Na era da interação

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Na era da interação
Mudanças no perfil do consumidor global obrigam indústria, atacado, distribuidor e varejo a falar a
mesma linguagem, para tornar todos os elos da cadeia de abastecimento mais eficientes
Czapiski: O segredo do sucesso não é comprar bem, é vender bem
No mundo globalizado, cada dia surgem novos processos e novas tecnologias que procuram
atualizar e aperfeiçoar a eficiência em todas as fases da cadeia de abastecimento. Para se
manter constante e permanentemente atualizadas, as empresas precisam padronizar seus
procedimentos e sua linguagem de comunicação. Cláudio Czapski, superintendente da ECR
Brasil (Resposta Eficiente ao Consumidor), explica que a dinâmica do mercado globalizado
exige a interação de eficiência desde o planejamento da empresa à entrega de seus produtos,
passando pelos processos industriais e pelo abastecimento das gôndolas.
“A enorme pressão dos custos está segmentando cada vez mais a indústria e a cadeia de
abastecimento, que procuram atender às necessidades específicas de grupos específicos de
consumidores. No Brasil e no mundo, a resposta eficiente ao consumidor é um processo, e
como processo tem evolução contínua”, conceitua Czapski.
A ECR se propõe a oferecer as melhores práticas no caminho da eficiência, baseada em
ferramentas como código de barras, catálogos eletrônicos, etiquetas inteligentes, enfim, todos
os recursos tecnológicos que possam dar suporte a esses processos de interação entre
empresas. Quando empresas diferentes utilizam sistemas e tecnologias diferentes, acabam
tendo dificuldades para se comunicar com o mercado.
Conhecer o consumidor
A ECR tem duas grandes frentes: a de interação com o consumidor, procurando saber o que
ele vai buscar dentro de uma loja, se a loja tem a linha de produtos adequados para satisfazêlo. Isso é particularmente importante no pequeno varejo, onde há sérias limitações de espaço
para as compras. Os donos ou gestores desses estabelecimentos têm que fazer uma série de
escolhas, principalmente das exclusões. Um varejo que se proponha a trabalhar com uma linha
de produtos para cuidados pessoais, por exemplo, não pode ter apenas produtos das marcas
líderes de mercado.
“O pequeno varejo precisa ter uma linha completa de produtos que contemple tanto as marcas
líderes quanto as secundárias. Se não tiver mix diversificado, é melhor utilizar esse espaço
para atender outra necessidade, de forma mais ampla e mais eficiente”, orienta Czapski.
Para vencer o desafio de atrair o consumidor e fazê-lo comprar em seu estabelecimento, o
varejista também vai precisar de ferramentas adequadas que o ajudem a determinar o que
vender em sua loja, quais são as necessidades que ele tem de suprir.
Depois de definido o sortimento, aí sim entra o outro lado da ECR, que é o relacionamento com
o fornecedor. São os processos de logística, de entregas, de identificação de produtos, de
composição, de comunicação por via eletrônica. Nesta fase, o relacionamento do varejista com
os distribuidores, os atacadistas e a indústria passa a ser mais intenso.
Resistências
“Existe resistência do varejo para colocar em suas lojas produtos de menor valor agregado. Se
hoje o empresário define um mix de loja, daqui a três meses surgem vários outros
lançamentos e ele vai ter que optar com que produtos vai trabalhar. É preciso considerar que
nas lojas de pequeno varejo sempre há grandes limitações de espaço. Então, muito
possivelmente a entrada de um produto tem que estar relacionada à saída de outro. É uma
decisão que tem que ser tomada considerando questões de mercado, de satisfação do
consumidor, de tradição de marca, do giro que aquele produto vai ter na loja. Os gestores das
lojas de varejo precisam saber o que causa o baixo giro dos produtos em seus
estabelecimentos. Se falta suporte de marketing, se o produto é mal promovido, se está mal
apresentado, ou se gira pouco porque o consumidor daquela loja não tem interesse naquele
produto. Os constantes lançamentos são decorrência da segmentação de cada empresa, da
procura pelo melhor atendimento a nichos específicos de mercado.”
Cláudio acrescenta que, em síntese, o mix da loja depende do público que ela atende, mas a
eficiência no abastecimento precisa estar sempre em primeiro plano. Os grandes varejos
trabalham com modelos de gestão bastante avançados, processos estabelecidos, tudo
informatizado e já ultrapassaram a fase em que buscavam soluções gerais de mercado.
Modelos próprios
Hoje, complementa Czapski, cada uma das grandes empresas de varejo já desenvolve seus
próprios modelos de gestão. “No campo da logística, por exemplo, o Wal Mart tem processos
de recebimento de mercadorias diferentes dos processos de outras grandes redes. Cada um
pode ter determinado tipo de exigência, partindo do pressuposto de que a mercadoria deve
chegar com código de barras, agendamento de entregas, de que deve haver intercâmbio
preliminar de documentos para evitar divergências na hora do recebimento. São processos
avançados, diferentes daqueles que existem no pequeno ou no médio varejo.”
