Anestesia no paciente com traumatismo craniano

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TUTORIAL DE ANESTESIA DA SEMANA
MANUSEIO ANESTÉSICO DO PACIENTE COM
TRAUMATISMO CRANIANO
Dr. Amit Goswami e Dra Samantha Shinde
Frenchay hospital, Bristol, United Kingdom
Tradução autorizada do ATOTW #264 por Dra. Maria Eduarda Dias Brinhosa
e Dra. Gabriela Nerone, Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis,
Santa Catarina, Brasil
Correspondência para [email protected]
PERGUNTAS
Antes de ler este tutorial, tente responder às seguintes perguntas. As respostas e explicações podem ser
encontradas no final do artigo.
1.
Após traumatismo craniano grave (verdadeiro ou falso):
a. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) pode cair para 50% do FSC nornal.
b. A PaCO2 alvo deve estar entre 3,5 a 4kPa (26 a 30mmHg).
c. A pressão de perfusão cerebral deve ser mantida acima de 70mmHg.
d. A hipo ou hiperglicemia pioram o prognóstico.
e. A temperatura acima de 37o C pioram o prognóstico.
2.
As indicações de intubação após traumatismo craniano grave são (verdadeiro ou falso):
a. ECG ≤ 8.
b. Presença de sangramento significativo na via aérea.
c. Hipercarbia com PaCO2 > 6 kPa (45mmHg)
d. ECG ≤ 13 no atendimento pré-hospitalar.
e. Rebaixamento na ECG ≥ 2 na transferência pré-hospitalar.
3.
Sinais e sintomas de hipertensão intracraniana incluem (verdadeiro ou falso):
a. Náuseas e vômitos.
b. Papiledema.
c. Constrição pupilar.
d. Hipotensão e bradicardia.
e. Descerebração.
INTRODUÇÃO
Traumatismo craniano é definido como qualquer trauma que da cabeça associado ou não a lesões
superficiais da face. Esse termo refere-se a lesões cerebrais traumáticas ou não.
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Todos os anos, mais de 1 milhão de pessoas são admitidas nos hospitais do Reino Unido após
traumatismo crânio-encefálico (TCE). Entre 80 a 90% das lesões apresentam-se com sintomas leves
(ECG 13 a 15), as demais incluem TCE moderado (ECG entre 8 a 13) ou grave (ECG ≤8).
Existe uma distribuição bimodal conforme a idade, com os adultos jovens (15 a 29 anos) e os idosos
sendo as maiores vítimas de TCE. Os homens apresentam risco relativo de TCE duas vezes maior que
as mulheres. As causas mais comuns são traumas automobilísticos, quedas e agressões.
O traumatismo craniano apresenta alta morbidade e mortalidade. O TCE grave está associado a
mortalidade de aproximadamente 40%. Dos sobreviventes, uma parcela significativa apresenta
sequelas moderadas a graves, e apenas 20% apresentam boa recuperação segundo a escala de coma de
Glasgow.
Os traumatismo cranianos podem ser classificados como primários ou secundários. Os primários se
referem ao TCE como causa inicial, enquanto os secundários se referem a uma outra patologia
primária que leva ao TCE secundário. Os princípios do tratamento do TCE grave visam prevenção ou
minimização dos riscos de uma possível lesão secundária, principalmente por isquemia.
ALTERAÇÕES
CRANIANO
NEUROFISIOLÓGICAS
APÓS
TRAUMATISMO
Fatores essenciais para minimizar os danos cerebrais secundários são evitar a isquemia cerebral,
mantendo boa pressão de perfusão cerebral (PPC) e evitar situações que aumentem a demanda de
oxigênio pelo sistema nervoso central (SNC).
Hipóxia, hipotensão, aumento da pressão intracraniana podem levar à redução da oxigenação dos
tecidos do SNC. Hipertermia e convulsões aumentam a taxa metabólica cerebral (TMC) e o consumo
de oxigênio pelo SNC. A hipo e hiperglicemia estão associadas a pior prognóstico.
