PALESTRAS Nutrição mineral de plantas: a contribuição brasileira B uscando na história da Nutrição Mineral de Plantas (NMP) vemos, já no período de 384 a 322 AC, Aristóteles identificando quatro elementos como essenciais ao desenvolvimento das plantas: terra, água, ar e fogo. Depois de um longo período, na Idade Média surgiram avanços consideráveis na teoria da nutrição vegetal. Von Helmont (1577-1644) postulava que apenas elementos da água eram necessários e Woodward (1665-1728) acreditava nos elementos terrestres (sólidos dissolvidos na água). Os grandes avanços no conhecimento da NMP aconteceram com Saussure (1804) demonstrando a seletividade por sais e Sprengel (1787-1859), o precursor da lei do mínimo. Boussingault (1802-1887) praticamente definiu a série de nutrientes essenciais: C, H, O, mais minerais do solo e nitrogênio da fixação de N2. Liebig (1840) estabeleceu a teoria dos nutrientes minerais, praticamente colocando um fim na teoria humista proposta por Aristóteles, que ensinava que as plantas alimentavam-se do húmus e que, após a morte a ele retornavam. Em 1860, Sachs e Knop desenvolveram a tecnologia de crescimento de plantas em solução nutritiva. Como se observa, todo esse conhecimento sobre a NMP já era de domínio público quando algumas das Instituições de Ensino e Pesquisa foram criadas no Brasil. Apenas para citar algumas, a Universidade Federal da Bahia, em Cruz das Almas, foi criada em 1877, o Instituto Agronômico, em Campinas, em 1887 e a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, fundada em 1901, estão entre as instituições mais antigas no país. A maioria das instituições, entretanto, foram criadas no século XX, quando a base da NMP já estava bem estabelecida. Conhecendo esses fatos é natural questionar o que estão fazendo os pesquisadores brasileiros em apoio ao desenvolvimento da NMP. Qual é a sua contribuição? Entre as várias possibilidades para conhecer a produção desses pesquisadores fomos primeiro buscar informações dos que ainda estão em atividade para em seguida rastrear seus antecessores. Hoje, com apoio da informação virtual ficou mais fácil. Um grande avanço vem acontecendo com a organização da Plataforma Lattes do CNPq. Fizemos uma consulta usando palavras cha40 ves no banco de currículos do CNPq (www.cnpq.br) Plataforma Lattes buscando a produtividade, ou seja quantos artigos científicos estão relacionados na área e nos diversos temas dentro do contexto da NMP. Esses dados são apresentados no quadro 1. A primeira observação que se tem sobre os artigos publicados pelos pesquisadores é de concentração em alguns segmentos privilegiando o desenvolvimento tecnológico da nutrição e adubação de plantas cultivadas e pouco investimento no desenvolvimento científico básico. Destaca-se pelo número de publicações o desenvolvimento sustentado, salinidade, tolerância a alumínio e absorção de nutrientes, neste caso não a parte básica, mas principalmente a quantificação de demanda nutricional das diversas plantas cultivadas em apoio ao aperfeiçoamento das recomendações de adubação. Também na consulta a Plataforma Lattes, foi possível identificar onde estão esses pesquisadores e como eles estão estruturados em grupos de pesquisa. Foi possível identificar a formação de quarenta e um grupos de pesquisa em NMP no país. Entre eles, trinta e seis estão organizados dentro de Escolas de Agronomia, e cinco distribuídos em Engenharia Agrícola, Zootecnia, Botânica e Bioquímica. Essa distribuição parece de certa forma justificar essa preferência dos pesquisadores pelos temas mais aplicados da nutrição mineral. Outro banco de informações bem estruturado no qual buscou-se apoio, é o Banco de Teses da CAPES (www.capes.gov.br). Nos últimos quinze anos foram produzidas sessenta teses contemplando tolerância ao Al, trinta e oito sobre diagnose foliar, das quais dezessete utilizando o Sistema Integrado de Diagnose e Recomendação – DRIS, Diagnosis and Recommendation Integrated System – uma tecnologia cujo uso apesar de recente é crescente no país. Os estudos com absorção de nutrientes pelas plantas foram desenvolvidos principalmente com a finalidade de identificar