usuários (BRASIL, 2006, p.19).
do órgão gestor municipal em dimensionar a relação entre demandas de trabalho com
recursos humanos.
Há uma diferenciação das atividades de trabalho entre as funções
administrativas, técnicas e de coordenação. No quadro administrativo dos CRAS, no
município de Belo Horizonte, os trabalhadores ocupam funções de recepção e da
organização administrativa. A coordenação cumpre uma função diferenciada, ocupandose com mais intensidade das relações organizacionais e políticas, o que inclui a
organização da rotina de trabalho, da qualificação do atendimento técnico e das relações
interinstitucionais. À equipe técnica cabe a realização do trabalho com as famílias, o
que inclui o atendimento, o acompanhamento, as ações coletivas e os desdobramentos
necessários para a sua execução.
6.3.2 – Funções e atribuições: ações interdisciplinares no trabalho coletivo
É possível perceber uma distribuição de funções e atribuições no interior das
equipes, entre os trabalhadores, de forma a responder às demandas que chegam até ao
serviço. Para cada ação ou frente de trabalho é definido um técnico como referência,
responsável pela sua condução. Cada trabalhador se responsabiliza por determinadas
ações, mas todos precisam ter informações de todas as ações realizadas no CRAS para
que possam informar ou ofertá-las aos usuários durante o atendimento.
E6. A organização da equipe é feita por frente de trabalho e nessa frente tem
um técnico de referência. Isso não significa que só ele tem que fazer. A equipe
tem que saber de tudo aquilo que está acontecendo também.
E3. (...) na verdade, a gente atende todos os usuários, a gente tem
conhecimento do que está acontecendo (...), por exemplo, o pro jovem é um
grupo que eu não desenvolvo, assim eu fico até atenta, né. Quando vou atender
usuário, vi que o usuário tem até perfil para inclusão no pro jovem, vou
orientá-lo, preencher a ficha de cadastro, mas a realização dessa atividade não
fica comigo (...) eu tenho conhecimento de como ela acontece, mas eu não
participo dela (...).
E5. A informação tem que circular, inclusive de técnico para técnico, porque
tem o técnico do pro jovem, por exemplo, que é a referência do pro jovem. Os
outros técnicos têm que entender o que ele faz e como que vai atender aquela
família que tem um menino que foi encaminhado para o pro jovem. Por isso
que a informação tem que circular.
Para que essa organização do trabalho aconteça, é preciso que cada trabalhador
saia da condição individual de realização da atividade de trabalho para uma prática
coletiva, interativa, e assim, consequentemente, desdobrar numa produção coletiva de
ações e de saberes. Um modelo de gestão que poderia favorecer uma organização
taylorista do trabalho com a divisão fragmentada de tarefas, é sem dúvida, uma
armadilha enfrentada pelas equipes. A busca constante de uma prática que venha
privilegiar a produção coletiva de saberes se estabelece como estratégia de superação
dessa forma de organização.
A equipe técnica é formada por assistentes sociais e psicólogos, sendo que
ambos realizam os mesmos procedimentos técnicos e metodológicos. Com formação
acadêmica estes profissionais adquirem habilidades específicas, mas também
habilidades em comum e as intervenções no espaço sócio-ocupacional do CRAS
desafiam as interseções entre as disciplinas e a construção de novos saberes (BEATO et.
al., 2011). Não há divisão de funções e atribuições específicas para cada área de
formação acadêmica, todos realizam as mesmas ações e possuem responsabilidades
técnicas idênticas.
E7. Lá não tem essa diferenciação entre assistente social e psicólogo. Todos
são técnicos e todos fazem todas as atividades.
E3. (...) o trabalho básico é o mesmo pra todo mundo, assim o que vai ter que
fazer, o numero de encontros, isso eu acho que é bem comum, mas com suas
especificidades em função dos territórios.
A configuração da equipe técnica como um coletivo de trabalho consolida-se na
categoria de “trabalhadores do SUAS” que compartilham princípios, objetivos,
responsabilidades, resultados e os compromissos com os propósitos da política pública
de assistência social. Para Muniz (2011):
É importante ressaltar que as particularidades de cada profissão não se
diferenciam pelo uso de determinados instrumentais. No trabalho social,
muitos instrumentos são comuns, como a entrevista, a reunião, a visita
domiciliar, o relatório, o prontuário, entre outros, e muitas vezes são utilizados
em conjunto. O que caracteriza cada uma, com efeito, é o conjunto de saberes
específicos que somados e multiplicados aos saberes dos outros profissionais
enriquecem a leitura da realidade, do contexto, do território, e o planejamento
das intervenções (MUNIZ, 2011, p. 96).
É significativo identificar que apesar de utilizar os mesmos instrumentais,
procedimentos e rotinas, cada trabalhador desenvolve sua atividade de trabalho de
forma singular, diferenciada e própria, independentemente da formação acadêmica.
Assim, cada trabalhador desenvolve habilidades diferenciadas, emprega a sua própria
marca e revela a sua singularidade na realização da atividade de trabalho.
E1. (...) cada um tem uma abordagem. Cada um tem uma abordagem de grupo,
cada um tem uma abordagem de atendimento. (...) eu dou encaminhamento é
no mesmo formulário, encaminhar para cesta básica é o mesmo formulário, se
der vale transporte tem que assinar de uma forma. Agora o atendimento é
singular (...).
As ações realizadas apresentam uma variabilidade na rotina entre os dias
trabalhados. Os dias de trabalho no CRAS são diferentes, não há um dia igual ao outro,
já que o ritmo de trabalho é muito dinâmico.
E5. Existe diferença em cada dia de trabalho, depende da demanda, do dia do
mês, depende até do mês (...)
Para os trabalhadores que compõem a equipe técnica, a rotina de atendimento às
famílias traz as particularidades das demandas de cada grupo familiar, que se
diferenciam conforme o grau de vulnerabilidades e de capacidade de autonomia na
superação das questões apresentadas. Esses atendimentos encerram-se apenas por meio
de uma escuta técnica, ou se desdobram em diversos encaminhamentos, e até mesmo
em contatos institucionais que possam absorver as demandas apresentadas para os
profissionais do CRAS.
A realidade dos territórios impõe uma imprevisibilidade e interfere de forma
significativa na rotina e na dinâmica do trabalho. Intervir na realidade concreta das
relações sociais revela uma diversidade de demandas que as manifestações da questão
social impõem na vida dos cidadãos. As necessidades e carências surgem carregadas de
particularidades que cada cidadão e seu núcleo familiar reportam para a política de
assistência social.
As condições institucionais disponibilizadas para a oferta das atividades
coletivas grupais e comunitárias realizadas com os usuários contribuem para a
intensificação do trabalho no CRAS. Os trabalhadores responsáveis pela sua condução
ocupam-se de todo o planejamento, desde a organização da infraestrutura até a
formulação do conteúdo, a condução do processo e a dinâmica grupal empregada.
Particularmente, ela revela uma precarização das condições de trabalho, já que há
escassez de recursos humanos, materiais e didáticos. Nos dias em que acontecem as
atividades coletivas, o público usuário envolvido utiliza-se do deslocamento até o
CRAS para resolver questões, buscar informações, receber orientações, ou até mesmo
passar pelo atendimento individual. Nestes dias todo o conjunto de trabalhadores se
mobiliza devido ao aumento do movimento e do fluxo de usuários. A afirmativa se
confirma no depoimento abaixo:
E6. Muda o dia que tem atividade coletiva aqui, as demandas da recepção
aumentam. Terça-feira aqui é um inferno astral, porque é o dia da terceira
idade. Nesse dia, no final, a gente fica sem uma gota de energia. Nesse dia eu
não me programo, é um dia que eu não posso sentar pra fazer nada que exija
minha atenção. É um dia que eu fico por conta do grupo e de atender as
pessoas.
Os trabalhadores que ocupam a função de coordenação apontam um leque
infindável de ações que podem caracterizar sua atividade de trabalho. Boa parte do
tempo é dedicada às ações de organização dos processos de trabalho internos, à
orientação e suporte aos trabalhadores no atendimento técnico e a uma constante
preocupação com a qualidade das relações na equipe. Outras questões apontadas quanto
à variabilidade e a imprevisibilidade do trabalho dizem respeito às demandas das
instâncias organizacionais do poder público, com relação à sustentabilidade estrutural e
política para o efetivo exercício da função pública definida para um equipamento como
o CRAS, como nos depoimentos abaixo:
E6. A demanda da estrutura organizacional da prefeitura, da Secretaria da
Assistência Social e também do que é trazido da comunidade. (provoca a
variabilidade e a imprevisibilidade). Às vezes, tem dia em que eu não tenho
que pensar em nada dos atendimentos, e têm vezes que eu tenho que mudar o
meu dia. Às vezes, eu passo o dia inteiro no telefone para arrumar uma vaga
para uma pessoa no Benvinda (serviço de acolhimento a mulheres vítimas de
violência).
E5. Acho que a própria dinâmica do trabalho, a natureza do trabalho (provoca a
variabilidade e a imprevisibilidade) (...). É um leque muito grande de ações que
envolvem o CRAS, que você não tem como sentar e executar. Você tem que
verificar, tem que monitorar. (...) É tão variado. (...) Tanto na GPSOB, quanto
na regional, eles passam na verdade as diretrizes. Então tem muita articulação
por telefone, tem que ligar para o centro de saúde, tem que ligar para a escola,
ligar para a regional e conversar com os técnicos.
Para o devido cumprimento dos objetivos do CRAS, ou seja, do fortalecimento
de vínculos familiares e comunitários, por meio do atendimento e acompanhamento às
famílias, as ações se desdobram em inúmeras outras, em procedimentos técnicos e
metodológicos previstos ou não nas normas antecedentes. A intervenção de cada
trabalhador é personalizada. Ele realiza consigo um silencioso debate de normas,
consciente ou inconscientemente. O permanente conflito que acompanha o ato de gerir
o seu próprio trabalho faz com que o trabalhador promova uma reinterpretação das
normas, mobilize os saberes constituídos na formação acadêmica e os saberes
investidos, resultados da sua experiência de vida e de trabalho. Situações como estas
fazem com que os trabalhadores reinventem sua práxis, criem procedimentos e
estratégias individuais na gestão do seu trabalho. Como consequência, ele promove uma
renormalização individual, o que lhe permite gerir a atividade de trabalho e empregar,
no ato, a sua própria identidade. A norma surge como uma tentativa de antecipação do
agir humano. O trabalhador resiste à norma e com o ato de renormalização, procura se
reposicionar no centro das decisões, em busca da sua autonomia profissional. Norma e
renormalização se alternam, simultaneamente, em dialética, pois sempre há reservas de
alternativas: em toda situação de trabalho há sempre possibilidade de fazer de outras
formas, não existe uma única maneira de realizar uma atividade (TRINQUET, 2010).
As reservas de alternativas significam inúmeras possibilidades de governar o agir
humano.
6.4 – A linguagem: a ferramenta de trabalho e a atividade sobre a atividade
A atividade de trabalho no CRAS revela como característica fundante a
capacidade relacional e de comunicabilidade entre os trabalhadores e destes com a
população atendida.
A linguagem constitui-se como um dos aspectos que qualificam o processo de
socialização do homem e se manifesta em todas as atividades humanas, o que a
configura como instrumento essencial para a realização da atividade de trabalho.
Trabalho e linguagem formam uma conjunção indissociável, ou seja, “a linguagem é
uma atividade e que não existe atividade sem linguagem” (FAÏTA, 2010, p. 181). A
linguagem no processo de trabalho do CRAS se apresenta tanto como uma ferramenta
ou “instrumento básico” (IAMAMOTO, 1998), quanto como um tipo de atividade
inserida na atividade de trabalho. Assim como o trabalho se caracteriza como atividade
humana, Daniel Faïta (2010, p. 182) afirma que “a linguagem pode-se tornar um
instrumento de retorno à atividade: uma atividade sobre a atividade. Exercício exigente,
mas frutífero para o desenvolvimento pessoal e profissional”. Todo agir, seja ele no
aspecto subjetivo da formulação do conceito, ou em uma ação prática e objetiva, é
permeado pela capacidade de formalizar, por meio da linguagem, a experiência vivida
no passado e a projeção da realização da ação para o futuro. A linguagem, portanto,
(...) nos permite agir sobre o outro e sobre nós mesmos. (...) O sujeito, ao agir,
graças ao suporte da linguagem, torna-se sujeito da sua própria ação, de sua
própria experiência. (...) É uma atividade na qual o desenvolvimento mental,
intelectual e cultural de uma pessoa se sustenta. É por meio da linguagem que
cada um de nós vai, por exemplo, mobilizar ou remobilizar, segundo as
circunstancias, os saberes que detém, quer se trate de saberes teóricos ou
empíricos (FAÏTA, 2010, p. 180-181).
Na relação entre os trabalhadores do CRAS permeada pela linguagem, a palavra
e a interação comunicativa se efetivam como uma ferramenta básica, mas também como
uma atividade primordial que ocupa um espaço vital ao ser incorporada na rotina de
trabalho da equipe, e torna-se, de fato, uma “atividade sobre a atividade”. Essa relação
se evidencia no depoimento de um coordenador entrevistado ao identificar a
importância da prática de conversação na equipe:
E5. Eu acho que o principal trabalho no CRAS é a conversa com os técnicos, a
reunião, passar as informações para os técnicos (...). (grifos nossos)
A relação de trabalho no campo social potencializa-se por meio da linguagem,
ferramenta esta capaz de promover transformações tanto de caráter individual como
coletivo. Como observa Faïta (2010, p. 164) “dizer é intervir nas relações reais entre as
pessoas”. A conversação, o diálogo explicitado por meio da palavra registra a
intencionalidade, o direcionamento político e ideológico que se pretende. As relações
sociais entrelaçam sujeitos que interagem tendo como veículo a utilização da palavra
que, por sua vez, expressa a singularidade desses sujeitos e toda sua codificação
adquirida e influenciada pelas relações estabelecidas ao longo da sua história de vida.
Tanto é verdade que a palavra penetra literalmente em todas as relações entre
indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros
fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são
tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas
as relações sociais em todos os domínios. É, portanto claro que a palavra será
sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo
daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não
abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A
palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas
de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade
ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica
nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais
íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais (BAKHTIN, 2006, p. 32).