O fluxo sanguíneo cerebral normal é de aproximadamente 50mL/100gr de tecido por minuto
(mL/100g/min). Em circunstâncias normais, a autorregulação garante o adequado FSC apesar das
alterações na PPC. A autorregulação é o resultado da variação do tônus na musculatura lisa vascular
em resposta à tensão na parede vascular. A figura 1 ilustra o FSC constante nas PPC de 60 a
160mmHg. Após TCE grave, esse mecanismo de autorregulação pode estar alterado e o FSC tornar-se
proporcional à PPC.
Figura 1. Gráfico ilustrativo em relação às alterações do fluxo sanguíneo cerebral e a pressão de
perfusão cerebral [Reproduzido a partir dos trabalhos de Hill e Gwinnutt (2007)].
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Nas horas imediatamente após o TCE grave, o FSC cai significativamente para aproximadamente
25mL/100g/min. Danos neuronais irreversíveis ocorrem quando o FSC cai para 18mL/100g/min, por
isso o TCE grave é extremamente suscetível à lesão isquêmica subseqüente.
Como é difícil medir o FSC, a PPC é utilizada como parâmetro da perfusão cerebral. A PPC é
determinada pela pressão arterial média (PAM), pressão venosa (PV) e pressão intracraniana (PIC):
PPC = PAM – (PIC + PV)
Em circunstâncias normais, a pressão venosa no bulbo jugular é zero ou negativa, por isso a pressão de
perfusão cerebral é determinada pela PAM e PIC.
PPC = PAM – PIC.
Essa equação simplificada é utilizada rotineiramente na prática médica e pelas diretrizes e protocolos
da Advanced Trauma Life Support and Brain Trauma Foundation.
Em circunstâncias normais, o FSC é autorregulado numa ampla variedade de PPC, após um TCE grave
porém, o mecanismo de autorregulação não funciona de modo adequado e o FSC torna-se proporcional
à PPC. Antigamente, após TCE grave a meta para a PPC era de 60 a 70mmHg. As edições mais
recentes das diretrizes da Brain Trauma Foundation (2007) sugerem que a PPC adequada estaria entre
50 a 70mmHg.
Como ilustrado na equação abaixo, qualquer aumento na PIC determina redução da PPC. A pressão
intracraniana normal é de 5 a 15mmHg. O tratamento deve ser iniciado assim que a PIC exceder
20mmHg.
A hipótese de Monro-Kellie relata a adequada relação entre a pressão intracraniana e as alterações no
volume intracraniano após TCE. Ela descreve o crânio como uma cavidade rígida, onde os fluidos não
podem ser comprimidos. Assim, qualquer aumento no conteúdo intracraniano resultará num aumento
de pressão. Os componentes intracranianos são os tecidos do SNC, sangue, liquido cefalorraquidiano
(LCR) e fluidos extracelulares. Inicialmente, qualquer aumento de volume em um desses componentes
é compensado pela redução em outro, evitando o aumento da pressão intracraniana. Todavia, esse
mecanismo compensatório está limitado em 100 a 150mL, e ultrapassado esse limite a PIC eleva-se
significativamente. A figura 2 ilustra adequadamente esse mecanismo. Uma vez esgotado o mecanismo
de compensação, um aumento crítico de volume ocorre e a PIC aumenta rapidamente com qualquer
volume extra.
Figura 2. Diagrama ilustrativo do aumento de pressão intracraniana com o aumento de volume
intracraniano.
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Após o traumatismo craniano, pode haver aumento da PIC pelo aumento de volume sanguíneo
intracraniano (como exemplo os hematomas extradurais), pelo aumento do LCR (hidrocefalia
obstrutiva), ou por aumento do volume extracelular (edema cerebral).
Tanto o CO2 como o O2 podem também influenciar na PIC, pelas alterações de FSC e volume
sanguíneo cerebral. CO2 exerce maior influência, com 15 a 30% do aumento do FSC por aumento em
um kPa da PaCO2 (2 a 4% por cada mmHg). A figura 3 ilustra essa relação da PaCO2 com o FSC.
