o medo que paralisa - Associação Brasileira de Psiquiatria

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Paulo Pasa/O Caxiense
O MEDO QUE PARALISA
De elevadores a palhaços, as fobias geram estranhamento em quem está de fora da
situação e limitações em quem precisa lidar com elas
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por Daniela Bittencourt
Era para ser só uma audiometria,
exame que avaliaria a audição de Sônia
Marlene da Silva, de 48 anos. Quando a
auxiliar de limpeza soube que teria que
entrar em uma cabine de 1m², acusticamente isolada, e permanecer lá durante o
exame, o que era aparentemente simples
se tornou uma espera ansiosa. Foram
dias tentando se preparar para a experiência. Racionalmente, Sônia sabia que o
procedimento era rápido e não-invasivo.
Mas só a ideia de estar dentro da cabine
apertada já lhe causava pânico. Na data
marcada para o exame, ela foi à clínica
acompanhada pelo marido. A contragosto, entrou na cabine, mas não conseguiu
ficar muito tempo. “Tive que sair, empurrei a porta, quase tirei tudo do lugar. A
moça levou o maior susto, conversou comigo, me acalmou”, conta. No fim, Sônia
conseguiu fazer o exame, mas não sem
sofrimento. A situação aconteceu há 8
anos, quase o mesmo período que ela não
entra em um elevador. Um hábito que foi
se instalando aos poucos, até ser incorporado à rotina da mulher. “Eu sinto falta de
ar. Tenho medo de ficar presa lá dentro.
Noto que me dá um calorão na cabeça”,
relata, ansiosa.
Assim como Sônia, cerca de ¼ da
população mundial possui algum tipo
de fobia, esclarece o médico psiquiatra Antônio Egídio Nardi, professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
coordenador do Laboratório de Pânico
& Respiração do Instituto de Psiquiatria
- UFRJ e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. No Brasil, não existem
números específicos sobre a doença, que
é abrangente e costuma surgir na adolescência ou na fase adulta. “Na infância ela
pode aparecer, mas tende a desaparecer
rapidamente. A pessoa só começa a ter
que enfrentar suas fobias mais adiante”,
explica Egídio. É no início da adolescência e da vida adulta, quando começa a
ter liberdade de sair de casa sozinho, frequentar círculos sociais e trabalhar, que
o paciente passa a se deparar com mais
frequência com situações que desencadeiam a fobia. Mais comum do que se
costuma imaginar, a fobia se diferencia
do medo por levar a uma reação exagerada a determinado objeto ou situação.
“O medo é uma função mental útil, nos
ajuda. Quando temos medo de algo que
pode nos ferir, tomamos medidas que
nos protegem. A fobia é algo exagerado,
ela limita nossa vida e cria empecilhos
para o dia a dia”, define o psiquiatra. Para
Sônia, ações que parecem comuns para
a maioria das pessoas geram sofrimento
e ansiedade. Moradora do bairro Ana
Rech, em Caxias do Sul, ela conta que a
sensação de se sentir presa é tão angustiante que sua casa não possui grades
nem muros. “Também não durmo com
“O medo é uma
função mental útil,
nos ajuda. Quando
temos medo de
algo que pode nos
ferir, tomamos
medidas que nos
protegem. A fobia é
algo exagerado, ela
limita nossa vida
e cria empecilhos
para o dia a
dia”, explica o
psiquiatra Antônio
Egídio Nardi
Sônia Marlene da Silva |
Paulo Pasa/O Caxiense
1.FEV.2013
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Juliana Anghinoni Andretta |
Paulo Pasa/O Caxiense
a luz apagada, e não fico em salas com a
porta fechada. Preciso saber que posso
sair dali se eu precisar.” Em prédios, ela
ela usa as escadas, e garante que é uma
pessoa de sorte: geralmente não precisa
ir além do 5° andar. Se, inevitavelmente
isso acontecer, o jeito é chegar com antecedência ao compromisso para vencer
os lances de escada. Na universidade
onde trabalha, seu posto fica no segundo
andar. “Se alguém me pedir para entrar
no elevador, eu não vou!”, garante. Viajar, só de ônibus e desses que permitem
abrir as janelas, diferente daquele que a
levou ao Paraná em 2003, experiência
que ela não gosta de lembrar. Na época,
a claustrofobia era menos impeditiva do
que hoje. “Era um daqueles ônibus com
ar-condicionado, com janelas inteiras. Eu
não sabia que era assim, nunca tinha viajado em um ônibus desses. Acabei indo,
porque foi de última hora. Se fosse hoje,
não embarcaria”, lembra. Na ocasião, o
marido precisou conversar com o motorista, que ofereceu um lugar para Sônia
na cabine, caso ela precisasse.