A linguagem permeia todo o processo de trabalho no CRAS. A prática de
conversação entre os trabalhadores alimenta a atividade, e nela as diversas dimensões da
linguagem desencadeiam processos de formação de uma equipe de trabalho. Essas
práticas se manifestam nas conversas rotineiras que surgem na necessidade dos
trabalhadores em lidar com a organização e a realização da atividade. Surge também nos
momentos de reflexão crítica e avaliação do conteúdo conceitual produzido pela práxis,
entrelaçada pelo conhecimento adquirido na formação acadêmica (IAMAMOTO, 1998)
voltada para a produção de conceitos. Na relação entre linguagem e trabalho, Schwartz
(2010) aponta para uma convergência em duas dimensões:
- a dimensão da linguagem cotidiana, no ardor do trabalho, no encadeamento
da atividade, que não se caracteriza como uma linguagem empobrecida.
- mas também a dimensão voltada para o conceito, a linguagem como meio no
qual se fabricam conceitos (...). Mas experimentar esses conceitos é um
elemento de melhor reflexão sobre sua própria atividade (SCHWARTZ, 2010,
p. 139).
A relação entre os trabalhadores se estabelece no dia a dia do desenvolvimento
da rotina de trabalho. As equipes planejam regularmente espaços de reuniões internas
com o objetivo de resolver as questões relativas à organização do trabalho, ao
tratamento das relações internas entre os trabalhadores e à avaliação e planejamento das
ações realizadas ou a serem realizadas. Há momentos em que não é possível aguardar as
reuniões regulares para repassar informações ou tomar decisões. Nessas situações, as
conversas tornam-se necessárias e de extrema importância. Os trabalhadores
estabelecem uma dinâmica relacional em que constantemente utilizam-se do diálogo,
sendo que a todo o momento reportam-se a seus pares para discutir questões relativas à
realização da atividade de trabalho.
E7. Nós temos uma agenda de reunião. Além dessa agenda, o dia a dia mesmo,
não dá para esperar. A reunião é semanal, mas no dia a dia mesmo a gente
recorre à ajuda. Olha, eu não estou dando conta, olha estou com uma dúvida
com relação a isso, o tempo todo a gente está tendo essa troca. Mesmo porque
o espaço propicia isso também. Se estiver ali junto, se falando, se
questionando, com certeza, é diária, podemos dizer que é diária. Mesmo
porque as coisas são muito dinâmicas, (...).
E5. É conversando, parando um pouco para conversar, chama um ou outro.
Muitas vezes agente está com algum problema e fala: “vamos conversar com
quem está aqui.” Aí a gente conversa com quem está aí mesmo.
Na relação linguagem e trabalho, observam-se a importância das denominadas
práticas linguageiras:
(...) são um elemento permanente, ao mesmo tempo subjetivo e coletivo, de
regulação, re-regulação da experiência do trabalho e se encontram, portanto,
numa relação de ajustamento criador frente a tudo que é ressingularização na
atividade de trabalho. E, ao mesmo tempo, a linguagem é muito importante
porque ela é lugar e elemento de fabricação de conceitos que enquadram (e
esse é toda a potência do conceito) as atividades de trabalho em todas as suas
dimensões: técnicas, científicas, organizacionais, gerenciais, hierárquicas, de
poder, de propriedades jurídicas e outras, ou políticas (SCHWARTZ, 2010, p.
139).
A identificação das diversas práticas linguageiras na atividade de trabalho do
CRAS pode ser cotejada com as sistematizações elaboradas por Nouroudine (2002) a
partir das formulações de Lacoste (1995). Segundo os autores, são identificadas como
práticas linguageiras: a linguagem no trabalho, a linguagem como trabalho e a
linguagem sobre o trabalho.
A linguagem no trabalho refere-se às relações entre sujeitos singulares
portadores de uma história de vida, de um saber diante dos desafios e da complexidade
das situações de trabalho, o que possibilita a realização de encontros. O trabalho
coletivo desloca os sujeitos da mera execução prescrita e individualista da atividade
para uma relação grupal, estimuladora de trocas e de cooperação, com o objetivo de
realizar um trabalho mais eficaz em um ambiente mais acolhedor. Esta prática
linguageira se caracteriza como uma comunicação não necessariamente útil à realização
da atividade de trabalho. Pode referir-se a uma prática de conversação, de trocas em um
“contexto sempre pessoal”, no sentido de conhecer e aproximar-se do outro, de aprender
a lidar com as características e diferenças individuais no âmbito das relações
interpessoais no coletivo de trabalho. A localização territorial em regiões de periferia da
cidade faz com que a permanência no local de trabalho se estenda por um período mais
prolongado. Devido à permanência de um tempo maior no local de trabalho, a
convivência se estabelece com a valorização da linguagem no trabalho. Essa prática
linguageira pode alcançar resultados com vistas à maior cooperação, a relações de
confiança no trabalho e à promoção de um ambiente de pertencimento e apropriação
coletiva. O depoimento abaixo exemplifica como essa prática linguageira se manifesta e
contribui para a superação das dificuldades no relacionamento interno na equipe.
E2. É difícil lidar com as pessoas. (...) na hora que você está indo embora, a
pessoa está ali, escova dente, almoça junto, porque a gente nem sai para
almoçar. Então almoçamos juntos, então tem o espaço, assim, que a gente está
lidando com o diferente o tempo todo, e lidar com a diferença é muito difícil
(...). A equipe é uma equipe muito boa, então eu acho que há profissionais que
conseguem equilibrar, dentro da equipe mesmo, conseguem equilibrar isso (...)
que a gente precisa para extravasar, falar bobagem, pra relaxar, porque precisa
disso (...). Nossa relação também tem esse espaço, tem esse momento, então
isso dá uma aliviada na gente, porque senão tudo muito rígido eu acho que
piora.
A linguagem como trabalho manifesta-se nas formas de comunicação em dois
níveis: na “fala para si”, que ocorre por meio de conversas que o trabalhador dirige e si
mesmo no sentido de “orientar e acompanhar” a sua própria atividade, e na “fala ao
outro”, pela escrita, gestos e conversas dirigidas a outros trabalhadores do coletivo.
Nouroudine (2002) apresenta ainda um terceiro nível sistematizado por Bakhtin, que diz
respeito às manifestações em forma de pensamentos e reflexões silenciosas que o
trabalhador recorre na tentativa de melhor se adaptar à realização da atividade e que
proporcione encontros significativos ao agir. A linguagem no cotidiano da atividade de
trabalho, por mais que pareça pobre e superficial (SCHWARTZ, 2010), apresenta uma
importância ao fazer com que saberes individuais sejam transmitidos e, como
consequência, sejam formuladores de novos saberes no coletivo de trabalho. Essa
prática linguageira é direcionada para acompanhar a execução da atividade, solucionar
situações imediatas, unificar procedimentos, transmitir informações, e assim possibilitar
maior compreensão, por parte dos trabalhadores, da situação de trabalho em que estão
envolvidos. No CRAS, a linguagem como trabalho faz parte da rotina dos trabalhadores
e se manifesta em todos os momentos, como na troca de informações, na resolução de
dúvidas, na troca de experiências e até mesmo na alteração de fluxos e procedimentos,
como no depoimento a seguir:
E3. (...) aos colegas mesmo, eu acho que vem com outras experiências. A gente
recorre muito à equipe mesmo. Às vezes, até no atendimento surge uma dúvida
aqui, a gente vai lá dentro e pergunta (...). (...) a gente recorre muito à equipe
técnica assim, eu acho isso muito bacana e a gente recorre uns aos outros (...).
A linguagem sobre o trabalho pode ser motivada por objetivos externos ao
trabalho, como na realização de pesquisas para melhor compreender o trabalho, ou
interesses ligados diretamente à atividade de trabalho, sendo que “a fala sobre o trabalho
é às vezes motivada de seu próprio interior, por exigência da equipe ou da empresa:
entre colegas, evoca-se o trabalho para comentá-lo ou avaliá-lo (...)” (LACOSTE apud
NOUROUDINE, 2002, p. 25).
A motivação da linguagem sobre o trabalho no CRAS manifesta-se de forma a
contribuir com a qualidade do trabalho e da oferta do serviço à população usuária. A
fala sobre o trabalho é exaustivamente utilizada pelas equipes, como nas situações de
avaliações e planejamento das ações, definições de atribuições e competências, revisões
de fluxos, rotinas e procedimentos, enfim, em diversas situações relacionadas à gestão e
à organização do equipamento. A linguagem sobre o trabalho evidencia-se também em
situações complexas como instrumento de análise e reflexão sobre a práxis, nos
questionamentos sobre a relação teórico-prática, nas implicações políticas e nos
possíveis resultados esperados com determinadas intervenções, na dimensão voltada
para o conceito. Esses momentos são geralmente realizados nos espaços regulares de
reuniões de equipe, como já relatado anteriormente.
E2. (...) geralmente, na reunião de equipe (...), verificar também o que está
sendo feito, o quê que ainda não foi feito, né? O quê que ainda falta pra gente
fazer (...). A gente tenta fazer no coletivo, (...). Até mesmo decisões em
relação a um encaminhamento mais delicado, um caso que a gente tem mais
dúvida, a gente tenta fazer isso em conjunto, pra ta auxiliando, pra tentar fazer
um trabalho melhor (...).
Essa divisão das práticas linguageiras nas situações de trabalho tem um caráter
didático e é descritas no sentido de buscar uma compreensão quanto à contribuição do
trabalho no processo de trocas sociais, por meio das diversas dimensões da linguagem.
As práticas linguageiras manifestam-se como uma necessidade dos trabalhadores em
interagir com seus pares e surgem aleatoriamente sem seguir necessariamente uma
sequência lógica. Reconhecer a importância das funções da linguagem desperta para
atentar e estimular essa prática nos coletivos de trabalho nos CRAS.
A capacidade de estabelecer estratégias para a manifestação das práticas
linguageiras no trabalho é um exercício constante nos coletivos de trabalho. Em
determinadas situações a linguagem está presente como uma atividade que se
complementa e interage com a atividade de trabalho no processo interno dos CRAS.
No modelo de gestão social de caráter dialógico mais democrático e
participativo depara-se com situações que desafiam a organização institucional em
momentos específicos em que se faz necessário tomar decisões. A busca pelo consenso
é exercitada com frequência pelo coletivo do CRAS. As decisões geralmente são
tomadas em conjunto com os trabalhadores, nos espaços possíveis já estabelecidos, ou
durante as reuniões de equipe. Os consensos são geralmente acompanhados por
conflitos, opiniões divergentes, capacidade de análise e argumentação. Assim como em
toda organização, há situações em que cabe ao coordenador do CRAS decidir sobre
posicionamentos e respostas às demandas externas, como também em questões internas
relativas à organização e/ou execução do trabalho. Essa contradição tem sido enfrentada
pelas equipes e se manifesta nos depoimentos abaixo:
E5. A maioria delas (decisões) é tomada em equipe, é muito raro eu tomar
decisão sozinha.
E6. São nesses espaços que já existem mesmo. Por exemplo: tem coisa que é
previsto e é mais fácil de ser controlado, agora chega uma coisa que é uma
força tarefa e para tudo, e a decisão é minha. E aí tem conflitos, então eu trago
para a coordenação as consequências disso, mas alguém tem que tomar uma
decisão e esse alguém sou eu.
E7. A gente tem a liberdade de falar, tem essa abertura. (...) A coordenação
reúne com a gente, ela coloca, ela faz com que a gente participa. Tem coisa que
ela determina, mas a maioria das vezes ela sempre coloca para gente essa
discussão. Não quer dizer que vai ser aceita, mas existe. (...) Sim, a gente
discute. Tem a liberdade entre a gente e com a coordenadora. A gente discute
questões de funcionamento, a gente não concorda, e no final, a coordenação
define. (...) Tem a questão da hierarquia mesmo, por mais democrática que
seja, por mais que a gente converse.
A participação dos trabalhadores no processo de gestão do trabalho do CRAS e
em todo o processo organizacional parece ser a prerrogativa mais adequada definida
pelos coletivos em função das características impostas pela natureza e a dinâmica do
serviço. Para cumprir os objetivos e as funções previstas nas prescrições legais, dar
respostas às demandas da população usuária é preciso que o serviço recorra a estratégias
de gestão que possibilitam o envolvimento e a participação de todos no processo de
trabalho, sendo as práticas linguageiras um veículo fundamental. A circulação das
informações entre os trabalhadores contribui com a organização da gestão do serviço,
como no depoimento a seguir:
E5. É em momentos de sentar a equipe junta, porque se você não consegue
fazer isso, vira um caos mesmo (estratégias para a organização da gestão).
Você tem uma dinâmica de informação muito grande que você precisa passar
para a equipe, que você precisa receber, para fazer o monitoramento das ações.
(...) eu sempre assento com a equipe e todo mundo discute, porque eles estão
mais no atendimento, melhor do que eu para definir (...). Eu acho que é
importante essa informação, (...). Mas não são todos os dias que eu venho no
CRAS, tem essa dificuldade. Então acho que a organização passa pela conversa
dentro da equipe o tempo inteiro.
Uma das principais atividades de gestão apontadas é o instrumento de
planejamento anual das ações. O planejamento do trabalho no CRAS aposta em um
exercício constante de tradução das demandas da população, com a capacidade
institucional de respostas por meio da oferta de serviços, conforme as particularidades
de cada equipe e de cada CRAS. É o momento em que o coletivo dos trabalhadores
responsáveis pela execução avalia e planeja as próprias ações em um exercício de
antecipação das ações e das normas não prescritas. No âmbito do planejamento das
ações, busca-se contrapor a dicotomia taylorista entre o planejamento e a execução. O
trabalhador responsável pela execução das ações recorre ao seu saber investido na
atividade e planeja o seu próprio trabalho.
E1. (...) uma atividade muito importante que eu acho de organização no CRAS
é o planejamento das ações durante o ano (...).
E6. Eu acho que o planejamento pode ser feito democraticamente, mas nós
estamos aqui planejando e executando. Ao partir do não prescrito e torná-lo
prescrito institucionalmente, você está planejando, executando e fazendo tudo.
Só que você não tem o mais importante, você não tem o controle financeiro.