A hipoxemia O2 causa um aumento do FSC somente quando a PaO2 cai abaixo de 8kPa (60mmHg).
Como esses fatores podem determinar alterações significativas na PIC, tanto a concentração de CO2
como de O2 devem ser monitoradas com cautela.
Em suma, após o TCE grave o cérebro encontra-se suscetível a outras lesões fisiológicas. O manejo
visa manter o FSC adequado e evitar situações que aumentem o consumo de oxigênio pelo SNC.
Figura 3. Gráfico ilustrativo das alterações no FSC em resposta a alterações da PaCO2
[Reproduzido com a autorização de Hill e Gwinnutt (2007)].
AVALIAÇÃO E TRATAMENTO
TRAUMATISMO CRANIANO
INICIAL
DO
PACIENTE
COM
Avaliação
Os pacientes podem se apresentar com TCE isolado ou com diversas outras lesões associadas. Até 50%
dos pacientes com TCE grave apresenta outras lesões traumáticas graves extracranianas. Assim, lesões
coexistentes devem ser ativamente procuradas e excluídas. Uma abordagem sistêmica e avaliação
inicial adequada, como proposto pelo Advanced Trauma Life Support, deve ser adotada.
O controle da via aérea deve ser avaliado e a coluna cervical deve ser imobilizada. A via aérea deve ser
garantida através da intubação traqueal, em pacientes sem via aérea pérvia ou que apresentem ECG ≤
8. O tórax deve ser examinado e qualquer lesão que possa tornar-se ameaçadora à vida (pneumotórax
hipertensivo, pneumotórax aberto, hemotórax maciço, tórax instável, tamponamento cardíaco) deve ser
imediatamente tratada.
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O estado circulatório deve ser avaliado utilizando-se parâmetros clínicos como a pressão arterial e a
freqüência cardíaca. Qualquer local apresentando hemorragia externa deve ser comprimido. Pacientes
com suspeita de hemorragia ou hemorragias confirmadas devem ser submetidos à intervenção
cirúrgica.
Deve-se avaliar a ECG e os reflexos pupilares. Além disso, qualquer sinal de dano neurológico focal
deve ser documentado e, em caso de sinais de lesão da medula espinhal deve ser descrito o nível da
alteração sensitiva.
O paciente deve ter seu corpo exposto em busca de lesões associadas, com o cuidado de prevenir a
hipotermia. Todos os aspectos da avaliação primária devem ser realizados e qualquer situação que
possa ser ameaçadora à vida deve ser tratada para que seja então iniciada a avaliação secundária.
Em situações ameaçadoras à vida relacionadas à via aérea ou problemas torácicos, circulatórios ou
neurológicos, deve-se dar prioridade ao tratamento definitivo de tais patologias. Na prática, isso
significa que pacientes hemodinamicamente instáveis vítimas de politrauma com ruptura esplênica e
hematoma extradural devem ser submetidos inicialmente a esplenectomia, para somente mais tarde
serem avaliados pela neurocirurgia e submetidos à drenagem do hematoma extradural.
Avaliação e investigação neurológicas específicas
A escala de coma de Glasgow é utilizada para avaliação do nível de consciência do paciente. Essa
escala, ilustrada na tabela 1, é composta por 3 componentes: abertura ocular, resposta motora e verbal.
A melhor resposta em cada item é utilizada para a soma final do escore, que varia de 3, na pior das
hipóteses, a 15, nos melhores casos.
Tabela 1. Escala de coma de Glasgow
Avaliação
Resposta
Abertura ocular
Espontânea
Ao comando verbal
À dor
Sem resposta
Escore
4
3
2
1
Resposta motora
Obedece comandos
Localiza estímulo doloroso
Retirada inespecífica ao estimulo doloroso
Decorticação
Descerebração
Ausência de resposta
6
5
4
3
2
1
Resposta verbal
Orientado
Confuso
Palavras inapropriadas
Sons incompreensíveis
Ausência de resposta
5
4
3
2
1
O tamanho das pupilas e presença do reflexo fotomotor devem ser avaliados e documentados. A
dilatação pupilar ipsilateral, não reativa a luz, pode indicar pressão intracraniana ameaçadora à vida.