São estas situações de evitação e limitação que caracterizam a fobia, além
do medo irracional exagerado em situações comuns, como a fobia de altura,
por exemplo, em que o paciente pode se
sentir mal ao subir uma escada; ou do
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medo incompreensível, como a fobia de
insetos que não chegam a ser ameaças reais. O médico psiquiatra Leonardo Prates
de Lima lembra que a fobia também está
intimamente relacionada à experiência
pessoal do paciente. “O medo pode ser
compartilhado por diversas pessoas, já a
fobia é algo muito particular, depende da
especificidade do trauma. Por exemplo,
todo mundo, na frente de um leão, vai
sentir medo, isso vai ser algo normal. Na
fobia, só aquele indivíduo vai ter aquele
tipo de medo, um medo irracional, que
desencadeia uma reação emocional intensa”, define. A jornalista Cíntia Hecher,
de 31 anos, tem um medo desses bem
particulares: palhaços. A fobia começou
a se manifestar no início da fase adulta,
há cerca de 10 anos, quando um palhaço distribuía balões para o público em
uma Festa da Uva. “Eu tinha um pouco
de medo de balão, porque me assustava
com o estouro. Aí vi o palhaço, os balões,
a multidão. Me deu um arrepio”, conta,
lembrando que já passou por diversas
situações constrangedoras por causa da
fobia, muitas delas em público. Como a
vez em que, enquanto tomava café com
os amigos em um bar, um homem com
pernas de pau, maquiagem e nariz de palhaço se aproximou para interagir com o
grupo. Cíntia foi amparada pela amiga.
“Ela me abraçou, escondeu meu rosto
no colo dela e mandou ele ir embora. Eu
tremia, chorava. Tivemos que sair dali”,
lembra a jornalista, que hoje ri da cena.
Nem os palhaços da televisão se salvam.
É só avistar a dupla Patati e Patatá para
a jornalista mudar de canal. Nas lojas de
brinquedos, ela só entra em último caso
– e mesmo assim, evita olhar os bonecos
com tufos coloridos na cabeça e pintura
no rosto. Antes de comparecer a festas
infantis, precisa saber se haverá palhaços, como animadores ou na decoração.
“Só de pensar na situação já me dá uma
agonia, um aperto no peito, uma ansiedade. O que mais me apavora é o nariz
vermelho. É um condutor do medo. Eu
tenho consciência de que é ridículo, mas
na minha razão isso faz sentido, eu realmente acho que o palhaço vai me fazer
algum mal”, afirma. Apesar de a jornalista encarar a fobia com bom humor e rir
das situações embaraçosas, a doença é
séria e tem sintomas físicos que podem
comprometer a qualidade de vida. “Um
dos primeiros sintomas é a taquicardia
e aumento da transpiração, além de tremores, sensação de tontura, sensação de
desmaio e urgência para sair do lugar, encontrar um canal para fugir do medo. É
irracional: o medo que ele está sentindo
não é proporcional à situação que ele está
vivendo”, avalia Leonardo Prates, que já
tratou pacientes com fobias distintas, al-
gumas incomuns, como caminhoneiros
que desenvolveram o medo de atravessar
pontes. É quando o fóbico passa a vivenciar esses obstáculos que o psiquiatra recomenda o tratamento. “Um indivíduo
fóbico vai ter uma urgência em tratar sua
fobia, mas isso depende do grau de incapacitação que aquela fobia está provocando. Quem tem medo de andar de elevador e trabalha no 15° andar vai precisar
tratar”, alerta, lembrando que algumas
fobias são mais fáceis de conviver. “Tem
fobias que são menos impeditivas, como
a aracnofobia: não é sempre que se vai
encontrar uma aranha, então talvez este
indivíduo possa postergar o tratamento.