(grifo meu)
Durante a realização da atividade de trabalho, lacunas já identificadas
individualmente entre o trabalho prescrito e o real, ficam evidenciadas e fazem com que
cada coletivo de trabalho crie e institua novos procedimentos. Ao proporcionar
momentos de conversações na equipe, as renormalizações individuais ganham
amplitude com a legitimação de novos procedimentos, sendo então renormalizados e
instituído pelo coletivo de trabalho como novos procedimentos a serem aplicados. A
prática da renormalização encontra um ambiente favorável quando são questionados os
princípios da divisão taylorista do trabalho, que dissocia o planejamento da execução, e
por meio das práticas linguageiras os saberes produzidos na atividade permitem a
formulação de novos conceitos. Devido à complexidade de toda atividade de trabalho e
à constante imprevisibilidade do trabalho do CRAS, as normas redefinidas tornar-se-ão
insuficientes para enfrentar novos desafios em um ciclo virtuoso de atualização das
normas antecedentes por intermédio do trabalho real. A institucionalização das
renormalizações coletiva é um exercício permanente no CRAS em busca de uma
adequação melhor da organização da gestão, que inclui a gestão organizacional do
equipamento público, dos processos de trabalho e da metodologia de atendimento às
famílias. Para Schwartz (2010, p.140) “é muito importante por em palavras essas
competências, e mesmo registrá-las por escrito, porque isso muda a experiência das
pessoas sobre a própria atividade, sobre suas relações com os outros”. A renormatização
fica evidenciada no ato de criar e recriar procedimentos como um recurso utilizado com
frequência pelas equipes, como aparece na afirmação abaixo:
E3. Até a gente se surpreende com o que a gente faz. Tive casos assim, que são
muito inusitados, e isso não está previsto em documento nenhum, (...). Às
vezes a gente fica um pouco perdido (diante da insuficiência das normas
antecedentes o trabalhador se vê obrigado a renormatizar a sua atividade).
E6. (...) algumas coisas estão prescritas nas atribuições do papel do
coordenador. As responsabilidades dele fazem com que ele crie procedimentos
para dar conta daquelas funções.
E5. (...) a gente vai pela intuição, pela experiência, pelo que você escuta das
necessidades do território, acho que assim a gente consegue. (...) na verdade, a
gente cria muito na nossa prática. A partir da normativa a gente usa a
criatividade da equipe e o que a gente está vendo de demanda no território.
Quando existe alguma novidade, a gente se pergunta: “será que a gente pode?”
A gestão do CRAS compreende diversos procedimentos além do planejamento,
da organização do funcionamento interno. A distribuição das atribuições segue critérios
variados de acordo com cada coletivo de trabalho. Essa definição parece não ser
imposta, mas realizada pela equipe de forma participativa. Por meio da linguagem, os
trabalhadores se expressam e se manifestam ao colocar em palavras suas avaliações,
desejos,
competências,
saberes.
Assim,
reconhecem-se
no
processo
de
operacionalização da atividade de trabalho no CRAS. O diálogo na equipe é um
instrumento fundamental na organização da gestão do trabalho, visto que,
inevitavelmente, surgem conflitos que devem ser enfrentados coletivamente.
E5. Isso é mais de perfil mesmo, todo final de ano e início do outro, que agente
está montando o plano de ação, as atividades são divididas por perfil. (...)
escolhem, opinam, é sempre assim, escolhem no coletivo.
E7. (...) a gente faz as avaliações. Além do perfil, a coordenação deixa a
critério, quem gostaria de assumir. São discutidas na equipe as habilidades de
cada um, o que cada um gostaria de estar assumindo. Tem essa total liberdade,
a coordenação dá essa liberdade.
E6. Esse ano eu já sugeri que a gente tem que mudar, para terminar um ciclo.
Na avaliação, cada um fala sobre o trabalho que desenvolveu (...). Depois eu
peço que cada um faça sua defesa, o que quer fazer no ano de 2012. Então a
equipe, entre eles tem uma coisa muito bacana, eles dividem as tarefas entre
eles. Eles se organizam, (...).
A definição das atribuições dos trabalhadores está prevista nas normas
antecedentes, ou seja, nos documentos oficiais de forma genérica, sem muito
detalhamento e são pré-estabelecidas como uma orientação básica. Isso permite que
cada equipe estabeleça uma forma de organização própria e decidida coletivamente,
sendo passível de mudanças quando se fizer necessário. Pode ocorrer até mesmo
rotatividade de técnicos como referência das ações ou “frentes de trabalho”, como
descrito nos depoimentos acima. É importante ressaltar o caráter dialógico e a
importância da linguagem no processo de gestão do CRAS. Há, certamente, uma
diferenciação das ações institucionalmente definidas e distribuídas entre as
administrativas, técnicas e de coordenação, como no depoimento a seguir:
E5. Tem muita diferença, o trabalho do técnico está na execução mesmo, eles
fazem atendimento técnico, eu (coordenadora) raramente faço atendimento
técnico.
O atendimento às famílias mobiliza todo o conjunto dos trabalhadores e todo o
aparato institucional, pois mesmo sendo um procedimento técnico, é exigida uma
convergência de esforços em torno dele. Pode-se afirmar que o atendimento às famílias
é a principal ação do CRAS, primordial para o cumprimento da sua função. Para a
realização do atendimento às famílias, a linguagem, em suas diversas dimensões e
práticas linguageiras, é exaustivamente utilizada, seja entre os trabalhadores e no
interior da equipe, seja na ação propriamente dita, na relação com os usuários do serviço
e a população do território.
A organização da rotina dos atendimentos é discutida e definida na equipe com a
participação de todos. Ela passa por constante avaliação e pode ser modificada a
qualquer tempo, de acordo com a necessidade da dinâmica do trabalho. Não há um
modelo ideal, cada CRAS a define de forma diferenciada com características próprias.
A definição das competências nunca será suficiente para uma antecipação das situações
de trabalho, entretanto, “no que concerne às competências, querer colocá-las em
palavras, de forma exaustiva, é uma ilusão, mas não tentar fazê-lo seria impedir que
estas sejam reconhecidas” (SCHWARTZ, 2010, p. 141).
O serviço da recepção, realizado por um trabalhador de nível médio, é a porta de
entrada do CRAS para o atendimento às famílias. A organização dos atendimentos
começa pela recepção, que após o acolhimento da demanda encaminha o usuário para o
técnico realizar o atendimento. O trabalhador da recepção é peça chave nesta
organização. É ele quem recebe primeiramente os usuários e distribui os casos para os
técnicos de forma equilibrada. É exigido que esse trabalhador desenvolva, com a sua
experiência, habilidades para identificar a caracterização da demanda junto aos usuários,
obter informações gerais sobre o grupo familiar, e ao mesmo tempo informar a esses
mesmos usuários quanto aos objetivos e os serviços oferecidos pelo CRAS. Essa rotina
é um exercício constante de experimentações, desafio permanente das equipes e
evidência da complexidade da função. A organização do serviço da recepção é um
ponto de confluência do trabalho coletivo, pois interfere diretamente na atividade de
todos os trabalhadores. É alvo de constantes renormatizações que exige a participação
de toda a equipe. As práticas linguageiras são instrumentos de mediação na realização
da atividade de trabalho em específico.
E1. O primeiro contato é feito na recepção. O cadastro fica na recepção (...).
E7. A recepção faz a triagem da demanda, se é de orientação, ou não, se for o
caso de atendimento, o técnico faz o atendimento. Aí a recepcionista passa para
o técnico e o técnico faz o atendimento. A gente até tentou fazer uma escala,
mas algumas famílias já têm o técnico como referência. (...) A gente já fez por
dia, a gente está sempre mudando, não é uma coisa fixa não. (...) Às vezes
funciona, às vezes a gente fala: vamos fazer desta forma.
E5. A primeira coisa é a recepção, que vai identificar se a família tem cadastro,
qual é a demanda dela, e aí a recepcionista identificando a família, vai passar
para o técnico. Nós tivemos que reorganizar isso, porque a gente estava
percebendo que tinha técnico que estava atendendo mais do que o outro. A
recepcionista está fazendo uma organização na recepção de maneira que ela
consiga distribuir esse atendimento melhor, para que fique equilibrado. Porque,
às vezes, um atendeu cinco e o outro não atendeu nenhum. (...), isso foi
definido em uma reunião de equipe, junto com a recepcionista, porque também
dependia dela, (...). É interessante, porque ela vem com o cadastro e diz para o
técnico atender, e ele sabe porque ela está entregando aquele cadastro pra ele,
porque ela está conferindo lá, e o técnico confia no trabalho dela.
E2. Foi uma solução para tentar facilitar e evitar esse desgaste. Ontem,
inclusive, a gente retomou isso, pra ver se estava funcionando, ou se não,
porque a gente começou, acho que foi no início do ano.
O trabalhador responsável pela recepção precisa desenvolver uma capacidade de
comunicação e diálogo com o emprego das variadas formas de linguagem (palavras,
gestos, olhares, expressões, etc.). O trabalho da recepção, assim como toda atividade de
trabalho, “mobiliza o corpo e a alma, a mente, o conjunto da pessoa humana (...)”
(SCHWARTZ, 2010, p. 35), e precisa estar atento a uma série de situações. O corpo
está presente com todos os sentidos aguçados, pois não existe nenhuma regra que diz,
detalhadamente, o quê e como ele deve ser realizado. Para o exercício desta função, o
saber adquirido da experiência é de fundamental importância. O diálogo com os
profissionais que realizam o atendimento qualifica a percepção e a abordagem do
trabalhador da assistência social que ocupa a função na recepção. Ao adquirir e
processar essas informações, esse trabalhador desenvolve as habilidades que o tornam
capaz de gerir a sua própria atividade de trabalho. Evidencia-se um debate de normas
que promove uma renormalização individual da sua atividade de trabalho. Os
trabalhadores da recepção participam efetivamente das ações de gestão do CRAS ao
desenvolver sua atividade de trabalho e contribuem estrategicamente com a sua
organização e funcionamento.
O diálogo entre os trabalhadores permite contribuir com relações mais
cooperativas e solidárias na equipe ao promover trocas de saberes que incidirão na
qualidade e na efetividade do atendimento, bem como na qualidade das relações e dos
vínculos estabelecidos com os usuários. Em um coletivo de trabalho em que as práticas
linguageiras sobressaem positivamente, as relações pessoais e profissionais ganham em
qualidade e incidem de forma significativa na potencialização da efetividade do
trabalho. Possibilita uma maior circulação de saberes e de informação e a construção de
um tipo de saber fruto da experiência, das trocas, das práxis e sobre os novos conceitos
formulados que se revelam como saberes do coletivo de trabalho. Nos depoimentos
abaixo fica evidenciada a valorização desta prática pelos trabalhadores do CRAS:
E3. (...) a gente recorre muito à equipe mesmo, às vezes até no atendimento
surge uma dúvida aqui, a gente vai lá dentro e pergunta. (...), eu acho isso
muito bacana e a gente recorre uns aos outros (...).
E7. Peço ajuda aqui mesmo na equipe (...).
E5. Eu acho que é através da experiência que eles têm, (...) e de conversa
mesmo entre os técnicos. Um consulta muito o outro, é muito comum o técnico
sair da sala de atendimento e falar sobre o caso. Então é através dessa troca de
experiências mesmo do dia a dia.
A relação dos trabalhadores do CRAS com os usuários efetiva-se por meio dos
atendimentos e acompanhamentos. A qualidade da linguagem promove uma escuta
qualificada, permite estabelecer relações de confiança e possibilita uma transferência
positiva de vínculos, pois, como afirma Iamamoto (1998, p. 97), “suas atividades
dependem da competência na leitura e acompanhamento dos processos sociais, assim
como no estabelecimento de relações e vínculos sociais com os sujeitos junto aos quais
atua”. O usuário, “sujeito social (...), precisa ser visto como alguém potencialmente
capaz de agir, reivindicar, refletir, construir, participar com base em suas crenças,
valores, vínculos, alianças e projetos” (AFONSO apud BEATO, 2011, p. 24). O
compromisso ético-político dos trabalhadores da assistência social com a população
usuária dos serviços reposiciona o exercício da “prática profissional” para uma prática
social inserida na realidade, de caráter crítico e transformador dessa mesma realidade
social (IAMAMOTO, 1998). O caráter político do trabalho se evidencia ao intervir nas
situações concretas originárias das manifestações da questão social. A dimensão
educativa na relação entre os trabalhadores e os usuários deve estar presente na práxis
profissional, de forma a provocar no sujeito o que pode ser traduzido como a
transposição de uma percepção particularista, coorporativa e individual das situações
enfrentadas no dia a dia, por uma compreensão mais ampla dos problemas sociais, da
construção de um projeto coletivo e um reposicionamento diante da vida e das relações
sociais. Portanto, “a partir da superação desse modo de ser e de pensar, a vontade
coletiva avança e vai delineando uma nova consciência, que se manifesta e se concretiza
na prática política” (SIMIONATTO, 2001, p.9).
Tanto nos atendimentos individuais como nos atendimentos grupais, a
linguagem empregada por meio de falas, gestos e outras diversas formas de expressão, é
um recurso infindável a ser explorado, associada aos recursos e às estratégias teóricometodológicas. Nessa perspectiva, as intervenções dos trabalhadores com a população
usuária transformam-se em verdadeiros processos educativos ao provocar um
deslocamento da passagem do senso comum para uma visão mais crítica e
questionadora da realidade social, de forma a conquistar um processo crescente de
autonomia dos usuários e um protagonismo na condução dos destinos de suas vidas, que
se atualiza como produto da sua práxis social. Este talvez seja o maior desafio da
política de assistência social e, por conseguinte, dos trabalhadores do CRAS. Pode-se
afirmar que são resultados de difícil percepção, mas que ao trabalhar com as ações
coletivas de convivência e reflexão, com a ampliação do universo relacional e
informacional, identificam-se mudanças significativas na vida dos usuários, percebidas
pelo entrevistado quando afirma:
E2. E é legal que quando as pessoas começam a ter uma periodicidade, elas
mudam, elas se transformam, elas questionam, se tornam criticas mesmo.
Então acho que isso enriquece as pessoas e influencia de várias formas.