Nessa situação, a dilatação pupilar resulta da compressão do nervo oculomotor contra o “tentorium”.
Causas alternativas incluem trauma ocular e administração de determinadas drogas.
Sinais e sintomas precoces associados com o aumento da PIC incluem cefaléia, náuseas e vômitos,
convulsões, papiloedema e sinais neurológicos focais. Sinais tardios de aumento da PIC incluem queda
nos níveis de consciência, hipertensão, bradicardia (reflexo de Cushing) e padrões respiratórios
alterados. Antes da herniação e morte cerebral, ocorre dilatação pupilar, decorticação (extensão de
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membros inferiores e flexão de membros superiores) ou descerebração (hiperextensão de membros
inferiores e superiores).
Após o traumatismo craniano, a investigação diagnóstica de escolha é a tomografia computadorizada
(TC) de crânio. As indicações para TC de urgência estão listada no Quadro 1.
Outros sintomas podem ser indicações de TC sem urgência imediata, como amnésia a respeito dos 30
minutos que antecederam o trauma. A avaliação contínua do estado do paciente, principalmente
relacionada ao nível de consciência e reflexos pupilares é essencial. A piora no estado do paciente é
indicação de exame de imagem urgente.
Quadro 1. Protocolos/guideline para TC de urgência em pacientes com TCE.
• ECG < 13 na avaliação inicial
• ECG < 15 após 2 horas do TCE
• Suspeita ou confirmação de fratura de crânio
• Sinais de fratura de base de crânio (sinal de Battle)
• Convulsão pós TCE
• Déficit neurológico focal
• Mais de 1 episódio de vômitos
• Qualquer história de amnésia ou perda de consciência após o TCE em um paciente com
coagulopatias (tratamento com warfarin ou trombofilias)
Indicações para avaliação pela equipe de neurocirurgia estão listadas abaixo no quadro 2. A definição
exata de “alterações cirúrgicas” é determinada pelo serviço de neurocirurgia local.
Quadro 2. Protocolo/guideline para referenciamento neurocirúrgico no TCE.
• Presença de alterações radiológicas recentes significativas
• ECG ≤ 8 após a reanimação inicial
• Confusão mental inexplicável que perdure por mais de 4 horas
• Deterioração da ECG após a admissão
• Progressão de sintomas neurológicos focais
• Não recuperação plena do estado de consciência após/Estado pós-ictal prolongado após
convulsão
• Suspeita ou confirmação de lesão penetrante
• Fístula liquórica
Tratamento inicial
Via aérea
As indicações de intubação traqueal após TCE estão listadas no quadro 3. Caso não se possa excluir a
possibilidade de lesão da coluna cervical, a estabilização manual da cervical deve ser realizada para a
intubação.
A escolha da dose e tipo de agentes de indução deve levar em consideração a rapidez de indução,
manutenção da estabilidade hemodinâmica e mínimos aumentos da PIC. Com exceção da cetamina,
todos os agentes endovenosos causam a redução do FSC, metabolismo cerebral e PIC. Em situações
onde a cetamina for o único agente de indução disponível deve ser usada com cautela por elevar a PIC.
A monitorização invasiva da pressão arterial antes da indução permite o reconhecimento e tratamento
precoce da hipotensão.
Na ausência de via aérea difícil, uma sequência rápida modificada pode ser utilizada, com uma dose
pré-determinada de tiopental ou propofol com um opióide (fentanil, alfentanil) e suxametônio. O uso
de opióides inibe o aumento da pressão arterial e, consequentemente da pressão intracraniana,
secundário à laringoscopia. Um vasopressor como o metaraminol deve estar prontamente disponível
em caso de hipotensão.