a necessidade de nutrientes para o crescimento de plantas e a quantidade exportada pela colheita. Merecem destaque os trabalhos desenvolvidos pelo Prof. Henrique Paulo Haag em hortaliças, flores e frutíferas envolvendo grande número de estudantes e colaboradores. A determinação da quantidade de nutrientes exportada pela colheita também foi objeto de trabalho de inúmeros pesquisadores conforme pode ser observado na revisão publicada por Malavolta (1992) nos Anais da XX Reunião Brasileira de Fertilidade do Solo e Nutrição de Plantas. Fazem parte das citações desse trabalho autores como Malavolta, Dafert, Catani, Costa, Garcia, Orlando Filho, Mello, Haag, Bataglia, Belote, Verner, Minami, Lorenzi, Baumgartner, Dantas, Dechen, Rosolem, Gargantini, Furlani, Poggiani, Correa, Brasil Sobrinho, Andrade, trabalhando com diversas plantas cultivadas. Certamente uma relação completa de autores nesse tema será muito mais abrangente. Esses dados produzidos pela literatura brasileira foram essenciais para o estabelecimento de tabelas de recomendação de adubação como as do Boletim 100 do IAC (Raij et al, 1997). A título de exemplo são apresentadas as tabelas de remoção de nutrientes pela colheita de hortaliças e frutas (Quadros 2 e 3) Por esses dados verifica-se que algumas plantas têm altas concentrações de nutrientes em seus frutos, macadâmia por exemplo, enquanto outras, a maioria, têm baixa exportação de nutrientes por unidade de produção mas, em compensação, com as elevadas produtividades acabam exportando consideráveis quantidades de nutrientes (tomate, por exemplo). Um tema bastante explorado pelos pesquisadores brasileiros é o da eficiência de absorção e uso de nutrientes pelas plantas. Diversos grupos de pesquisa conseguiram O Agronômico, Campinas, 55(1), 2003 transferir uma sólida base de apoio aos programas de melhoramento vegetal de modo que o conhecimento desenvolvido pela NMP está sendo incorporado às novas variedades de soja, milho, trigo, arroz, feijão e outras. Dentre esses grupos, merecem destaque os trabalhos desenvolvidos por Furlani, Furlani, Camargo, Fageria, Sphear, Inoue, Carvalho, Magnavaca, Freire, Lopes e tantos outros. A base conceitual dos estudos sobre a eficiência do uso de nutrientes pelas plantas foi bastante difundida nos trabalhos de Balligar e Fageria. O conceito exposto nas figuras 1 e 2 mostram as diferentes possibilidades de comportamento de variedades de plantas quanto à eficiência de uso de nutrientes. Qualquer variedade de uma determinada espécie terá obrigatoriamente comportamento que se enquadra em uma das quatro categorias: ineficiente não responsiva, ineficiente responsiva, eficiente não responsiva e eficiente responsiva. Nas figuras 3 e 4 são mostrados alguns exemplos de resultados publicados por pesquisadores brasileiros relativos a esse tema. Felizmente são diversos grupos de pesquisa envolvidos nas Universidades, Instituições de Pesquisa Estaduais e em Centros da Embrapa que tratam de pesquisa em milho e sorgo, arroz, feijão, soja, trigo e outros cereais. Outro grupo de pesquisadores brasileiros desenvolve métodos de seleção de plantas tolerantes a alumínio tóxico do solo com muito sucesso e o conhecimento derivado dessa pesquisa já vem sendo incorporado nos diversos programas de melhoramento, principalmente de cereais, em todo o país. Desde 1987, sessenta teses estão cadastradas no banco da CAPES. Alguns pesquisadores envolvidos: Monteiro, Oliveira, Carvalho, Usberti, Bohnen, Federizzi, Cambraia Jr, Paiva, Rossiello, Dechen, Figura 1. Classes de respostas de plantas a níveis de nutrientes no solo (Baligar & Fageria, 1997, citados por Dechen et al., 1999) O Agronômico, Campinas, 55(1), 2003 Figura 2. Método dos quadrantes para classificação de genótipos sob condições normais e de estresse a P: IR = ineficiente e responsivo; INR ineficiente e não responsivo; ER = eficiente e responsivo; ENR = eficiente e não responsivo (Baligar & Fageria, 1997, citados por Dechen et al., 1999) Lopes, Martinez, Furlani, Camargo, Carmello. Um dos sucessos da agricultura brasileira deve-se também ao excelente trabalho na questão do diagnóstico para avaliar a