Como foi afirmado anteriormente, existe uma indissociabilidade entre a
linguagem e o trabalho que ocorre em meio a uma série de dificuldades. Schwartz
(2010) aponta que essa relação está permeada por quatro dimensões que se deve atentar.
Na primeira dimensão entra em questão o que é definido pela perspectiva
ergológica como o “corpo si”. Em toda situação de trabalho o sujeito se apresenta não
somente com o seu corpo físico, mas com sua inteligência, com seu sistema nervoso,
com toda a sua história de vida, com o seu processo de socialização, com as regulações
oriundas de um contexto social e familiar, com sua formação acadêmica e sua
abordagem técnica, ou seja, um sujeito singular. Esses diversos sujeitos singulares se
encontram nas situações de trabalho no CRAS e se deparam com inúmeras questões que
irão interferir na qualidade do estabelecimento das relações e das limitações para a
efetivação da prática da linguagem. Ao estar presente o “corpo si” nas situações de
trabalho, “a passagem para a linguagem é limitada, o que quer dizer que não podemos
pôr tudo em linguagem: sempre nos escaparão elementos do que acontece em nossos
circuitos, em nossas formas de adestramento (adestramento de nós mesmos sobre nós
mesmos)” (SCHWARTZ, 2010, p. 143).
A segunda dimensão refere-se às limitações da linguagem em expressar toda a
complexidade que envolve toda a atividade de trabalho, por esta representar sempre
uma renormalização, mesmo que parcial, uma ressingularização da atividade. Sempre
haverá diversas maneiras de realização do trabalho, e assim cada coletivo busca a
melhor maneira de realização da atividade, cria e recria o seu método de abordagem e
de intervenção, de forma singular tanto em relação a cada trabalhador, quanto em
relação aos vários coletivos. Utiliza-se, portanto, a linguagem na tentativa de promover
uma renormatização coletiva. A linguagem encontrará dificuldades na antecipação ou
na tradução das atividades realizadas pelos trabalhadores.
A terceira questão apontada diz respeito à dimensão do inconsciente como fortes
resistências à verbalização, pois “em nossas condutas no trabalho, há coisas que
esquecemos, coisas que não fazemos, atos falhos, coisas que fazemos bem, hostilidades,
amizades (...)” (SCHWARTZ, 2010, p. 144). Outra dimensão do inconsciente refere-se
à “dimensão da transgressão” relativa à incompletude que as normas antecedentes
provocam no trabalhador, pois sempre haverá outras maneiras de realizar o trabalho. A
realização da atividade de trabalho, portanto, é permeada pelas microtransgressões. Para
Schwartz (2010, p. 145), “pôr em palavras o que se faz na atividade de trabalho é
assumir o risco de dizer que não se faz como foi prescrito, de explicitar que a linguagem
oficial foi contestada na prática”. No universo da política pública, as relações de
trabalho hierarquizadas podem inibir iniciativas de aperfeiçoamento e avanços na
construção da política de assistência social, o que por outro lado pode ser potencializado
em um modelo de gestão social mais democrático que promova uma escuta dos
trabalhadores responsáveis pela execução dos serviços.
A quarta dimensão apontada pelo autor diz respeito à utilização que pode ser
feita com as informações e as traduções que a linguagem revela sobre o trabalho.
(...) em que circunstancias e para quem se verbaliza seu trabalho, sua
atividade? Quem vai tirar proveito disso? (...) Por que razão as pessoas
haveriam de revelar seu segredo de fábrica, de fabricação lato sensu, sem saber
qual será o efeito positivo na dramática de seu trabalho. (...) é muito importante
poder verbalizar seu trabalho, para reconhecê-lo. Sim, mas é preciso também
controlar as condições em que se dá tal verbalização (SCHWARTZ, 2010, p.
145).
Não basta, portanto, simplesmente pôr o trabalho em linguagem, reafirmar as
habilidades, formular conceitos, estabelecer relações de trocas. A utilização que se vai
fazer com as informações e com os saberes produzidos na atividade de trabalho deve ser
de conhecimento de todos. A criação de espaços institucionais que promovam uma
situação favorável, com propósitos acordados previamente, e estabeleçam relações
políticas transparentes, democráticas e compromissadas com a função do CRAS como
um equipamento público é fundamental para a consolidação da política de assistência
social.
A gestão social no CRAS, definida como uma gestão de caráter relacional
encontra na análise ergológica e pluridisciplinar do trabalho, a linguagem como um
fator primordial de convergência de propósitos. A realização de uma gestão democrática
e participativa passa pela vontade política de ser conduzida por relações de troca e
solidariedade, por verdadeiros processos educativos, de forma a transformar as situações
de trabalho em uma relação de permanente aprendizagem. A linguagem presente nesse
processo revela-se extremamente significativa ao ser definida como instrumento básico
e também como outra atividade inserida na atividade de trabalho, ou seja, “uma
atividade sobre a atividade”.
6.5 – Relações Interinstitucionais
A promoção da articulação interinstitucional é uma das ações de gestão
territorial que compete ao CRAS. Essa ação merece um destaque no conjunto daquelas
desenvolvidas pelos trabalhadores e ocupa um lugar estratégico com relação à gestão
política do serviço. As ações intersetoriais cumprem uma importante função ao fazer
com que o CRAS saia do isolamento e busque outras instituições públicas e privadas
para estabelecer parcerias, de forma a promover uma sinergia de ações no território.
As ações interinstitucionais apresentam-se de forma tridimensional e
estabelecem uma relação de interdependência hierárquica entre as instâncias local,
regional e municipal. Trata-se de afirmar que é necessária uma tomada de decisão
política da gestão municipal com repercussão nas instâncias descentralizadas. Essa ação
não é exclusivamente do CRAS, mas de uma estratégia de gestão cuja decisão política
compete ao gestor municipal. Como consta prescrito nas normas antecedentes:
A articulação intersetorial não está sob a governabilidade da política de
assistência social. Para que aconteça, é necessário um papel ativo do poder
executivo municipal, como articulador político entre as diversas secretarias que
atuam nos territórios dos CRAS, de modo a priorizar, estimular e criar
condições para a articulação intersetorial local (BRASIL, 2009, p. 26).
Para os trabalhadores do CRAS entrevistados, a intersetorialidade é uma
necessidade da política de assistência social para que os usuários, cidadãos atendidos,
possam acessar os demais serviços públicos e assim alcançar direitos mínimos de
cidadania. Como afirma um trabalhador entrevistado, as articulações intersetoriais “são
coisas que não estão prescritas” (E6), ou seja, estão prescritas para o CRAS de forma
genérica, mas não possuem o alcance normativo junto às demais políticas públicas. Há
uma diretriz quanto à iniciativa do CRAS em provocar deliberadamente ações
sinérgicas junto às demais políticas. Para que essas ações se efetivem, fica evidente que
o esforço na construção das relações interinstitucionais se faz constante no dia a dia.
Essa relação é construída por meio de visitas institucionais, com a discussão de casos,
em reuniões intersetoriais, em uma ação política deliberada de convencimento junto aos
serviços localizados no território. Os trabalhadores afirmam que a assistência social
precisa ser mais conhecida e isso os leva a um esforço constante de divulgação e
informação dos serviços oferecidos no CRAS. Para o entrevistado é preciso “vender” a
idéia do CRAS e da intersetorialidade, mostrar as “vantagens” em trabalhar com as
políticas públicas ao utilizar a intersetorialidade como uma estratégia eficaz. As
políticas sociais de saúde e educação estão mais presentes nos territórios e os resultados
desse esforço de aproximação são percebidos. Os entrevistados relatam que a relação do
CRAS com os centros de saúde é significativa, o esforço é recompensado, em parte,
com um trabalho conjunto. A relação com as escolas não acontece de forma satisfatória.
Há uma dificuldade em estabelecer uma relação mais próxima. Os depoimentos abaixo
exemplificam a situação analisada:
E5. Através de visita institucional. Fazer uma apresentação do CRAS, do que é
o BH Cidadania, (...). Então é visita mesmo e muito telefonema. (...) é aquela
coisa de ser um pouco vendedor, você tem que vender aquela idéia, é o que
estou te falando, da deficiência do sistema como um todo da intersetorialidade,
então uma das coisas que eu aprendi foi isso. (grifos nossos)
E6. Voltando ao que eu falei no início, são coisas que não estão prescritas. A
gente teve que ir construindo isso aqui a duras penas, (...). Então a gente vai
chegando se apresentando, mostrando um pouco do CRAS, (...). Fazemos uma
propaganda pra que as pessoas aderissem. É como se você estivesse vendendo
um produto, eu vejo assim. Eu vendo um produto que se chama política de
assistência social. Porque essa política, ela não pode existir se não tiver a
intersetorialidade, então você vende isso. (grifos nossos)
E1 – (...) a gente não tem uma relação muito boa com a educação. Geralmente
com a educação a gente só os procura, eles vão e dão retorno. E o Centro de
Saúde não, o Centro de Saúde é uma mão dupla, a gente procura, eles nos
procuram, são feitas reuniões, reuniões (de discussão de casos) então os casos
que eles sabem a gente sabe também, (...).
As unidades públicas municipais de base territorial local das diversas políticas
são vinculadas hierarquicamente às respectivas gerências da instância regional. Ocorrem
iniciativas institucionais no nível regional na tentativa de efetivar as ações intersetoriais
em que os CRAS são chamados a participar. É uma constância a afirmativa quanto às
dificuldades de relacionamento interinstitucional com os setores governamentais do
nível regional. Há uma percepção de que as gerências do nível regional têm
conhecimento limitado sobre o CRAS, seus objetivos e suas ações. O CRAS é chamado
a participar de ações de naturezas diversas indo além do seu objeto de intervenção, o
que por um lado demonstra o pouco conhecimento a respeito do serviço, por outro lado,
o reconhecimento da importância do CRAS devido à sua capacidade de mobilização e
sua inserção nos territórios.
Em decorrência da divisão das funções internas na equipe, o coordenador é o
responsável pelas articulações de caráter político e quem mais ocupa a função de
participar e de articular os serviços e as políticas setoriais no nível regional. No entanto,
o coordenador do CRAS não é o único a realizar essa ação. Os demais trabalhadores
realizam constantes contatos e articulações em busca de informações a serem utilizados
nos atendimentos à população do território. A relação que se estabelece com maior
frequência diz respeito aos serviços da assistência social como o Plantão Social, e os
serviços da proteção especial localizados na instância regional. Outro serviço que os
trabalhadores do CRAS acionam constantemente é com relação ao Programa Bolsa
Família.
E1. A relação com a regional é uma relação mais do coordenador. Dos técnicos
a gente tem pouca, (...) a não ser com o Plantão Social, e com o (Programa)
Bolsa Família. O contato com a regional é com o coordenador.
E2. (...) a gerência da assistência na regional é a que mais interage, assistência
(social) e Bolsa Família. Quando tem a gente dificilmente consegue alguma
coisa de Habitação, acho que deve ser difícil para todos os espaços, a de Saúde
a gente não tem esse contato, geralmente quando a gente precisa, faz contato
com a da Assistência para a Assistência fazer contato com a Saúde.
E5. Uma relação tranquila, em relação à Assistência Social tem muita troca de
gerência. Nós ficamos uns tempos bem afastados da GERASC, nosso contato
maior é com a gerência das políticas sociais, inclusive tem uma reunião mensal
com eles. O secretário Adjunto faz um fórum social todo mês. Ele reúne a área
social e conversa mais para saber o que está acontecendo. Em relação à
educação, a nossa relação é quando a gente precisa de vagas. Com o Bolsa
Família nós temos uma articulação boa, uma relação bacana de troca mesmo, e
só. Depois de tanto tempo de CRAS, as pessoas que estão lá entendem o que é
o CRAS, mais ou menos.
E7. Da regional a gente tem o Plantão Social, a Proteção Especial quando é
caso deles acompanharem famílias do território, mesmo assim uma demanda
maior é a gente que procura saber. O Bolsa Família a gente também demanda
muito, não que eles nos aciona. Olha precisamos saber desta família que
necessita deste beneficio, que está em descumprimento. A gente tem uma
interlocução assim, mas com os técnicos, não no nível de gerente. A nossa
relação é mais com os técnicos e não com o gerente.
E6. (...) eu acho que eles demandam muito e não conhecem o nosso trabalho.
Por outro lado, há um reconhecimento enorme do equipamento e do papel do
CRAS.
O aparato institucional da Secretaria de Administração Regional é responsável
pela manutenção da estrutura física do imóvel onde o CRAS está localizado, e ainda
pelo fornecimento de materiais de consumo e pela logística de funcionamento. Esse
suporte nem sempre é realizado de forma satisfatória, sendo constante a morosidade e a
pouca eficiência na prestação dos serviços. Esse problema acarreta uma série de
transtornos no ambiente de trabalho e causa um efeito ao desviar o foco e a atenção da
equipe para a precariedade das condições materiais e estruturais. A situação ficou
constatada nos depoimentos abaixo:
E5. É esse realmente é um problema, porque além de todas as articulações que
o coordenador tem que fazer, ele também faz o papel de síndico. O mato está
gigante, você fica três meses pedindo para capinar, é uma fechadura que
estraga, a manutenção realmente é complicada, demora, mas você é atendido.
E7. A gente busca muito a regional no meu modo de entender, eu acho que
deixa a desejar. A questão da gerência não dar suporte, talvez a falta de
entendimento o que é o trabalho do CRAS, então a gente fica recorrendo e
solicitando a coisa básica, por exemplo, a materialidade, a questão de carro,
suporte talvez, nos apoiar.
E6. Nós não temos retaguarda, (...).
A Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - SMAAS, órgão gestor
da respectiva política, é responsável pela implantação e pela implementação do CRAS,
o que inclui desde a estruturação da unidade pública até o acompanhamento técnico e
metodológico dos serviços ofertados30. O acompanhamento e monitoramento dos CRAS
cabem às Gerências de Proteção Social e Proteção Social Básica – GPSO/GPSOB. Uma
atribuição significativa que esta instância realiza e que incide diretamente na atividade
de trabalho no CRAS é o monitoramento das ações e o acompanhamento técnico e
metodológico. A função fica a cargo de uma equipe de profissionais distribuídas para o
exercício da função. Os trabalhadores entrevistados afirmam que fica centrado na figura
30
Ver BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Orientações técnicas: Centro
de Referência da Assistência Social (CRAS). 1 ed. Brasília, 2009.
desses profissionais o contato maior com o órgão gestor, ou seja, esse profissional de
referência é peça chave na relação, especificamente em oferecer suporte técnico e
metodológico a todo o trabalho realizado no CRAS.