O possível aumento da pressão intracraniana pelo suxametônio não é clinicamente relevante porque
geralmente é contrabalançado pela queda da PIC ocasionado pelas demais drogas de indução. O
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suxametônio facilita a intubação e possui curta duração, por isso seus benefícios excedem os riscos do
uso da droga. Com a disponibilidade do sugammadex, o rocurônio pode ser utilizado como alternativa
ao suxametônio. Após a intubação e confirmação da localização do tubo traqueal, o tubo deve ser
cuidadosamente fixado para garantir o retorno venoso adequado. Isso se torna mais fácil com o uso de
fitas adesivas ao invés de barbantes.
Quadro 3. Indicações para intubação após TCE.
• Via aérea
- Perda dos reflexos de via aérea
- Sangramento significativo em via aérea
• Respiração
- Hipóxia, PaO2< 13kPa (98mmHg) sob oxigênio terapia
- Hipercarbia, PaCO2 > 6kPa (45mmHg)
Hiperventilação espontânea causando PaCO2 < 4kPa (30mmHg)
- Padrão respiratório irregular
• Consciência
- ECG ≤ 8
- Convulsões
• Outros
- Antes da transferência para a unidade neurocirúrgica:
Fratura de mandíbula bilateral
Queda no nível de consciência (queda de 1 ou mais pontos no componente motor da
ECG)
Respiração
Nos pacientes com TCE, tanto a hipóxia como a hipo ou hipercarbia pioram o prognóstico e devem ser
evitadas. A hipóxia é definida como a SaO2 < 90% ou P aO2< 8kPa (60mmHg) e aumenta a
morbimortalidade após TCE grave. O alvo no tratamento após TCE é manter a PaO2 > 13kPa
(98mmHg). Apesar de aumentar a PIC, o paciente sob ventilação mecânica pode precisar de PEEP para
manter a adequada oxigenação.
A hipercarbia causa aumento da PIC pelo aumento do FSC. A hipocarbia, porém, apesar de reduzir a
PIC reduz também a pressão de perfusão cerebral e pode piorar a isquemia. Para atingir a perfusão
cerebral adequada sem aumentos significativos da PIC, a PaCO2 deve estar entre 4,5 a 5kPa (34 a
38mmHg). No paciente com sinais clínicos ou radiológicos de hipertensão intracraniana leve, pode-se
hiperventilar desde que se mantenha a PaCO2 acima de 4kPa (30mmHg).
No paciente sob ventilação mecânica, deve-se coletar exames laboratoriais como a gasometria arterial
para ajustes da fração expirada de CO2 conforme a PaCO2. Alterações nos parâmetros da ventilação
devem ser estabelecidas para garantir que a PaCO2 esteja acima do alvo. A monitorização da ventilação
com capnografia contínua deve ser utilizada.
Circulação
Hipotensão aumenta a morbidade e mortalidade do TCE grave. Uma pressão de perfusão cerebral de 50
a 70mmHg deve se mantida. Em casos onde a pressão intracraniana não está sendo medida, porém se
suspeita de hipertensão, deve-se manter a pressão arterial média próxima a 80mmHg para garantir
adequada perfusão cerebral. Após a reposição volêmica adequada, pode ser necessário o uso de
vasopressores como o metaraminol ou noradrenalina para manter a pressão arterial média em níveis
adequados e sobrepor o efeito hipotensivo de muitos agentes anestésicos.
Uma estratégia cautelosa em relação aos fluidos é necessária. O objetivo é alcançar o equilíbrio entre a
normovolemia e perfusão orgânica sem piorar o edema cerebral pela administração excessiva de
fluidos. Com o aumento do sódio, cloreto de sódio a 0,9% (Na+ 154mmol/L) é utilizado, com o cuidado
de se evitar a acidose hiperclorêmica. Fluidos hipotônicos como a dextrose 5% devem ser evitados.