Depende do grau de limitação que a fobia está provocando na sua vida, normalmente o indivíduo já percebe se precisa
ou não de ajuda.”
Para a escriturária administrativa
Juliana Anghinoni Andretta, de 35 anos,
a fobia de dirigir gerava, além de limitações para se deslocar, um sentimento de frustração. Mesmo com a carteira
de motorista em mãos, que adquiriu na
primeira tentativa de prova prática, em
2001, Juliana ficava ansiosa toda vez que
precisava guiar um carro. “Quando co-
mecei a sair com carro do pai, do namorado, fiquei com muito medo de bater,
estragar o carro, e acabei dirigindo cada
vez menos. Por medo, fui deixando, me
acomodando. Era mais cômodo andar de
ônibus”, relata Juliana. Quando se mudou
de Antonio Prado para Caxias, em 2002,
o medo piorou, proporcional à intensidade do trânsito. Foi só quando engravidou
que Juliana decidiu vencer a fobia. Procurou uma empresa especializada neste
tipo de medo, além de tratamento psicológico, quando a filha já tinha dois meses. “Precisava levar a nenê na escolinha.
Foi extrema necessidade, eu não tinha
outra opção. Se não fosse pela nenê, eu
teria desistido. Foi muito difícil o enfrentamento do medo, eu chorei bastante. E,
quando comecei a dirigir sozinha, tremia
de medo, passava mal. Depois fui ficando mais segura”, conta. Hoje, o medo deu
lugar à satisfação. “Para mim, está sendo
uma conquista, cada vez que chego em
casa. É um medo que não dá pra explicar,
as pessoas que não têm não entendem.” A
administradora Neide Fachin Guarda, de
59 anos, entende, mas prefere não mexer
com sua fobia. Por enquanto, o medo intenso de sapos é administrável. “Acho que
não preciso tratar, porque, como moro
na cidade, não tenho contato com esses
bichos. Meu marido quer comprar uma
chácara, mas eu já disse: pode comprar,
mas troca de mulher”, brinca. Das situações inusitadas que a fobia lhe proporcionou, Neide lembra da vez em que foi ao
cinema com uma amiga: “Apareceu um
sapo na tela, saí correndo, atropelando
todo mundo. Não voltei para ver o filme,
fiquei tomando um cafezinho”, conta.
No cinema, na televisão ou em revistas,
a simples visão de um sapo deixa Neide
horrorizada. “Fico meio paralisada, fecho
os olhos, me encolho. Dá até uma dor de
cabeça, um arrepio. Os olhos daquele bicho, são horríveis.” Enquanto a maioria
dos fóbicos desconhece a origem do seu
medo, Neide acha que a aversão aos sapos está enraizada na infância, quando
dois primos lhe deram um de “presente”, vivo, em uma caixinha de papel. “Na
maioria dos casos, mas não em todos,
não sabemos a causa. Tenta-se procurar
um trauma. Os traumas podem levar à
fobia, mas muitas fobias aparecem sem
que os indivíduos associem a um acontecimento específico”, diz o médico Egídio. O importante é estar ciente de que o
medo irracional tem cura. Mas, para isso,
é preciso buscar coragem para tratá-lo.
“Fico meio
paralisada,
fecho os olhos,
me encolho. Dá
até uma dor
de cabeça, um
arrepio. Os olhos
daquele bicho, são
horríveis”, conta
Neide, que não
gosta de ver sapos
nem em fotografias
Neide Fachin Guarda |
Paulo Pasa/O Caxiense
1.FEV.2013
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