Há uma crítica na afirmação de que o monitoramento parece dar maior ênfase
aos resultados quantitativos por meio das planilhas administrativas e da solicitação de
informações a serem enviadas ao governo federal. O acompanhamento administrativo
com ênfase no controle de metas e resultados tem sido a tônica do monitoramento. O
suporte em torno das questões metodológicas, carência maior das equipes dos CRAS,
perdeu espaço na gestão do trabalho. Surge assim um conflito entre o acompanhamento
de metas e resultados para as instâncias hierárquicas da política e o monitoramento da
qualidade dos processos de trabalho. O acompanhamento parece seguir a lógica das
necessidades do órgão gestor, e não das demandas de acompanhamento do processo de
trabalho apontadas pelos CRAS. Essa tem sido uma preocupação constante levantada
pelos trabalhadores: a crescente busca pela melhoria da qualidade do atendimento às
famílias e à população dos territórios atendidos. Há uma avaliação quanto à ausência ou
uma incipiente discussão de conteúdo da política de assistência social no interior do
órgão gestor, que reflete em uma baixa institucionalidade na gestão do CRAS, como,
por exemplo, no exercício da função de vigilância socioasssitencial nos territórios. Nos
depoimentos abaixo se revelam as situações:
E2. (...) eu acho que tem um furo, talvez da gestão, não sei, eu acho que tem
uma coisa que fica faltando e fica parecendo que os profissionais são
incompetentes, mas eu não acho que é bem por ai. Com relação ao
acompanhamento, a quantidade de visitas aqui é pequena, isso a gente percebe,
até sente falta de ter alguém mais do lado, e tal, pra trazer algumas
informações. (...) sempre parece que tem um porta-voz, eu tenho um pouco
dessa impressão, e ai quando a gente fica sabendo aqui, o pessoal lá já está
sabendo a séculos, ai eu falo, nó a gente está no interior mesmo porque custa
ficar sabendo dos negócios.
E5. (...) a nossa relação é mais com o técnico de acompanhamento, eu acho que
ele faz um papel de intermediário mesmo. Mesmo porque você liga pra lá e é
muito difícil você conseguir falar com a gerência, então ele faz essa
intermediação.
E6. – (...) na verdade, se tem um “elo de ligação” é com a equipe de
acompanhamento técnico e metodológico (...). Infelizmente agente não tem um
“elo de ligação” com a gerência, nem da proteção social e nem da proteção
social básica. Acho que tem muito a ver com a forma de como a secretaria está
organizada hoje. (...) se tivesse cada gerência cumprindo com sua função. Você
tem uma gerência de informação e monitoramento que não faz isso. Tinha que
ser aquela que estaria à frente da vigilância sócio-assistencial, ela não faz isso.
Qual a vigilância que a secretaria de assistência social faz? Nenhuma. E quais
as condições que ela dá pra que a gente faça isso no território? Nenhuma. Tudo
gira em torno de informações que tem que ir para o MDS, informações que tem
que ir para as Políticas Sociais e ela (a SMAAS) não estão dando conta de
enxergar o trabalho que tem que ser realizado, que processo é esse que vai
garantir os objetivos do CRAS? (grifo meu)
E7. Sem suporte, nós não temos o suporte e às vezes quando recorre não tem
respostas, aí fica a dúvida. Então a gente fica assim, estão vamos fazer porque
tem que fazer alguma coisa, mas...
Os trabalhadores dos CRAS apontaram questões que poderiam melhorar essa
relação com sugestões de mudanças no foco do acompanhamento técnico e
metodológico por parte da SMAAS. Os depoimentos apontam para a necessidade de
que eles sejam mais escutados, pois são eles que realizam a atividade de trabalho,
potencializam os saberes da experiência no trabalho real, promovem as renormalizações
e os saberes do coletivo de trabalho. A forma de condução da gestão não tem
possibilitado lidar com os motivos que têm causado “sofrimento, angústia e desgaste”
como consequências da intensividade do trabalho do CRAS. Colocar o trabalho em
palavras, utilizar dos recursos da linguagem poderia ser uma tentativa de estabelecer
novas relações com a gestão do trabalho. A equipe de acompanhamento técnico e
metodológico da instância de gestão tem a possibilidade de recolher as diversas
experimentações das ações realizadas nos coletivos, o que a torna uma instância
privilegiada de fomento e renormalizações da metodologia, uma “usina” de
processamento e irradiação da práxis coletiva. Nas entrevistas realizadas foi citada
também como sugestão a criação e a institucionalização de espaços coletivos de trocas
de experiências, repasses de informações estratégicas, discussões de conteúdo
metodológico, ou seja, conversas sobre o trabalho.
E2. (...) tem como retomar aquelas reuniões que todo mundo participava, que
todo mundo tinha, isso de novo, não sei se essa seria idéia, mas acho que os
técnicos tinham que ter um contato maior com essas informações, ficarem mais
por dentro das mudanças, do que vai acontecer, (...).
E6. Seria bom se tivessem, por exemplo, espaços institucionais criados onde
essa pessoa, essa secretária soubesse o que está acontecendo na execução da
política e que esses gerentes que aqui estão pudessem também saber o que está
acontecendo, (...). Considerando que a gestão desses equipamentos, a
capacitação dessa equipe, a retaguarda dessa equipe. De você ter uma equipe
de supervisão capaz de chegar ao CRAS e ouvir os problemas que essa equipe
traz e que não dão conta de trabalhar, em discussão de casos, em
encaminhamentos, etc. Você ter um acompanhamento no CRAS e dos
problemas que ele atravessa no dia a dia, sejam administrativos e tal e que você
desse condições pra que esse equipamento desse conta de fazer seu trabalho
com menos sofrimento, com menos angústia ,com menos desgaste. (grifos
nosso)
De acordo com a organização da gestão da política pública no município, o
órgão gestor da assistência social está subordinado à Secretaria Municipal de Políticas
Sociais – SMPS. Os CRAS estão inseridos nos territórios como um dos serviços que
compõem o programa BH Cidadania. O referido programa é a agência governamental
responsável por estimular e promover a intersetorialidade entre as políticas sociais no
governo municipal com a realização de ações intersetoriais no nível local. Certamente
resultados dessa estratégia têm ocorrido e devem ser reconhecidos e valorizados. No
entanto, ainda há muito que avançar para que a intersetorialidade seja assumida como
uma estratégia de gestão. Há uma expectativa de que o Programa BH Cidadania seja
mais efetivo em tratar das articulações intersetoriais entre as secretarias de nível central
do governo municipal. Como as diretrizes parecem não chegar ao nível local de forma
satisfatória para as unidades públicas (centros de saúde, escolas, etc.), fica a
interpretação que as articulações e as diretrizes não são deliberadas entre as secretarias
municipais, ou seja, que a intersetorialidade está sob a responsabilidade somente dos
serviços do nível local. Esta concepção parece não estar devidamente apropriada nos
níveis elevados de governo, enquanto que para as unidades localizadas nos territórios,
ações articuladas e mais integradas são necessárias para a maior eficácia no
enfrentamento às situações de exclusão social. A construção de articulações e de ações
intersetoriais efetivas depende de esforços quase que pessoais, que por vezes parecem
depender da boa vontade e da capacidade de argumentação e convencimento do CRAS,
que pode ser observado nos depoimentos abaixo:
E2. A articulação tem que acontecer no território. A gente até tenta, mas acho
que tem que ser algo que vem de cima. (grifos nossos)
E5. - Eu acho que o que falta são articulações mesmo no nível central, aqui nós
temos um problema muito grande em relação à saúde, porque o programa de
governo que é a articulação entre a assistência e a saúde, a saúde não sabe, eu
que tenho que bater na porta e dizer o que tem que fazer o que não é o meu
papel. Então eu acabo ficando queimada no território, não existe, quer dizer,
existe uma articulação a nível central com relação ao BH Cidadania, saúde e
educação que por um motivo ou outro, que eu acho que está o problema, não
chega ao território, não chega ao centro de saúde. Existe alguma coisa aí que
barra, por exemplo, o projeto sustentador, cuidador de idosos que é um projeto
Intersetorial, eu que tive que fazer o papel, muitas vezes, de ir lá e cobrar
questionário que a saúde teria que fazer, isso pra nós é muito ruim, porque eu
fiquei como aquela que cobra, aquela que tem que prestar serviço e não é. Teria
que ser uma relação horizontal e que a ordem viesse de cima, da gerência da
saúde e não existe isso. (As articulações intersetoriais) São precárias mesmo,
porque é uma coisa que agente faz aqui no território na ponta, suando, pedindo,
por favor, e dependendo da boa vontade das pessoas. Eu acho que o BH
Cidadania teria que trabalhar um pouco mais nas articulações mesmo com os
setores.
A relação do CRAS com o Programa BH Cidadania mostra-se com um grau a
mais de dificuldade, pois há uma afirmação recorrente quanto ao seu distanciamento em
relação às ações das unidades e dos serviços públicos nos territórios. O Programa BH
Cidadania tem assumido um papel de formulação e execução de ações que o torna
concorrente com outras políticas públicas. O CRAS e o Programa se misturam em
vários aspectos o que causa ambiguidades. O gestor local do Programa é também gestor
do CRAS, ou seja, ocorre uma duplicidade de funções. A equipe técnica do CRAS
realiza ações formuladas pelo Programa, o que aumenta ainda mais as atribuições com
ações concorrentes e sobrepostas. Os entrevistados sentem a necessidade de uma
avaliação, pois “há necessidade de se definir se o BH Cidadania é um Programa ou uma
estratégia de gestão. (...) ele assume o papel de executor de ações e serviços,
distanciando de sua vocação de coordenação política” (PIRES, 2011, pp. 63-64). As
ambiguidades e contradições apontadas acima aparecem nos depoimentos a seguir:
E5. Eu acho uma relação super distante, muito distante mesmo, (...). Então é
uma relação distante, na verdade a política social não sabe o que acontece no
território, quais são as articulações que eu faço como está minha comissão
local, não existe isso.
E6. Se você pegasse tudo bonitinho, e pensando nessa confusão que eles
arrumam com o BH Cidadania, porque pra mim isso é uma confusão até agora,
eu acho que ninguém sabe dizer o que é isso.
A gestão da política pública e as relações interinstitucionais entre os níveis
hierárquicos no interior do aparato governamental são permeados por reproduções nas
relações de poder, que por sua vez são carregadas de ideologias e se perpetuam como
resultantes do processo histórico da formação social e cultural da humanidade. Ao
investigar a atividade dos trabalhadores do CRAS, colocá-la em palavras e provocar
uma aproximação com trabalho real, revelou uma contradição fundamentada na divisão
taylorista do trabalho. A descentralização intragovernamental no âmbito municipal tem
provocado uma hierarquização nas relações de saber e de poder entre os níveis de
governo ao definir funções e competências. As secretarias temáticas do nível municipal
ficam com a responsabilidade de formular as políticas, enquanto que as agências de
níveis regionais e locais se encarregam da execução. De acordo com as características
dos tipos de descentralização relatados anteriormente por Junqueira et al (1997) na pag.
29 do capítulo 3 deste trabalho, vem demonstrar que até mesmo a descentralização do
tipo progressista está permeada por armadilhas que se revelam no processo de sua
implementação. É preciso estar atento quanto a condução mais democrática nos
processos internos de gestão da máquina pública para que de fato ocorra uma
descentralização não somente na execução como também com o “deslocamento para
esferas periféricas, de competências e de poder de decisão sobre as políticas”
(JUNQUEIRA et al, 1997, p. 09). O distanciamento entre as instâncias temáticas de
formulação de âmbito municipal das instâncias de execução pode resultar em uma
provável inadequação das políticas públicas com a realidade. O depoimento do
trabalhador do CRAS entrevistado revela com clareza a importância de se conhecer o
trabalho real e a crítica aos formuladores das políticas públicas com quem está atuando
na execução:
E2. Pois é eu já falei que o meu sonho de consumo era que o pessoal, lá da
central passasse um período de experiência na ponta, porque tem pessoas que
não passaram por essa experiência, que eu acho que ia retornar com outro
ponto de vista, com entendimento diferente da execução, de como que poderia
ser. (...) mas as pessoas esquecem que quem está na ponta tem um
conhecimento muito rico, (...). Nós começamos a mudar todos os instrumentais
que eram utilizados, muitas vezes eles não eram práticos, eles não condiziam
com o que a gente necessitava (...).
Enfrentar a reprodução ideológica da divisão social do trabalho se torna possível
à medida que a contribuição dos trabalhadores com os saberes investidos na experiência
seja apropriada e incorporada pelas instituições públicas na formulação e no
planejamento das políticas. O desconhecimento do trabalho real pode ser superado com
a operacionalização de um modelo de gestão que possibilite a manifestação dos
trabalhadores dos níveis responsáveis pela execução das ações públicas. Uma gestão
social comprometida com a democratização interna do aparelho estatal, com relações
mais horizontalizadas e com condução dialógica que possibilite a manifestação das
diversas dimensões da linguagem pelos trabalhadores, constitui-se em um modelo de
gestão pública que de fato esteja conectado com a realidade social.
7 – Considerações Finais
A pesquisa realizada teve como propósito investigar a experiência de gestão do
CRAS no município de Belo Horizonte a partir do estudo do cotidiano da atividade de
trabalho dos trabalhadores. Para isso foi preciso conhecer as normativas legais que
prevêem o funcionamento desta unidade pública e que antecipam as ações e a atividade
de trabalho. Fez-se necessário identificar os procedimentos, mecanismos, estratégias,
saberes criados, mobilizados, realizados pelos trabalhadores no hiato entre o âmbito do
trabalho prescrito e aquele do trabalho real.
Um problema levantado referiu-se ao fato de que as normativas legais relativas à
instrumentalização do processo de gestão do CRAS não são suficientes para abarcar a
complexidade apresentada pelo cotidiano da atividade de trabalho. Diante deste
problema constatou-se que os trabalhadores renormalizam a atividade, criam e recriam
procedimentos, técnicas, estratégias, saberes variados para responder aos desafios
oriundos da insuficiência das normas antecedentes e das prescrições legais.