Consciência
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Sem a monitorização contínua da PIC, os sinais de aumento da PIC podem ser tardios como a
hipertensão, bradicardia e midríase. Em caso de tratamento e sedação adequados, terapêuticas
conservadoras podem incluir o uso de agentes hiperosmolares como o manitol ou salina hipertônica,
resfriamento, leve hiperventilação (PaCO2 >4kPa ou 30mmHg) e uso de tiopental. O tratamento da
hipertensão intracraniana será discutido em seguida.
A hiper e hipoglicemia intensificam a lesão cerebral. A glicemia deve ser mantida em 4 a 8mmol/L.
Convulsões aumentam o consumo de oxigênio e podem levar à isquemia. As convulsões devem ser
prontamente tratadas com o uso de anticonvulsivantes (fenitoína 18mg/kg). Em determinados casos a
equipe neurocirúrgica pode indicar o uso de anticonvulsivantes de modo profilático. Como a taxa de
metabolismo cerebral é diretamente proporcional à temperatura corporal, a hipertermia, acima de 37º
C, também eleva o consumo de oxigênio cerebral e por isso deve ser evitada.
Quadro 4. Resumo das metas terapêuticas no tratamento do TCE grave
• PaO2 > 13kPa (98mmHg)
• PaCO2 de 4,5 a 5kPa (34 a 38mmHg)
- Em caso de sinais clínicos ou radiológicos de hipertensão intracraniana, deve-se manter
menor PaCO2, porém em níveis ≥4kPa (30mmHg)
• PAM ≥ 80mmHg (na ausência de monitorização da PIC)
• Glicemia de 4 a 8mmol/L
• Temperatura < 37º C
• Se monitorização da PIC:
- PPC 50 a 70mmHg
- PIC < 20mmHg
Tratamento do aumento de pressão intracraniana
A PIC acima de 20mmHg exige tratamento imediato. Na ausência de monitorização contínua da PIC,
os primeiros indicativos de aumento da PIC podem ser alterações hemodinâmicas e pupilares.
Caso esses sintomas se apresentem em pacientes com lesões que requerem tratamento cirúrgico e
aguardam a transferência para o serviço de referencia, deve-se entrar em contato com a equipe
neurocirúrgica para transferência imediata. Em pacientes sem lesões que exijam tratamento
neurocirúrgico e que passam a apresentar esses sintomas, deve-se discutir o caso com a equipe
neurocirúrgica e questionar o tempo de evolução com possibilidade de novos exames de imagem serem
necessários. Tanto nos casos não cirúrgicos, como para os casos onde se aguarda a transferência, a
hipertensão intracraniana deve ser tratada.
A avaliação sistemática e tratamento inicial adequados são essenciais para esses pacientes. Em nossa
unidade de terapia intensiva para pacientes neurocríticos existe um protocolo para tratamento dos
pacientes com TCE grave. A introdução de um protocolo para tratamento desses pacientes está
associada à redução de mortalidade em aproximadamente 7%.
Inicialmente o paciente deve ser continuamente reavaliado para garantir que as metas terapêuticas
sejam alcançadas (PaO2 > 13kPa ou 98mmHg, PaCO2 de 4,5 ou 34mmHg, temperatura <37º C).
Qualquer causa evidente de aumento da PIC como a obstrução do retorno venoso ou superficialização
da sedação levando a tosse, devem ser tratadas.
Agentes hiperosmolares como o manitol (0,25 a 0,5g/kg) ou salina hipertônica (100mL de salina a 5%)
podem ser uteis na terapia de redução da PIC. Ambos causam o aumento da osmolaridade e levam à
perda de água do meio intra para o extracelular. Assim, a pressão intracraniana e o edema cerebral são
reduzidos e há aumento do volume intravascular com aumento do debito cardíaco e redução da
viscosidade sanguínea. Todos esses fatores contribuem para a melhora do FSC e liberação do oxigênio.