Perfil do atacado
Nessa nova realidade, os atacadistas funcionam como recheio de sanduíche, compara Czapski.
De um lado, se relacionam com a grande indústria, que em geral trabalha com modelos de
gestão internacional desenvolvidos e até certo ponto sofisticados. Agora, o cliente do
atacadista-distribuidor, principalmente o pequeno varejista, quase não tem estrutura de
gestão. É comum esses clientes trabalharem com pouco planejamento, de forma bem diferente
da indústria e das grandes redes, e fazer muitas compras por oportunidade.
“No Brasil, o varejo é muito orientado pela compra. Existe o mito de que o segredo do sucesso
é comprar bem. Nós, da ECR, entendemos que o segredo do sucesso é vender bem. A cadeia é
puxada pelo consumidor. Se o atacadista-distribuidor trabalhasse mais como agente da
indústria junto ao varejo, ajudaria o varejo a trabalhar melhor seu mix de produtos. Dessa
forma, contribuiria para reduzir as compras de oportunidade, que muitas vezes acabam se
transformando em falsas promoções porque o produto não gira. Para se tornar mais eficiente,
o pequeno varejo precisa analisar muito bem as compras de oportunidade, para não correr o
risco de a lógica da compra barata comprometer a lógica do bom atendimento ao cliente. É
preciso ficar bem claro que a ponta da cadeia de abastecimento é puxada pelo consumidor e
influencia diretamente os processos de reposição, de entrega, de produção. Compras de
oportunidade favorecem basicamente a indústria, que tenta empurrar grandes lotes de sua
produção para o pequeno varejo.”
Falta de padrões
O superintendente da ECR Brasil aponta a falta de padrões como outra séria carência do
pequeno varejo brasileiro. Existem alguns padrões universalmente reconhecidos, como o
código de barras, que muitas indústrias e varejistas de pequeno porte ainda não usam, ou
usam de forma errada. Um dos erros mais comuns é utilizar o mesmo código de barras para
produtos diferentes. Por exemplo, um produtor de macarrão usa o mesmo código para
especificar macarrão gravatinha, espaguetti ou parafuso. “Esse tipo de procedimento dificulta a
gestão do estoque, a gestão de reposição. Apesar de já existirem padrões internacionais, ainda
é muito comum o mau uso desse tipo de processo.”
Outro problema é a falta de padronização de documentos, que permitiria a automação do
processamento dos dados referentes aos produtos.
A adoção do mesmo tipo de formulário de pedido por todas as empresas, nas mesmas
posições, nos mesmos campos, facilitaria muito a automação de leitura e de processamento
dessas informações e poderia gerar menos visitas de vendedores, que poderiam se tornar
agentes de serviços. Nessas condições, toda a compra de suprimento poderia ser feita por
meio de catálogos eletrônicos, por internet.
“O corolário disso é o sistema de compras de abastecimento do pequeno varejo no famoso
leilão reverso. A cada compra o pequeno varejista tem um grande número de atacadistasdistribuidores que fornecem o mesmo produto com preços e condições diferentes. Muitas vezes
a própria indústria fornecedora desses atacadistas compete com seu próprio canal de
distribuição. Nesses casos, há sobreposição de funções e nenhuma fidelidade de suprimento ou
de relacionamento comercial entre duas empresas. Também não há investimentos na melhora
de processos nem na capacitação de pessoas ao longo dessa cadeia. Entregas de pequenos
volumes, por exemplo, muito comuns nas distribuidoras, acabam sendo feitas em veículos
inadequados, com custos logísticos bem mais elevados.”
Relacionamentos externos
A ECR não é uma empresa de consultoria, não tem recursos para atender nenhum empresário
individualmente. Tem foco nos processos, nas análises, na busca de soluções, na interação
com todos os elos da cadeia de abastecimento. A empresa conta, por exemplo, com comitês
de supply chain, de gerenciamento por categoria, de catálogos eletrônicos, de etiquetas
eletrônicas. Então, pessoas de outras empresas que trabalham nessas áreas analisam
conjuntamente questões pertinentes, contando com o apoio de consultorias especializadas que
procuram gerar entendimento sobre as melhores formas de atuar no mercado, os tipos de
processo que deveriam ser implantados para tomar decisões de alto impacto e baixo risco.
“O empresário eficiente procura saber onde está tendo perdas, onde existem oportunidades
mal aproveitadas. Isso é feito no dia-a-dia pela indústria, pelo atacado, pelo varejo. Cada um
procura melhorar sempre o desempenho de sua empresa. Os problemas maiores surgem nas
relações externas das empresas, pelas diferenças de padrões utilizados. Uma indústria utiliza
determinado sistema para identificar seu produto, o atacadista utiliza outro ligeiramente
diferente, e o varejista utiliza outro. Internamente as empresas convivem muito com seus
sistemas. O problema começa a surgir nos relacionamentos externos, na transmissão de
informações incompletas, nos choques que podem gerar retardamento de entrega, no aumento
de custos. Esses e outros fatores batem de frente com a máxima de colocar o produto certo no
lugar certo e na hora certa pelo menor custo.”