A legislação pertinente à estruturação e à organização da política de assistência
social e do CRAS é amplamente debatida, e faz com que seja de conhecimento dos
trabalhadores. Este fato pode ser considerado positivo, pois a atual arquitetura
organizacional representa um avanço no processo de consolidação da assistência social
como uma política pública de proteção social. As normativas legais relativas ao
funcionamento do CRAS são fundamentais porque o instituem como lócus principal na
execução da proteção social básica e na definição das funções que objetivam o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários da população usuária. No entanto,
os trabalhadores são unânimes em afirmar que as prescrições não são suficientes para
responder a demandas de natureza diversa e que o CRAS realiza ações que não estão
previstas nas normas antecedentes. Duas questões distintas foram reveladas para esta
situação. A primeira delas refere-se à expectativa e a organização da gestão municipal
que apresenta uma diversidade de demandas para o CRAS. Parece haver um
desconhecimento da política de assistência social e das funções do CRAS e faz com que
as demandas públicas que não encontram cobertura pelas demais políticas sociais são
direcionadas para o CRAS. Outro aspecto pode ser um indicador do reconhecimento
quanto à inserção e capilaridade nos territórios junto com a capacidade de
enfrentamento e de resolutividade de situações apresentadas. Ocorre, portanto uma
transferência de responsabilidade institucional para o CRAS que extrapola sua
atribuição instituída. Este fato aponta para a necessidade de uma urgente reflexão
quanto as atribuições delegadas para o CRAS em Belo Horizonte.
A segunda questão refere-se à insuficiência das normas antecedentes em
antecipar o trabalho, a “impossibilidade de tudo prever”. Lacunas entre o trabalho
prescrito e o real são identificadas no cotidiano da atividade dos trabalhadores do
CRAS. A objetividade da realidade social, as carências afetivas e materiais da
população, a vida dos usuários moradores nas áreas de vulnerabilidade social faz com
que a imprevisibilidade do trabalho receba um aditivo a mais. Nenhuma norma
antecedente tem a capacidade de antecipação de toda a atividade humana e em especial
da atividade de trabalho. A atividade dos trabalhadores do CRAS é repleta de
renormalizações promovida pelo debate de normas, um espaço de produção de saber, de
resgate da história de vida e da subjetividade diante das relações sociais, de reflexões
pessoais e profissionais, da realização de uma experiência que se revela como
formadora. O sujeito singular na situação de trabalho se expressa na relação com o
coletivo e se torna um protagonista na gestão da atividade de trabalho.
Identificar a insuficiência das normas antecedentes permitiu o aprofundamento
da investigação e a revelação da produção de saber na gestão do trabalho. A realização
da atividade de trabalho no CRAS é um desafio para os trabalhadores e para os gestores
da política de assistência social. Ficou constatada a impossibilidade das prescrições
legais e das prescrições de caráter técnico-científicas oriundas da formação acadêmica
disciplinar, em prever as situações de trabalho e os procedimentos da intervenção
profissional. O saber constituído é reconhecido como fundamental para uma atuação
crítica dos trabalhadores, na formulação e no aprofundamento dos conceitos, como base
de fundamentação para intervenções que possam provocar nos usuários e nas famílias
atendidas mudanças significativas e uma visão crítica diante da realidade social. Os
trabalhadores apropriam-se dos conceitos e a seguir os retrabalham e reformulam na
confrontação dialética com a experiência na atividade. O saber constituído não é o único
saber utilizado pelos trabalhadores do CRAS, na realização do trabalho como
manifestação da atividade humana, outros saberes são convocados. No curso da
experiência adquirida ao longo da vida e no exercício profissional, saberes investidos
são produzidos em aderência com a realidade social e com o trabalho, na relação com as
famílias atendidas e no contato com a realidade vivida pela população dos territórios. A
experiência adquirida na realização da atividade de trabalho constitui-se um eixo
formador, sendo que a cada situação encontrada nos atendimentos é assimilada e
investida de saber. A mobilização dos saberes atua a serviço da qualificação da
intervenção profissional no domínio técnico e metodológico, como também, a serviço
de um compromisso ético-político dos trabalhadores do SUAS na perspectiva da
inclusão social, na garantia e na ampliação de direitos para população.
Os dados coletados nas entrevistas revelaram o uso intensivo da linguagem
como um recurso dos trabalhadores do CRAS na realização da atividade de trabalho. É
constante a utilização das práticas linguageiras entre os trabalhadores e se transformam
em uma ferramenta imprescindível. A linguagem acompanha a realização das ações e da
atividade com interferências significativas na relação com as famílias e com a
comunidade do território, nos atendimentos individuais e nas atividades coletivas, nas
relações interinstitucionais e na relação entre os trabalhadores ao promover trocas de
experiências e produção de saberes do coletivo de trabalho.
Foi possível constatar que em todo processo de gestão do trabalho, a linguagem
é acionada a colocar o trabalho em palavras, o que possibilita lidar com os impasses na
atividade e com a produção de saberes. As trocas linguageiras permitem aos
trabalhadores do CRAS expressar sobre questões objetivas nas situações de trabalho,
nas reflexões silenciosas e coletivas que acontecem no cotidiano. Permite que as
renormalizações individuais sejam reveladas no coletivo de trabalhadores e possibilita
um processo de cooperação e a efetivação da troca de saberes e experiências. A
constante variabilidade nas situações de trabalho no CRAS nos atendimentos às
famílias, nas relações com o território, nas relações político-institucionais, impulsionam
estratégias de criação de mecanismos e procedimentos que são socializadas por meio
das práticas linguageiras.
O uso intensivo dessa prática permite constatar que a linguagem, mais que um
instrumento fundamental, é também uma atividade a mais inserida na rotina e na
atuação dos trabalhadores do CRAS, ou seja, uma atividade sobre a atividade.
A condução da pesquisa permitiu identificar a linguagem também como um
recurso imprescindível na instrumentalização da gestão do trabalho. A atividade de
trabalho realizada no CRAS é um processo de aprendizagem constante. A sua gestão é
conduzida de forma participativa, com relações horizontalizadas, como uma prática
dialógica, o que caracteriza a gestão social que é praticada nessa organização. As
normas antecedentes traduzidas nos instrumentos de gestão e nas prescrições das rotinas
são constantemente testadas e avaliadas sendo então renormatizadas. Instituídas
coletivamente por meio das renormatizações, passam a orientar novos procedimentos
até se tornarem novamente insuficientes em um exercício constante. Os trabalhadores
renormalizam constantemente a sua atividade e reformulam a sua práxis, como também
buscam ininterruptamente novas normas e regras institucionais renormatizadas para
estabelecer uma unidade de ação no CRAS.
A diferença entre o tempo de experiência no trabalho indica que esses
trabalhadores, ou essas equipes, testaram um número maior de possibilidades e
estratégias na organização do trabalho e na realização da sua atividade. No entanto, as
trocas entre as diversas equipes ou coletivos de trabalhadores acontecem com
freqüência, o que permite consequentemente a circulação das experimentações.
As relações interinstitucionais apontam dois grandes desafios para o debate. O
primeiro diz respeito à sinergia das ações por meio da intersetorialidade, pois se percebe
um esforço dos trabalhadores do CRAS no convencimento dos atores políticos no nível
local e uma cobrança dos gestores municipais na efetivação desta estratégia, que tem
levado os trabalhadores a uma exaustão. A desarticulação entre as políticas setoriais
ainda persiste. Sua difícil superação começará a ser enfrentada quando a
intersetorialidade for instituída de fato como uma estratégia de gestão e forem incluídas
no planejamento governamental articulações entre as políticas com ações conjuntas,
sinérgicas e com a previsão orçamentária e alocação de recursos financeiros.
A segunda questão refere-se à hierarquização entre os níveis de governo
determinada pela descentralização intra-governamental no município. Esta formatação
da estrutura administrativa, principalmente nas grandes metrópoles, onde o nível central
formula e planeja as ações governamentais e o nível local somente tem a função de
executar, corre-se o risco de promover uma reprodução da divisão taylorista no trabalho.
O distanciamento da concepção em relação à execução é uma armadilha que pode ser
superada. Os coletivos de trabalhadores das unidades dos CRAS são produtores de
saberes, detém informações do trabalho, dos territórios e da realidade social, planejam a
sua própria ação e renormalizam sua atividade de trabalho. O órgão gestor da política
municipal de assistência social é possuidor de instrumentos suficientes para uma
mudança no foco do monitoramento e acompanhamento técnico e metodológico. Se por
um lado é necessário o levantamento de dados quantitativos para a gestão municipal,
por outro lado é preciso assimilar a demanda pelo acompanhamento metodológico das
ações e da atividade de trabalho no CRAS. A experiência dos trabalhadores indica que a
renormatização nas unidades é uma necessidade na gestão interna de cada CRAS, o que
permite apostar em um processo de renormatizações dos procedimentos metodológicos
e organizacionais da gestão municipal dos CRAS.
A gestão social e a ergogestão sistematizada pela perspectiva ergológica
apontam para a superação deste impasse ao propor um modelo de gestão que reconheça
a execução como produtora de saberes a serem disponibilizados como contribuição
significativa na formulação das políticas públicas. Aproximar a concepção da execução
é sem dúvida um desafio para as políticas públicas, como, de resto, para todas as
organizações de trabalho.
O caráter relacional deve ser direcionado objetivamente para uma construção
coletiva de mecanismos e instrumentos de gestão com base em princípios firmados na
consolidação da política de assistência social.
Responder a questão central da investigação formulada inicialmente – em que
medida a experiência de gestão dos trabalhadores do CRAS amplia ou subverte os
conceitos de gestão social – revelou que a experiência de gestão dos trabalhadores
tipifica e qualifica a gestão social caracterizada no referencial teórico.
A investigação sobre os instrumentos de gestão e a atividade de trabalho no
CRAS não se esgota nos resultados alcançados nesta pesquisa. Outras questões que não
foram abordadas, que escapam do escopo, pode se transformar em temas para estudos
posteriores, como por exemplo, o tratamento dado pelo CRAS e pelos trabalhadores às
demandas oriundas da realidade do território.
A ergologia como referencial teórico de análise da pesquisa, se mostrou
pertinente para o estudo da gestão e da atividade de trabalho no CRAS. O propósito de
conhecer o trabalho para transformá-lo instiga a elaboração de uma proposta de
intervenção como requisito deste Mestrado, que será detalhada a seguir.
8 – Proposta de Intervenção
A proposta de intervenção configurada nos Grupos de Encontro de Trabalho –
GETs será apresentada aos gestores municipais da política de assistência social como
uma prática de construção coletiva da gestão da atividade de trabalho nos CRAS. As
ações de monitoramento e acompanhamento técnico e metodológico é realizado por
uma equipe composta por profissionais com diversas formações acadêmicas. A proposta
de intervenção consiste em introduzir a metodologia dos GETs como um recurso na
qualificação da intervenção dessa equipe.
Os Grupos de Encontro de Trabalho propostos pela Ergologia se constituem em
uma estratégia metodológica para conhecer a atividade de trabalho na perspectiva de
transformá-lo, contando com o protagonismo dos trabalhadores. Conhecer o trabalho
nesta perspectiva pressupõe escutar o trabalhador, que é quem sabe sobre ele e sobre a
melhor maneira de executá-lo. Os GET são orientados pelo esquema teóricometodológico denominado Dispositivo Dinâmico a Três Polos31 e se concretizam por
meio da reunião de um grupo de trabalhadores com o intuito de debater e traduzir o
trabalho e de buscar soluções conjuntas para os problemas enfrentados.
Os GETs se adequam às situações em que se deparam os trabalhadores do CRAS
no desempenho da sua atividade e no processo de gestão, conforme expresso
anteriormente. Para Schwartz (2000, p. 45), o DD3P “gera, ao mesmo tempo, efeitos
sobre a produção de conhecimento e sobre a gestão social das situações de trabalho,
pois há efeitos recíprocos entre o campo científico e o campo da gestão do trabalho”.
O DD3P orienta e conduz a metodologia do processo pela confrontação entre os
saberes constituídos no primeiro pólo e os saberes investidos na experiência de trabalho
no segundo pólo, que direciona a um terceiro pólo vetor referenciado nos princípios e
objetivos balizados pela política de assistência social e no propósito de um projeto ético
e político para a sociedade.
A elaboração da proposta de intervenção deve contemplar a realidade do órgão
gestor, as necessidades dos trabalhadores e da efetivação das funções e prerrogativas do
CRAS como unidade pública. Tem como propósito reunir os trabalhadores do CRAS no
debate e na reflexão quanto à condução dos processos de gestão e quanto às estratégias
31
Dispositivo Dinâmico a Três Polos – DD3P. Ver definição p.104-105.
encontradas na superação das lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real, a partir
das situações concretas de trabalho.
A metodologia consiste em colocar o trabalho em diálogo ao instituir espaços
regulares e sistemáticos de debate com a participação dos atores envolvidos, onde
possam ser apontadas questões significativas de caráter organizacional e metodológico
que surgem nas situações de trabalho. Essas questões podem ser identificadas pelos
trabalhadores do CRAS e pelos gestores ou equipes de acompanhamento técnicometodológico.
As prescrições legais e as prescrições técnico-científicas compõem o conjunto
das normas antecedentes. Os saberes constituídos precisam ser resgatados e elucidados a
fim de identificar a base da fundamentação que originou as prescrições. Este momento
se torna relevante para a formulação de conceitos, ao (re) visitar o saber acadêmico e
científico, ao definir a abordagem e a concepção teórica a ser seguida. De acordo com o
DD3P este primeiro pólo possibilita a construção de uma base conceitual fundamentada
em princípios sólidos que irão nortear a práxis dos trabalhadores.