fertilidade do solo ou o estado nutricional das plantas. Muitos grupos de pesquisa desenvolvem o tema. A diagnose foliar no Brasil teve um importante precursor que foi a instalação em Matão (SP), com apoio da Fundação Rockfeller, do laboratório do IRI – IBEC Research Institute, com a participação de grandes pesquisadores como Lott, Mclung, Medcalf entre outros. Em seguida foi instalado no IAC o Laboratório de Análise foliar onde se sobressaiu o trabalho de Gallo, Hiroce, Bataglia, Coelho, Moraes, Franco, Furlani, Quaggio e outros. Destaque-se como grande estímulo ao tema, a promoção do Curso Internacional de Diagnose Foliar patrocinado pelo IICA e coordenado por Malavolta em 1964. De 1987 a 2003, trinta e oito teses foram en- Figura 3. Comportamento de variedades de trigo em relação à eficiência de uso de nitrogênio (Freitas et al., 1995) 41 Figura 4. Eficiência de variedades de soja no uso de fósforo (Furlani et al., 2002) contradas no banco da CAPES, das quais 17 usando o método do DRIS em trabalhos com a maioria das plantas cultivadas no país. Alguns pesquisadores envolvidos: Carvalho, Malavolta, Alvarez, Monnerat, Bataglia, Rosolem, Nakagawa, Dechen, Bruckner, Büll, Muniz, Vitti, Kiehl, Oliveira, Boareto, Carmello, Mello, Viegas, Sarruge e outros. Diversas publicações foram editadas no país com recomendações de amostragem, critérios e valores para interpretação dos resultados e orientações gerais para uso da diagnose foliar. Os procedimentos mais usuais são aqueles que usam as faixas de suficiência para comparar os resultados da amostra com valores calibrados pela pesquisa. Recentemente algumas plantas foram estudadas e vislumbra-se um futuro muito promissor para uso técnica do DRIS, que possibilita ordenar os nutrientes de acordo com o seu grau de limitação e também calcular o balanço nutricional para a planta analisada. Na figura 5, por exemplo, é mostrado o resultado de análise foliar de uma amostra de café. Os teores de nutrientes foram transformados em índices DRIS. Pode-se observar, de acordo com a teoria do potencial de resposta (Wadt, 1996), que cobre, enxofre e manganês estão na zona de alta probabilidade de resposta, enquanto, cálcio, boro e magnésio têm probabilidade de resposta baixa ou negativa. A grande vantagem da diagnose foliar acontece quando é feita seqüencialmente durante um longo período de tempo. Isso permite um monitoramento do estado nutricional das plantas no espaço e no tempo. Na figura 6 é mostrado o estado nutri-cional para talhões de café de uma fazenda, para os nutrientes Ca e Mg. Fica muito fácil acompanhar a evolução e as falhas do programa de adubação usado no local e tomar decisões mais acertadas para correção dos 42 Figura 5. Resultado de análise foliar de uma amostra de café problemas e intervir no programa de adubação. O conhecimento disponível no Brasil tem permitido aos pesquisadores identificar uma série de anomalias e propor soluções para melhorar o desempenho das planta cultivadas. Deficiências de micronutrientes, boro principalmente, têm causado grandes estragos na nossa agricultura. Em manga (Quadro 4), observa-se tanto o comportamento diferencial de variedades como a grande resposta na produtividade de variedades pouco eficientes com aumento de até 13 vezes na produtividade em função da correção da deficiência. Outra forma de se avaliar a contribuição brasileira para a NMP é acompanhar a participação dos pesquisadores em congressos internacionais. Foi feita uma análise dessa participação no último Colóquio Internacional de Nutrição de Plantas em Hannover no ano de 2001. Pode-se observar no quadro 5 em quais simpósios houve participação de pesquisas brasileiras. Mais uma vez verifica-se sobretudo a participação nula da pesquisa brasileira em temas básicos da NMP. Em temas aplicados houve uma participação razoável (3 %) do total dos trabalhos, mas de qualquer forma, uma participação preocupante, pela distância que está ficando a pesquisa brasileira em relação ao desenvolvimento teórico internacional. Nesse mesmo encontro internacional, duas palestras chamaram muito a atenção para o futuro da NMP. A primeira, do professor Noordwijck, mostrando