Muitas vezes o varejista questiona como poderia melhorar o seu negócio e descobre que os
problemas estão no relacionamento com o transportador, com o operador logístico, com o
atacadista, que são parte integrante do abastecimento de sua loja. Esse varejista se queixa
que tem dificuldade de baixar estoque porque o sistema de reposição de quem ele compra
oscila muito. Às vezes as entregas são feitas no prazo, às vezes atrasam. Quando isso
acontece, o varejista tem que aumentar o estoque. “Isso acontece porque o processo está fora
do controle do varejista, que depende de quem lhe fornece. Então, no momento em que
fabricantes, operadores logísticos, embarcadores, distribuidores e varejistas se encontram para
discutir esses problemas, começa a haver uma saudável discussão para tornar mais eficiente
cada um dos elos da cadeia de abastecimento.”
Infra-estrutura para crescer
Czapiski diz que no Brasil a logística ainda está engatinhando, comparada com os Estados
Unidos e a Europa, onde a mão-de-obra é onerosa, mas o capital é relativamente barato. Nos
Estados Unidos e na Europa as implantações de tecnologias cortam mão-de-obra porque o
custo de capital é mais baixo e o retorno é mais fácil. No Brasil, acontece o contrário. O peso
da mão-de-obra é menor que o peso do investimento de capital. Então, até do ponto de vista
social, se pensa muito em substituir mão-de-obra qualificada, semiqualificada ou não
qualificada por processos que exigem aplicação de capital e geram desemprego, mas criam
necessidade para as pessoas se requalificarem com certa velocidade. É preciso considerar
também que no Brasil ainda existem grandes carências no setor educacional e na formação de
profissionais.
“Ainda estamos na fase piloto de implantação de sistemas de gestão, que já foi ultrapassada
no Hemisfério Norte. Enquanto discutimos gestão de categorias, como entender melhor o
consumidor, como estabelecer o mix da loja, a maioria das empresas lá fora faz isso no dia-adia. No momento em que a compra é feita já se pergunta prazo de entrega, complementação
de prazo, etc. Mas é preciso medir também os resultados advindos de eventual má qualidade
de serviço, que sistema de mensuração deverá ser utilizado. A ECR publicou uma ferramenta
chamada Core Card, que indica a métrica, o indicador a ser utilizado para comparar o que se
faz com o que era feito.”
Retorno à simplicidade
Rede Aldi: preços baixos e rapidez no atendimento
Na Europa, o acentuado crescimento das redes de hard discount tira o sono dos gestores das
lojas que trabalham com marcas líderes ou de primeira linha. Com sortimentos enxutos e
variações de 800 a 1.500 skus (unidades), essas redes se tornam cada vez mais competitivas,
vendem produtos com preços de 30% a 40% mais baixos que os do varejo convencional e
abocanham fatias expressivas do mercado de tradicionais marcas da indústria. Sentindo o peso
dessa concorrência, tanto a indústria quanto o varejo tradicional procuram combater essa
tendência, mas outros já se perguntam como poderão conviver com essa realidade.
Redes como a Aldi, da Alemanha, já estão indo para toda a Europa e também para os Estados
Unidos, para a Ásia. Essas redes desenvolvem linhas de produtos de marca própria com muito
critério, a ponto de levar de seis meses a um ano para colocar um produto no mercado. E
quando esse produto chega ao mercado, tem qualidade pelo menos tão boa quanto aquela das
marcas líderes da indústria concorrente, com preços muito mais competitivos.
Mudança de conceito
Essas lojas que há algum tempo eram vistas como lojas destinadas a pessoas mais pobres,
com menor poder aquisitivo, hoje se posicionam com o conceito de smart shoppings, lojas de
compradores inteligentes, que não desperdiçam nem tempo, nem dinheiro. E acabaram
mostrando outras facetas do consumidor.
Com muita competência, essas redes constataram que há significativos contingentes de
consumidores que não têm o menor prazer em fazer compras, não toleram ficar duas horas
dentro de uma loja para cuidar do abastecimento de sua casa. O consumidor com esse perfil
quer resolver seus problemas de abastecimento de forma eficiente, com menor custo e no
menor tempo, gastando 15 ou 20 minutos, para ter o restante de seu tempo livre para
atividades mais prazerosas como ir ao cinema, a um café, ler um livro, jantar em lugar
diferente. Essa dicotomia leva à formatação de lojas com propostas diferentes de formato, de
serviços e de mix de produtos.
“As hard discounts são uma tendência expressiva, que no Brasil poderia encontrar importante
respaldo nos grandes e nos pequenos varejos”, sugere Czapski.
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