O segundo pólo referente ao saber investido possibilita identificar as situações
problemas no ato do trabalho real. Os entraves identificados pelas normas antecedentes
prescritas deverão ser confrontados com o trabalho real, ou seja, como os trabalhadores
se organizam e quais as alternativas encontradas para superar estes entraves no ato da
realização da atividade de trabalho. As soluções encontradas pelos trabalhadores ou
pelos coletivos de trabalho ganham relevância e a experiência de trabalho associada à
experiência de vida é mobilizada para a superação dos entraves, e como consequência a
produção de novos saberes. Dizer o que faz e como faz é o principal objetivo deste
momento. O trabalho real deverá ser traduzido por meio da linguagem, da verbalização,
o que pode haver resistências ao não ser revelado toda a sua dimensão, pois a realização
do trabalho está repleta de microtransgressões. Este exercício deve ser conduzido de
forma transparente e com a utilização de técnicas que permita estabelecer com os
participantes um processo de confiabilidade.
O terceiro pólo do dispositivo funciona como um balizador de todo processo.
Tem a função de resgatar e definir os princípios éticos e políticos que devem nortear a
organização e a atividade de trabalho. Trata-se da adequar e definir a instrumentalização
dos mecanismos de gestão e do processo de trabalho com a finalidade política diante da
intervenção na realidade social. Este momento permite evitar que a atividade de
trabalho seja conduzida por um academicismo dissociado da realidade social, como
também, de uma prática profissional desprovida de uma fundamentação teórica,
despolitizada, sem uma reflexão crítica e permeada pelo senso comum. O saber
constituído no conhecimento científico associado ao saber investido na experiência deve
estar a serviço de uma finalidade que considere o processo civilizatório ético da
humanidade. Neste sentido, o terceiro pólo do dispositivo cumpre a função de resgatar o
debate e explicitar junto aos GETs a finalidade da política de assistência social voltada
para a defesa e garantia de direitos e à proteção social, no enfrentamento às
desigualdades sociais e no fortalecimento de vínculos significativos.
O diálogo proposto pela metodologia do Grupo de Encontro de Trabalho tem
como propósito a revisão dos processos de trabalho e das normas antecedentes de forma
a possibilitar a sua renormatização, os seja, uma melhor adequação das normas diante
das situações de trabalho.
A proposta consiste em instituir os GETs como metodologia de trabalho da
equipe de acompanhamento técnico e metodológico no suporte aos CRAS. O
profissional de referência deverá conduzir a sua intervenção junto ao coletivo de cada
CRAS.
De acordo com os apontamentos relativos às características da atividade de
trabalho e dos desafios na gestão do CRAS, os GETs podem se constituir como um
instrumento de gestão apropriado, pois carrega no seu escopo uma metodologia de
monitoramento e acompanhamento técnico-metodológico participativo com a
contribuição de trabalhadores e gestores.
9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Júlio C. A. O simulacro do progresso - reflexões sobre democracia, tecnologia
e desenvolvimento local. In: Gestão social e gestão pública: interfaces e delimitações.
IV Encontro Nacional de Pesquisadores em gestão social. Lavras, 2010.
ALVES-MAZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. Paradigmas Qualitativos, O
Planejamento de Pesquisas Qualitativas e Revisão da Bibliografia. In: ALVESMAZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O Método nas Ciências naturais e Sociais.
São Paulo: Pioneira, 1998, p.129-189.
ARRETCHE, Martha. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas
políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 31, p. 44-66, jul.
1996.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª Edição – Hucitec. 2006.
BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de
Assistência Social. Territorialização da proteção social básica do sistema único de
assistência social: reflexão teórico-metodológica sobre a experiência de Belo Horizonte.
Belo Horizonte: PBH/SMAAS, 2008.
_______________, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Assistência Social.
Metodologia de Trabalho com Famílias e Comunidades nos Núcleos de Apoio à Família
– NAF (Centro de Referência da Assistência Social – CRAS). In: Metodologia de
trabalho social com família na assistência social. Belo Horizonte, 2007.
_______________, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de Assistência
Social. Dicionário de termos técnicos da assistência social. Belo Horizonte: ASCOM,
2007.132 p.
BRANDÃO, Carlos R. Pesquisar – participar. Brandão, org., Pesquisa participante. 2
ed. Ed. Brasiliense, 1982.
BRASIL, Constituição Federal, 1988.
______, Lei Orgânica da Assistência Social, 1993.
______, Política Nacional de Assistência Social, 2004.
______, Norma Operacional Básica- Sistema Único de Assistência Social, 2005.
______, Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS, 2006.
______, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. SUAS:
Configurando os eixos de mudanças. Capacita SUAS. Volume 1. 1.ed. Brasília, 2008.
______, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Orientações
técnicas: Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). 1 ed. Brasília, 2009.
______, Tipificação dos Serviços da Assistência Social. D.O.U., 2009.
______, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Gestão do trabalho
no âmbito do SUAS: Uma contribuição necessária. MDS: Secretaria Nacional de
Assistência Social. Brasília, 2011.
BRESSER PEREIRA, L. C. Réplica – comparação impossível. Revista de
Administração de Empresas. (ERA Debates) Vol. 45, nº1, p. 50-51, 2005
BRONZO, Carla. Intersetorialidade, autonomia e território em programas municipais de
enfrentamento da pobreza: experiências de Belo Horizonte e São Paulo. Planejamento e
políticas públicas, n. 35, jul./dez. 2010.
BRUSCHINI, Cristina. Teoria crítica da família. In: Azevedo, M. Amélia, Guerra
Viviane N. (orgs). Infância e adolescência doméstica: fronteiras do conhecimento – 5
ed. – São Paulo, Cortez, 2009.
CARRION, Rosinha & CALOU, Ângela. PREFÁCIO. Pensar a gestão social em terras
de “Padinho Cícero”. In: Jeová T. Silva Jr., Rogério T. Mâsh, Airton Cansado, Paula
Schommer (orgs). Gestão Social: práticas em debate. Fortaleza. Imprensa Universitária.
2008.
CARRION, Rosinha M., BAUER, Márcio. Governança: Vocabulário Polissêmico.
2011.
CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Resolução n. 109, de 11 de
novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.
Brasília, 2009. 45 p.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE MINAS GERAIS. A psicologia e o
trabalho no CRAS. Orgs.: CRP-MG e CREPOP-MG; autores: Mônica Soares da
Fonseca Beato (et al.). Belo Horizonte, 2011.
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DE SÃO PAULO. A atuação do
assistente social no CRAS – Centro de Referência de Assistência Social: Sistematização
de dados do levantamento realizado pela Comissão de Orientação e Fiscalização –
COFI-CRESS-SP. Cadernos 4 CRESS-SP. São Paulo. 2009.
COUTINHO, Carlos N. De Rousseau a Gramsci: ensaios de teoria política. São Paulo:
Boitempo. 2011.
__________, Carlos N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. 3ª Ed.. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
COUTO, Berenice R., YAZBEK, M. C., SILVA, M. O. S., RAICHELIS, R. O Sistema
Único de Assistência Social: uma realidade em movimento. 2. Ed., São Paulo: Cortez,
2011.
DINIZ, Eli. Crise, reforma do Estado e governabilidade. Brasil 1985- 95. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 1997.
DURRIVE, Louis. A atividade humana, simultaneamente intelectual e vital:
esclarecimentos complementares de Pierre Pastré e Yves Schwartz. In: Trabalho,
educação e saúde, v. 9, supl. 1, pp. 47-67. Rio de Janeiro. 2011.
DURRIVE, Louis; SCHWARTZ, Yves. Glossário da ergologia. Laboreal, 2008, v. 4, n.
1,
p.
23-28,
2008.
Disponível
em:
<http://laboreal.up.pt/media/artigos/166/glossario_v4n1_pt.pdf>. Acesso em: 21 maio
2011.
FAÏTA, Daniel. Análise das práticas linguageira e situações de trabalho: uma renovação
metodológica imposta pelo objeto. In: Souza e Silva, M. Cecília, Faïta, Daniel (orgs.),
Linguagem e trabalho. São Paulo: Cortez. 2002.
FISCHER, Tânia e MELO, Vanessa P. Programa de Desenvolvimento e Gestão Social:
uma Construção Coletiva. In: Fischer, T. et al (org). Gestão do desenvolvimento
territorial e residência social: casos para ensino. Salvador, pp.13-41. EDUFBA,
CIAGS/UFBA. 2006.
FISCHER, Tânia. Gestão contemporânea, cidades estratégicas: aprendendo com
fragmentos e reconfigurações do local. In: FISCHER, T. (Org.). Gestão estratégica:
cidades estratégicas e organizações local. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
FLORES, Terezinha M. Para compreender o vínculo: Educação popular x ensino
escolar. Contexto e Educação. Ano 1, n. 04, out/dez. Ed. UNIJUI, Ijuí, 1986.
FRANÇA FILHO, Genauto. Definindo gestão social. In: Silva Jr, et al (orgs.) Gestão
social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária, pp.
27-38, 2008.
FRANÇA, Maristela B.; MUNIZ, Helder. A gestão coletiva dos serviços de saúde
pública: uma perspectiva ergológica. In: Trabalho, educação e saúde, v. 9, supl. 1, pp.
201-221. Rio de Janeiro. 2011.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Ed. Cortez, 1986.
FRISCHTACK, Leila L. Governança, governabilidade e reforma. In: VELLOSO, João
Paulo dos Reis (Coord.), Governabilidade, sistema político e violência urbana. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 1994. p. 194-201.
FURTADO, Eliana A.; FISCHER, M. Clara. Método da escavação em terapia
ocupacional: um dispositivo dinâmico a três polos?. In: Trabalho, educação e saúde, v.
9, supl. 1, pp. 201-221. Rio de Janeiro. 2011.
GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. Coleção
questões da nossa época; v. 84. São Paulo: Cortez. 2001.
GOMES, Romeu. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo,
M. C. de S. (org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
IAMAMOTO, Marilda. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo: Cortez, 1998.
INOJOSA, Rose Marie. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento
social com intersetorialidade. Cadernos FUNDAP n. 22, p. 102-110. 2001.
JUNQUEIRA, L. A P. Gestão social: organização, parceria e redes sociais. In:
CANÇADO, A.; SILVA-JUNIOR, J. T.; SCHOMMER, P. C.; RIGO, S. A.
(organizadores) Os desafios da formação em gestão social. 446p. Palmas: Tocantins,
2008.
JUNQUEIRA, Luciano Prates. Articulações entre o serviço público e o cidadão. X
Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración
Pública, Santiago, Chile, 18 - 21 Oct. 2005.
JUNQUEIRA, Luciano A. P.; INOJOSA, Rose Marie; KOMATSU, Suely.
Descentralização e intersetorialidade na gestão pública municipal no Brasil: a
experiência de Fortaleza. In XI Concurso de Ensayos del CLAD El Tránsito de la
Cultura Burocrática al Modelo de la Gerencia Pública. Perspectivas, Posibilidades y
Limitaciones”. Caracas, 1997.
KATZ, Hagai. Gramsci, hegemonia, e as redes da sociedade civil global. REDESRevista hispana para el análisis de redes sociales. Vol.12,#2, Junio 2007. http://revistaredes.rediris.es.
LIMA, Ângela M. Dayrell. Os desafios para a construção do sistema único da
assistência social – SUAS. In. Gestão Social: o que há de novo. Orgs. Carneiro, Carla B.
e Costa, Bruno L. Fundação João Pinheiro, v. 1, pp. 81-99. Belo Horizonte. 2004.
LOBO, Tereza. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 74, p. 5-10, ago. 1990.
LUKÁCS, Georg. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem.
Trad. Carlos Nelson Coutinho.
LUSTOSA DA COSTA, Frederico. Contribuição a um projeto de reforma democrática
do Estado. RAP. 44(2):239-70, mar./abr. Rio de Janeiro, 2010.
MAIA, Marilene. Práxis da gestão social nas organizações sociais – uma mediação para
a cidadania. Tese de doutorado. PUCRS. 2005
MAIA, Marilene. Gestão social: reconhecendo e construindo referências. Revista
Virtual Textos & Contextos, nº 4, dez. 2005-b.
MARTINS, Sérgio Ricardo. Desenvolvimento local: questões conceituais e
metodológicas. In. Revista Internacional de Desenvolvimento Local, Vol. 3, n. 5, p. 5159. set. 2002.
MENICUCCI, Telma. “Intersetorialidade, o desafio atual para as políticas sociais.”
Revista Pensar BH/Política Social, Edição temática n. 3, Belo Horizonte, maio/julho
2002.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. (org). Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
MIOTO, Regina C.T. Família e serviço social. Serviço Social e Sociedade, Ano XVIII,
nº 55, pp. 114-130. São Paulo, Ed. Cortez. 1997.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: pensar a reforma, reformar o pensamento. Trad.:
Eloá Jacobina. Ed. 10. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2004.
MOURÃO, Marcelo. A intersetorialidade das políticas públicas e a promoção dos
direitos humanos. In: PBH, O trabalho intersetorial e os direitos de cidadania:
experiências comentadas. V. 5, pp. 30-33. Belo Horizonte, 2010.
MUNIZ, Egli. Equipes de referência no SUAS e as responsabilidades dos trabalhadores.
In: Brasil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Gestão do
trabalho no âmbito do SUAS: uma contribuição necessária para ressignificar as ofertas e
consolidar o direito sociassistencial. Brasília, 2011.
NERY, Vânia B. O trabalho de assistentes sociais e psicólogos na política de assistência
social: saberes e direitos em questão. Tese (Doutorado em Serviço Social) — Pontifícia
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
NOUROUDINE, Abdallah. A linguagem: dispositivo revelador da complexidade do
trabalho. In: Souza e Silva, M. Cecília, Faïta, Daniel (orgs.), Linguagem e trabalho. São
Paulo: Cortez. 2002.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 3 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2010.
PASTORINI, Alejandra. Categoria “questão social” em debate. Coleção Questões da
Nossa Época, v. 7. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
PAES DE PAULA, Ana P. Maurício Tragtenberg: contribuições de um marxista
anarquizante para os estudos organizacionais críticos. In: RAP, vol. 42, n. 5, pp. 949-68,
set./out. Rio de Janeiro. 2008.
_________________, Ana P.. Administração Pública Brasileira entre o Gerencialismo e
a Gestão Social, In: RAE, vol. 45, n. 1. pp 36-49, jan/mar. 2005.
__________________, Ana P. Tréplica: Comparação Possível. In: Revista de
Administração de Empresas. (ERA Debates) Vol. 45, nº1, p. 52-53, 2005b.
PEREIRA, Larissa D. Políticas Públicas de Assistência Social brasileira: avanços,
limites e desafios. Lisboa, 2006 (Texto publicado na página virtual do Centro Português
de Investigação em História e Trabalho Social).