Durante a transferência do paciente a única terapia adicional disponível é a hiperventilação. A
ventilação pode ser aumentada para alcançar a PaCO2 de aproximadamente 4 kPa (30mmHg) visando a
redução da PIC pela redução do FSC. Todavia, enquanto a hiperventilação reduz a PIC, a
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vasoconstrição cerebral pode piorar a perfusão do SNC. A hiperventilação agressiva (PaCO2<
3,5kPa/26mmHg) pode piorar o prognóstico. A figura 3 ilustra a relação que existe entre o FSC e a
PaCO2.
Na unidade de terapia intensiva existem outras terapias adicionais para casos refratários. A hipotermia
terapêutica, com resfriamento na temperatura de 34º C, pode ser induzida. Isso reduz a taxa metabólica
cerebral e consumo de oxigênio. Os bloqueadores neuromusculares são utilizados na prevenção do
shivering/tremores. Outros efeitos colaterais da hipotermia incluem a imunossupressão, coagulopatias e
pancreatite.
Tiopental pode ser utilizado para supressão do metabolismo cerebral. A dose de indução utilizada é de
3-5mg/kg, seguida de infusão contínua de 3-5 mg/kg/h. A monitorização com o eletroencefalograma
garante a manutenção da burst supression. A craniotomia descompressiva, retirada de uma flap ósseo
do crânio para permitir a descompressão do edema cerebral, pode ser realizada em casos de hipertensão
intracraniana refratária às demais terapias.
CONCLUSÕES
Assim, o TCE grave é comum nos serviços de emergência e está associado a alta morbidade e
mortalidade. Os pacientes podem apresentar TCE isolado ou associado a diversas outras lesões. Uma
abordagem inicial sistemática e tratamento adequado são necessários. A estratégia de tratamento ideal
para pacientes com TCE baseia-se na prevenção ou minimização das lesões cerebrais secundárias, para
isso deve-se manter o FSC adequado e evitar situações que aumentem o consumo de oxigênio cerebral.
RESPOSTAS DAS PERGUNTAS
1.
Após TCE grave (verdadeiro ou falso).
a. Fluxo sanguíneo cerebral pode cair em 50% (verdadeira). Após TCE grave o FSC pode
rapidamente cair de 50 para 25mL/100g/min.
b. A PaCO2 alvo deve estar entre 3,5 a 4kPa (26 a 30mmHg) (falsa). A PaCO2 alvo deve ser
de 4,5kPa a 5kPa 34 a 38mmHg). Na presença de sinais clínicos ou radiológicos de
aumento da pressão intracraniana a discreta hiperventilação pode ser utilizada, desde que
se mantenha a PaCO2 > 4kPa (30mmHg).
c. A pressão de perfusão cerebral deve ser mantida acima de 70mmHg (falsa). A pressão de
perfusão cerebral alvo é de 50 a 70mmHg.
d. A hipo ou hiperglicemia pioram o prognóstico (verdadeira).
e. A temperatura acima de 37o C pioram o prognóstico (verdadeira).
2.
As indicações de intubação após traumatismo craniano grave são (verdadeiro ou falso):
a. ECG ≤ 8 (verdadeira).
b. Presença de sangramento significativo na via aérea (verdadeira).
c. Hipercarbia com PaCO2 > 6 kPa (45mmHg) (verdadeira)
d. ECG ≤ 13 no atendimento pré-hospitalar (falsa).
e. Rebaixamento na ECG ≥ 2 na transferência pré-hospitalar (verdadeira).
3.
Sinais e sintomas de hipertensão intracraniana incluem (verdadeiro ou falso):
a. Náuseas e vômitos (verdadeira). Apesar de não serem específicos, as náuseas e vômitos
podem ser um sintoma precoce de aumento da PIC.
b. Papiledema (verdadeira).
c. Constrição pupilar (falsa). O aumento da PIC causando compressão do nervo oculomotor
causa midríase e é um sinal tardio de aumento da PIC.
d. Hipotensão e bradicardia (falsa). Hipertensão e bradicardia são sinais tardios de aumento
da PIC.
e. Descerebração (verdadeira).
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