que a sustentabilidade dos agroecosistemas depende da habilidade do agricultor em manter a produtividade do solo, evitar danos aos vizinhos na forma de fluxos laterais de nutrientes e pesticidas, manter os clientes felizes fornecendo a eles alimentos seguros e lidar com os burocratas que tentam controlar sua atividade. A segunda palestra foi do professor Cakmak sobre as demandas de alimentos e sua relação com a NMP. A demanda deve dobrar em duas décadas. O uso de fertilizantes será imprescindível, principalmente em países tropicais onde os solos são pobres, o manejo é impróprio, há falta de genótipos adaptados e omissão com relação à degradação dos ecosistemas. Atualmente 60% dos solos cultivados têm limitações nutricionais ou apresentam toxicidade e 50% da população sofre deficiências nutricionais de micronutrientes. Essas palestras mostraram que o esquema tradicional de se tratar a NMP como a ciência encarregada apenas de avaliar a necessidade de nutrientes das plantas (figura 7) está superada. As pesquisas moderna e futura exigem uma nova postura dos pesquisadores, um refinamento pela sociedade levando a um novo entendimento sobre a eficiência do uso de nutrientes, dos processos solo-planta para evitar excessos e desperdícios de nutrientes nos ricos países de clima temperado e melhoraria do aproveitamento dos solos pobres dos trópicos. O conhecimento básico precisa ser ampliado principalmente para se ter uma perfeita integração entre nutrição-genética- Figura 6. Monitoramento nutricional da nutrição com Mg e Ca em talhões de uma fazenda de café O Agronômico, Campinas, 55(1), 2003 euforia como um alerta da distância que os pesquisadores estão ficando do primeiro mundo. Até aqui de certa forma demos conta do recado, mas e o futuro? Vamos pagar royalties ou investir nos nossos talentos? Meus cumprimentos e sinceros agradecimentos ao Professor Dechen e aos demais colegas da ESALQ pelo convite e oportunidade de participar desse encontro. Referências bibliográficas biologia molecular, nutrição mineral e qualidade do produto, nutrição e desenvolvimento sustentado. Figura 7. Representação esquemática da demanda de nutrientes pelas plantas e suprimento pelo solo e por adubos O Agronômico, Campinas, 55(1), 2003 Nesta data, quando por essa feliz iniciativa da ESALQ em comemorar os 200 anos do nascimento de Liebig, precisamos reverenciar esse grande cientista, por muitos chamado de pai da NMP. Precisamos também ao mesmo tempo reconhecer o papel do pesquisador brasileiro que, apesar de nem sempre ter as condições de trabalho necessárias, tem feito sua parte e garantido a solução dos problemas nutricionais da nossa agricultura, hoje cantada pelo mundo como uma das mais competitivas e promissoras para a segurança alimentar do país e do mundo. Devemos usar também esse momento de comemoração e BALIGAR, V.C.; FAGERIA, N.K. Plant nutrient efficiency: towards the second paradigm. In: SIQUEIRA, J.O.; MOREIRA, F.M.S.; LOPES, A.S.; GUILHERME, L.R.G.; FAQUIN, V.; FURTINI NETO, A.E.; CARVALHO, J.G., eds. Inter-relação fertilidade, biologia do solo e nutrição de plantas. Viçosa, SBCS; Lavras, UFLA/DCS, 1999. p. 183-204. DECHEN, A.R.; FURLANI, A.M.C.; FURLANI, P.R. Tolerância e adaptação de plantas aos estresses nutricionais. In: SIQUEIRA, J.O.; MOREIRA, F.M.S.; LOPES, A.S.; GUILHERME, L.R.G.; FAQUIN, V.; FURTINI NETO, A.E.; CARVALHO, J.G., eds. Inter-relação fertilidade, biologia do solo e nutrição de plantas. Viçosa, SBCS; Lavras, UFLA/DCS, 1999. p. 337-361. FREITAS, J.G., CAMARGO, C.E.O;. FERREIRA FILHO, A.W.P. , CASTRO, J.L. Eficiência de genótipos de trigo ao nitrogênio. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, . Solo, 19: 229-234, 1995. FURLANI, A.M.C., FURLANI, P.R.; TANAKA, R.T.; MASCARENHAS, H.A.A; DELGADO, M.D.P. 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(Tese de Doutorado) Ondino C. Bataglia IAC – Centro de Solos fone: (19) 3231-5422 ramal 180 endereço eletrônico: [email protected] Palestra proferida em 19 de maio de 2003 na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba, no Simpósio comemorativo aos 200 anos do nascimento de Justus von Liebig 43