PEREIRA, Potyara A. P. Política social: temas & questões. 3 ed. São Paulo: Cortez,
2011.
PIRES, Shirley J. A política municipal de assistência social e os desafios na relação com
o Programa BH Cidadania. In: Marcelo Mourão et al. (orgs.), O Programa BH
Cidadania: teoria e prática na intersetorialidade. Belo Horizonte: Única. 2011.
RAICHELIS, Raquel. Intervenção profissional do assistente social e as condições de
trabalho no SUAS. Revista Serviço Social e Sociedade. n. 104, p. 750-772, out./dez.
São Paulo. 2010.
RAICHELIS, Raquel; EVANGELISTA, Ana C. Sociedade civil, questão social e
relações internacionais na cidade de São Paulo. In: Luiz E. Wanderley e Raquel
Raichelis (orgs.), A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública. Orgs.
EDUC. São Paulo, 2009.
REIS, José Tozoni. Família emoção e ideologia. In: Psicologia Social: o homem em
movimento. São Paulo. Editora Brasiliense. 1984.
SANTOS, Boaventura de S. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o
pós-contratualismo, in Reis, Daniel Aarão et al (org.), A crise dos paradigmas em
ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto. 1999.
SANTOS, Eloisa Helena. Contribuições da “Pedagogia da Ferramenta” para uma
Pedagogia do Trabalho. São Leopoldo: Educação Unisinos 10(2):102-110,maio/agosto
2006.
________, Eloisa Helena. Ciência e cultura: Uma outra relação entre saber e trabalho. In
Trabalho e Educação. BH: NETE, n. 1, fev-jul, 2000.
________, Eloisa. Trabalho prescrito e trabalho real. In FIDALGO e MACHADO
(Org). Dicionário da Educação Profissional. Belo Horizonte: NETE/UFMG, p. 344,
2000-b.
________, Eloisa Helena. Trabalho prescrito e real no atual mundo do trabalho. In:
Trabalho e Educação. BH: NETE, n. 1, fev-jul, 1997.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2.
reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. - (Coleção Milton
Santos; 1).
SANTOS, Reginaldo S., RIBEIRO, Elizabeth M., SANTOS, Thiago C., Bases teóricometodológicas da administração política. In: RAP, v. 43, n. 4, pp. 919-941, jul./ago. Rio
de Janeiro, 2009.
SCHOMMER, P. C., FRANÇA FILHO, G. C. Gestão social e aprendizagem em
comunidades de práticas: interações conceituais e possíveis decorrência em processos
de formação. In: Gestão social: práticas em debates, teorias em construção. Fortaleza:
Imprensa Universitária, v.1. pp. 61-86, 2008.
SCHOMMER, Paula C. et al, Desafios da gestão intersetorial, interdisciplinar e
internacional: aprendizagem na prática da maricultura familiar solidária em prol do
desenvolvimento sócio-territorial. In: Schommer, P. e Santos, I. G. (org) Aprender se
aprende aprendendo: construção de saberes na relação entre universidade e sociedade.
Salvador: CIAGS/UFBA,FAPESB; SECTI; CNPQ, pp. 87-112. 2009.
SCHWARTZ, Yves. Manifesto por um ergoengajamento. In: BENDASSOLLI, P. F. &
SOBOLL, L. A. P.. Clínicas do Trabalho: Novas perspectivas para compreensão do
trabalho na atualidade. pp 132-166. São Paulo: Atlas, 2011.
___________, Yves. Conceituando o trabalho, o visível e o invisível. In: Trabalho,
educação e saúde, v. 9, supl. 1, pp. 19-45. 2011.
___________, Yves e DURRIVE, Louis (org.). Trabalho e ergologia. Entrevistas sobre
a atividade humana. Ed. 2. Niterói: EduFF, 2010.
____________, Yves. A experiência é formadora. Educação e Realidade. 35-48. jan/abr.
2010.
_______________, O trabalho numa perspectiva filosófica. In Educação e trabalho.
Trabalhar, aprender, saber. NOSAKI, Izumi (org). SP: Mercado de Letras, 23-46, 2008.
_____________, A comunidade científica ampliada e o regime de produção de saberes.
Tradução SANTOS, Eloisa Helena e CUNHA, D. In Trabalho e Educação. BH: NETE,
n. 7, jul-dez, 2000.
_____________, Trabalho e uso de si. Pro-Posições. Revista da Faculdade de Educação
da UNICAMP. Campinas: Letras&Letras/UNICAMP, vol.11, n. 2(32), jul/2000. p. 3450.
SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública.
Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, abr. 2009.
Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script >. acessos em 10 abr. 2011. doi:
10.1590/S0034-76122009000200004.
SEMERARO, Giovanni. Da libertação à hegemonia: Freire e Gramsci no processo de
democratização do Brasil. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 29, p. 95-104,
nov. 2007.
SILVEIRA, Jucimeire I. Gestão do trabalho: concepção e significado para o SUAS. In:
Brasil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Gestão do trabalho
no âmbito do suas: uma contribuição necessária para ressignificar as ofertas e consolidar
o direito sociassistencial. Brasília, 2011.
SIMIONATTO, Ivete, Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço
Social. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2011.
____________, Ivete. A Influência do Pensamento de Gramsci no Serviço Social
Brasileiro. Trilhas, Belém, v.2, n.1, p. 7-18, jul. 2001.
SPOSATI, Aldaísa. Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: Concepções
fundantes. In: Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. UNESCO. pp. 13-56
Brasília 2009.
STEIN, Rosa H. Descentralização e assistência social. Cadernos ABONG, Série
Especial, n. 20, pp. 05-20. São Paulo, 1997.
TENÓRIO, Fernando G. (Re)visitando o conceito de gestão social. In: Silva Jr, et al
(orgs.) Gestão social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa
Universitária, pp. 39-59, 2008.
_________, Fernando G. (Org.) Cidadania e desenvolvimento local. Rio de Janeiro:
FGV; Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.
_________, Fernando G. Gestão social: metodologia e casos. 2. ed. Rio de Janeiro:
FGV, 2002.
_________, Fernando G. In: Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro,
Fundação Getulio Vargas, Vol. 32, n. 5, pp. 07-23. set./out. 1998.
TONET, Ivo. Modernidade, pós-modernidade e razão. Maceió, 2006.
TRINQUET, Pierre. Trabalho e educação: o método ergológico. Revista HISTEDBR
On-line, Campinas, número especial, pp. 93-113, ago 2010.
VIEIRA, Luís Henrique Fernandes. Adesão ou Recusa à transformação da organização
do trabalho docente. Faculdade de Educação, UFMG. Dissertação de Mestrado. 197 p.
2003.
ANEXO I
Belo Horizonte, 14 de Outubro de 2011.
Ao
Pesquisador principal do projeto abaixo identificado
Título/Projeto: “A gestão social no centro de referência da assistência social em Belo
Horizonte: Desafios da atividade dos trabalhadores sociais”
Orientador/ Profª: Eloisa Helena Santos
Após análise do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em reunião do dia 04
de Outubro de 2011 , informamos que o mesmo foi:
( X ) aprovado ( ) aprovado com sugestões ( ) aprovado com restrições ( )
reprovado.
Lembramos ao pesquisador principal que o mesmo deverá encaminhar um relatório
parcial ou ao final da pesquisa até o dia (04 de Março de 2012).
O CEP deseja aos pesquisadores sucesso em sua trajetória de pesquisa!
Atenciosamente,
Profª. Elaine Linhares de Assis Guerra
Coordenadora do CEP
Centro Universitário UNA
ANEXO II
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: A gestão social no Centro de Referência da Assistência Social em
Belo Horizonte: desafios da atividade dos trabalhadores sociais
Nome da Orientadora: Eloisa Helena Santos
Nome do Pesquisador: Célio Augusto Raydan Rocha
1. Natureza da pesquisa: o sra (sr.) está sendo convidada (o) a participar desta
pesquisa que tem como finalidade investigar a experiência de gestão do CRAS no
município de Belo Horizonte, a partir do estudo da atividade de trabalho dos
trabalhadores sociais.
2. Participantes da pesquisa: Profissionais de nível superior trabalhadores e
coordenadores, totalizando 10 profissionais.
3. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo a sra (sr) permitirá que o
pesquisador Célio Augusto Raydan Rocha tenha acesso a informações sobre sua
atividade de trabalho e possa analisá-la de forma a contribuir para conhecer o
processo de gestão no CRAS. A sra (sr.) tem liberdade de se recusar a participar e
ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem
qualquer prejuízo para a sra (sr.). Sempre que quiser poderá pedir mais informações
sobre a pesquisa através do telefone do pesquisador do projeto e, se necessário
através do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNA.
4. Sobre as entrevistas: Será necessário um encontro para a realização da entrevista e
um encontro para a realização de um grupo focal.
5. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Os
procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em
Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua
dignidade.
6. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente
confidenciais. Somente o pesquisador e a orientadora terão conhecimento dos dados,
e seus dados pessoais, bem como características que possam identificá-lo não serão
utilizados.
7. Benefícios: ao participar desta pesquisa a sra (sr.) não terá nenhum benefício direto.
Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre a
atividade de trabalho nos CRAS, de forma que o conhecimento que será construído
a partir desta pesquisa possa contribuir para qualificar a gestão no CRAS e valorizar
o saber dos trabalhadores sociais, onde pesquisador se compromete a divulgar os
resultados obtidos.
8. Pagamento: a sra (sr.) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta
pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para
participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem.
Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
Consentimento Livre e Esclarecido
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto
meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia deste termo de
consentimento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação dos dados obtidos
neste estudo.
___________________________
Nome do Participante da Pesquisa
______________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
__________________________________
Assinatura do Pesquisador
___________________________________
Assinatura do Orientador
Pesquisador Principal: Célio Augusto Raydan Rocha
Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar – Belo Horizonte/MG
Contato: email: [email protected]
ANEXO III
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Data da entrevista:
Horário de Início:
Horário de Término:
CRAS:
Sexo:
Idade:
Formação:
Tempo de experiência profissional:
Tempo de trabalho no CRAS:
Qual tipo de vinculo institucional? Contratado ou servidor efetivo?
Experiência Profissional anterior ao trabalho no CRAS:
Atividade de trabalho paralela à atividade de trabalho no CRAS:
Possui outro curso de graduação?
Cursos de Pós-Graduação:
Quais:
Cursos de Aperfeiçoamento profissional: Quais:
Perguntas:
1 - Quais os documentos legais para o funcionamento do CRAS que você conhece?
2 - De acordo com esses documentos, quais são os objetivos do trabalho a ser
desenvolvido pelos trabalhadores (equipe técnica) no CRAS?
3 - Para execução da sua atividade de trabalho você recorre a algum destes documentos
legais? Quais?
4 - Você percebe outros objetivos do trabalho no CRAS que não estão descritos nos
documentos de referência?
5 - Você acredita que há um maior número de procedimentos prescritos ou nãoprescritos?
6 - As atividades desenvolvidas no CRAS estão coerentes com os objetivos do serviço
previstos na PNAS? Por quê?
7 – As normativas legais são suficientes para prever todas as atividades de trabalho no
CRAS?
8- A que você recorre para realizar as atividades de trabalho quando identifica a
existência de procedimentos não-prescritos?
9- Você considera que a sua formação acadêmica prepara para exercer a atividade de
trabalho no CRAS?
10 – Considerando os desafios e a complexidade do trabalho, você recorre a alguma
área de conhecimento científico? Qual?
11 - Além da sua área específica de formação você recorre a alguma outra área de
conhecimento científico? Quais?
12 - Além das áreas de conhecimento reconhecidas pelo âmbito da ciência, existem
outras fontes de saber que lhe auxiliam em sua atividade de trabalho no CRAS? Quais?
13 – Você realiza todas as atividades de trabalho desenvolvidas no CRAS?
14 - Descreva as suas atividades de trabalho em um dia? Existem diferenças entre os
dias da semana? O que pode interferir nessa variabilidade?
15 - Essas atividades estão previstas nos documentos oficiais da política de assistência
social ou em outros?
16 - Você percebe que sua atividade de trabalho é semelhante à atividade de trabalho de
outros profissionais da equipe e de trabalhadores sociais em outros CRAS?
17 - Descreva as atividades realizadas no CRAS com relação à organização da gestão do
serviço.
18 – Qual destas atividades descritas acima que você realiza?
19 – A quais conhecimentos você recorre para realizar estas atividades de trabalho
relativas à gestão do serviço?
20 - Descrevam as atividades realizadas no CRAS no que diz respeito às articulações
interinstitucionais (com a rede).
21 - Como são percebidas as relações entre as instâncias de governo dos níveis regional
e municipal com o CRAS
22 - Como ocorre a relação da GPSOB (gerência responsável pelo acompanhamento /
supervisão) com o CRAS?
23 - Como você acha que esta relação deveria ser?
24 - Descreva as atividades realizadas no CRAS no que se refere à relação com a
comunidade.
25- Como é organizado o atendimento às famílias?
26 - Para a realização do atendimento às famílias você recorre a algum documento ou
normativa oficial?
27 – Você considera que a sua formação acadêmica prepara para o trabalho com
famílias no CRAS?
28 – Você recorre a alguma área de conhecimento para realizar a atividade de trabalho
com famílias?
29 - Descreva as atividades realizadas no CRAS que possibilitam estabelecer relações
entre os trabalhadores na equipe.
30 - Você é chamado (a) para discutir questões relativas ao funcionamento do CRAS
onde atua?
31 - Existe algum critério de distribuição das atribuições na equipe?
32 - A equipe discute questões relativas à dinâmica de funcionamento interno?
33 - Você percebe se há espaço para críticas ou posicionamentos divergentes?
34 - Como são tomadas as decisões no CRAS?
35- Existem conhecimentos que você aprendeu a dominar em sua prática profissional?
36- Considerando as relações estabelecidas no contexto de trabalho do CRAS, o que
você aprendeu com elas?
37- Como percebe a relação de sua história de vida com o desenvolvimento de sua
atividade de trabalho no CRAS?
38 - Em relação a sua percepção, você precisaria receber mais orientações teóricas e
técnicas para desenvolver sua atividade de trabalho no CRAS?
Download